Capítulo 19
Maio de 2017 – Vigésima consulta.
Fazia umas duas semanas que eu estava indo aos tratamentos. Algo dentro de mim, ou até mesmo fora, estava servindo de incentivo. Eu detestava admitir, mas eu estava começando a me sentir mais leve, como se eu estivesse voltando a ser a Clarissa de antes. As dores não me eram mais insuportáveis e o cansaço, agora era menos entediante.
Acredito que boa parte tem a ver com Miguel. A sua dedicação ou a sua persistência e teimosia mesmo, talvez fosse o que mais estava me ajudando. Mas ele não precisava saber disso, já que eu apenas dizia a ele que tudo aquilo era uma forma dele massagear o próprio ego e que, ao final, ele queria me forçar a dizer que ele era o melhor psiquiatra do mundo.
A cada dia ele me irritava de alguma forma. Era divertido até certo ponto, nossa intimidade se dava nas minhas reclamações e nos merecidos sermões aos quais Miguel fazia questão de me dar.
Doutor Miguel tinha umas ideias um tanto peculiares, aliás, completamente peculiares. Disse que me ensinaria a surfar qualquer dia desses, e claro, estava crente de que tudo seria uma simples brincadeira, porém, comecei a cogitar a veracidade de sua sugestão quando o mesmo informou que iríamos viajar no próximo final de semana.
Aquilo era estranho. Definitivamente. Um paciente viajar com seu médico não seria incomum ou espantosos que fosse gerasse qualquer murmurinho aparente, porém, o pior psiquiatra do mundo parecia ter tudo sobre controle.
Como se não bastasse toda essa maluquice, Miguel teve a capacidade de inventar uma ideia pra lá de absurda. Ele ainda continuou me chamando de borboleta e não adiantava contestar — em hipótese nenhuma e nem em pensamento. Em nossa última discussão a respeito disso, ele comprou um caderninho para mim, onde estava escrito: "Treinamento intensivo de como sair do seu casulo". Eu o encarei com uma sobrancelha levantada e, como sempre, seu sorriso estava estampado no seu rosto muito bem feito. Não satisfeito em apenas me dar o caderno com aquele título ridículo, fez-me prometer anotar todas as atividades que eu fiz no dia e escrever tudo o que estava sentindo. Uma espécie de diário. E, para ter certeza de que eu escreveria tudinho, Miguel fazia questão de ir embora apenas quando eu terminasse de escrever. Um absurdo, eu sei.
Eu estava pronta para começar as aulas de natação. Já estava mergulhando e até aprendendo algumas formas de nado diferente. A hidroginástica era a minha preferida e, por causa disso, Miguel insistia em me chamar de velha. Como se fosse sina, o que eu mais odiava era o nado borboleta. Sim, as posições de borboleta estão presentes em todas as atividades.
— E então borboleta, preparada para o nado Crawl? — Jéssica perguntou logo que entrei na água.
— Sério? Não podemos continuar nos normais? — lamentei e agradeci por Miguel não ter ouvido.
— Clarissa, você está indo muito bem na hidro, e são atividades onde há bastante movimento.
— Eu sei, mas esse nado parece ser tão... intenso.
— Ele é ótimo, treina a respiração, mexe os braços e as pernas, ajuda na postura e na concentração. É ótimo para você. E hoje você terá companhia.
— Quem?
— São duas, aquela ali — ela apontou para uma mulher que deveria ser apenas alguns anos mais velha que eu. A mesma preparava-se para pular de ponta. Nunca que eu teria essa proeza. — É Carolina. Ela também tem fibromialgia. Ela fazia aulas a noite, mas esta semana virá no período da tarde.
— E a segunda?
— A segunda... Bem... — a professora sorriu maliciosamente e eu sabia que isso não iria prestar. — Doutor Miguel, o que acha de dar um mergulho? — chamou-o.
— Eu? — apontou para si mesmo tão surpreso quanto eu.
— Sim, vai ser divertido. Uma aula com várias pessoas. Além disso, doutor Miguel é um ótimo nadador. — piscou.
— Vamos deixar para uma próxima, Jéssica. Estou sem roupas de banho.
Surpreendi-me por Miguel ter recusado. Ele não parecia ser o tipo de pessoa tímida ou desanimada. Muito pelo contrário, definitivamente eu estava surpresa.
— Não se preocupe com isso, temos roupas de banho na recepção para esses imprevistos. —Ele fez uma careta e, dessa vez, eu quem dei risada de sua atitude.
— Estão limpas, Miguel, deixa de frescura. — insistiu a professora.
— Que é? Doutor Miguel sabe tudo não sabe nadar? — provoquei, mesmo inteiramente nervosa por dentro.
Ele apontou o dedo pra mim como se me dissesse que teria troco e, contra a sua vontade, foi em direção ao vestuário.
Respirei fundo.
— Acho estranho, mas ao mesmo tempo interessante essa aproximação de vocês dois. Não parecem paciente e médico, mas amigos. — constatou Jéssica.
— É... as vezes nossa relação é meio estranha. Mas é bom que sejamos paciente e médico. Como amigos, com certeza nos mataríamos.
— E se fosse...
— Olá meninas! — Carolina interrompeu-nos.
— Como vai querida? — cumprimentou Jéssica — Essa aqui é Clarissa, uma aluna nova.
— Muito prazer — ela me cumprimentou.
— Clarissa também é portadora de fibromialgia.
— Mais uma guerreira para o time. — animou-se Carolina.
— Acho que não me enquadro nessa coisa de guerreira. Isso é muito sofrido. As vezes seria tão bom se ...
— Pudesse voltar no tempo? — Carolina me completou.
— Exatamente. — concordei.
— Você está em uma fase de negação, mas quando começa a sair dela, vai ver o quão guerreira foi.
— Gostaria de ter essa positividade toda.
— Sabe o que me motiva a tudo isso? — balancei a cabeça em negação. — Minha família. Tenho um filho de sete anos e um marido maravilhoso. Não é fácil, mas a vida que segue. O bom é que a rotina é agitada, cuidar da casa, do filho, do marido, trabalhar e ainda ter tempo de cuidar de mim. Isso ajuda a pensar que eu tenho o controle sobre as coisas, além de não ficar focada na minha doença.
— Você é uma mulher de sorte. Minha família virou as costas para mim, e meu ex noivo me largou em uma de minhas crises.
— Eu sinto muito. Porém, acredito que mais cedo ou mais tarde, você encontrará alguém que a tirará desse casulo todo.
— E quem é que vai me querer? — perguntei.
— Para aquelas que queriam ver uma nadador profissional entrar em ação, eu estou pronto — Miguel aparece vestindo uma sunga azul marinho. Eu deveria achar aquilo devidamente "broxante" devido a minha repulsa por sungas, no entanto, estava completamente perdida em meio a tantos gominhos definindo seu abdômen, assim como cada tatuagem em se corpo. Involuntariamente eu virei delicadamente minha cabeça, uma mania que eu tinha quando via algo que me deixava extremamente excitada.
— Talvez essa pessoa esteja mais próxima do que imagina.
— O que? — distraio-me com Carolina ao meu lado.
— Miguel é meu psiquiatra, não...
— Eu não citei nomes... Quem falou em Miguel?
— Mas você perguntou...
Suspirei confusa enquanto ela apenas sorria.
Miguel em todo o seu ego e performance, faz uma entrada triunfal ao pular na piscina. Ele se aproxima e era como se a piscina estive sendo aquecida. Precisava urgentemente afastar tais pensamentos de minha cabeça o mais rápido possível.
— Bem, já que estamos todos aqui, faremos três séries de cinco nados, com descansos de um minuto. Tudo bem? Podem se posicionar.
Eu estava nervosa. Não queria parecer uma garotinha indefesa. Uma pessoa a qual qualquer coisa a abalava e ela fosse incapaz de lidar com aquilo. Queria mostrar que eu conseguiria nadar tão bem quanto Carolina e Miguel. Dessa vez, naquele momento, eu queria mostrar que não era fraca.
Respirei fundo. Encarei o outro lado com concentração e determinação. Um apito invadiu o ambiente e nós três demos início. Eu estava concentrada no que eu estava fazendo. Iria deixa-los orgulhosos de mim, eu queria isso. Pena era me dado em todo momento e eu estava cansada disso. E quando eu cheguei ao final do outro, ao meu redor não havia ninguém. Por um instante, senti-me surpresa, mas ao virar, todos estavam na posição de início, prestes a começar o segundo trajeto.
Frustrada. Essa era a palavra que me definia. Sentia-me uma fraca e mordi o maxilar para controlar uma lágrima que queria sair. A professora fez sinal para eu retornar e sem nenhum ânimo, foi o que fiz. Não queria prejudicar minha situação, mais do que já estava.
— Clarissa, você foi muito bem para quem está no começo. Parabéns, os movimentos bem firmes e corretos. A respiração pode melhorar mais e, procure manter o ritmo nos próximos. Mas de resto estava muito bom.
Sorri desanimadamente fazendo um esforço imenso para parecer empolgante, porém, Miguel, com certeza, perceberia aquilo.
— Bem, eu já vou indo. Tenho que buscar o filhote na escola e ainda fazer janta. Vejo você na próxima. E Clarissa, foi um prazer te conhecer. — Carolina me abraçou e foi em direção a escada.
— Essa é uma verdadeira mulher polvo. — falou Miguel, deixando-me ainda mais incomodada.
— Bem, você ainda tem algumas horas, vou deixar como tempo livre a vocês, enquanto converso com um pretenso aluno. E Miguel, vê se pega leve com nossa borboleta, certo?
— Levíssimo. — ele piscou e Jéssica saiu deixando-nos a sós.
Virei-me a fim de me agarrar na beirada da piscina, de costas a Miguel. Eu não queria conversar e muito menos encará-lo. Vergonha e nervoso se misturavam dentro de mim de forma constrangedora.
— Ei borboleta! O que houve? — Não respondi. — Vou ter que usar o que dessa vez pra te convencer a falar? — fiquei muda novamente. — Vou jogar água em você se não me disser.
Virei-me olhando para ele e dei de ombros, sem saber o que falar ou receada de ter que falar.
— E então?
— Eu não consigo. Nunca vou ser igual essa tal de Carolina. A mulher polvo como você disse — revirei os olhos. —Miguel franziu o cenho e eu soltei o ar. — Não sou capaz nem de controlar a respiração e manter o ritmo dos meus movimentos, muito menos em completar o trajeto no mesmo tempo que vocês.
— Você está surda? Não ouviu a professora dizer que foi muito bem?
— Miguel, pena eu tenho todos os dias. Não preciso de mais. Eu não preciso disso. — sinto a voz falhar e Miguel se aproxima, fazendo eu perder o sentido por um breve instante.
— Dessa vez eu não te julgarei por pensar assim.
— Não? —estranho.
— Não. De fato receber isso das pessoas a sua volta é muito comum e, quando você realmente consegue a admiração de alguém, fica difícil acreditar na veracidade das coisas.
— Então você também acha que a professora...
— Não! Claro que não. Jéssica não é disso. E eu vi você nadando.
— Viu? — sinto meu rosto pegar fogo.
— Sim. E pra quem não conseguia nem fazer bolinha com um canudinho na água, está muito bem. — ele riu, mas não me convenceu. — Escuta, faz o que? Duas semanas que está tendo aula? Não será uma Katie Ledecky em duas semanas. Não adianta você querer isso agora. Eu faço natação desde pequeno. Dei uma parada por causa da profissão e, bem, Carolina deve ter passado pelo mesmo que você. Não precisa ficar decepcionada. Estou orgulho de você. Deu o seu melhor, e essa sua chateação por não ter conseguido atingir o que esperava, significa que você queria almejar além do que você pensava que poderia. Significa que não quis se acomodar e muito menos desistir como fazia antes. Confie em mim, eu estou orgulhoso e você sabe que se fosse o contrário, eu diria.
Soltei um leve sorriso. Miguel havia conseguido me convencer e para quebrar o clima fofo e sem provocações entre nós, Miguel jogou água em mim.
— Miguel! Seu idiota, não pode ser legal o tempo todo — gritei revidando-o com água também.
— Não tem graça assim. — ele riu.
— A professora disse pra você não pegar pesado comigo.
— Achei que não queria que tivessem dó de você. — franziu o cenho usando minhas palavras contra mim.
— Ah, que bonito. É guerra então que você quer? Tudo bem — começo a jogar água nele sem parar que vira o rosto assim como eu, enquanto recebo os seus jatos de água.
— Estamos parecendo duas crianças. — Miguel constata rindo.
— A culpa é sua. — Ele ergue as mãos em sinal de redenção. — Precisava gravar essa cena. Miguel admitindo estar errado.
— Não acostuma. — fingiu seriedade. — E então, o que gostaria de aprender?
— Acho que estou um pouco cansada agora. Ainda não estou no estágio Carolina — reviro os olhos novamente.
— Certo, projeto de Carolina.
— Ah não, Miguel! Isso não. Prefiro que me chame de borboleta. — fiz bico.
— Ciúmes?
— O que? — novamente sinto minhas bochechas queimarem. — Eu quero me livrar de você logo. Mas enquanto não tenho outra escolha, não quero que me compare a outra pessoa. — tento reverter meu estado.
— Tudo bem, borboleta, vamos com coisas leves. Venha cá! — ele faz sinal com as mãos.
— O que vai aprontar?
— Você disse que queria relaxar. Vou te fazer boiar.
— É...
— Que foi? — ele pergunta e eu apenas balanço a cabeça como me recusando a dizer.
Deito-me sobre a água sentindo logo em seguida, o contato dos braços de Miguel. Era uma sensação estranha e gostosa ao mesmo tempo. Fechei os olhos para sentir com mais intensidade meu corpo flutuando sobre as águas.
Com a cabeça imersa sobre as águas, não era possível ouvir nada, apena sentir. Meu corpo parecia estar em êxtase. Uma mistura de leveza e alguns choquinhos que presentes cada vez que lembrava do toque de Miguel. Ele estava me olhando. Concentrado em mim. Eu não podia ver, mas podia sentir. Porém, por mais incrível que pudesse parecer, eu não me incomodei.
Aos poucos, Miguel foi retirando seus braços. E como se me faltasse sustentação, um pequeno desespero tomou conta quando não senti mais o contato de sua pele. Movimentei os braços e as pernas sem nenhuma coordenação, para que eu não me afundasse. Num movimento rápido, Miguel me segurou, trazendo-me para mais perto de seu corpo.
Por um instante, poderia jurar que tinha me afogado devido a falha em minha respiração. Nossos olhos estavam tão próximos e tão íntimos, parecendo que ambos queria decifrar o sentimento um do outro por trás deles. Meu coração estava descompassado e minha boca seca. Ninguém ousou se mexer. Meus braços agarrando o seu pescoço e meu corpo em contato com o dele.
Meu psiquiatra estava com o cenho franzido. Eu podia sentir sua respiração acelerada, assim que pousou seu olhar em meus lábios. E se por algum motivo o mundo não mais existisse, como se não houvesse qualquer resquício de dor e o tempo parasse, eu o beijei.
Borboletas invadiam meu estômago. Era impossível não desejar mais. Ele correspondeu. Não ousou parar embora suas mãos estivessem ocupadas. Meu corpo inteiro estava em combustão ainda que imerso nas águas. Sua boca macia, o seu beijo doce, diferente do que imaginei, vindo de Miguel. Sua língua pedia passagem, e eu não ousava impedir. Minha cabeça havia parado de raciocinar, vindo a me dar conta do ocorrido apenas quando Miguel me colocou de pé na piscina.
Nos afastamos. Olhei para ele espantada, tímida e amedrontada. Eu sabia, pela sua expressão que a rejeição viria como uma bomba e um choque. Clarissa Hoffman tinha acabado de perder completamente a noção do juízo e, depois disso, eu tinha a certeza que Miguel mandaria me trancar para sempre num quarto em uma clínica psiquiátrica.
- Clarissa... – Miguel me chamando pelo nome fez meu peito arder. – Eu...
- Miguel, me desculpa. Eu não sei o que deu em mim. Acho que os remédios andam confundindo minha cabeça. Me desculpa. Eu vou entender completamente se você quiser me abandonar. Quero dizer, abandonar meu caso. – disse sem nenhuma pausa, fazendo um esforço enorme para não chorar ou me auto mutilar por ser tão idiota. Nuca, em hipótese nenhuma, Miguel se interessaria por mim e eu, deveria controlar minha carência e meus instintos, pois qualquer sinal de sentimento, saberia que regrediria em meus tratamentos.
- Acho melhor irmos embora. – seu tom era firme e calmo. Ele não aprecia bravo ou nervoso, talvez incomodado, e eu, naquele instante, daria tudo para que ele em xingasse e agisse como o Miguel de sempre, com suas ironias ou chantagens, mas não, o dia terminou sem e essência de Miguel.
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E o tão esperado beijo aconteceu. Não foi uma das melhores cenas, mas isso vai ajudar a dar uma balançada no coração de nosso psiquiatra preferido. E então, o que será que vai acontecer? Miguel vai abandonar o caso para não misturar as coisas? Huuummmm, o que me dizem?
Gente se eu demorar a postar não se desesperem, não vou, em hipótese nenhuma abandonar a história. A Diane não me deixará. É só porque ando sem tempo para escrever, mas a gente dá um jeito.
Enfim, é isso Miguélovers, não odeiem o Miguelícia, homem é um bicho complicado mesmo.
Beijinhoooos
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