Capítulo 2
Olá, pessoal!
Bem, como eu disse antes, defini uma meta a ser cumprida antes de postar o próximo capítulo, então SÓ POSTAREI O CAPÍTULO 3 QUANDO ESTA OBRA TIVER 20 VOTOS E 40 COMENTÁRIOS. Por favor, não peçam novos capítulos antes de a meta ser atingida e conto com a colaboração e o engajamento de vocês!
Beijos e até a próxima!
Você precisa não se importar
Ahn, você precisa não encarar
Você precisa de muita ajuda
Sério, você precisa não ser você mesma
- Chillin' like a villain, Descendants 2 Original Soundtrack
O espelho de corpo inteiro refletia perfeitamente sua imagem, mas Leona MacAskil mal reconhecia a si mesma. Não se lembrava de um momento em que tivesse sentido tanta tristeza antes em sua vida. Desespero e cansaço, sim, mas tristeza nunca fora uma emoção recorrente ou forte. Entretanto, não era só por dentro que a jovem estava diferente. Seus olhos estavam inchados de tanto chorar, as pálpebras caídas pelo peso do inchaço e da emoção, que lhe tirava as forças. O rosto redondo parecia mais magro e o queixo triangular, demasiadamente evidente agora que o sorriso que tinha se tornado comum nos últimos anos parecia a anos luz de distância, deixando os lábios cheios e largos caídos nos cantos.
A jovem suspirou. Já retocara a maquiagem outra vez e ajeitara o cabelo, não tinha muito mais o que pudesse fazer sem a ajuda de um profissional. Só podia esperar que as pessoas no andar de baixo entendessem que a tristeza deixava qualquer um em mau estado. Qualquer pessoa com sentimentos entenderia... Certo?
Deixou a solidão e a paz do quarto e se dirigiu ao andar de baixo, onde cada vez mais pessoas se acomodavam para desfrutar do bufê e das bebidas. O funeral de Logan MacAskil tinha acabado de acontecer e as pessoas ainda estavam voltando para a residência MacAskil para acompanhar a família no velório pelas próximas horas.
Leona se esforçou para frear o impulso de cair em prantos mais uma vez. Passara a maior parte da manhã afastada das pessoas, chorando baixinho enquanto observava o caixão fechado em que o corpo de seu irmão descansava para a eternidade. Não que achasse que Logan poderia se levantar e assustar todos estando vivo quando pensavam estar morto, mas tentando aceitar a perda e o fato de que nunca mais veria o irmão.
Logan tinha sido a única pessoa da família a se conectar com ela, a tentar entendê-la e a se aproximar da irmã apenas dois anos mais nova. Leona sentia a falta dele como se tivesse perdido a família inteira de uma vez, apesar de poder avistar a mãe conversando em tom moderado do outro lado da sala e de ter visto a figura do pai de relance pela janela que dava para o jardim. Seu coração estava seriamente partido, mas ao olhar à sua volta, percebeu que ainda era capaz de sentir todas as emoções, pois a contrariedade habitual cresceu em seu peito.
Seu irmão estava morto, tinha acabado de ser enterrado, mas as pessoas ao seu redor sorriam e falavam de moda ou negócios enquanto bebericavam tranquilamente suas bebidas caras. O velório parecia mais uma reunião social para os vivos, como qualquer outra naquele mundo, com a única exceção de que devia-se usar preto e trocar as tradicionais flores por cartões indicando doações para a caridade em nome do falecido.
Leona conseguiu repuxar os lábios em uma tentativa de sorriso. Pelo menos isso parecia certo. Seu irmão teria gostado de trocar as próprias flores post mortem por doações enormes para a caridade. Leona quase podia vê-lo piscar para ela com seu jeito brincalhão e relaxado, como se ainda estivesse ali depois de ter arquitetado tudo aquilo.
Mas seu irmão não estava ao seu lado para guiá-la por entre as pessoas como sempre tinha feito, estava morando eternamente no cemitério London Road e nada poderia mudar isso. Sua tentativa de sorriso morreu com o pensamento.
— Querida, você está horrível!
Leona voltou os olhos lentamente para a mulher ao seu lado. Elegantemente trajando um vestido preto bem cortado de mangas rendadas que parecia pender calculadamente entre o justo e o solto enquanto moldava o corpo esbelto e firme, Nicolle Sanders a olhou de cima a baixo apenas uma vez, seus olhos azuis demonstrando que Leona não merecia mais que isso.
Dividida entre a perplexidade por ser abordada dessa forma no velório do próprio irmão e a regra velada dos MacAskil de não causar escândalos, Leona apenas encarou a mulher por alguns segundos, piscando uma ou duas vezes sem sequer abrir a boca para responder.
Era outra situação em que quase podia sentir o irmão presente. Ele tinha se dedicado a socorrê-la de conversas difíceis ou constrangedoras por anos a fio antes que ela decidisse partir da cidade por tempo indeterminado – ou até que a morte dele a trouxesse de volta. Também era outra situação com que ela deveria aprender a lidar sozinha agora. Ou da qual deveria fugir assim que tivesse uma oportunidade, como o diabo foge da cruz, com ainda mais afinco que antes, cogitou Leona, achando essa alternativa mais satisfatória.
Como Leona não respondeu e Nicolle acreditava piamente que estava fazendo um favor à jovem enlutada, esta prosseguiu:
— Sabe, a tristeza não fica bem em você. — Seus lábios se puxaram por um instante, mas Leona pôde ler os olhos expressivos como um livro aberto. Não sei se alguma coisa fica bem em você, foi o que entendeu estar passando pela cabeça da outra. — Tome, talvez isto possa ajudar. — Então seu rosto se iluminou em um sorriso solidário. — Eu estava guardando para mim, mas parece que você precisa muito mais do que eu.
Leona franziu o cenho enquanto olhava para a própria mão direita, onde Nicolle depositou um único comprimido branco antes de se afastar com o sorriso ainda estampado nos lábios.
— Espera, Nicolle, o quê...? — Mas a mulher já tinha se afastado, engatando uma conversa animada, apesar de baixa, com um grupo de mulheres perto da porta do jardim.
— Por favor, contenha-se. — Leona não precisou se virar para reconhecer a voz controlada e forte da mãe. — Sabe que não é adequado levantar o tom de voz, principalmente hoje.
Logan adorava quando eu deixava as normas sociais de lado e me soltava, lembrou Leona, mas tudo o que fez foi assentir e fechar a mão ao redor do comprimido que tinha ganhado, mas não sabia o que era. Poderia descobrir depois ou simplesmente jogá-lo em uma lixeira. Era melhor que deixá-lo cair no meio do cômodo cheio de pessoas e alguém acabar pensando que ela andava se drogando.
— Está se sentindo melhor? — perguntou sua mãe e Leona se lembrou de quando alegou não estar se sentindo bem para ter um minuto a sós no quarto, longe de todos os olhares e expectativas que agora enfrentava novamente. — Não chegou a passar mal, não é? — Olhou em volta enquanto perguntava, o volume de sua voz diminuindo a cada palavra.
Que Deus livrasse Jazlyn MacAskil da desonra de ter uma filha passando mal após o enterro do irmão, pensou Leona com amargura.
Passar mal, no vocabulário de sua mãe, significava vomitar. Jazlyn nunca diria uma palavra sórdida como aquela, muito menos em público, então Leona cresceu aprendendo as variações que a mãe criava para contorná-las, ainda que usasse a mesma ideia. Porém não era com o estômago sensível da filha que Jazlyn estava preocupada, e sim com o que poderia acontecer a seguir caso o desconforto não tivesse passado. Para a mulher que transformara a própria imagem e a da família em seus projetos de vida, uma demonstração de imperfeição como essa era quase um crime. Seria pior ainda se acontecesse em público.
— Estou melhor, sim, mamãe. Não se preocupe — respondeu Leona, olhando ao redor em busca de um refúgio onde pudesse ficar livre de comentários frios e conversas vazias ao mesmo tempo em que seria vista o suficiente para não julgarem sua ausência. Como não encontrou, tentou tranquilizar a mãe: — Também aproveitei para lavar o rosto e retocar a maquiagem.
O olhar de Jazlyn fez a filha querer se encolher e voltar correndo para seu dormitório em Harvard, onde podia ficar longe de todo aquele julgamento não tão sutil. Mais uma vez, Leona quase podia ouvir os pensamentos da mãe, como tinha acontecido instantes antes com Nicolle. Aparentemente, lavar o rosto e retocar a maquiagem não teve qualquer efeito para fazê-la parecer melhor aos olhos daquelas pessoas.
Por um instante, Leona se perguntou se o profissional que poderia ajudá-la a finalmente parecer apresentável aos olhos da sociedade em que crescera não deveria ter um bisturi na mão, em vez de um pincel.
Mais sutil que Nicolle, porém com olhos mais expressivos, Jazlyn não comentou abertamente sobre a aparência da filha, mas deixou seus olhos vagarem para o corpo dela. O vestido de Leona devia ser levemente solto como o de Nicolle, mas as alças da largura de dois dedos e o decote médio deixavam à mostra o colo alvo e robusto, chamando atenção para a pele exposta, enquanto o tecido preto se colava aos seios fartos e à cintura arredondada como se tivesse sido costurado no próprio corpo da jovem. A saia se abria um pouco no quadril, mas não antes de evidenciar o início dos glúteos avantajados e firmes, e descia até os joelhos. O visual terminava em sapatos stiletto pretos e simples.
— Pensei que os Estados Unidos estavam te fazendo bem, já que não queria voltar. — Leona sentiu algo queimar em seu peito ao ouvir as palavras da mãe, mas se manteve firme. Naquele mundo, tudo girava em torno de resistência. A jovem não achava que tinha muita, mas sabia quando precisava dela.
A mãe nunca aceitaria sua decisão de estudar artes nos Estados Unidos quando existiam tantas universidades qualificadas no Reino Unido, de preferência com cursos mais úteis. Também nunca entenderia a necessidade de Leona de estar o mais longe possível da família e da sociedade que a rodeava em Londres.
— Acontece que eu não estou mais lá — falou baixinho, como se tivesse tentado controlar a língua sem conseguir. Teve mais sucesso evitando um dar de ombros nervoso.
— Acho que não se pode evitar os efeitos da tristeza, não é? — comentou Jazlyn, ignorando o comentário da filha deliberadamente enquanto sua expressão passava de desgosto para uma calma controlada com um leve toque de tristeza ao observar o recinto.
Não era apenas a tristeza pela morte do irmão que trazia desgosto para Leona em Londres, mas a jovem deixou que a mãe pensasse assim. A perda era grande o suficiente para superar todo o resto, ao menos até que todos esquecessem o infortúnio e resolvessem que voltar a atormentá-la era um jeito mais interessante de passar o tempo.
De repente, Leona sentiu uma vontade avassaladora de pintar. Em momentos como aquele, seria reconfortante olhar para uma tela em branco sem realmente enxergá-la e deixar os movimentos fluírem, levando o pincel da paleta à tela em movimentos naturais e instintivos, traduzindo seus sentimentos no quadro sem que ela sequer percebesse, até que fosse tomada pelo alívio do extravasamento.
A necessidade da arte correu por suas veias e eriçou cada pelo até ficar entalada na garganta de Leona, porque ela não podia pintar naquele momento. Não podia deixar o velório sem chamar atenção, o que faria sua mãe ter um ataque de nervos, mas, principalmente, não tivera tempo de providenciar um estúdio em Londres. Deixara Harvard em um rompante assim que soube da morte do irmão e pegara o primeiro voo para casa ainda estarrecida, chegando na madrugada do dia do enterro. Não levara seu material de pintura nem pensara em comprar material novo ao chegar ali.
Mas ela poderia aguentar até voltar para o campus, decidiu, e então deixaria todas as emoções ocuparem as telas novas. Porque voltaria para longe daquele mundo assim que as cerimônias acabassem.
Com os pensamentos tomados pela necessidade da arte e seus planos para quando pudesse se conectar de novo com ela, Leona não percebeu quando a mãe se afastou para atender a um convidado ou quando outra pessoa se aproximou de si, já que mantinha o olhar baixo.
— Não está pensando em se juntar a ele, está? — Quando a voz doce e melodiosa de Ethan Fraser chegou baixa aos seus ouvidos, Leona não conseguiu conter um pulo de susto. Levando uma mão ao coração que, de repente, batia acelerado, ela não percebeu que a outra se abria um pouco, deixando Ethan ver o comprimido que ainda estava ali.
— É uma ideia tentadora, mas não. Acho que não tenho essa coragem.
Nenhum dos dois notou a mudança nada sutil no comportamento da jovem, que, com a alteração na companhia, de repente sentia a garganta desimpedida, livre para falar o que lhe viesse à mente sem as restrições do respeito imposto ou dos ditames sociais.
Ethan olhou demorada e profundamente nos olhos verdes redondos da jovem ao seu lado por um momento silencioso. Sabia que nem sempre era possível enxergar a verdadeira profundidade da tristeza de uma pessoa só de olhar para ela, mas tinha esperança de que a amiga de infância tivesse forças para superar a perda, mesmo que outras coisas tivessem sido demais para ela a ponto de a levarem a fugir.
Escolhendo seu próprio lado melodramático e brincalhão, em vez do profundo e escrupuloso, Ethan apontou para o comprimido na mão dela, esperando que a piada fosse capaz de afastá-la das ideias perigosas.
— E o que pretende fazer com isso? Afogar as mágoas?
Leona olhou para o comprimido como se não lembrasse que ele estava ali.
— Para dizer a verdade, eu nem sei o que é isso. — Quando viu as sobrancelhas de Ethan se elevarem ao mesmo tempo em que os olhos pretos adquiriam um brilho preocupado, explicou: — Nicolle Sanders me deu, mas não consegui entender se é um calmante, um estimulante ou qualquer outra coisa antes que ela se afastasse.
— Aí ela desapareceu na multidão, como num passe de mágica! — imaginou Ethan em voz alta, rindo, relaxando ao perceber que Leona não pretendia ingerir o comprimido.
— Pior, ela se juntou à multidão e começou a interagir — Leona disse isso com uma expressão de horror no rosto redondo.
Os olhos pretos de formato amendoado fino – claramente de descendência asiática – do jovem se arregalaram com pavor não tão fingido e seus lábios grossos e estreitos se entreabriram em um "O" perfeito com uma exclamação de surpresa.
— Entendo porque decidiu ficar sem saber o que era.
Leona conseguiu sorrir pela primeira vez naquele dia. Foi só um leve repuxar dos cantos dos lábios para cima, mas ainda assim foi um sorriso.
Ethan era o único ali com quem ela podia ser ela mesma, agora que Logan se fora. Durante sua vida inteira, ela pôde contar apenas com o irmão e o jovem bondoso e gentil que era o segundo filho dos Fraser, com quem iniciara uma amizade instantânea em uma das festas de aniversário do irmão, quando eram pequenos. Ethan Fraser era seu único amigo em Londres e o único de quem sentia falta enquanto morava e estudava na América, o único que a entendia e não a julgava, como Logan tinha sido.
Sem dizer uma única palavra, o jovem tomou gentilmente o comprimido da mão de Leona e o depositou silenciosamente na lixeira mais próxima. Quando voltou para perto da amiga, permaneceu em silêncio. Não havia muito a dizer sobre a partida de Logan e as condolências já tinham sido trocadas horas antes, anteriormente ou durante o enterro. Agora, os dois estavam satisfeitos por apenas compartilhar a dor em silêncio com alguém que a entendia.
Foi Leona quem quebrou a quietude algum tempo depois, voltando os próprios olhos para os dele, vários centímetros mais alto, mesmo com a ajuda dos saltos stiletto.
— Eu soube que você estava lá com ele.
— Sim, eu e Raoni. — Ethan pensou no próprio irmão, que também esteve no pub na noite em questão, mas, como ele nem mesmo tinha cumprimentado Logan, não o mencionou.
— Fico feliz que você não tenha se machucado também. — Leona se sentiu como a própria mãe, substituindo as palavras para não pronunciar as que trariam mais dor. — Você e Raoni, é claro.
Ethan sabia que, portadora de um bom coração, Leona estava feliz por ninguém mais ter morrido, inclusive Raoni Rehan, mas Ethan era o mais próximo dela. Ela sentiria mais a perda dele que a de qualquer pessoa.
— Você ainda vai ter que me aturar por um bom tempo. Eu não vou a lugar algum.
Leona apenas sorriu – não conseguiria responder com a respiração e as palavras presas no nó de emoção que se formou em sua garganta – e observou enquanto Leif e Lynn Rehan adentravam o salão.
Era difícil não acompanhá-los com os olhos. Os dois chamavam a atenção naturalmente, com o contraste entre a altura dos dois – Leif era ainda mais alto que Ethan, chegando a 1,86m, enquanto Lynn tinha quase a altura de Leona, com 1,60m –, mas não era isso que impulsionava os olhares a se prenderem no casal.
Devia ser alguma coisa na linhagem aristocrática, pensou Leona. O duque tinha sóbrios olhos castanhos, da mesma cor da barba e do bigode bem cuidados, que combinavam com o cabelo que caía até a nuca e contrastavam com a pele branca, mas a imponência que emanava dele parecia ser inerente. Por outro lado, Lynn Rehan não nascera aristocrata, mas parecia ter se adaptado à posição com talento excepcional, exalando suntuosidade sem arrogância e elegância sem cinismo com seu cabelo negro caindo em ondas até os ombros, sua pele de um tom de bege claro como se gostasse de passar algum tempo ao sol e seus olhos castanhos tão escuros que muitas vezes podiam ser confundidos com pretos.
O Herdeiro não estava com eles, mas Leona ignorou o que isso poderia significar enquanto assistia o duque e a duquesa caminharem por entre as pessoas até encontrar Jazlyn e cumprimentá-la de uma forma que poderia ser considerada acalorada, em se tratando dos Rehan.
Pelo que Leona se lembrava, a família Rehan inteira era reservada. Leif, o duque, tinha uma voz potente, mas escolhia usá-la principalmente em tom de ordem ou ensinamento, quando podia dar a palavra final; enquanto Lynn, elegantemente quieta, sempre tinha sido seletiva com os momentos em que permitia que sua voz sedutora fosse ouvida. A mulher tinha se dirigido a Leona pouquíssimas vezes na vida, mas em todas tinha sido educada e gentil. A jovem secretamente admirava a capacidade daquele casal de se manter calado a maior parte do tempo e, ainda assim, demonstrar gentileza ou proteção quando se expressavam.
Não se podia dizer o mesmo sobre todos os outros, lembrou Leona. Ao menos os Rehan não expressavam tudo o que pensavam ou não julgavam tão facilmente.
Seus pensamentos foram interrompidos quando o casal se aproximou para cumprimentá-la. Até aquele momento, Leona tinha quase esquecido que os visitantes deveriam fazê-lo, já que ela era parente do falecido, mas já devia ter imaginado que a educada Lynn não esqueceria as formalidades.
Contudo, quando a mulher segurou suas duas mãos entre as dela em um aperto caloroso e expressou seus sentimentos, não pareceu um gesto treinado. Lynn Rehan realmente parecia sentir muito pela morte de Logan.
— Não consigo imaginar a dor que está sentindo, mas quero que saiba que também sentimos muito.
Leona apenas assentiu, com a garganta apertando pela segunda vez enquanto tentava controlar o choro. Poucas pessoas realmente entendiam ou conseguiam se expressar, mas Lynn tinha assumido a responsabilidade em nome do marido, que continuava em silêncio ao seu lado, apenas os olhos castanhos demonstrando suas condolências no rosto sempre sério.
Depois de alguns instantes, o duque pediu licença e se afastou, mas sua esposa ainda segurou as mãos de Leona por alguns instantes, falando em um sussurro tão baixo que a própria jovem mal conseguiu ouvir:
— Quero que saiba que estou aqui se precisar.
É muito gentil de sua parte, Leona pensou, mas não teve tempo de dizer em voz alta, porque a mulher já tinha se afastado.
Observou o casal passar pela porta que levava à biblioteca enquanto pensava na estranheza do momento. Lynn Rehan nunca tinha sido tão próxima de sua família, mas agora expressava cuidado e preocupação com a jovem que vivera os últimos anos do outro lado do Oceano Atlântico. Apesar do longo histórico de amizade entre as duas famílias e de seu pai considerar Leif um amigo, a despeito inclusive de o Herdeiro Rehan ser um dos melhores amigos de seu falecido irmão, Leona nunca teria imaginado uma oferta tão próxima da intimidade que nunca vira.
Não teve tempo para explorar o pensamento, contudo, porque naquele momento ela o viu.
Era impossível não ver, já que sua altura impressionante superava até a do pai, tornando-o a pessoa mais alta no salão e possibilitando que ele observasse tudo e todos de cima. Também era impossível não saber quem ele era. Raoni Rehan carregava a imponência da aristocracia no sangue e, ainda mais do que acontecia com seu pai, ela parecia transbordar por seus poros, junto com a beleza quase pecaminosa que atraía todos os olhares em sua direção.
Como qualquer outra mulher presente, não importando a idade, os olhos de Leona permaneceram grudados nele enquanto o jovem caminhava com a elegância de um rei até sua mãe e a cumprimentava, como ditavam os costumes. Ele devia ter cumprimentado seu pai no jardim e agora seguia para a próxima pessoa na ordem de etiqueta.
O cabelo castanho-escuro que ele herdara do pai estava arrumado de forma que não caísse sobre a testa lisa e a pele apenas um tom de bege acima do da mãe evidenciava a origem coreana da família de Lynn, mas Leona já sabia que Raoni era a personificação da beleza, afinal não poderia ter evitado conhecê-lo antes de partir para os Estados Unidos. O que a surpreendeu, porém, foi ver sua própria mãe corar diante dele. A fria e cuidadosamente polida Jazlyn MacAskil corou com meras palavras de condolências de Raoni Rehan!
O jovem esboçou um pequeno sorriso que Leona não pôde ver direito por causa do ângulo em que o corpo dele estava, quase de costas para ela, mas as reações de Jazlyn eram óbvias, assim como as das mulheres ao lado dela. O homem as estava seduzindo com absurda facilidade e a jovem suspeitava de que ele não estava nem tentando.
Jazlyn e suas amigas ainda tentaram segurar Raoni perto delas por mais alguns instantes, puxando assunto e tocando seu braço de forma acolhedora, mas o jovem usou toda sua sutileza e se afastou assim mesmo, seguindo – isso era mesmo possível? – na direção de Leona.
A jovem entrou em pânico por um momento, antes de lembrar que cumprimentá-la fazia parte da etiqueta, e baixou os olhos, mais para se controlar do que para fingir que não tinha sido afetada. Uma mulher precisaria estar morta para não ser afetada por Raoni Rehan e, ainda assim, Leona duvidava que fosse possível.
Ela sentiu a aproximação do corpo alto e esbelto mais do que viu, porém ouviu perfeitamente a troca de palavras entre o recém-chegado e seu amigo.
— Pensei que tinha desistido de voltar — comentou Ethan, lembrando que o Herdeiro estivera presente no enterro.
— Não sei se eu teria chegado em casa vivo se tentasse.
— Lynn é uma mulher excepcional. A única que consegue controlar você. — Raoni abriu um ligeiro sorriso sem abrir os lábios. Controlar era uma palavra forte, mas a mãe era, sim, a única pessoa a convencê-lo a fazer certas coisas de que não gostava.
Leona escolheu esse momento para levantar a cabeça, sentindo que seu deslumbramento já não transparecia mais em seu rosto. E encontrou os olhos escuros observando-a. Teve que engolir em seco.
Os olhos não tinham sido herdados, não se pareciam com os de Lynn ou Leif. Aqueles olhos eram só de Raoni, tão exóticos e envolventes em seu formato de amêndoa que, por um segundo, todo o resto do mundo pareceu desvanecer.
— Meus sentimentos — expressou ele, chamando a atenção dela para sua boca, que devia ter sido esculpida pelo melhor dos artistas, com os lábios tão bem desenhados que o de cima lembrava o formato de uma gaivota e tão cheios que pareciam formar um leve e eterno biquinho, ainda que não fossem grossos demais.
Leona sentiu a mão direita coçar e os dedos formigarem pela necessidade de um pincel.
— Obrigada — respondeu ela, forçando-se a voltar a encarar os olhos dele, passando pelo nariz reto e finamente delineado, em dúvida de qual traço do homem era mais perigoso. — Fico feliz que não tenha se ferido também — apressou-se em dizer. Não podia parecer embasbacada na frente dele, ainda que talvez ele já tivesse percebido o que causava nela. Não devia ser muito diferente do que causava em qualquer outra pessoa.
Raoni desviou os olhos de Leona para Ethan por um segundo. Esperava a tristeza que via nos olhos dela, mas não esperava que ela soubesse o que aconteceu na noite da morte do irmão.
— Eu fiquei sabendo que vocês três estavam juntos quando aconteceu e que ninguém poderia ter feito nada — Leona explicou ao ver o olhar interrogativo de Raoni para Ethan. Não entendia bem as nuances do mundo que a rodeava, mas sabia que existia uma hierarquia que colocava Raoni acima do amigo. Não queria que Ethan tivesse problemas. — Parece que se salvaram por algum tipo de milagre, mas não importa. Em meio a tudo isso, pelo menos posso ficar aliviada porque ninguém mais se feriu.
Ninguém próximo de nós, refletiu Raoni, sempre preciso, lembrando-se das pessoas feridas encaminhadas até a ambulância, mas notou a sinceridade da jovem diante de si, o que contrastou com as palaras de A. C. Libere ditadas por sua própria desconfiança natural: Ninguém é inocente nesta selva; somos todos compadrio de alguma coisa.
— Acho que você precisa ir — disse Ethan, chamando a atenção do amigo, que se virou a tempo de ver Ezra MacAskil entrar na biblioteca.
O dono da casa e pai de Leona devia ser o último a se juntar ao grupo que já estava lá dentro, do qual Leif fazia parte. Como Herdeiro que receberia a Herança ainda naquele ano, Raoni devia estar presente. Aquele tipo de reunião logo seria responsabilidade dele.
— Com licença — pediu, seus olhos encontrando os verdes de Leona por mais um instante antes de se afastar, guardando dentro de si a vontade de aprender um pouco mais sobre a jovem que tinha conseguido se esquivar de seu mundo e que conseguia se sentir genuinamente aliviada por ele ter sobrevivido enquanto ela sofria pelo próprio irmão morto.
O espírito enriquece-se com o que recebe, o coração com o que dá, ponderou Raoni enquanto abria caminho por entre as pessoas mais uma vez. Talvez Leona MacAskil fosse mais do que era possível ver.
Os olhos de Leif se voltaram para o filho em silenciosa aprovação quando este passou pela porta da biblioteca, mas desviaram-se logo depois, percebendo que Raoni ainda preferia o canto isolado do recinto para observar os demais presentes.
— Agradeço pela presença de todos — começou Ezra MacAskil, servindo-se de uma bebida e oferecendo aos demais.
— Acho que podemos pular essa parte. Já nos cumprimentamos — sugeriu Nikolai Fraser, sentado confortavelmente em um dos sofás do cômodo amplo com um copo de uísque na mão.
Sempre apressado, pensou Raoni, já tendo observado o homem vezes o suficiente ao longo dos anos para conhecer seu comportamento.
— Certo, tem razão. Precisamos tratar da Sucessão. — Ezra então olhou para Leif em busca de conselhos. A administração de todo o legado dos Herdeiros da Regência fluía bem, mas, quando alguém precisava de conselhos ou ajuda, era aos Rehan que precisava recorrer. Essa era uma das razões da influência da família.
— A regra é clara. Você precisa de um herdeiro no momento em que completar 50 anos — lembrou Leif enquanto encarava Ezra com a devida seriedade.
Para o duque, a questão era simples e a reunião nem era necessária, mas daria ao amigo a satisfação de tratar do assunto com a importância que este sentia. Afinal, o legado secular dos MacAskil estava nas mãos de Ezra agora e ele precisava tomar uma decisão.
Só Raoni percebeu o que estava implícito nas palavras do pai. Tinha aprendido com ele a não colocar todas as cartas na mesa de uma vez e se dedicara a treinar sua percepção até se tornar instintiva. Raoni gostava de se expressar por suas máximas, ainda que evitasse usá-las fora de seu círculo de amizades, mas Leif simplesmente gostava de deixar as informações pela metade, escondidas para que só os que prestavam muita atenção pudessem perceber.
— Mas agora Logan se foi — lembrou Ezra, exasperado. — Não tenho como gerar e criar um herdeiro antes da Sucessão. Eu faço 50 anos no ano que vem!
Como alguém que se dedicava a isso a maior parte do tempo, a implicação de Leif estava clara como água para Raoni, mas não para MacAskil. A palavra herdeiro, em inglês, não tinha gênero. A regra nunca indicara que o Herdeiro precisava ser do gênero masculino, assim como uma de suas antepassadas tinha provado ao Herdar os Negócios do pai algumas décadas antes. A morte de Logan não impossibilitava a Sucessão de Ezra, porque ele tinha uma filha.
Sabendo que o próprio filho tinha entendido perfeitamente a questão e aproveitando a oportunidade para lembrar a todos que sua própria Sucessão estava para acontecer, Leif sugeriu:
— Raoni, pode explicar a ele como resolver a questão?
Raoni preferia continuar no canto do cômodo, observando os homens presentes como fizera a vida inteira – a Tríade sempre o tinha fascinado, cada Consagrado a seu jeito –, mas aceitou a sugestão do pai e se dirigiu ao centro da biblioteca, onde os três poderiam vê-lo. Que momento seria melhor que uma crise para deixar sua posição clara?
— A regra nunca falou sobre o gênero do herdeiro, senhor MacAskil. — Viu os olhos azuis do homem se arregalarem ao perceber o que ele queria dizer. — Leona pode ser sua Herdeira.
Raoni sentiu a irritação crescer em seu peito quando o Consagrado MacAskil olhou para Leif em busca de confirmação, como se o duque tivesse uma autoridade que o filho nunca alcançaria. O jovem se controlou. Ainda devia aceitar aquele tipo de comportamento, a Herança ainda não era sua. Logo isso mudaria e tanto Ezra quanto Nikolai ou qualquer outra pessoa teria que aceitar a palavra dele como a última, mesmo que seu pai continuasse vivo.
Leif, por sua vez, apenas sorriu. Raoni falara tão bem quanto ele mesmo teria feito e estava pronto para tomar seu lugar. O filho inclusive era capaz de se controlar diante da afronta. O duque não poderia estar mais orgulhoso.
— Uma mulher, assumindo restaurantes e clubes? — perguntou Ezra, ainda tentando confirmar que os Rehan não estavam fazendo piada às suas custas.
— Esses e todos os outros Negócios — confirmou Raoni. — Pelo menos ela não precisa nascer de novo e crescer até a Sucessão.
Ezra aceitou a alfinetada e aquiesceu. Não havia mesmo possibilidade de gerar e treinar outro Herdeiro no período de um ano, e passar a Herança para qualquer um que não fosse o próximo na linha de Sucessão seria uma afronta à tradição e à linhagem aristocrática que começara tudo aquilo. Estava pronto para aceitar a sugestão, já que não tinha outra opção, quando Nikolai se pronunciou:
— A garota não faz ideia do que fazer. — Raoni observou seus olhos frios demais para a declaração acalorada, mas não franziu o cenho. — Sua filha nunca foi treinada para ser Herdeira e nunca se interessou por isso. Até deixou o país para estudar nos Estados Unidos, afastando-se ainda mais dos ensinamentos dos Herdeiros da Regência.
Os olhos de Raoni passearam entre Nikolai e Ezra por um instante, enquanto este último ficava sem fala. A mente do Herdeiro, porém, trabalhava rapidamente. O que parecia uma simples constatação para os outros parecia uma jogada a seus olhos. O que Nikolai queria com aquilo? A Sucessão dos MacAskil não lhe dizia respeito, não enquanto família.
Então Raoni lembrou que, como Herdeiros da Regência, enquanto os Rehan preferiam se abster de alguns status que lhe pertenciam, outra família precisava assumir o pódio e ficar à frente do grupo que, aos olhos externos, era uma sociedade de empresas incrivelmente lucrativa. Há décadas, perpetuava-se o costume de o pódio visível relegado pelos Rehan trocar de família a cada geração, ora dando prestígio aos Fraser, ora passando para os MacAskil.
Atualmente, era Nikolai quem tirava proveito de tal posição permitida por Leif, então o certo seria que o próximo Herdeiro MacAskil a assumisse após sua Sucessão.
Aparentemente, Nikolai não estava gostando de ter que passar esse privilégio para uma mulher, para Leona.
Um búfalo é muito mais forte e temível do que um leão, pensou Raoni, imaginando o búfalo como representante do Consagrado MacAskil enquanto o leão simbolizava Fraser. A diferença é que o leão quer comer um bife de búfalo e o búfalo não quer comer um bife de leão. Resultado: o leão acaba vencendo. Adaptando a metáfora, Raoni concluiu que Nikolai poderia acabar vencendo Ezra naquela discussão se MacAskil não tomasse cuidado, mas foi Leif que quebrou o silêncio:
— Bem, talvez a senhorita MacAskil possa ser treinada para a posição dentro do ano que falta até a Sucessão da família. É mais fácil que gerar um novo Herdeiro.
(5494 palavras)
Conheçam Leona MacAskil
Olá, pessoal!
O que estão achando até agora? Me digam nos comentários. Aceito críticas (construtivas), sugestões, perguntas, elogios, surtos, tudo.
Bem, como eu disse antes, defini uma meta a ser cumprida antes de postar o próximo capítulo, então SÓ POSTAREI O CAPÍTULO 3 QUANDO ESTA OBRA TIVER 20 VOTOS E 40 COMENTÁRIOS. Por favor, não peçam novos capítulos antes de a meta ser atingida e conto com a colaboração e o engajamento de vocês!
Beijos e até a próxima!
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