Capítulo 65
Correntes.
Olivia
Quando eu acordei, estava em cima de um colchão sujo no chão.
A sensação era a de estar presa em um pesadelo, pois eu não conseguia acreditar que estava passando por uma situação como essa novamente. Dessa vez, no entanto, não eram algemas que me prendia, assim que me sentei pude ver que eu estava presa por correntes que prendiam as minhas mãos e os meus pés a parede do cômodo. Se é que eu poderia chamar isso de cômodo, parecia mais um calabouço... um completo pesadelo! Tentei fazer força para tirá-las, mas elas eram pesadas, fortes, e ainda estavam apertadas demais, logo, qualquer pressão feita acabava machucando os meus pulsos e tornozelos.
Decidi olhar em volta para tentar achar uma forma de pedir ajuda, mas não havia janelas ali. As paredes tinham um tom escuro com aparência suja, e a única forma de sair era por uma escada de madeira que subia e dava para uma porta. Isso me fez pensar que talvez eu estivesse em algum tipo de bunker ou porão, mas eu não tinha como ter certeza pois era difícil enxergar ali, estava tudo muito escuro, a única fonte de luz era uma vela acesa em cima de uma mesa do outro lado do cômodo.
Em cima da mesa, havia alguns itens de papelaria soltos, já embaixo, tinha dois galões preenchidos com um liquido de aparência escura. Não quis nem saber o que havia ali dentro, pois algo bom é que não era. Outra coisa que não era nada boa era o cheiro, já que o cheiro ali era horrível! Era algo que eu nunca havia sentido antes, então, não conseguia descrever com detalhes, mas se fosse tentar, diria que era cheiro de algo morto, podre.
Reuni minhas forças e comecei a gritar por ajuda o mais alto que eu pude, torcendo para que algum vizinho ou qualquer pessoa nesse mundo conseguisse me ouvir. Entretanto, quem abriu e passou pela porta não foi uma alma salvadora, e sim, o próprio demônio.
— Ninguém vai te ouvir, querida. — Andrew terminou de descer as escadas e puxou a cordinha que acendia a luz, trazendo claridade para o ambiente. Pisquei algumas vezes para me acostumar, só agora percebendo que a minha cabeça estava doendo e a luz me incomodava. — Não há ninguém por aqui, nem mesmo vizinhos.
Ele olhou brevemente para mim e foi se sentar a mesa, onde começou a mexer nos papeis de forma concentrada.
— O que você está fazendo, Andrew? O que pretende fazer comigo? — Não me contive e perguntei.
— O que pretendo é meio obvio. Mas atualmente, estou terminando os preparativos para isso. — Respondeu, sem olhar para mim. — Já se perguntou como é que os papeis que eu coloco em vocês nunca se rasga ou dissolve no sangue? — Eu não respondi, e isso fez com que ele virasse a cabeça para olhar para mim, esperando por uma resposta.
— Não... — Me forcei a dizer, com medo do seu olhar sombrio.
— É bem simples, na verdade. Eu apenas envolvo o papel em plástico filme. — Ele empurrou a cadeira para trás e se levantou, vindo até mim com um pequeno papel em mãos. — O que acha? — Ergueu o papelzinho diante dos meus olhos. O nome escrito ali não era "Olivia", e sim, "Annabelle". — Eu perguntei o que você achou? — Repetiu em um tom mais rígido.
— É bonito. — Eu tive que engolir toda a minha raiva para mais uma vez o responder. Isso estava me corroendo...
— E você prefere o engolir agora, ou quer que eu o coloque dentro de você depois?
Balancei a cabeça, sem conseguir crer que ele estava mesmo perguntado aquilo.
— Você pergunta isso para todas as garotas ou é apenas comigo?
Não consegui conter a minha língua e deixei escapar, já esperando por um tapa ou algum outro tipo de retaliação em resposta, já que foi assim com o Landon. Entretanto, Andrew não o fez. Ele apenas tomou a minha pergunta como sendo séria e a respondeu.
— Sim, na verdade. A maioria chora, implora, faz toda aquela cena nojenta onde ranho sai pelo nariz, sabe? Mas no final, todas escolhem depois. Acho até melhor assim, já que não sei se o plástico filme sobreviveria ao suco gástrico.... Mas pensando bem, as facadas logo depois meio que resolvem isso, não é mesmo? — Ele sorriu. — Irônico, não? — Sequer me importei em responder, sentindo como se fosse explodir de tanto ódio indo se acumulando dentro de mim. Nunca pensei que fosse capaz de odiar e desprezar tanto alguém assim na minha vida, mas Andrew merecia isso e muito mais. Apenas olhar para a sua cara me dava ânsia! E logo ele, alguém em quem eu confiava e que deveria me proteger... ele me enganou direitinho! Enganou a todos! — Então, o que vai ser? — Voltou a perguntar.
— Depois. —'Disse apenas, tentando não dar a ele o que ele queria.
Sua obsessão comigo não era como com as outras vítimas, então, eu não me destoaria delas e alimentaria essa sua insana narrativa. Se ele queria que eu fosse especial, "não como as outras", então eu seria o oposto disso! Mesmo que acabasse morrendo...
Andrew suspirou pesadamente e inclinou a cabeça para o lado, demonstrando algo semelhante a decepção.
— Pensei que você fosse diferente.... Mas acho que são todas sempre iguais no final.
Exibindo uma micro expressão que só poderia ser descrita como sendo de nojo ou desprezo, ele ficou de pé e voltou para a mesa.
Meus olhos se focaram em seus pés e nos galões que haviam ali, e agora, com a luz acesa, eu conseguia ver que o líquido ali dentro não era só escuro... era vermelho. Engoli em seco ao constatar que aquilo só poderia ser o sangue misturado com tinta que ele havia usado pela cidade... e se ele tinha tanto assim, deveria haver algo muito mais perverso planejado pela frente.
Andrew voltou a se aproximar de mim, e se abaixou a minha frente com um esmalte branco em suas mãos.
— O que você está fazendo? — Tentei esconder as minhas mãos para que ele não as pegasse, mas ele puxou as correntes com força e segurou a minha mão direita firmemente, começando a pintar as minhas unhas.
— Quietinha, se não quiser perder os dedos.
Ameaçou tranquilamente, apertando com os dedos a pequena cicatriz que eu havia ganho na armadilha com vidro deixada no carro da Patty. A cicatriz era quase invisível agora de tão pequena, mas a sensação de dormência ainda estava lá e doía quando apertada.
— Era essa a cor que a Annabelle estava usando quando você a matou? — Questionei, procurando alguma forma de o machucar de volta.
Annabelle ter sido a sua primeira vítima parecia ser algo comprovado agora, afinal, ele a mencionou quando me apagou e essa sua obsessão comigo parecia estar conectada a ela e a nossa aparência semelhante. Contudo, eu ainda não conseguia entender o que fazia ela ser tão especial assim para ele. Era apenas por ela ter sido a sua primeira vítima, ou tinha algo a mais nessa história?
Andrew parou o que estava fazendo e ergueu o olhar para mim de forma dura, então, sem dizer nada, foi até a mesa e voltou com um pedaço de pano, o enfiando na minha boca.
— Pensei que estivéssemos brincando. — Me esforcei para dizer, não sabia se ele havia conseguido me entender ou não, até o ver sorrindo.
— Você saberá bem quando estivermos brincando, Olivia.
Ao terminar de pintar as unhas das minhas mãos, ele migrou para as dos pés. Observei o cuidado com o qual ele me tocava, como se eu fosse uma boneca frágil, e isso poderia até parecer algo bom a primeira instância, mas na verdade, era o total oposto disso e apenas serviu para me dar ainda mais nojo dele! Pois era assim que ele me via, como um brinquedo feito para a sua diversão! Pior do que apenas uma boneca, eu ainda era descartável! Já que assim que ele me matasse, iria atrás de outra, depois outra, e o ciclo continuaria...
— P-por que... por que você faz isso, Andrew? — Minha confusão mental se estendeu para a minha fala e eu gaguejei, tentando mascarar o repentino medo da morte. Andrew retirou o pano da minha boca, agora aparentemente mais calmo, mas eu não repeti a minha pergunta e apenas pulei para outra. — Era você que ajudava o Landon ou era o contrário? — Ele estreitou as sobrancelhas, terminando de pintar a última unha.
— O meu filho me ajudava, mas o precursor da morte sempre foi e sempre será eu. Apenas eu.
Eu pisquei em completo choque.
— Espera... filho? Landon era seu filho?
— Sim. De sangue até, assim como o Edward.... Anna. Você.
Eu não conseguia nem chegar perto de entender todo o círculo de mentira e bizarrice que estava sendo revelado a minha frente. Ele era o pai biológico do Edward e do Landon? E o que a Annabelle... Meu Deus, os bebês! No arquivo que eu li dizia que ela deixou para trás dois bebês... dois! Annabelle era a mãe biológica do Edward, era isso! Agora tudo começava a fazer sentido!
Apenas olhei para ele com os olhos arregalados, sem conseguir dizer nada diante de tanto choque. Tudo o que se passava na minha mente eram duas perguntas, a primeira: "Mas que merda?", e a segunda... "O meu namorado tinha algum envolvimento com tudo isso?"
— O Edward sabe? — Me apressei para saber. Pois não era possível que eu tivesse sido feita de idiota por tanto tempo assim, simplesmente não!
— É claro que sim. — Com a maior calma do mundo, Andrew olhou para o seu relógio de pulso. — A essa altura, ele já deve estar a caminho daqui para te matarmos juntos.
Eu literalmente afundei naquele colchão. Não... não, NÃO! Nossos olhares, nossos beijos, nossa história... apenas não! Não poderia ser tudo mentira, não poderia!
Andrew abriu um sorriso sacana a minha frente e eu finalmente pude perceber o que estava acontecendo. Ele estava me torturando!
— É mentira, não é? — Quase supliquei a pergunta, de tanto que eu precisava dessa confirmação.
— Eu disse que você saberia quando a brincadeira começasse. — Confirmou, satisfeito. — Ele não sabia. Agora, no entanto, já deve estar sabendo. Eu menti e inventei uma história ridícula quando ele ligou, mas desde o momento em que ele me informou que estava indo nessa viagem, eu soube que seria uma questão de tempo até que ele descobrisse tudo. — Ele fez uma pausa, dando um longo suspiro. — Em pensar que eu estava quase desistindo de você e indo embora. — Ele riu. — Você tem ao Edward para agradecer quando ele chegar. Foi ele quem me lembrou quem você era e o que eu tinha que fazer.
— Mentiroso! — Soltei, tentando não cair novamente em suas torturas. — Você nunca iria me deixar viver! — Andrew apenas sorriu, concordando.
— Eu tentei alertar o meu filho para não namorar com você, só imagino o que deve estar se passando em sua mente agora... deve estar tão confuso. — Ele fez uma careta.
— Do que você está falando? O que eu tenho a ver com essa história? — Não consegui acompanhar o seu raciocínio.
— Simplesmente tudo, Olivia! Desde o momento em que eu bati os olhos em você em Hood River, eu soube que a sua aparência não poderia ser apenas uma simples coincidência, e de fato, não é. — Ele veio até mim, segurando o meu rosto com força enquanto me olhava impressionado. — Você foi destinada a mim desde o seu nascimento! Destinada a morrer pelas minhas mãos assim como a Anna, assim como todas as outras, até mesmo a Sophia.
Eu arfei. Sem saber mais no que acreditar. Suas palavras pareciam brasa e iam queimando em minha mente, me causando ainda mais medo e confusão.
— Não... Edward me disse que ela faleceu de câncer.
Ele me largou e se afastou de mim, voltando para perto da mesa.
— Ela estava com câncer. E sim, morreria um dia, mas esse dia estava demorando tanto... — Ele olhou para trás e fez uma expressão de tédio. — Eu tive que agilizar o processo com um travesseiro. Ainda mais por ela ter descoberto sobre o meu pai, descoberto a verdade sobre o Edward, e ainda por cima, ter revelado o nome ridículo que a Anna escolheu para ele. "Harry". — Ele fez uma vozinha irritante. — Que porra de nome é "Harrison", afinal? Eu não poderia simplesmente deixar tudo isso passar, sabe? — Indagou, como se esperasse que eu concordasse com as suas loucuras. — Foi até um pouco engraçado a cena, Edward acordou no meio da madrugada e entrou no quarto bem na hora em que eu a matei. — Ele deu uma risada sincera, como se a lembrança do ato o trouxesse de volta satisfação e prazer. — Como um bom pai faria, eu o tirei do quarto e o convenci de que ainda estava dormindo e que aquilo não passava de um terrível pesadelo. Precisei pagar meses de terapia infantil simplesmente por ter esquecido de trancar a porra da porta do quarto? Precisei. Mas pelo menos ele não saiu mundo a fora espalhado para os coleguinhas que "o papai matou a mamãe". Sabe como criança gosta de falar, não é? São terríveis!
— Como você tem coragem de achar tudo isso engraçado? Divertido? — Acusei, ainda mais indignada. Tudo o que eu conseguia sentir era nojo, raiva, medo, mais nojo...
— Você quer que eu chore, Olivia? — Perguntou cinicamente, caminhando até mim. — Sério, eu posso chorar se for mais fácil para você. Só preciso de um tempinho para me concentrar e...
— Você me enoja, seu psicopata! — Cuspi nos seus sapatos a minha frente, já que se tentasse cuspir nele, a saliva acabaria caindo em cima de mim.
— Você queria que eu ficasse triste? Me arrependesse? Ficasse com pena dele? — Continuou, no mesmo tom cínico. — Bobinha, eu não sinto isso. — Ele se abaixou a minha frente e passou a mão pelo meu cabelo, me olhando fundo nos olhos. E o fato de eu não conseguir enxergar nada neles era algo desesperador. Era como estar olhando para uma casca vazia. Ou um abismo escuro sem fim. — E é melhor assim, pois isso me torna superior as outras pessoas. Emoções são uma merda, você não acha? Por exemplo, você está sentada no mesmo colchão onde outras seis garotas agora mortas estiveram, e isso te deixa triste, não é? Com medo... te faz chorar, não faz, Olivia? — Como um relógio programado, lágrimas começaram a brotar em meus olhos. Eu simplesmente não conseguia controlar, pensar nas outras garotas, nas mortes delas, e em como eu também iria morrer, simplesmente acabava comigo. Elas não mereciam ter morrido. E eu também não queria morrer! — Não deveria ser assim, Olivia. Pessoas como eu são o futuro desse país. Da humanidade! — Ele passou a ponta dos dedos pelo meu rosto para enxugar as lágrimas e eu até tentei virar o rosto para fugir do seu toque, mas acabou sendo pior e ele apertou as minhas bochechas com força, me forçando a continuar olhando para ele. — Minha nossa, você se parece tanto com ela! Minha doce e inocente, Anna... — Ele ficou olhando para cada centímetro do meu rosto com uma enorme admiração. Até que anunciou de repente: — Eu tenho um presente para você!
Me largando de forma abrupta, ele se levantou e foi buscar uma pequena caixa em cima da mesa. Se abaixando novamente perto de mim, ele abriu a caixinha e revelou a correntinha que havia ali dentro. Era idêntica a correntinha que Edward havia me dado.
— Onde conseguiu isso?
Eu a perdi na minha festa de aniversário. Pensei que estivesse com a polícia, mas não estava. Iria perguntar para o Edward se ele havia pego ela de volta para me dar, mas acabei esquecendo.
Andrew não respondeu a minha pergunta. Ou melhor, respondeu, só que não do jeito que eu esperava...
— Eu comprei especialmente para você, Olivia... minha letrinha "O". — Minha respiração falhou e eu olhei para aquele colar em total desespero, finalmente percebendo o "E" que havia no bilhetinho do remetente não era de "Edward" ou sequer de "Elijah" como eu pensei... era de Enigma. — Depois que você tirou isso do pescoço, tudo ficou bem confuso e o Landon quase que pegou a irmã errada. — Ele soltou o ar pelo nariz. — Ele nunca se importou em aprender a diferenciar vocês. E esse é só mais um dos detalhes que provam o quão descuidado ele era, pois para mim, a diferença é cristalina como a água e vinho. Você e a puta da sua irmã não poderiam ser mais diferentes!
— Vá se foder, seu louco de merda! — Me revoltei, odiando ouvir ele falar assim da Taylor. — Acha que eu sou uma santa? Uma virgem coitada e inocente? Sinto muito te decepcionar, mas o seu filho já resolveu isso há um tempo.
— Cala a boca... — Ele resmungou, fechando a caixinha com o colar e ficando de pé.
Vê-lo assim tão incomodado foi como um combustível para que eu continuasse falando as coisas mais sujas possíveis que eu conseguisse pensar.
— Na cama, no sofá, no chuveiro! Ele me fodeu inúmeras e inúmeras vezes e eu adorei todas elas! Adorei gemer para ele, sentir o pau dele dentro de mim, na minha boca, sentir o seu... — Ele cortou a distância entre nós em um pulo e tapou a minha boca com a sua mão com força, revelando uma ira em seus olhos que até então, eu nunca tinha visto.
— Você não deveria falar coisas assim, Anna! — Repreendeu duramente. — Garotas como você nunca devem falar coisas assim!
Ele levou a sua mão livre até o meu nariz, e o fechou com os dedos, cortando todas as minhas formas de respirar. E eu até consegui aguentar por um tempo e me fingir de forte, que aquilo não me abalaria, mas foi burrice pois não demorou até que eu começasse a me contorcer pela falta de oxigênio. Tentei tirar suas mãos de mim, e até arranhei os seus antebraços no percurso, mas ele não se abalou e continuou me sufocando.
Apenas quando eu já estava a ponto de desmaiar, foi que ele me soltou e se afastou para pegar a caixinha que deixou cair quando teve o surto de raiva. Fui puxando o ar com força, completamente ofegante, e levei uma das mãos até o peito, sentindo os meus pulmões doerem e o coração disparado.
— Por que você a matou? — Soltei, sem a menor vontade de me calar ou abaixar a cabeça. E quando vi que ele iria apenas me ignorar, fui e reformulei a pergunta. — Por que você me matou, Andrew?
Isso pareceu cativar a sua atenção, pois ele virou o seu rosto levemente para o lado. E apesar de não conseguir ver nenhuma expressão, o seu corpo parecia ter relaxado.
— Não era a minha intenção, meu amor, de verdade. Quando a Eva nos apresentou, foi amor à primeira vista, estávamos apaixonados, você sabe disso!
— Se estivessem mesmo tão apaixonados assim, ela ainda estaria viva! — Rebati, me recusando a continuar fingindo ser a Anna.
E toda a tranquilidade que ele transparecia há segundos atrás desapareceu em pleno ar.
— Ela ainda estaria viva se não fosse uma putinha como você!
Ele deixou a máscara cair novamente para me lançar um olhar mortal. Me dando mais um vislumbre de como ele era completamente surtado! E como loucura se trata com loucura, não abaixei a cabeça e igualei o olhar.
— Vá se foder, Andrew!
Ele apenas sorriu de forma desprezível e voltou a me dar as costas, continuando aquela história de "amor" que eu já sem sabia se era de verdade ou pura loucura da sua mente perturbada.
— Eu não tive muita escolha, minha mãe era americana e o meu pai me trouxe para morar com ela quando eles se divorciaram. Eu tinha dezessete anos, mas logo fiz dezoito e precisei me alistar. Foi assim que quase dois anos sem qualquer contato com a minha amada se passaram. — Ele voltou a suspirar, como se estivesse falando de algo super romântico. — Nós enviamos cartinhas de amor um ao outro por um tempo, mas após alguns meses, isso parou. Eu estranhei de início, óbvio, mas acabei ficando tranquilo, pois ela prometeu. Annabelle prometeu que nunca pararia de me amar, então, não havia problema. Não havia! Contudo... quando eu completei vinte anos e voltei, fui nocauteado com a notícia de que ela não apenas tinha fugido de casa para ir se casar com o imbecil do seu melhor amigo, como também estava criando os dois filhos que eu rapidamente fiz as contas e descobri que eram meus, como os filhos daquele paspalho! Eu fiquei furioso, qualquer um ficaria no meu lugar, não acha?
— Você a matou! Isso não é raiva, isso é transtorno! Desvio de caráter! Maluquice! Você é um merda, um doente! Um...
— Shiiii. — Ele levou o próprio dedo do meio até boca, mandando que eu me calasse de uma forma ainda mais ofensiva. — Anna não falava tanto assim, você está estragando tudo, Olivia. — Ele fez uma careta de repreensão. — Enfim, nós discutimos, eu a matei, e teria matado os bebês também se o paspalho não tivesse chegado bem na hora, por isso, apenas fugi. — Ele revirou os olhos.
— Você ia matar os seus próprios filhos?
Eu não deveria ter ficado tão chocada, afinal, ele viu o Edward matar o Landon para me proteger e não fez nada para impedir! Ainda assim, eu fiquei. Como alguém que se diz "pai" poderia fazer algo tão cruel assim? Tão desumano?
— Ia. No passado. Ou seja, eu mudei de ideia. Viu como eu não sou tão doente assim?
— Parabéns, você é o pai do ano! Quer um biscoito por isso?
Ele apenas cerrou levemente os olhos e continuou com a sua história.
— Demorou cerca de um ano até que eu conseguisse a guarda deles e os trouxesse para a América comigo. Minha família me ajudou com isso, mas eles não sabiam que foi eu quem a matou, acreditam que foi o paspalho. Meu pai chegou a descobrir anos depois, mas eu cuidei disso... dele. Isso não é importante para a história, o que de fato é importante, é como criar dois filhos sozinho aos vinte e um anos de idade não é uma tarefa fácil. Eu acabaria matando os bebês se tivesse que aguentar aquilo por mais tempo, então, escolhi me livrar de metade da responsabilidade. Fiquei com o bebê que tinha os meus olhos, e o outro, eu deixei em um orfanato com uma carta de instruções para que ele me procurasse assim que fizesse vinte e um anos. Depois, procurei uma mulher desesperada o suficiente para se casar rápido com um rapaz "viúvo" e com um filho pra criar, e a Sophia me serviu como uma luva. Ela era uma daquelas jovenzinhas retraídas e com problemas paternais, sabe? Criada dentro da igreja para ser uma santa, mas foi só eu mostrar o mínimo de interesse possível que ela já foi abrindo as pernas para que eu a usasse. — Eu tive que engolir em seco para não reagir. Eu sequer conhecia a Sophia, mas pelo o que o Edward me contou, ela era uma ótima pessoa e uma boa mãe. Ela, nem ninguém, merecia ser tratada assim. — Ironicamente, o filho que eu não escolhi acabou se tornando bastante parecido comigo. — Comentou, como se aquilo fosse engraçado e lindo. — Consegue imaginar o quão satisfatório foi descobrir que ele havia matado uma garota em uma festa da faculdade e literalmente me ligado como último recurso? Acho que as maçãs realmente não caem tão longe assim da árvore. — Ergueu as sobrancelhas ao insinuar aquilo. — Arrumei um bom advogado, ele foi inocentado, e eu ainda paguei para que ele fosse morar em Nova York perto de mim. Eu tive que o ensinar bastante coisa antes de atacarmos pela primeira vez lá, tenho certeza de que ele estaria apodrecendo em alguma cadeia nojenta se não fosse por mim.
— Pelo menos ele ainda estaria vivo. — Comentei desgostosa. — Pois mesmo com ele te dando todo esse "orgulho", você ainda o deixou morrer pelas mãos do seu outro filho. Que tipo de pessoa faz uma coisa dessas?
— Uma pessoa inteligente. Algo que ele não era. E vamos lá, Olivia, você vai mesmo sentar aí e me dizer que ficou triste com a morte dele? — Me encarou cinicamente. — Ele se apressou, cometeu erros, esqueceu completamente das minhas lições e tentou comer mais do que a própria boca permitia. Chegou a quase violar você! Então, não se faça de sonsa comigo, pois você, mais do que ninguém, sabe que ele mereceu o que recebeu. — Ele deu de ombros, despreocupado. — A criação acabou fazendo toda a diferença no final das contas, pois enquanto o Landon era descuidado, impulsivo, e sempre fazia de tudo para chamar a minha atenção, mesmo que isso significasse alguma merda que eu teria que limpar e encobrir depois, o Edward acabou sendo o total oposto. Ele é metódico, organizado, inteligente, estrategista... ele sim tem o potencial preciso para se tornar uma lenda como eu. Ele foi o meu projeto perfeito.
— Você me dá nojo! — Soltei. — Edward é muito diferente de você, ele nunca faria algo assim! Inclusive, ele vai conseguir descobrir aonde nós estamos e você vai pagar por tudo o que fez a nós dois e a todas as outras garotas! Você não vai sair disso impune, Andrew, não vai!
— Ele não precisa descobrir nada, bobinha, eu deixei dicas de onde nós estamos para ele achasse. Ainda não entendeu que o meu filho aparecer aqui faz parte do grande plano?
— Que plano?
— De torná-lo como eu, é claro. Não está me escutando ou é burra assim mesmo? — Ele franziu a testa. — Sério, como o Edward pode ter se apaixonado por isso? Eu falhei tanto assim como pai?
Ele virou o rosto para o lado como se estivesse pensando alto, e eu tive que ignorar as suas ofensas para começar a considerar aquela hipótese... não seria possível, seria? Não, claro que não! Edward não era assim. Andrew não iria conseguir!
— Você é louco! Ele nunca...
— Nunca mataria? — Me interrompeu. — Acho que o Noah discordaria de você se estivesse vivo, mas o meu filho tomou conta disso.
— O que? Não. Não! — Balancei a cabeça. — Você está mentindo!
Edward estava em outro continente, não tinha como ele ter nada a ver com a morte do Noah. Era impossível!
— Eu vi com os meus próprios olhos, Liv. Eu o segui até a casa do lago dos Kim e vi quando ele atraiu o Noah até o lago e o afogou com as próprias mãos... e deixa eu te dizer uma coisa, eu nunca, em toda a minha vida, me senti tão orgulhoso dele quanto naquele momento!
— MENTIROSO! Seu maluco! CANALHA! Filho da puta! — Acabei por mexer os meus braços com tamanha a raiva que eu estava sentindo, e as correntes machucaram os meus pulsos por conta da pressão. Grunhir de dor e olhei para os meus pulsos, percebendo que eles estavam ficando totalmente roxos, mas não consegui me importar nenhum pouco com isso... — Você está mentindo. Está mentindo... — Comecei a sussurrar. Mas já não sabia se para ele ou para mim.
As lágrimas voltaram mil vezes mais fortes, e logo, eu estava em prantos a sua frente. Não podia ser verdade! Não podia! Edward nunca...
— Eu nunca me senti tão orgulhoso quanto naquele momento, Anna. O nosso filho, o nosso majestoso filho! Nunca havia visto tanto potencial em alguém como eu vi nele afogando aquele pobre coitado por puro ciúmes da namoradinha idiota. Nem mesmo o Landon demonstrou tanta aptidão para isso. Edward só precisa de mais um empurrãozinho, mais uma lapidada, e logo, estará se juntando, você vai ver!
— Eu não sou a Anna... EU NÃO SOU A PORRA DA ANNABELLE! — Gritei, tapando os meus ouvidos para não ter que escutar mais nada vindo dele.
Andrew voltou a tocar o meu rosto após tirar as minhas mãos dos ouvidos para que eu o escutasse, e dessa vez, ele exibia um sorriso escrupuloso no rosto. Como se planejasse algo ainda mais cruel pela frente.
— É claro que não é, Olivia. Mas você, ah... você. Você vai ser de extrema importância. Será a responsável por me ajudar a conseguir tudo o que eu quero.
— Eu nunca ajudaria você! Nunca! Prefiro morrer!
— Eu sei disso. — Ele piscou para mim. — Mas você fará os dois ao mesmo tempo. Já que não vai precisar estar viva para isso. — Eu pisquei, sem entender onde ele queria chegar. — Perder você é o que vai mudar tudo para ele. Assim como perder a Anna mudou para mim. Sangue é mais espesso que a água, e quando o momento chegar, Edward irá se juntar a mim por vontade própria.... Porém, eu não posso te explicar tudo agora. Preciso ir fazer os últimos ajustes antes que não haja mais tempo.
Ele me soltou e foi até a mesa, abrindo uma das gavetas para tirar de dentro um pequeno frasco de vidro escuro. Então, se ajoelhou no colchão ao meu lado e apertou o meu rosto para que eu, forçadamente, abrisse a boca. Tentei virar o rosto e o empurrar, mas ele era mais forte e me manteve no lugar, apertando as minhas bochechas com bastante força para conseguir derramar alguns goles do que quer que fosse aquilo em minha boca. E eu até que tentei cuspir, mas acabei engolindo uma pequena parte daquele liquido sem gosto algum no processo. E ao constatar isso, Andrew me soltou.
— O que você me deu? — Indaguei, já com medo da resposta.
— LSD líquido. Um pequeno presente para te manter entretida enquanto eu estou fora.
Andrew guardou o frasco de volta na gaveta e foi em direção a escada, saindo sem dizer mais nada, e de onde eu estava, pude ouvir o chacoalhar das chaves quando ele trancou a porta atrás de si, me deixando ali sozinha novamente. Escorreguei para trás para me encostar na parede, e temi o que iria acontecer comigo quando o efeito começasse. Não sei quanto tempo se passou, dez, vinte, trinta minutos, não tenho a menor ideia! Mas quando o meu coração começou a acelerar do nada, e o cômodo a minha volta começou a rodar, eu soube que estava batendo.
Observei com horror tudo a minha volta ir se destorcendo, e a lâmpada presa ao teto por um fio começar a mudar de cor. De branca, para amarela, azul, e então, vermelha. E eu odiava quando ela ficava vermelha, pois parecia que eu estava num lugar totalmente coberto por sangue. Como se ali fosse o meu próprio inferno pessoal! Por isso, eu fechava os olhos com força e esperava até que essa cor passasse. Mesmo sabendo que tudo não passava de uma criação da minha própria mente, eu ainda sentia medo e paranoia a todo momento.
— Vai ficar tudo bem, Liv. — Ouvi a voz de Noah falar, e imediatamente abri os olhos, o encontrando ajoelhado a minha frente.
— Noah? — Estiquei a mão a procura do seu toque, e ele a segurou entre as suas. Ele estava extremamente gelado...
— Eu estou aqui, Liv, e vou te ajudar a sair.
— Não... não, não, não! Você não é real. — Me esforcei para lembrar. — Você morreu. Se suicidou!
— Mas você não acredita mesmo nisso, acredita? — Sorriu.
Mas então, a sua aparência começou a mudar, e a sua pele foi ficando cada vez mais sem cor... até atingir um aspecto cinza azulado. Foi quando, me assustando completamente, alguém vestido com um moletom de capuz preto apareceu por trás dele e o agarrou pelo pescoço, arrastando o seu corpo para um canto do porão onde havia uma banheira cheia com uma água escura... suja. Noah tentou lutar, mas não conseguiu impedir que o encapuzado empurrasse a sua cabeça para dentro da água.
— NÃO! PARA, POR FAVOR! SOLTA ELE! NOAH! — Eu gritava, chorava, e implorava desesperada para que aquilo parasse, enquanto ele apenas se debatia debaixo d'água. — PARA, POR FAVOR, PARA!
Até que o Noah parou de se mexer, e o encapuzado soltou o seu corpo, que caiu no chão ao lado da banheira, com a pele enrugada e os olhos com um aspecto opaco. Olhei para a pessoa encapuzada, com medo de ser a próxima a acabar morta, e ela abaixou o capuz.
— Edward...? — Não... não, não podia ser. NÃO!
Fechei os olhos, sem querer acreditar no que estava vendo. Isso era mentira do Andrew! Não tinha sido ele. Não podia! Era tudo mentira! Tudo mentira...
— Eu sou um assassino, Liv. Você não pode me mudar, isso está no meu sangue...
— NÃO! — Gritei, fazendo com que a sua voz sumisse.
E ao abrir meus olhos segundos depois, percebi com alívio que tudo havia desaparecido. Edward, Noah, a banheira... Eu estava completamente sozinha naquele lugar, e precisava me lembrar disso.
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