Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 3

Olá, pessoal!

Eu disse que só postaria um capítulo novo quando o livro tivesse 20 votos e 40 comentários, mas, apesar de ainda não ter alcançado 20 votos, até agora já temos mais de 50 views e mais de 90 comentários, então eu decidi postar os próximos capítulos.

Por favor, mantenham o engajamento para que eu possa continuar postando.

Beijos e até a próxima!

Você diz que eu tenho que ficar bem

Tenho que ficar mal

Então você vai e procura por coisas que faltam em mim

Tentando me fazer cair em outra mentira vergonhosa

- Break down, KARD

— Quando foi a última vez que viu Logan MacAskil com vida? — perguntou a detetive, seus olhos dourados se desviando do bloco de notas para o rosto estonteante à sua frente enquanto tentava não se distrair do próprio trabalho.

— Dentro do pub — respondeu Raoni calmamente, apesar de já ter contado isso quando a mulher lhe pediu para relatar os eventos da noite do atentado.

— Poderia esclarecer um pouco mais? Para o registro — pediu a policial Sarah White, apontando para o gravador que deixara ligado sobre a elegante mesa de centro que os separava.

Raoni olhou de soslaio para o aparelho que permitira que a detetive ligasse. Aceitara o interrogatório como um passo para demonstrar boa vontade e inibir investigações profundas sobre sua vida, mas, no geral, não gostava de pessoas lhe fazendo perguntas. Não tinha nada a esconder sobre suas ações na noite em questão – mesmo que preferisse manter os detalhes de sua vida, tanto pessoal quanto de negócios, longe dos olhos da mídia e da polícia –, mas ninguém em sua posição aceitaria facilmente ser interrogado, ainda que as perguntas em si não lhe incomodassem de verdade, já que ele nem precisava tomar cuidado com o que dizia, afinal o que viu naquela noite já era vago o suficiente.

Ao contrário, as dúvidas da detetive White estavam lhe fazendo relembrar o acontecido e pensar...

— Como eu disse, detetive, decidi me retirar quando o homem começou a atirar e chamei meus amigos para me seguirem. Na verdade, incentivei que fossem na minha frente.

— E o senhor o viu se mover? O falecido, quero dizer — ela tentava confirmar o relato anterior, dando oportunidade para o jovem aristocrata se contradizer.

— Sim. — Raoni era versado demais na arte da manipulação para cair na armadilha, seu próprio mundo era uma escola perpétua. Desta vez, porém, ele nem precisava desviar o foco da investigação, já que também não entendia como seu amigo tinha morrido. — Logan estava comigo quando nos aproximamos da área dos banheiros e quando meu segurança apareceu e nos chamou para fora.

— E depois?

Outra pessoa teria revirado os olhos ou resmungado pela insistência na repetição dos fatos, mas não ele, com sua famosa calma costumeira. Raoni apenas respondeu, olhando nos olhos da detetive como se preenchesse um dos relatórios diários de seus hotéis:

— Ele não saiu comigo. A senhorita chegou ao mesmo tempo em que eu saí e enfatizou o fato de o segurança só ter tirado dois de nós de dentro do pub.

A mulher fez um sinal positivo com a cabeça enquanto anotava algo em seu bloco de notas. Consistente, pensou ela.

— O senhor viu o que aconteceu com o Sr. MacAskil?

Raoni a encarou pelo que pareceu uma eternidade sem dar uma única palavra. Apesar de não demonstrar, sua mente trabalhava incessantemente para encontrar respostas, para preencher o vazio que a necessidade de sobreviver causara em seu peito, a cegueira momentânea que lhe causara, permitindo que enxergasse apenas o caminho para a saída do pub. Ele devia ter visto o que aconteceu a Logan, devia ter impedido. Devia ter dado tanta atenção ao bem-estar do amigo quanto dera ao próprio, mas o instinto o impedira.

Ele era humano afinal, ao contrário do que todos pensavam.

O homem de beleza divina e calma imperturbável, o Herdeiro inabalável de talento inato também podia ser atingido pelo instinto cego de sobrevivência.

— Não — respondeu, pacientemente controlando a própria respiração. — Logan estava ao meu lado em um instante, antes de eu começar a correr outra vez, e, quando eu parei de novo, ele não estava mais. Nem sequer olhei para trás até que a senhorita fez aquele comentário, acreditei que ele estivesse atrás de mim. — Você viu minha reação, pensou ele, mas sabia que o que as pessoas viam e em que acreditavam nem sempre eram a mesma coisa.

Então a próxima pergunta de Sarah atingiu algo dentro dele, uma peça das engrenagens de seu cérebro saindo do lugar e provocando uma reação em cadeia que acendeu uma luz, uma dúvida.

— O senhor percebeu algo estranho no ocorrido?

Raoni piscou uma única vez, afastando de seus olhos todas as possibilidades que passavam por sua cabeça, e perguntou:

— Como assim?

— Quero dizer, sei que não é normal um homem entrar em um pub e começar a atirar a esmo, mas notou mais alguma coisa estranha além de seu comportamento?

Alguém mais tinha falado com a policial, percebeu o Herdeiro. Alguém tinha contado a ela o que o atirador disse depois de entrar no pub e sobre sua discussão com o barman.

— Um homem jovem entrou no pub, claramente alterado, discutiu com o barman e começou a atirar para todos os lados. Pessoas de várias origens e diferentes classes sociais saíram feridas e o Herdeiro de uma das maiores empresas do país, morto. Não consigo perceber nenhum padrão estranho além disso.

Mas sua mente ainda trabalhava, talvez tão rapidamente quanto a da detetive, que prosseguiu:

— Acha que Logan MacAskil pode ter sido o alvo desde o início?

De repente, palavras de Nicolau Maquiavel surgiram na cabeça de Raoni, tão rapidamente quanto as da detetive: Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal. O jovem pensou por um instante na pergunta e na citação, em como as duas poderiam estar ligadas, relembrando os acontecimentos do atentado.

— Não consigo pensar em um motivo para isso — respondeu por fim. Não acreditava que Logan era capaz de provocar alguém até aquele ponto e sabia que o amigo não tinha feito nada que desencadeasse o ataque. O falecido Herdeiro MacAskil não tinha ligação com o atirador.

— Mas o senhor disse que conhecia bem o falecido.

— Sim, éramos como irmãos.

Percebendo que chegava a uma parede sólida que o homem não lhe permitiria ultrapassar, a detetive decidiu tentar outra tática.

— O senhor se lembra do que o atirador falou quando discutiu com o barman?

— Não me lembro de ter dito que ouvi a discussão — Raoni declarou, surpreendendo a mulher com sua destreza quando ela tentava encontrar uma brecha em seu depoimento.

— O senhor disse que houve uma discussão.

— Sim, porque eu vi um homem entrar no pub e conversar de um jeito alterado com o barman, fazendo gestos exagerados, antes de começar a atirar para todos os lados. Nunca disse que ouvi o que falaram.

Pega na própria armadilha, Sarah White assentiu e anotou algo em seu bloquinho. Ainda não confiava plenamente na declaração de Raoni Rehan.

— Se lembrar de mais alguma coisa, peço que me informe, por favor — pediu ela, pegando o gravador da mesa e desligando-o antes de se retirar, deixando um cartão com seu telefone no lugar do gravador e pensando em como sempre era difícil arrancar toda a verdade de pessoas ricas e poderosas.

Ambos sabiam que não haveria uma ligação posterior. Sarah já poderia se considerar sortuda por ter conseguido aquele depoimento. Sem nenhuma acusação, nada a manteria na cola de um magnata como ele por mais tempo.

Raoni se levantou da poltrona acolchoada e a observou partir enquanto deixava seu cérebro ser inundado por perguntas e teorias. O Herdeiro estava ainda mais interessado no ocorrido que a detetive.

Sabia que Logan não estivera envolvido com as reclamações do atirador, cujo nome, aliás, a detetive não mencionara, mas Raoni já tinha descoberto por conta própria. Não, Raoni conhecia Logan e seus segredos e tinha certeza de que o amigo não tinha se arriscado a um envolvimento com níveis tão baixos de operação. Sem contar que o atirador realmente não parecia ter um alvo específico quando começou a disparar. Mas o que tudo aquilo significava?

Pela primeira vez em sua vida, Raoni se sentiu perdido. Em todo o arsenal de informações da família Rehan, em todo o seu treinamento como Herdeiro, a elucidação necessária para entender aquele atentado estava faltando. A morte de Logan MacAskil parecia fazer um buraco em sua mente cuja solução era ainda mais necessária para ele do que para a detetive. Sarah White estava acostumada a mistérios e incógnitas, Raoni Rehan não.

Para ele, tudo precisava de uma explicação e, se ele não sabia qual era, então era uma falha dele. Era falta de informação. E falta de informação, para um Rehan, era uma falha imperdoável.

Raoni podia não ter nascido para ser detetive – afinal, sabia que seu destino era se tornar o Consagrado Rehan, o Rei do jogo dos Herdeiros da Regência, nada combinava mais com ele –, mas era capaz de insistir em um assunto ainda mais que um policial treinado. E agora estava decidido a entender as repercussões daquele atentado.

Ainda pensativo, seguiu pelo corredor até a pequena biblioteca. Fizera questão de se mudar da casa da família anos antes, assim que se tornou maior de idade e recebeu um posto de diretoria nos hotéis. Com a privacidade que achava adequada, Raoni decorou e preencheu sua casa como lhe convinha e, apesar de menor que a do pai, sua biblioteca refletia seus interesses, com volumes variados de pensadores ecléticos e até ficção. Para ele, o aprendizado podia vir de onde menos se esperava, então ele o buscava em todos os lugares.

Entretanto, o que mais chamava a atenção na biblioteca não eram os livros, e sim um tabuleiro de xadrez disposto em seu centro, onde as peças pareciam esquecidas em um jogo interrompido, incompleto.

Concentrado, Raoni foi até o tabuleiro e pegou uma peça, girando-a entre seus dedos longos com cuidado antes de observar o tabuleiro sem ela. O que a olhos externos parecia esquecido, na verdade, estava continuamente presente em seus pensamentos.

O jogo incompleto representava os Herdeiros da Regência e o Bispo em sua mão, Logan MacAskil. O homem olhou para o Bispo mais uma vez. Precisou retirá-lo porque alguém tirou Logan do jogo, levou sua vida e tomou tudo o que ele representava. Agora, as outras peças teriam que se rearrumar sem ele, porque o jogo não pararia, a vida não pararia. Os Negócios prosseguiriam.

Mas a falta daquela peça, de Logan, traria consequências, e Raoni observou o tabuleiro em uma tentativa de descobrir quais seriam. Precisaria esperar, é claro, mas, a cada novo ato, o mistério tomaria uma nova face, desvendando intenções e ambições. Toda ação desencadeava uma reação e o Herdeiro Rehan estava curioso sobre os efeitos da ausência permanente do amigo.

Então Raoni pegou um Peão, ainda com o Bispo na mão, e o moveu uma casa, lembrando-se da última reunião na casa dos MacAskil no dia anterior, durante o velório. As consequências já haviam começado e as mudanças não seriam pequenas. A primeira delas era inevitável, já que a Sucessão seguia uma linha natural, mas Raoni precisara dar um empurrãozinho até que o Herdeiro Consagrado MacAskil entendesse as implicações da morte do filho.

Raoni soltou o Peão que representava Leona MacAskil na nova casa e o observou, percebendo o quanto as outras peças pareciam maiores, mais poderosas e hostis ao redor dele. Era ironicamente parecido com a realidade, pensou, apesar de aquele jogo ter sido feito exatamente com esse propósito. Aquele Peão ainda tinha muito a enfrentar até atingir seu verdadeiro potencial, fosse este qual fosse.

Foi assim que Ethan o encontrou instantes depois, pensando em todas as possibilidades para aquele Peão que nem queria fazer parte daquele mundo.

— Imaginei que estaria aqui — disse Ethan da porta da biblioteca, observando o quanto o amigo parecia concentrado no que gostava de chamar de "nosso jogo".

Tudo o que recebeu em resposta foi um resmungo de Raoni, que não se abalou com a presença repentina do amigo. Ethan era a única pessoa que tinha permissão para entrar em sua casa sem ser convidado agora que Logan estava morto. Bem, Lynn Rehan também tinha permissão, mas era educada demais para invadir a privacidade do filho de forma tão atrevida. Afinal, ele logo se tornaria o Consagrado e ela lhe deveria respeito e obediência como qualquer outra pessoa. Lynn não aceitaria um não como resposta se estivesse determinada, é claro, mas anunciaria a própria presença antes e esperaria que Raoni atendesse à porta.

Ao perceber que Raoni ainda segurava o Bispo que sabia representar Logan, Ethan se aproximou do amigo e do tabuleiro, já conhecendo o propósito daquele jogo. Observou o tabuleiro atentamente, mas nunca entenderia seus significados tão bem quanto o amigo, apesar de perceber que um Peão tinha sido movido.

— Acha que já teve consequências? — perguntou, tentando entender a funcionalidade daquele Peão.

— Alguém precisa assumir o lugar dele. O show deve continuar — respondeu Raoni, ainda pensativo, e então tocou a Rainha, pensando mais um pouco antes de movê-la algumas casas na direção do Peão que movera antes.

Ethan franziu o cenho. Sabia que a Rainha representava seu pai, ao menos naquela geração. De acordo com a hierarquia dos Herdeiros da Regência e sua imagem pública, a Rainha do tabuleiro de Raoni era o Consagrado que assumia a liderança publicamente, enquanto o Rei sempre representava o Consagrado Rehan, que administrava os Negócios no anonimato, permitindo que a Rainha brilhasse. Na geração de comando atual, a Rainha era o Consagrado Fraser, Nikolai, o pai de Ethan. Já o Herdeiro Consagrado MacAskil desta geração era representado por uma Torre, por ser o próximo na hierarquia, no mesmo patamar de Raoni – futuro Rei –, enquanto o Herdeiro MacAskil, o Bispo que agora estava na mão de Raoni e fora do tabuleiro, se tornaria a próxima Rainha.

Ethan ficara sabendo da ascenção de Leona a Herdeira – mesmo que desconfiasse que a própria amiga ainda não tinha consciência disso –, mas percebia naquele momento que havia outras consequências rondando a cabeça do Herdeiro Rehan.

— Você não confia em ninguém, não é? — comentou Ethan, observando o amigo soltar a Rainha na nova casa. Percebeu que Raoni ainda tratava as peças pelos seus significados anteriores, em vez de tratar Leona como um Bispo.

— Eu confio que as pessoas serão quem verdadeiramente são. — A voz grave de Raoni parecia fatídica. — A pergunta é: quem elas são de verdade?

— Você vai assumir o lugar do seu irmão — foi a declaração de Ezra MacAskil na tarde seguinte ao enterro de Logan.

— O quê? — questionou Leona, como se não tivesse ouvido bem as palavras do pai.

Seu jeito informal de falar e com um leve sotaque americano adquirido com os anos de estudo no país estrangeiro foi surpreendentemente ignorado, já que a declaração do Consagrado MacAskil sobressaltou até mesmo Jazlyn, que se voltou para o marido, apesar de não levantar da poltrona em que estava sentada.

— Não creio que este seja um assunto para brincadeiras, querido — comentou a mulher, encarando-o com tanta intensidade que o homem estaria carbonizado àquele ponto se ela tivesse tal poder.

— Não é brincadeira — foi tudo o que Ezra respondeu antes de se deixar cair no sofá Chesterfield.

Leona continuou sem entender o que o pai queria dizer ou o que a declaração dele implicava, mas Jazlyn compreendia o suficiente daquele mundo para juntar os pontos, mesmo que uma mulher, ainda que de uma família da Tríade, não tivesse tanto acesso às informações quanto seu marido Consagrado. Mais que isso, ela conhecia o homem com quem se casara e sabia que ele não tomaria uma decisão como aquela sozinho.

— Leif sugeriu isso?

Ezra ponderou se devia dar à esposa o mesmo banho de água fria que recebeu sobre a Sucessão do duque. Decidiu que era necessário, já que a mulher era capaz de colocar todos os MacAskil em apuros por tratar o Herdeiro Rehan de forma incorreta.

— Ele fez Raoni me lembrar que ela é a próxima na linha de Sucessão e que a regra não especifica o gênero do Herdeiro — explicou finalmente, usando com a esposa o mesmo nível de diplomacia que usava com a Tríade.

— Ele usou o Herdeiro para te humilhar?

— Ele usou o Herdeiro para me mostrar que eu não tenho escolha. — Para Ezra, era difícil enfrentar o gênio da própria esposa, infinitamente mais incisiva que ele, apesar de uma dama exemplar. — Assim como a Sucessão de Leif acontecerá em um mês, a minha acontecerá no próximo ano.

Os olhos de Jazlyn se arregalaram com a percepção da posição de Raoni e suas implicações, mas a mulher se controlou antes de deixar o próprio queixo cair, focando na situação mais urgente. Felizmente ela não tinha desrespeitado o jovem Herdeiro na frente dele.

— Não há tempo para outro Herdeiro homem — constatou.

— E passar a Herança para qualquer um que não seja meu filho enquanto tenho Leona seria desrespeito às tradições — completou Ezra.

Após um único segundo de silêncio, o casal encarou a filha, que ainda estava de pé perto do arco que separava o corredor da sala de estar. Leona piscou, desistindo de tentar entender a conversa dos pais, e simplesmente perguntou, como se não tivesse ouvido nada depois da ordem de Ezra:

— O que quer dizer?

— Que você ocupará o lugar de Logan como minha Herdeira — disse Ezra, como se isso explicasse tudo.

— Pai, não seja bobo. Eu não faço ideia do que Logan fazia, não entendo nada dos seus negócios, como eu poderia ficar no lugar dele? — Leona deu alguns passos, aproximando-se do sofá que o pai ocupava, mas estava nervosa demais para sentar.

— Você vai aprender.

As palavras simples de Jazlyn, ditas com convicção, levaram uma onda de medo a percorrer todo o corpo de Leona, que levantou os olhos para a mãe devagar, na esperança de que a mulher estivesse brincando. A angústia de perceber que Jazlyn não poderia falar mais sério a fez murchar, mas Leona havia aprendido algumas coisas sobre si mesma ao longo dos anos. Sabia que sua família era difícil e que algumas ordens não podiam ser desobedecidas, mas precisava tentar. Precisava se impor.

Anos antes, quando não aguentava mais toda a crítica e os planos alheios para si, tomara coragem para impor a própria vontade pela primeira vez e, quase milagrosamente, conseguira autorização do pai preocupado para estudar no exterior, onde ela aprendera a se valorizar um pouco mais, longe das imposições constantes que a acompanhavam em Londres. Agora, se não tentasse se impor outra vez, perderia tudo o que conquistara tão arduamente.

— Eu não tenho tempo para aprender, mãe. Preciso voltar para Harvard, lembra? — salientou Leona, tentando engolir o desespero na própria voz.

— Você não vai voltar, Leona. Precisa ficar aqui e começar seu treinamento como Herdeira. Temos pouco tempo e ele está passando.

Ezra observava a esposa assumir seu papel e dar ordens à filha. Não se importava se tal atitude o fizesse parecer fraco, apenas não conseguia deixar de ceder aos olhos lacrimosos e desesperados de Leona. Não tinha conseguido resistir a eles quando ela pedira para estudar nos Estados Unidos e não acreditava ser capaz agora. Porém, naquele momento, a questão era infinitamente mais importante que um curso na universidade. Toda a família MacAskil estava em jogo e ele não podia se permitir ceder. Por isso, deixou que Jazlyn cuidasse de tudo. Ela era firme o bastante.

— Como assim, não voltar? Eu estou matriculada, vocês já pagaram por tudo. Sabe que eu não posso simplesmente abandonar o curso. — Leona tentava manter a voz controlada, mas a mãe era a pessoa mais inflexível que conhecia.

— O dinheiro que pagamos por essa pós-graduação ridícula não é um problema. Agora. Mas pode se tornar, assim como todo o resto, se não controlarmos essa situação imediatamente.

Então Jazlyn pegou o celular e fez uma ligação. Com os olhos marejados, Leona mal percebeu o que a mãe fazia até ouvi-la falar e trancar sua matrícula no curso de pós-graduação em Artes de Harvard, tão facilmente quanto como se comprasse uma bolsa.

— O que está fazendo?! — Leona gritou, mas era tarde demais. Jazlyn nem precisou ameaçar retirar todas as doações semestrais que fazia para a universidade americana por terem Leona como aluna, seu nome era conhecido o suficiente na instituição para sua palavra ser tomada como lei.

— Resolvendo seu problema.

— Mãe, você não pode...!

— Posso e já fiz — decretou Jazlyn, finalizando a ligação. — Agora, você vai ficar em Londres e vai aprender tudo o que for necessário. Pode não servir para ser uma dama, mas vai tratar de se tornar uma Herdeira digna.

Jazlyn finalmente se levantou e deu alguns passos na direção da saída, contendo seu gênio forte por um fio, mas de repente parou e se voltou para a filha, os olhos azuis cintilando com um brilho perigoso.

— Tem ideia da oportunidade que tem nas mãos? — Leona apenas piscou, aturdida, mas Jazlyn não pretendia esperar por uma resposta. Até Ezra a observava com cautela. — O posto de Consagrado foi dado a uma única mulher em mais de dois séculos. Uma única vez em gerações! Não permitirei que arruíne nossa família e jogue fora essa oportunidade, mesmo que não seja adequada. Está na hora de recebermos a recompensa pelos anos de trabalho duro.

Leona engoliu a crítica da mãe junto com o choro. Aos olhos de Jazlyn, ela nunca fora adequada. Não entendia o que significava ser um Herdeiro ou um Consagrado, apenas sabia que não era a filha que a mãe sempre quisera: educada, fria, linda e capaz de encantar as pessoas com uma conversa calculadamente fútil enquanto servia de ponte para que os homens ao seu redor fechassem contratos de milhões de libras.

Sempre vira a mãe tão ocupada quanto o pai, calculando posições e planejando conversas, tratando pessoas como se fossem bens negociáveis. Cada ação de Jazlyn MacAskil era planejada e seu caminho para o sucesso, estrategicamente trilhado. Leona sempre associara isso à frieza e ao calculismo da sociedade Old Money em que nascera e da qual queria tanto fugir, na qual nunca se encaixara.

Contudo, talvez as pessoas que a rodeavam naquele mundo não tivessem nascido assim, mas escolhessem agir daquela forma. Jazlyn sempre dissera que os Herdeiros da Regência eram um estilo de vida, e um estilo de vida era uma escolha. Leona nunca se sentira capaz de escolher, com uma mãe tão incisiva, mas e se todas as outras tivessem optado por aquela vida? E se todos os Herdeiros da Regência, exceto Leona, fizessem parte daquele mundo por vontade própria?

Pela primeira vez na vida, Leona sentiu as verdadeiras expectativas da mãe para ela, com a possibilidade de alcançar um patamar desejado por todas as mulheres que conhecia. Entretanto, de forma ainda mais contundente que antes, sentia que não era a pessoa certa para o papel.

Saiu da sala atrás da mãe, deixando o pai sozinho enquanto passava pelo hall de entrada em direção à porta que levava ao jardim com o celular de repente em sua mão, a ligação internacional por vídeo sendo completada.

— Leona? Amiga, eu estava pensando em você agora mesmo. — A voz feminina levemente rouca que atendeu quase fez Leona desmoronar. Como a voz de sua melhor amiga podia fazê-la se sentir mais em casa do que estar na presença de seus pais na casa em que nasceu? — Como estão as coisas por aí? Sei que não tem como você estar 100% bem, mas...

— Suze, socorro!

Suzanna Brown piscou, olhando para a tela onde a imagem da amiga aparecia. Sempre achou Leona dramática para alguém com o passado que ela contava às pessoas, mas também sempre soube que o que não condizia era o que ela contava sobre o próprio passado e não sua personalidade. Alguma coisa em Londres tinha quebrado Leona MacAskil a ponto de ela se sentir frequentemente à beira de um precipício como uma personagem de filme de terror.

— Como assim? Espera. O que houve? — Quando Leona começou a falar de um jeito tão atabalhoado que atropelava as palavras, Suzanna sentiu um aperto no peito. A jovem britânica sempre tinha cuidado ao falar, ao menos quando não estava tão consternada. — Fale devagar e explique direito. Não dá pra te ajudar do outro lado do oceano se eu não entender o que está acontecendo.

Leona contou os últimos acontecimentos, inspirando lentamente a cada frase e soltando o ar devagar enquanto falava, tentando se acalmar. Não queria preocupar a amiga, mas precisava de sua ajuda.

— Deixa eu ver se entendi. Seu pai quer que você assuma a empresa agora que seu irmão se foi, mas você não faz ideia do que ele faz, apesar de saber que ele é dono de clubes e restaurantes, é isso? — perguntou Suzanna com cuidado.

Leona pensou em como tudo isso vinha acompanhado de regras estritas que ela nunca conseguira seguir da forma correta, por mais que tentasse.

— Você faz parecer simples. — Leona suspirou, enxergando melhor o rosto da amiga agora que conseguia afastar as lágrimas dos olhos. O rosto oval de bochechas salientes e pele de tom de chocolate de Suzanna estava sério enquanto a jovem pensava.

— Querida, um quadro bem feito também faz parecer que o pintor é um indivíduo são. — Suzanna abriu um sorriso, mas logo voltou a ficar séria. — Nem tudo é o que parece. Somos artistas, sei que ser empresária é basicamente o oposto do que você é de verdade. — Fez uma pausa por tempo suficiente para Leona estreitar os olhos verdes para ela pelo vídeo. — Mas talvez seja mais simples do que parece.

— O que quer dizer? — Leona sentia que, só naquele dia, estava repetindo essa frase mais vezes que em toda a sua vida.

— Quero dizer que você sempre foi boa nessas coisas, sempre gostou de organizar grupos, liderar trabalhos. Talvez não seja tão ruim administrar a empresa do seu pai.

— Suze, como vou viver sem arte?!

— Você precisa? — Leona estava andando a passos largos na calçada espaçosa, tentando se afastar o máximo possível da casa dos pais, mas parou no segundo em que ouviu aquela pergunta. — Você não pode montar um ateliê aí e continuar pintando enquanto aprende todo o resto?

— Pode ser possível. — Se eu conseguir esconder isso da minha mãe, completou Leona em pensamento. — Mas como é que eu vou aprender as outras coisas?

— Que outras coisas, mulher? O que pode ser mais importante que o negócio do seu pai?

Leona fez um som frustrado que era o meio termo entre um gemido e um grunhido.

— Você não conhece minha família — declarou em tom de explicação.

— É tão ruim assim?

— Pior. — Então a nova Herdeira respirou fundo. — Mesmo depois de tudo isso, minha mãe ainda não me acha adequada.

— Ai, droga, tem a ver com os costumes, comportamento social e essas coisas?

— Tem — Leona soou como se confirmasse sua sentença de morte, recebendo uma careta de Suzanna em resposta, como solidariedade.

— Agora eu entendi. Você está ferrada e seus pais são as últimas pessoas no mundo que poderiam te ajudar nesse quesito. — Com um biquinho de resignação nos lábios grossos e um pouco largos, Leona concordou. — Não tem mais ninguém com quem você consiga conversar? Qualquer um que não te faça querer sair correndo? A quem você possa pedir ajuda com essa parte.

Leona estava pronta para negar, para dizer que, em Londres, tudo a fazia querer sair correndo, mas desviou os olhos do celular e encontrou quem poderia ser sua única salvação caminhando em sua direção com postura confiante e, ao mesmo tempo, despojada.

— Talvez... o meu destino não seja tão ruim, afinal — disse a Suzanna. — Acho que tem uma pessoa. Preciso desligar para implorar a ele. Te ligo depois.

A americana começou a fazer várias perguntas, mas Leona já tinha desligado e corria ao encontro de Ethan, que a segurou para impedi-la de se chocar contra ele e cair.

— O que houve? — perguntou ele, confuso com a animação da amiga, mas bastou um olhar para o rosto redondo para perceber que ela não estava exatamente feliz. — Por que estava chorando?

— Parece que vou me tornar a Herdeira MacAskil — contou Leona, ainda sem entender bem o que isso significava, além de uma corrente que a prenderia no lugar que ela mais odiava no mundo. — E não tenho como fugir.

— Eu soube. — Ethan franziu os lábios grossos e estreitos. — Sinto muito, sei que o que você mais queria era voltar para longe daqui.

— O que eu faço agora, Ethan? Logan levou uma vida inteira treinando. Como vou aprender tudo em um ano e não arruinar minha família?

Ethan já a tinha soltado depois de impedir o tombo, mas segurou seu braço para afastá-la do caminho para que um casal passasse.

— Você é inteligente, Leona. Consegue aprender — comentou ele.

— Se eu não aprendi durante anos enquanto crescia, como vou aprender em um ano?

Então ele percebeu o que ela queria dizer e torceu os lábios em uma careta.

— Talvez com alguma ajuda? De alguém mais compreensivo que sua mãe, é claro — sugeriu ele.

Leona voltou os grandes olhos redondos e verdes para o amigo em uma expressão muito similar à do Gato de Botas.

— Talvez você possa me ajudar — sugeriu ela de volta. — Eu fico mais à vontade com você.

Ethan estreitou os olhos e pensou por um instante. Seu conhecimento sobre os costumes femininos eram limitados a como deixá-las dispostas a fazer suas vontades. Mais especificamente, ele era especialista em influenciar qualquer mulher a satisfazer seu corpo, não as expectativas sociais de outras pessoas.

— Não sei se eu sou a pessoa certa para isso — comentou.

— A quem mais eu poderia pedir? Acho que você é o único que não me julga em toda Londres agora que Logan não está mais aqui.

— Não sei se é para tanto... — Ethan sorriu com o exagero.

— Sério, quem mais me ajudaria se você se recusar? — Os olhos dela continuavam brilhando com esperança, mas agora Leona parecia prestes a desistir – e desmoronar.

Ethan pensou na pergunta por um segundo. Talvez outra pessoa fosse mais adequada para ajudá-la, mas ninguém era tão próximo dela naquela cidade quanto ele. Leona já perdera o irmão, ele poderia lhe fazer esse favor.

— Certo, vou tentar — disse e ganhou um abraço entusiasmado de agradecimento.

— Você é o melhor!

(4982 palavras)

Conheçam Ethan Fraser

Olá, pessoal!

O que estão achando até agora?

Me digam nos comentários. Aceito críticas (construtivas), sugestões, perguntas, elogios, surtos, tudo.

Beijos e até a próxima!

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro