Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 2



Eu me despeço do Alan e da Márcia e abro o portão de casa. É quando começa a bater o cansaço do dia; as pernas começam a doer e a vista fica pesada. Preciso apenas praticar a coisa que mais amo fazer: dormir.

Encontro meus pais na sala, assistindo ao Jornal Nacional.

— Boa noite — digo, colocando a bolsa e a pasta em cima da mesinha e retirando a sapatilha.

— Boa noite, filha. Chegou tarde. Está tudo bem?

— Está sim. Apenas muito trabalho, mãe.

— Está com cara de cansada — fala meu pai, fazendo gesto para que eu me sente ao seu lado no sofá.

Vou até eles e dou um beijo no rosto de cada um.

— Estou mesmo.

Sento no sofá e respiro fundo.

— Pelo menos chegou cedo no trabalho. Eu e Zé ficamos o dia todo rindo sobre o susto que tomamos com o barulho da ambulância — conta minha mãe.

— Desculpa, mãe. — Sorrio. — Mas acabei me atrasando de qualquer forma.

— Por quê? — Pergunta meu pai.

— Porque o posto estava sem médico e tinha uma confusão. Só você vendo. Tentei ajudar.

— Então foi por uma justa causa — conclui minha mãe com um sorrisinho casto.

— Sim, foi.

— É bom você tocar nesse assunto, minha filha. Eu e sua mãe temos uma notícia para te dar.

Notícia? Fico intrigada com a cara séria do meu pai. Que tipo de notícia aconteceria em apenas um dia nessa cidade?

— Não me digam que vão vender a casa e comprar um trailer para saírem viajando por aí?

Mamãe ri e papai revira os olhos.

— Claro que não.

— Então o que é?

— Alugamos a casa — revela meu pai.

— Sério? Assim, tão rápido? Mas o que isso tem a ver com o posto...

— Alugamos para o novo médico.

Abro e fecho a boca algumas vezes antes de conseguir falar. A casa é minúscula. Construímos de acordo com o nosso orçamento. Apenas tinha uma boa estrutura para fazermos mais um andar quando os filhos viessem. Um médico não iria querer morar ali.

— Tem apenas um quarto, móveis e eletrodomésticos simples e...

— Ele adorou. Fechou na hora e pagou um ano adiantado.

Um ano?

— Nossa! Acho que isso sim é uma boa notícia. Quer dizer que teremos médico por pelo menos um ano. Aliás, um ano sozinho nessa casa? Não veio esposa? Filhos?

— Não, aparentemente veio sozinho — diz meu pai.

— E quanto a casa? Não tem nenhum problema mesmo, não é?— pergunta mamãe.

— Tudo bem, mãe. Sério. Marcos é página virada, você sabe disso.

— Glória a Deus! — proclama, elevando as mãos para o céu. — Agora vá para o banho. Estávamos esperando você para jantar, filha.

Depois do banho, visto um conjunto confortável de algodão. Na sala, a televisão está desligada e na vitrola velha do meu pai bota para tocar baixinho Fever, de Peggy Lee.

https://youtu.be/wyJSc4KlmPA

Never know how much I love you,

Never know how much I care.

When you put your arms around me,

I get a fever that's so hard to bear.

You give me fever,

When you kiss me,

Fever when you hold me tight.

Fever! In the morning,

Fever all through the night.

Sun lights up the daytime

And moon lights up the night

I light up when you call my name

And you know I'm gonna treat you right

Apreciar a casa sendo preenchida pelas músicas antigas dele era a coisa que eu mais gostava de fazer. Não havia um dia sequer que papai não colocava um dos seus discos de vinil para tocar.

A mesa já está posta. Mamãe preparou uma sopa de legumes deliciosa. No jantar ela sempre fazia questão de preparar algo mais leve.

Eles me atualizam dos últimos acontecimentos mundiais e debatemos algumas questões políticas. Era nossa rotina, ainda mais na atual situação do país.

Na maioria das vezes eu consigo assistir o jornal com eles, mas, em dias como o de hoje, eles fazem questão de me deixar a par do que assistiram.

— A louça é minha — digo, levantando da mesa depois do fim da refeição.

— Não precisa, minha filha. Você teve um dia cansativo. Eu e o seu pai cuidamos disso.

— Vai descansar, Mari. Abra um bom livro e relaxe até pegar no sono — aconselha meu pai.

— Por favor, vocês fazem tudo nessa casa! Lavar a louça do jantar é a única coisa que consigo fazer. Eu preciso me sentir útil aqui.

— Você jamais seria inútil, Mariana — diz meu pai.

Ele detesta quando alguém próximo a ele se menospreza ou é pessimista. Sempre acha que somos seres extraordinários, únicos. "O que pode ser inútil para você, é útil para outra pessoa, e assim vai." Às vezes acho que em vez de ter se formado em História, papai poderia ter estudado Filosofia. Era fácil começar uma conversa sobre política e terminá-la falando sobre pipoca.

— Por favor.

— Você é uma pessoa peculiar, minha filha — fala meu pai com seu tom irônico.

— Puxei ao meu pai — rebato, e eles riem.

Agradeço a sopa e beijo os dois antes de eles irem se deitar.

Separo toda a louça suja antes de começar a lavá-la. Eu tinha toda uma técnica nada meticulosa de empilhar juntos os itens de cada grupo: colheres, garfos, facas, pratos, copos...

Devagar, vou esfregando e enxaguando. Adoro pensar na vida enquanto esfrego a louça e olho a vista pela janela. Penso na pesquisa que passei para os alunos, no projeto extraclasse que quero realizar, na casa alugada, na falta de médico, no Vinícius e o seu charme, nos meus amigos e suas ideias loucas...

A mente voa durante aquela tarefa.

Lá fora começou uma ventania, e, através da janela, que fica logo acima da pia da cozinha, consigo ver as árvores chacoalharem.

Enquanto guardo cada louça no seu respectivo local ouço o barulho do portão se abrindo.

Tomo um susto e imediatamente me recordo de que temos um inquilino. Fico parada olhando a janela. O terreno é estreito e o único acesso à casa de trás é pela lateral, por isso fico atenta esperando o tal médico passar.

Camisa branca e cabeça baixa foram as únicas coisas que consegui reparar com a luz escassa nos milésimos de segundo que ele apareceu no meu campo de visão.

Eu me escoro na pia para tentar ver mais um pouco do meu inquilino, ficando toda torta por alguns segundos, mas não consigo. A porta é aberta, a luz da varanda da minha casa é acesa e, em seguida, a porta é fechada.

Por mais que a cidade seja pequena, há casas para alugar bem melhores do que a minha. Tudo bem que estava tudo novinho e era perto do posto, mas mesmo assim... Os outros médicos nem moravam aqui e, faziam questão de viajar quilômetros e quilômetros para ir e vir todos os dias. Talvez esse fosse um dos motivos pelos quais eles não durassem tanto na cidade.

Tomara que este consiga ficar por bastante tempo. Bom, um ano pago não quer dizer que ele não possa desistir e ir embora.

Desfaço esses pensamentos. Eu precisava ser positiva.

Até porque agora eu terei que comprar os ingressos para o tal festival.

Mais um dia se inicia e, como sempre, acordo atrasada. Tive que tirar o despertador com o som de sirene, não queria assustar mais ninguém.

Levanto e repito as mesmas ações de sempre: banho em tempo recorde, pentear os cabelos, vestir-me e colocar a marmita preparada pela minha mãe na bolsa. Dou bom dia aos meus pais e tomo o café da manhã rápido.

— Eu já te disse o que pode acontecer quando come o pão assim tão depressa, não disse? — diz meu pai, com o jornal na mão.

— Pai, estou muito atrasada — digo, engolindo com certa dificuldade, sem querer ouvir as estatísticas sobre causas de morte por asfixia com pão.

— Mas você precisa se alimentar bem, querida — fala mamãe, sentando à mesa.

— Eu mesmo me atrasava várias vezes e nem por isso era um mau profissional.

— Claro que não, pai. — Dou um beijo em sua bochecha. — Todos te amam.

Eu tenho um orgulho imenso da trajetória dos meus pais. José se formou na universidade do Rio de Janeiro e veio para Vila Rica logo depois, com uma oportunidade de emprego na escola em que dou aula hoje, e foi assim que ele conheceu minha mãe.

Filha de trabalhadores rurais, minha mãe, Camélia, dedicou sua vida à família, porém nunca se acomodou. Pães caseiros, compotas de doce de leite com variadas combinações, chuviscos, geleias de diversas frutas, até mesmo serviços de lavadeira e passadeira. Minha mãe inventa de tudo para entrar um dinheiro extra no nosso orçamento.

Hoje, com o meu trabalho, eu exijo que ela viva a vida mais leve, sem se preocupar tanto. Os doces são sua verdadeira paixão e Dona Camélia é a melhor doceira da cidade. Difícil é controlar o peso com tantas guloseimas à mão.

— E o doutor? — pergunto, calçando minha sapatilha.

— Pelo jeito saiu antes do sol nascer — responde minha mãe, arrumando a mesa.

— Que essa animação por ajudar a população perdure — declara meu pai, bebericando seu café. Ele também tinha o pé atrás.

— O Doutor Miguel aparenta ser um homem íntegro. Não sei explicar, mas foi isso que senti quando o conhecemos. Você não sentiu, Zé?

— Miguel? Esse é o nome dele? — pergunto.

— Eu também achei o rapaz bastante honesto — diz meu pai.

— Rapaz? É tão novo assim? — Os médicos que trabalharam aqui costumavam ter uma idade já avançada.

— Modo de dizer, Mariana. Fizemos um cadastro à mão mesmo, apenas para informações básicas antes de deixá-lo entrar na casa. O João da rua vinte me ajudou. Ele tem 33 anos e é clínico geral.

Arqueio as sobrancelhas.

— Isso é bom — digo, pegando a bolsa e a pasta. — Teria que ser mesmo alguém correto para estar morando praticamente com a gente.

— Vamos dar tempo ao rapaz — declara mamãe, vindo até mim e me beijando na bochecha. — Bom trabalho, querida.

— Obrigada, mãe. Até mais tarde. Até mais tarde, pai!

Ele acena ainda sentado à mesa.

No caminho para o colégio, pego o celular e ligo para Vinícius, que atende no primeiro toque.

— Alô.

— Bom dia, Vinícius. Sou eu, a Mariana. Está podendo falar?

— Só um minutinho. Espere na linha.

— Tudo bem.

Aguardo alguns segundos.

— Oi, Mari. Desculpe, estava estacionando o carro. Algum problema?

É claro que ele acharia que era problema. Foram raras as vezes que eu liguei para ele.

— Não. Apenas quero agradecer pelo excelente trabalho que fez. Foi mais rápido do que imaginei.

— Ah, sim. O médico! Poxa, nem me fale, dei a maior sorte. O médico queria trabalhar em cidade pequena, fez algumas exigências...

— Exigências?

— Nada impossível de ser resolvido. Algo a longo prazo. Agora todos estão felizes.

— Que bom, então.

— E alugou a casa, hein! Notícia boa por todos os cantos. Precisamos comemorar.

— Não vai me dizer que tem dedo seu nisso também?

— Ele perguntou se eu sabia de alguma casa pequena para alugar e que fosse perto do posto. Lembrei da sua.

— Liguei só para agradecer mesmo — adianto-me, não querendo me atrasar ainda mais. — Fez um ótimo trabalho.

— Nossa, Mari! Assim fico gamado. Um elogio seu é um milagre — ele debocha.

— Não me provoque, Vini, senão começo a falar a lista enorme de problemas que ainda não foram resolvidos.

— Brincadeirinha, Mari! Aceito o elogio pessoalmente. O que acha de hoje à noite?

Vinícius não desistia. Esses encontros noturnos só tinham um propósito: sexo. Eu não podia falar que não gostava. Ele sabia o que fazia e me garantia uma semana leve e menos estressada.

— Acho que é uma boa ideia.

— Então está combinado. Te pego em casa no mesmo horário de sempre. Estou louco para sentir sua boca.

— Até mais tarde, Vini — digo, ignorando seu comentário.

Desligo o celular e, no outro lado da rua, avisto o posto de saúde bem diferente do jeito que encontrei na manhã anterior.

O ambiente está calmo, e fico espantada ao ver que não há fila no lado de fora. Vejo apenas alguns pacientes saírem, com sorriso nos lábios. Isso quer dizer que foram bem atendidos.

Distribuo bom dia para algumas pessoas no caminho e chego à escola assim que o sinal toca. Mais uma vez sem o golinho de café antes de entrar.

A aula de hoje é inteiramente destinada à literatura nacional e consigo que os alunos fiquem entretidos quando começo a narrar as primeiras linhas de "Reinações de Narizinho", do Monteiro Lobato. Era incrível como as crianças ficavam felizes com aulas mais dinâmicas.

Mando bilhete nas agendas deles informando as datas dos testes e que cada uma das crianças deve escolher um livro na biblioteca da escola para ler na semana.

Sempre fico orgulhosa quando os vejo tão empolgados por livros.

Vou até a sala dos professores quando o sinal toca e encontro Márcia sorrindo olhando a tela do celular.

— Boa tarde — digo, mas ela sequer me nota. — Ei, psiu!

Ela não me dá atenção e continua a sorrir para a tela.

— Márcia!

— Ah, oi... oi... e aí, está tudo bem? — pergunta sem tirar os olhos do celular.

— O que tem aí de tão interessante?

— Hã? O quê? Aqui? —Ela levanta o aparelho. — Menina, nem te conto.

— Ah, conta sim!

— Conto! Sabia que iria implorar.

Reviro os olhos e puxo uma cadeira para sentar ao seu lado. Estava curiosa mesmo.

— Existe agora um aplicativo muito legal.

— Tá! Mas o que ele faz?

— Ele encontra um boy pra você!

— Como assim?

— Olha. — Ela vira a tela para mim. — Me cadastrei aqui e fica aparecendo um monte de perfil de homens diferentes, alguns daqui, outros das cidades mais perto. Eu tracei a distância que queria, sabe?

— Hum.

— Daí os que eu digo que gostei vê a minha foto, aqui ó... — Mostra o local. — Se os dois colocarem que gostou um do outro, aí nós podemos conversar. Estou viciada nisso, sério! Estou conversando o maior tempão com o Paulinho. Gente boa demais, e mora aqui perto. Está querendo marcar um encontro e eu já estou ansiosa.

— Isso é moderno demais pra mim. Por que não me disse que estava de papo com um tal de Paulinho? Eu sempre te conto tudo! – faço beicinho.

— Começamos ontem à noite, por isso estou te contando agora.

— Mas você acabou de dizer que está conversando o maior tempão.

— Ué, maior tempão, já faz horas, amiga.

Balanço a cabeça, rindo das maluquices da Márcia.

— Só toma cuidado. Marque o encontro em locais bem movimentados, por favor.

— Eu não sou criança, Mari. Sei o que tenho que fazer.

— Sei que sabe. Aliás, mudando de assunto: nós iremos ao festival!

Enfim ela me olha e arregala os olhos.

— Alugou a casa?

— Aluguei!

— Ah! Que ótima notícia!

Ela me abraça forte.

— Foi para algum conhecido? — pergunta animada.

Faço que não com a cabeça.

— De fora.

— E quem foi o louco?

— Não fala assim, vai!

— Ah, Mari. Louco em aceitar morar nesse lugar, não na sua casa.

— Não é tão ruim assim. Aqui é um lugar tranquilo, tem suas qualidades.

— Não vou entrar em um embate com você sobre a cidade. Sei que perderia. Não há ninguém que a ame mais do que você, Mari.

Sorrio. Talvez eu perca para o meu pai.

— Ok, mas quem é o morador?

— O médico novo — revelo, e sua cara é de espanto.

— Está de brincadeira? O mesmo que os velhinhos disseram ser um anjo ontem à noite?

Faço que sim.

— Pela calmaria que estava aquele posto de saúde hoje pela manhã, acho mesmo que eles não estavam exagerando.

— E como ele é? Gordo? Magro? Careca e narigudo, igual ao doutor Ernesto?

— Na verdade, ainda não o vi. Só sei que é novo.

— Novo?

— 33 anos.

Ela arregala os olhos, surpresa.

— Vou lá agora mesmo fingir que estou passando mal! — Márcia fica completamente eufórica.

— Você não faria isso...

— Fala que duvida.

— Não. Você é louca!

Gargalhamos.

— Uma hora ou outra iremos conhecê-lo. Fique tranquila.

— Se for gato, vai chover vila-riquenha atrás desse cara.

— Coitado dele.

— Ah, coitado mesmo. Eu serei uma dessas, baby!

Hoje eu não tinha compromisso na escola no período da tarde, então me programava para assistir as aulas on-line da faculdade. Despeço-me da Marcinha, sob a condição de contar a ela como é o tal médico-anjo.

Já em casa, me enfurno logo em meu quarto para estudar as aulas em vídeo sobre Planejamento e Gestão da Educação e Diversidade Cultural. Faço um resumo à mão e pesquiso na internet sobre o tema. Abro meu caderninho, no qual coloco toda a organização da festa da igreja, e começo riscar tudo que estava confirmado, telefonando em seguida para as senhoras que ficaram responsáveis pela comida da festa. Faltava pouco tempo e não queria que a festa fosse um fiasco.

Assim que termino, vejo que o sol se pôs e o cheiro de comida preenche toda a casa.

Papai repara que terminei meus estudos e coloca a vitrola para tocar um blues.

Somos brindados pela voz extraordinária de Bill Withers cantando Ain't no sunshine.

https://youtu.be/tIdIqbv7SPo

Ain't no sunshine when she's gone

It's not warm when she's away

Ain't no sunshine when she's gone

And she's always gone too long

Anytime she goes away

Wonder this time where she's gone

Wonder if she's gone to stay

Ain't no sunshine when she's gone

And this house just ain't no home

Anytime she goes away

I know

Hey, I oughtta leave the young thing alone but

Ain't no sunshine when she's gone

Cantarolo a música, colocando os pratos na mesa de jantar.

Eu achava incrível ter pais que faziam questão de sempre ter blues, jazz e até mesmo rock dos anos 1970 tocando em casa. Fui criada ouvindo os discos deles na vitrola velha. Papai sempre dizia que a música coloria a vida em qualquer circunstância e que ela marca gerações. A minha já estava marcada.

Papai pega a mão da minha mãe e os dois começam a dançar no meio da sala, embalados pelo ritmo.

Mamãe pousa a cabeça no peito dele e fecha os olhos. Papai a abraça com carinho e beija o topo da cabeça dela. Eu sempre ficava emocionada com a relação que eles construíram. Era mais do que amor. Era companheirismo, amizade, dedicação, cumplicidade. Tudo junto. Eu tinha um exemplo forte de que a afeição durava e perdurava por anos. O amor existia. Eu tinha a prova viva dentro de casa.

Nem Marcos conseguiu me fazer desacreditar nessa magia que é sentir todos os sentimentos existentes no mundo de uma só vez.

Sento-me na cadeira e apenas aprecio a visão mais pura e bela do amor.

A música muda e eles param. Quase bato palmas - como na maioria das vezes -, mas hoje minha emoção ficou à flor da pele ao observá-los tão plenos e entregues. Fico paralisada apenas com um sorriso nos lábios. Eles dão um beijo tímido na boca e sentam à mesa para jantarmos.

Após o jantar, eu recebo uma mensagem do Vinícius confirmando nosso encontro. Tomo um banho demorado e escolho um vestido de alça florido. Faço uma maquiagem leve, solto os meus cabelos e coloco um arco branco.

Encontro meus pais sentados na sala assistindo o telejornal.

— Vai sair, minha filha? — pergunta minha mãe.

— Hum-hum. O prefeito vem me buscar. Vamos falar sobre a falta de saneamento. No fim da rua da Márcia já tem esgoto à céu aberto.

— Nossa! Isso realmente é sério! — Dona Camélia faz cara de nojo.

— Do jeito que você conversa à noite com o prefeito sobre problemas da cidade, acho que deveria se candidatar na próxima eleição.

Franzo o cenho na melhor atuação da minha vida. Eu detestava mentir para eles, mas não poderia contar a verdadeira razão de sair com o Vinícius à noite.

Fico quieta, e pego minha bolsa.

— Estou brincando, Mari.

Sorrio forçadamente. Agora eu tinha certeza de que esse papinho já não estava colando.

— Pode falar que está paquerando o Albuquerque, filha — comenta mamãe.

Papai faz uma careta. Para ele, os Albuquerque não faziam nada pela cidade sem tirar algum proveito da situação.

Eu não podia tranquilizá-los e falar que saía com ele apenas por carência, carinho, sexo...

— Paquerando? — Sorrio, e meu celular bipa. Mensagem do WhatsApp.

Salva pelo gongo!

— Ele chegou — digo, mostrando o celular — Chegarei tarde, então...

— Isso nós já sabemos.

Por mais que ele não gostasse do prefeito, papai jamais iria falar que era contra nossa amizade. Aceno com pressa, querendo fugir da conversa, e saio de casa.

Caminho pelas pedras de brita no jardim da mamãe e já avisto o carro do Vinícius parado na frente. A pouca iluminação me faz ter dificuldade de abrir o cadeado do pequeno portão de madeira.

— Será que posso ajudá-la? — Tomo um susto ao ouvir uma voz desconhecida, grossa e serena.

À minha frente, do outro lado do portão, está o médico, o meu inquilino, o tal anjo.

Abro a boca para falar, mas nada sai. Uma mistura de acanhamento e encantamento imediato me deixa muda.

Ele é lindo! Não sei por quanto tempo fico encarando seus olhos, mas logo abaixo minha cabeça.

Passo uma das mãos no cabelo de forma involuntária e meneio com a cabeça. Eu precisava mesmo de ajuda. Ajuda para parar de tremer e para abrir o maldito cadeado.

— Ah, claro, sim... eu...

Antes que eu conseguisse formar uma frase decente, ele força a chave que tem na mão e abre o cadeado com facilidade.

Alto. Moreno claro. Cabelos cor de mel. Barba feita. Rosto quadrado. Gentil. Educado. Amado pelos velhinhos.

Empurro o portão devagar.

— Muito obrigada. — Fico feliz por minha voz finalmente sair.

Ele sorri. Deus, ele sorriu!

Duas covinhas aparecem, uma em cada bochecha. Engulo com certa dificuldade.

— Eu sou Miguel — diz ele, estendendo a mão direita.

Sorrio reciprocamente e aperto a sua mão em cumprimento. Sinto nossas peles se tocarem. Ele é quente. Puxo a mão com mais pressa do que o normal. Não quero que ele pense que sou uma maluca.

— Eu sou Mariana — retruco.

— Filha do senhor José?

— Isso. — Sorrio mais do que necessário.

Céus, o que está havendo comigo? Imagina quando Márcia vir esse homem? Aliás, não quero nem imaginar!

Ouço o barulho da porta do carro abrir e Vinícius vir em nossa direção.

— Opa! Vi que já conheceu nosso novo médico, Mari?

Vinícius dá tapinhas nas costas do doutor.

Miguel assente.

— Ah, sim. — Limpo a garganta. — Não tivemos oportunidade de nos conhecer ontem — digo, menos anestesiada pelo encontro inesperado e com um sorriso mais contido.

— Como está, prefeito? — ele pergunta de forma amistosa.

— Estou bem, doutor. E como foi o primeiro dia naquela loucura?

— Foi desafiador, mas acho que consegui fazer a minha parte.

— É claro que conseguiu.

Por alguns segundos fica um silencio entre nós três.

— Bom, eu... — fala Miguel, apontando para a casa. Ele dá um passo à frente e eu saio do caminho. — Foi um prazer conhecê-la, Mariana.

— Meu também, doutor. Seja bem-vindo à Vila Rica.

— Obrigado. Prefeito. — Cumprimenta o outro homem com aperto de mão rápido. — Uma boa noite para vocês.

Ele sai andando pelo outro caminho de pedra que o guia pela lateral da casa principal até os fundos. Eu fico olhando o homem se afastar com uma maleta na mão.

Vinícius pigarreia.

— Será que podemos ir?

Paro de olhar na mesma hora e dou um sorriso apertado para ele.

— Claro. Vamos.

mg�Ntr���

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro

Tags: