Capítulo 12
Abril de 2017 – décima consulta
Miguel
— Eu não aguento mais cursinho. Ainda não sei porque eu tenho que estudar todas as matérias chatas como história, geografia, filosofia e sociologia, sem contar literatura. Pra que eu tenho que aprender sobre Sócrates e Platão e ler Dom Casmurro, Bagagem e A Moreninha se eu vou fazer engenharia? Me diz? — minha irmã diz completamente irritada assim que entra no carro.
Toda vez que eu a buscava no cursinho, sempre eram as mesmas reclamações. Melissa era completamente desligada e aérea quando o assunto era a área de humanas. Diferente de mim, é claro.
— Está parecendo meus pacientes. Vivem se lamentando, vou começar a contar as suas lamentações também, quem sabe assim você começa a parar.
— Certo, Doutor chato meu irmão Miguel, diga-me qual o remédio para fazer essas matéria entrarem em minha cabeça?
— Estudar? — lhe informei o óbvio e logo senti seus olhos a me fuzilarem.
— Como seus pacientes te aguentam? De verdade!
— Deve ser porque sou irresistível — sorri e minha irmã apenas revirou os olhos.
— Como você é um cara extremamente profundo, um tanto viajado eu diria, poderia ler esses livros e fazer um "resumão" para mim. O que você acha?
— Eu acho que a senhorita é muito folgada. Eu trabalho, sabia? E essas histórias aí são verdadeiros clássicos da literatura. Deveria se inteirar mais no assunto.
— Sério? Achei que o clássico não combinava com você?
— Talvez eu tenha ficado ligado mais nesse assunto.
— E por que? — ela questiona.
— Porque uma de minhas pacientes é amante de música clássica. O estilo o qual você curte pode ditar a sua personalidade. Então, para que eu possa entende-la, devo me inteirar sobre o assunto.
— Ótimo, entregue esse livros a ela. Garanto que ela vai adorar.
Melissa foi irônica e um silêncio pairou dentro do carro durante o trajeto. Porém, no mesmo instante, isso me deu uma grande ideia.
— Tá aí. Sabe que não é má ideia.
— Miguel, coitada de sua paciente. Não há faça entrar em uma monotonia profunda.
— Você diz isso porque não a conhece. Aliás, pacientes com depressão já vivem em total monotonia e tédio. A leitura pode ajudar. Pode fazê-la descobrir uma nova forma de diversão.
— Super divertido — sibilou.
— Está com fome? — mudei de assunto.
— Muita!
— Certo. Aproveitamos a compra dos livros e comemos na própria livraria. — sugeri.
— Miguel, já ouviu falar em biblioteca? Pra que vou gastar dinheiro com isso se é só para o vestibular?
— Livros são uma relíquia. Garanto que muitos autores estão revirando no túmulo com sua falta de consideração.
— Sério? Você está estranho.
— Estranho como?
— Primeiro você vem com essa de clássicos da literatura, depois dizendo que livros são uma relíquia. Isso tudo tem a ver com essa paciente?
— Talvez. O caso de Clarissa, me instiga.
— O caso ou a própria Clarissa? — ironiza soltando um sorriso provocativo.
— Ei! Olha o respeito. Eu sou um profissional. — mantenho-me sério.
— E daí? Isso não o impede de acha-la bonita.
— Melissa, por favor, não comece.
— Qual é? Você tá precisando desencalhar irmãozinho. Só pensa em estudo e trabalho, cadê as namoradas, a diversão?
— Desde quando você virou minha mãe?
— Chato! — socou meu braço.
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Enquanto minha irmã se deliciava com seu Milk Shake, eu curtia meu cappuccino gelado vasculhando alguns livros. Fui de romances a terror, mas pensei em Clarissa e sabia que ela penderia para um romance. Isso se eu a convencesse de ler pelo menos a sinopse do livro.
A megera domada foi um dos títulos que me chamou a atenção. Eu conhecia em parte a história, mas sempre a achei interessante pelo fato de ser a primeira comédia de Shakespeare. Decidi que ia leva-lo e, conforme tivesse resultado, compraria mais.
Ainda vasculhei alguns livros e folheei mais alguns em minhas mãos. Eu estava atento a cada detalhe que eu acreditei que serviria para entreter Clarissa.
— Orgulho e Preconceito. A megera domada. Sério? — minha irmã estava com um copo de sorvete batido em mãos, completamente espantada com os livros que eu estava levando. —Isso tudo é para sua nova paciente?
— Sim. Quero entretê-la de alguma forma.
— Impressionante. Esse livros são para você ler e tentar encontra-la ou para você fazer a coitada ler?
— As duas coisas.
— Sabia que Orgulho e Preconceito tem filme, não sabia? E, já ouvi muita gente dizer que essa tal história de A Megera domada, tem muita coisa em comum. — deu uma golada em seu milk shake fazendo um pequeno barulho
— Já assitiu?
— Uhum – sibilou. — É ótimo. Maravilhoso. Chorei um monte.
— E deixa eu adivinhar — falei indo em direção ao caixa — Você não leu o livro.
— Para que? O filme em uma hora e meia já tem tudo. Dá menos trabalho.
— Mas a essência, a emoção que o livro traz é muito mais intensa que no filme. Você imagina do seu jeito e isso é muito mais gratificante.
— Preguiça— cantarolou.
— Acho que temos mais uma lamentação no dia.
— Miguel, eu não sou seus pacientes. — ela revirou os olhos e eu apenas sorri.
No dia seguinte encontrei Clarissa deitada em sua cama contemplando o teto. Não precisava ser médico ou ser formado em qualquer área para saber o quanto aquilo estava sendo entediante. Ela me olhou logo que eu entrei e soltou um suspiro cansado.
— Olá, borboleta. Como tem passado?
— O de sempre. O tédio de sempre — sorriu se ânimo nenhum.
— Trouxe uns presentes para você.
Clarissa franziu o cenho e se ajeitou na cama.
— Presentes?
— Sim.
— E o que são?
Não pude evitar rir.
— Mulher é tudo igual mesmo. Não pode falar em presente que os olhinhos brilham.
Ela abaixou a cabeça um pouco tímida, mas tinha um leve sorriso nos lábios que ela nem se deu conta.
— Aqui — tirei os livros da minha pasta e estendi a ela.
— Orgulho e Preconceito. A megera domada. — Sério?
— Ei! Andou conversando com minha irmã?
— Por que?
— Ela disse as mesmas coisas.
— Talvez por achar tão absurdo quanto eu.
— Já sei, prefere os filmes ao invés dos livros. — tentei.
— Claro, muito mais emocionante e menos entediante.
— Ah, borboleta! Uma pessoa tão culta quanto você não é adepta a leitura? Meu conceito caiu.
— Não começa com suas provocações, tudo bem?
— Não vou. Pelo contrário, vou trazer minha irmã aqui, você se darão muito bem.
— Não sabia que tinha irmã.
— Tenho. Ela tem dezoito anos, mas se comporta como uma criança.
— E ela mora com você?
—Ei quem faz as perguntas aqui sou eu. — sorri.
Ela respirou fundo.
— Quero saber mais sobre quem anda me dando presentes. Acho que tenho esse direito.
— Ual! Isso já eu um ótimo começo. Acordou inspirada hoje?
— Não sei. Acho que foi os remédios. Enfim, vai me responder ou não.
— Sim. Meus pais moram no Rio e minha irmã veio pra cá comigo.
— E por que?
— Digamos que nós gostamos do friozinho daqui.
— E tudo bem sua irmã morar com você?
— Sim. Nós no entendemos bem.
— E ela não atrapalha suas relações? — ela pergunta sem olhar para mim e percebo que logo se arrepende.
— Digamos que eu moro sozinho com minha irmã. Se é o que quer saber.
— Mas você é jovem e... bem. Está com quase trinta anos.
— Borboleta, borboleta. Se eu não te conhecesse diria que está flertando comigo.
— O que? — ela perguntou assustada e eu apenas ri de sua expressão — Ficou maluco? Claro que não. Só fiquei curiosa. Eu não consigo te entender, sei lá. As vezes você parece ser tão frio, e em outras é tão...
— Tão...
— Sei lá. O contrário de frio.
— Isso quer dizer que eu sou quente — ri e Clarissa corou.
— Miguel você entendeu. — diz irritada.
— Entendi. Sim, borboleta, eu tenho coração, embora não pareça. — disse sério, mas com tom de voz suave e Clarissa me encarava contendo novamente um sorriso.
— Enfim, você vai ler A megera domada primeiro, e na nossa consulta de semana que vem você me fara um resumo sobre ele.
— O que? Tá brincando né. Não vou ler isso.
— Vai sim. Isso com certeza é melhor do que olhar o teto.
— Miguel, isso é tão chato.
— Segunda lamentação. Algo mais?
— O que eu ganho com isso?
— Trouxe um CD com músicas clássicas pra você também. Mais um presente, viu como sou bonzinho.
Dessa vez ela sorriu. Foi um sorriso sincero que mostrou uma Clarissa que eu até então desconhecia.
— Olha só! Você deveria sorrir mais vezes.
Virou o rosto num mistura de vergonha e constrangimento.
— Bem, eu vou deixar o CD com você pra que ouça enquanto lê. Se você ler tudinho e me dar uma resenha completa, trarei mais CDS para você.
— Isso é chantagem sabia. Poderia até enquadrar como suborno.
— Chame como quiser, desde que você tope.
— E eu tenho outra escolha? — desanimou.
— É isso aí. Gostei de ver. Animação total. Mas agora vamos para nossa conversa. Naquele dia você foi ao médico.
— Fui. Finalmente havia ido e o diagnóstico me deixou completamente surpresa. De estresse, eu passei a ter reumatismo.
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Consulta com o Miguel
1° - Por que o caso de Clarissa tornou- se um interesse genuino para voce ?
O caso de Clarissa é um caso complicado e instigante. A fibromialgia é uma doença pouco conhecida e pouco discutida, mas que está presente em boa parte da população, principalmente em mulheres. Durante meu período de estágio eu tratei de pacientes com diversos graus de loucura e depressão, no entanto, Clarissa, é um desafio para um médico recém formado que ainda tem muito o que aprender. É uma mulher jovem e bonita que tinha uma vida estável, que assim como a maioria das pessoas, pensavam em futuro como casar, ter filhos, assim como toda mulher, era vaidosa e cuidava de si com zelo. Uma mulher de personalidade forte que com a doença perdeu tudo aquilo que tinha, ou que pelo menos julgava ter. A depressão relacionada a baixa auto estima e a sensação e abandono, juntamente com o tratamento intensivo e duradouro diante da doença, além do terrível cansaço o qual a fibromialgia provoca, a faz perder as esperanças e a oscilar entre o tédio da vida e a crise nervos com aquela vontade absurda de querer sair de lá, mas não ter forças e nem ser capaz de enxergar uma solução. É como estar em uma prisão sem grades, mas não conseguir enxergar a saída. Quero mostrar a ela que há outras formas de se viver a vida, e que há muitos motivos para lutar por ela. Claro, assim desejo a todos os meus pacientes.
2° - Qual a razao por ter escolhido a area de psiquiatria ? Sabe, que muitas pacientes podem se apaixonar por voce ?
Sempre fui um amante das ciências sociais, da filosofia e das ciências da natureza. Acredito que todas elas se interligam e transforma o indivíduo em sua maneira de ser. Eu queria estudar isso, entender essa relação, porque eu tinha grande curiosidade em saber o que levava as pessoas a loucura, ao suicídio, a depressão, e principalmente, buscar meios de salvar a pessoa de si mesma. As pessoas procuram pelo sentido da vida e quando não a encontram se desesperam, a vontade de entender que sentido é esse, me fez querer se tornar psiquiatra. E a cada paciente que eu conheço, mais eu tenho certeza de que fiz a escolha certa. E saber qual a conclusão que tenho sobre tudo isso, acredito que daria um livro.
Em resposta a segunda pergunta, assim como algumas paciente podem se apaixonar por mim, eu posso me apaixonar por elas também. O essencial é saber diferenciar o profissional do pessoal, saber controlar suas emoções e entender o que se passa. Muita gente tem mania de se apaixonar pela rotina, e esquece que há outras coisas além disso.
Por exemplo, em seu local de trabalho ou em qualquer meio social o qual tem uma pessoa que você sente mais afinidade e que se enquadra em seus padrões de beleza. Essa afinidade constante e o fato de você se sentir bem com essa pessoa te leva a crer que você gosta dela de um jeito além do que realmente é, quando na verdade existe um leque de possibilidades a sua volta. Isso não quer dizer que você possa de fato estar realmente apaixonado por aquela pessoa, mas é importante não focar muito nisso senão pode estragar a relação que você tem com aquela pessoa, além de perder a chance de conhecer alguém bacana e que poderia ser o amor de sua vida.
No momento, eu quero focar na minha vida profissional, portanto, não estou aberto a relacionamentos. Minha irmã que vive pegando no meu pé em relação a isso. Vive dizendo que eu preciso arranjar uma namorada, mas ainda não encontrei minha alma gêmea. Se bem que, com tanta mulher bonita me seguindo, acredito que não vai demorar muito.
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É isso borboletas. Miguel está esperando por mais perguntas. Não tenham medo, façam perguntas a vontade. Pode ser mais uma, pode ser mais de uma vez. POde ser qualquer coisa, seja pra ele, seja pra ele te dar um conselho. Ele é um ótimo ouvinte. Tem cara de bravo, mas é um amor gente.
Ele está esperando por vocês e eu também.
Envie sua pergunta, suas aflições e sentimentos para: [email protected] e ganhe uma consulta grátis com nosso psiquiatra delícia.
Um grande beijo meu e do Miguelito.
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