Capítulo 61
País de Gales.
Harry
A primeira coisa que notei quando o avião pousou no País de Gales e eu deixei o aeroporto em um táxi a caminho de um hotel, foi que a cidade de Cardiff era bem mais fria que Londville. Bem mais. A paisagem era pitoresca, mas bem atual. Prédios, casas, estabelecimentos, era uma cidade como qualquer outra, no entanto, havia uma coisa aqui que a diferenciava. Ou melhor, uma pessoa. Daniel Flint. Ex-marido condenado pelo assassinato de Annabelle Jolie.
Comi algo no hotel enquanto descansava do longo voou, mas não demorei para pegar um taxi em direção a prisão onde Daniel estava sendo mantido. Falei com o diretor da prisão antes de entrar no avião e avisei quem eu era e quem estava indo visitar. Já estava tudo acertado. Assim que fui levado até a sala de visitação, eu me acomodei em uma das mesas e revisei os arquivos na minha pasta como forma de manter a mente afiada enquanto esperava. Mas logo, tudo pareceu ficar em câmera lenta quando um alarme soou e a porta por onde os detentos chegavam foi destravada. Dela, um homem alto, magro e de rosto recém raspado passou. Acho que eu viajei o encarando, pois quando me dei conta, ele estava sentado na cadeira a minha frente, do outro lado da mesa.
— Quem é você? — Perguntou, assumindo uma postura defensiva.
— Eu sou o agente Edward Chase. Vim conversar com você sobre o assassinato da sua esposa, Annabelle Jolie. — Expliquei a situação.
E ele estreitou os olhos.
— MI6?
— FBI. — Esclareci.
— E o que o assassinato da minha esposa tem a ver com vocês americanos?
Precisei de alguns segundos para entender o que havia sido dito. O sotaque galês além de carregado, ainda era bem rápido, tornando-o um pouco difícil de compreender quando não se está acostumado.
— É isso o que eu vim descobrir. Nos últimos três anos, um serial killer de nome "Enigma" atacou por vários Estados do meu país. Seus assassinatos sempre seguiram o mesmo padrão de vítimas, garotas loiras, de olhos azuis, e com dezessete anos...
— Assim como a Anna... — Ele sussurrou, mais para si mesmo do que para mim.
— A forma como ele matou também é muito parecida... idêntica, até.
— E você está aqui por que? Também acha que fui eu o responsável por isso?
— Não, claro que não. Você está aqui preso, é impossível. — Deixei isso claro, antes que ele se recusasse a continuar falando comigo. Existia a possibilidade de ele ser a pessoa com quem Landon andou conversando pelo celular? Sim, claro. Mas não tinha como ele estar matando ninguém daqui de dentro nos últimos três anos, ou nas vezes em que o Landon estava com o Elijah. — Estou aqui por que quero entender o caso da Annabelle, descobrir se de alguma forma, ele tem alguma ligação com o Enigma. Acredito que você possa fazer isso. Me explicar o que aconteceu naquela época, ou ao menos... tentar.
Torcendo para que as minhas palavras tivessem de alguma forma o convencido, eu esperei em silêncio enquanto ele pensava e tomava uma decisão sobre o meu pedido. Parte de mim acreditava que ele iria apenas recusar e mandar eu ir me foder ou algo assim, por isso foi uma surpresa quando ele por fim, assentiu.
— Eu não a matei. Se você veio até aqui me escutar, então você de fato vai fazer isso. Eu não sou a merda de um assassino!
— Mas você está preso há mais de vinte anos por isso. — Falei, ainda um pouco desacreditado.
— Não é como se eu fosse a única pessoa no mundo que está atrás das grades por causa de uma condenação errônea, agente, isso é bastante comum. Existem muitos como eu por aí que foram condenados e também são inocentes. Apenas não possuem recursos ou um jeito de provar.
— Isso é verdade. — Assumi, afinal, ele tinha um ponto. Erros assim aconteciam todos os dias. — Mas se não foi você... sabe informar quem foi?
— Também não. E isso me assombra até hoje. — Ele respirou fundo, e aos poucos, seus olhos foram se perdendo. — Eu e a Anna éramos melhores amigos. Ela tinha quinze anos, e eu, dezesseis na época, nossas famílias eram amigas e morávamos a uma rua de distância um do outro em Llanelwy, então, estávamos andando sempre juntos...
— Me desculpa, mas onde exatamente? — O interrompi, sem entender o nome que ele havia dito.
— É uma cidade pequena, também é conhecida como St Asaph. — Eu assenti e anotei o nome, ficando em silêncio para que ele continuasse o relato. — Eu era doido pela Anna, mas nessa época, eu suspeitava de que ela estava gostando de outro cara. Ela nunca chegou a confirmar isso, mas essa suspeita foi o que sempre me impediu de confessar os meus sentimentos. Não queria me passar por bobo e acabar estragando a nossa amizade. — Ele fez uma pausa, passando a mão pelo cabelo levemente grisalho, ele ainda estava em seus quarenta e poucos anos. — Um certo dia, marcamos de nos encontrar no cinema de Rhyl, uma cidade vizinha e mais populosa. Era algo que sempre fazíamos, já que não tínhamos cinema na nossa cidade, e Anna amava assistir filmes e frequentar o cinema, mesmo que fosse apenas para ir ver filmes antigos e repetidos, ela amava. — Lembrei das referências que o Enigma deixou em outras cidades usando filmes, e da sua menção a um cinema na carta que ele enviou para a Liv, entretanto, não comentei nada com o Daniel, não queria ter que o interromper novamente. — Contudo, eu acabei me enrolando um pouco nesse dia, e ao chegar lá vários minutos atrasado... eu não a encontrei. Perguntei aos funcionários se ela tinha aparecido, já que eles já estavam acostumados a nos ver por lá, e eles falaram que a viram sair pela porta dos fundos acompanhada de um rapaz. Pensei em ir embora, realmente pensei nisso. Abandonar esse meu amor por ela e apenas torcer para que ela fosse feliz. Mas então... foi como se Deus tivesse tocado em meu coração e me dito para fazer isso, para não desistir. Então... eu não desisti. Saí pela porta dos fundos para tentar seguir os seus passos e descobrir para onde eles tinham ido, mas não foi preciso, Anna estava lá, sentada no chão daquele beco escuro atrás do cinema chorando desesperada. — Sua expressão era a de alguém perturbado pelas memórias do passado. Era até difícil de se ver. — Ela repetia que estava arruinada, acabada, e a primeira instância, eu pensei que ela estivesse falando que havia sido abusada, logo, pedi ajuda e a levei para o hospital mais próximo, mas lá, descobriram que não era isso... — Havia tanta tristeza em seu olhar, tanto medo... — Annabelle estava grávida.
— Meu Deus... — Acabei sussurrando, realmente me sentindo mal com toda essa história.
— Morávamos numa cidade pequena, então, a fofoca logo se espalhou e Anna não teve como esconder por muito tempo. Uns diziam que ela havia sido estuprada, outros, que ela era uma vadia, mas ninguém nunca soube o que de fato aconteceu, pois ela nunca revelou a verdade. Nunca disse quem era o pai do bebê. — Falou, claramente um pouco ressentido. — Anna parou de ir à igreja, parou de ir à escola, e como os seus pais eram extremamente religiosos, eles não apoiavam o aborto, mas também não aceitavam a criança, apenas a julgavam como uma perdida, logo, não demorou para que a expulsassem de casa, deixando-a sozinha ao relento. Sem ter para onde ir, ela me procurou e pediu por ajuda. Eu dei abrigo para ela em meu quarto, escondido dos meus pais, e falei que a ajudaria e apoiaria se ela decidisse terminar essa sua situação, mas ela disse que não, disse que nunca faria isso com o bebê. Então, naquele momento... eu fiz a única coisa possível de se fazer e a pedi em casamento. Garanti que cuidaria dela e do bebê, e que nada de mal os aconteceria enquanto estivessem comigo, e assim... ela veio morar comigo permanentemente, sem precisar se esconder. — Um minúsculo sorriso nasceu em seu rosto ao falar isso, mas ele logo desapareceu. — Entretanto, como a minha família também era religiosa, não tanto quanto a dela, mas ainda assim era, os meus pais também não concordaram com nada disso. Anna havia se tornado uma vadia perdida para toda a cidade, por isso, assim que eu consegui juntar um pouco de dinheiro, nós fizemos as nossas malas e viemos para Cardiff em busca de uma nova vida. Eu a amava, faria qualquer coisa por ela, então, o fato de o bebê não ser meu nunca me incomodou, eu o criaria como se fosse!
— Ela nunca revelou quem o pai do bebê era?
— Não. Nunca. Ela chegou a fazer um retrato falado com a polícia local quando os pais dela a forçaram a dizer que ela havia sido estuprada, mas dias depois ela desmentiu tudo e disse que inventou a pessoa desenhada por causa da pressão dos pais.
— Ok... — Anotei essa informação. — O que houve depois disso? — Pedi que continuasse, ainda confuso sobre o final de tudo isso.
— Estávamos conseguindo levar uma vida normal aqui em Cardiff. Os bebês haviam nascido e eram saudáveis, e a nossa relação evoluiu muito. Até mesmo comecei a notar um olhar diferente dela para mim, como se... todo o amor que eu sentisse finalmente estivesse sendo correspondido, sabe? Estávamos felizes de verdade. Até que em uma noite... tudo mudou. — Uma sombra obscura tomou conta do seu rosto, e eu temi pelo o que estava para vir a seguir. — Eu estava chegando em casa do trabalho e tudo o que eu escutava era um choro alto vindo lá de dentro. Os bebês choravam sem parar, um choro alto, desesperado. Anna levava jeito para ser mãe, nossos filhos raramente choravam nesse nível tão alarmante, e mesmo quando choravam, ela rapidamente sabia como os acalmar, então, eu rapidamente soube que algo estava errado, mas não... não desse jeito. — Lágrimas começaram a se formar em seus olhos e eu senti um aperto em meu coração com a cena. Se ele fosse um homem culpado, era o melhor ator que eu já havia visto! — Assim que entrei na nossa casa e fui para o quarto, o meu mundo todo caiu... A primeira coisa que eu vi, foi o borrão de um homem pulando para fora da nossa janela aberta. Entretanto, eu não tive tempo para ter reação alguma a ele, pois imediatamente os meus olhos se focaram na nossa cama. — Ele apoiou os cotovelos na mesa e levou o rosto até as suas mãos, cobrindo parte do rosto. — É como se essa memória estivesse marcada com brasa em minha mente, Annabelle lá... estirada em nossa cama com a sua camisola branca toda coberta de sangue. — Ele soluçou, enfim chorando. — Eu corri até ela aos prantos, segurei o seu corpo junto ao meu e chequei o seu pulso e o seu coração, mesmo já sabendo o óbvio, pois a sua barriga estava toda furada e os seus olhos ainda estavam abertos, me encarando sem qualquer sinal vida... — Ele fechou os olhos, derramando mais lágrimas. — Não sei quantos minutos fiquei ali, mas o choro era agonizante, então, eu tive que soltá-la para ir checar os berços que ficavam ao lado da nossa cama e garantir que os bebês estavam bem. Eles não paravam de chorar, estavam estressados, assustados, e eu soube que eles tinham visto tudo. — Ele fungou alto, falhando ao tentar parar de chorar. — Tirei eles do quarto e os coloquei no sofá da sala para que aquela memória não se estendesse, e imediatamente após isso, a polícia chegou na minha casa. Eu não sabia disso na hora, fiquei sabendo apenas durante o julgamento e os testemunhos, mas a nossa vizinha aparentemente escutou uma discussão acalorada acontecendo entre Anna e eu, e ligou para a polícia preocupada quando escutou gritos desesperados da Anna pedindo por socorro. Então, quando os policiais entraram na nossa casa, eu já era o motivo da visita deles, mas quando eles viram que eu estava coberto de sangue, eu imediatamente me tornei o principal suspeito. Não acreditaram em mim quando eu disse que vi um homem fugindo pela janela, e quando descobriram que eu não era o pai biológico do bebês, então? Apenas distorceram toda a verdade, toda a nossa história, e fizeram parecer como se eu tivesse descoberto tudo e a matado em um surto de raiva! — Ele balançou a cabeça negativamente, seu choro de tristeza se misturando com raiva. — Como não tínhamos dinheiro para pagar por bons advogados, eu não tive a menor chance no julgamento. A acusação foi extremamente convincente, eles tinham todas as provas, tudo menos a verdade! Fui preso dois dias após o crime, e julgado e condenado um mês depois. Os meus filhos foram entregues ao Estado, já que a minha família provavelmente se negou a cuidar deles, assim como a família da Anna, e logo... a nossa família acabou. Eu perdi minha esposa e os meus bebês de apenas um ano em uma só noite. Uma maldita noite!
— Eu sinto muito pela sua perda, Daniel. — Lamentei, tentando absorver tudo o que ele havia me dito. Embora, uma coisa ainda estivesse me chamando bastante atenção. — Mas, o que quis dizer com "filhos"? Vocês tiveram outro filho depois?
— Não, eram gêmeos. — Ele me olhou confuso. — Anna teve gêmeos, você não sabia?
— Hm... eu não... — Parei de falar e apenas abri a pasta a minha frente, procurando por aquela informação. "...a jovem, agora com dezessete anos, foi encontrada morta em sua cama com múltiplos golpes de faca na área da barriga, deixando para trás seus dois filhos." — ... está aqui. Eu devo não ter prestado atenção, me desculpe. — Ele apenas assentiu. — Foram gêmeos idênticos?
— Não, eles eram diferentes. — Ele abriu um pequeno sorriso, talvez lembrando dos bebês. — Os narizes eram bem diferentes, assim como os olhos, um tinha os olhos azuis e o outro tinha os olhos verdes. Eram lindos... demos os nomes de "Anderson" e "Harrison".
Eu apenas pisquei, ficando imóvel, e momentaneamente esqueci de como se fazia para respirar. Mas que merda?
— Me desculpe, o que você disse? — Minha próxima reação foi a de questionar minha própria audição. Eu só poderia estar escutando coisas...
— Que decidimos chamá-los de Anderson e Harrison. — Repetiu. — Anna os chamava de "pequeno Ander" e "pequeno Harry" quando os colocava para dormir todas as...
Parei de escutar o que estava sendo dito e me levantei da mesa, sentindo como se todo o meu corpo estivesse sendo anestesiado. Um zumbido irritante tomou conta dos meus ouvidos, e a minha visão foi ficando cada vez mais embaçada... eu estava chorando?
— Edward? — Olhei para o homem sentado na mesa, ele me olhava preocupado. — Está tudo bem com você?
Eu não tive forças para responder isso. No lugar, decidi por enfiar a mão pelo colarinho da minha camisa e puxar de lá a correntinha que eu usava todo santo dia em homenagem a minha mãe biológica.
— Você reconhece isso?
Mesmo sem entender a minha pergunta, ele estreitou os olhos e encarou melhor a corrente e o pingente de cruz em meu pescoço. E eu pude ver o exato momento em que o reconhecimento cruzou os seus olhos.
— Sim... Annabelle tinha algumas correntinhas iguais a essa. Mesmo depois de se afastar da família e parar de frequentar a igreja, ela continuou usando e crendo, nunca perdeu sua fé. Algumas semanas depois de ser preso, eu mandei uma carta para a assistente social que estava supervisionando o caso do meus filhos e pedi para que ela fosse em minha casa e pegasse algo para que os bebês pudessem se lembrar da mãe mesmo quando fossem adotados por uma nova família. Ela nunca chegou a me escrever de volta, mas acho que ela fez isso... não fez? — Ele também ficou de pé, finalmente entendendo o que aquilo significava.
— Acho que fez... — Minha voz saiu fraca, embargada pelas lágrimas e pelo choque.
Tão chocado quanto eu, Daniel deu a volta na mesa e veio até mim, parando bem na minha frente, e erguendo suas mãos para tocar em meu rosto. Ele estava com algemas nos pulsos, mas isso não atrapalhou. Seus olhos se focaram nos meus, como se ele procurasse por algo especifico, e assim que encontrou, ele foi tomado por uma emoção exorbitante.
— Esses olhos verdes.... Harrison? É você, filho? — Eu queria poder confirmar, queria poder falar que sim e lidar com isso propriamente, mas era como se eu não estivesse mais no controle do meu próprio corpo. — Você está bem? Como está o seu irmão? Vocês foram adotados juntos? — Uma nova onda de lágrimas me atingiu e eu permaneci em silêncio a sua frente, sem saber o que falar. Daniel apenas me olhava confuso. — O que foi? Aconteceu algo com o Anderson?
— Se for... — A minha voz cortou, e eu tentei me acalmar para concluir o que precisava ser dito, mas era como se eu estivesse com um embrulho enorme em meu estômago. Meu corpo tremia. — Se tudo isso for verdade, e ele for quem eu acho que seja... ele está morto.
Eu o matei.
Eu atirei nele!
— O que? — Ele deu um passo para trás, afetado. — Ele morreu?
Lembrei da expressão psicótica que Landon tinha em seu rosto quando eu puxei o gatilho, e sua voz surgiu em minha mente, me lembrando das suas palavras pouco antes de cair sem vida no chão.
"Talvez eu escolha matá-la. O que acharia disso, irmão?"
"Irmão" ... ele sabia?
O ambiente começou a rodar ao meu redor, e eu apoiei minhas mãos na mesa, tentando encontrar o mínimo que fosse de sentido e equilíbrio.
Eu me sentia enjoado. Enojado!
— Eu preciso de ar... — Sussurrei, duvidando que ele tenha conseguido me ouvir.
— Harry... — Desviei do seu toque quando ele tentou se aproximar novamente.
— Não. Por favor, apenas... me desculpa, eu tenho que ir! Não estou me sentindo bem.
— Harrison, calma. Se acalma primeiro. Senta um pouco. — Sugeriu preocupado, apontando para a mesa perto de nós. — Se tiver mesmo que ir, ao menos me passa o seu número. Você não pode apenas aparecer assim depois de tantos anos e ir embora. Por favor, não faça isso comigo! Você é a única coisa que me resta dela!
O desespero em sua voz me doeu muito mais do que eu estava preparado. Eu estava um caco! E olha que eu nem sabia se tudo isso era realmente verdade! Talvez não fosse eu! Talvez não fosse o Landon! Isso poderia ser apenas uma louca coincidência!
— Eu volto... assim que possível.
Era o máximo que eu poderia prometer nessas condições, já que eu sentia que iria desmaiar a qualquer momento. Logo, não esperei por uma resposta, apenas peguei a pasta em cima da mesa e saí daquela sala de visitação o mais rápido que pude.
Enquanto caminhava pelos corredores da prisão, tudo parecia estar girando e encolhendo a minha volta. Eu via flashes do Landon a minha frente. Como a porra de um fantasma me assombrando. Via lembranças dele ameaçando a Olivia. Dele morto no chão. Dele sorrindo e conversando normalmente no campus. Da minha arma ainda quente em minhas mãos.
Caralho!
Apoiei as minhas costas em uma das paredes e passei a mão pela cabeça, começando a me sentir sufocado.
— Você está bem, senhor? — O guarda que estava me acompanhando para fora da prisão perguntou.
Não. Eu só poderia estar ficando louco! Louco! Perdendo totalmente a razão e os meus sentidos! Era normal, certo? Ou no mínimo, compreensível, dado que eu havia acabado de descobrir que o assassino desprezível que eu havia matado poderia na verdade ser o meu próprio irmão!
Isso também fazia de mim um assassino desprezível?
— Estou. — Assenti para o guarda, que assentiu de volta e voltou a andar, guiando o caminho.
Assim que coloquei os pés para fora daquela prisão, eu me inclinei no meio fio da calçada e vomitei tudo o que eu havia comido mais cedo no hotel.
Isso não poderia ser verdade. Não! Se sim, tinha que ser uma pegadinha do destino. Uma piada cruel do universo! Eu era fruto de um possível estupro? Minha mãe havia sido brutalmente assassinada? E como a cereja desse macabro bolo, eu havia matado o meu próprio irmão? Não, não podia ser. Algo estava errado, era isso!
Mais indícios de um ataque de pânico começaram a me assolar quando eu notei que o meu coração estava acelerando e o meu corpo hiperventilando, e imediatamente, eu me sentei ali mesmo, ao lado do meu vomito, para tentar me acalmar. Respira, respira... Fechei os olhos para ver se ajudava, mas tudo o que eu consegui com isso foi ver uma banheira cheia de sangue com um corpo morto dentro, então, desisti e os mantive abertos enquanto encarava a estrada a minha frente e o meu corpo tremia.
Fazia bastante tempo que eu não tinha um ataque desses, e pensar nisso, me fez realmente almejar as consultas com o psiquiatra que eu teria que fazer quando voltasse para casa. Há semanas atrás, eu queria fugir delas, mas aqui estava eu pensando que talvez elas de fato fossem úteis.
O mundo não dá voltas... capota.
Assim que aquela sensação ruim passou e eu consegui me acalmar o suficiente para tirar o meu celular do bolso, não perdi tempo e liguei para o meu pai. Querendo esclarecer toda essa merda o quanto antes.
— Você sabia? — Perguntei assim que ele atendeu.
— Hm... do que?
— De mim. De quem eu e minha mãe somos. Você sabia? Todo esse tempo, você sabia?
— Filho, eu não tenho a menor ideia do que você está falando. É sobre a Sophia? O que aconteceu? — Ele soou confuso.
— Não. Eu descobri... — Minha voz voltou a embargar. Doía ter que dizer isso em voz alta. — ... quem eu sou, quem minha mãe biológica era.
— Ok.... mas eu não sei de nada sobre isso.
— Como não? O colar, o nome "Harry", você tem que saber! — Me levantei do meio fio, dando alguns passos sem rumo. A minha vida toda eu pensei que ele sabia e apenas não queria me dizer, e agora ele vem me dizer que não sabia de nada? Isso não fazia sentido! — Onde eu fui adotado?
Se ele dissesse País de Gales, eu teria um surto...
— Em Nova York! — Afirmou convicto. — Sophia e eu te adotamos em um orfanato em Staten Island. O colar e o seu nome biológico foram entregues a nós pela assistente social que supervisionou tudo, mas filho, foi apenas isso. A única coisa a mais que ela disse sobre os seus pais biológicos foi que eles morreram em um trágico acidente um ano antes. Por isso eu não dizia ou deixava você procurar nada sobre eles, eu queria te poupar desses detalhes. — Eu encarei o muro da prisão a minha frente, confuso. — Eu não tenho a menor ideia do que você está falando. Não sei o que poderia ter descoberto do outro lado do mundo!
— Você jura? — Insisti, confuso sobre o que acreditar.
A ligação ficou muda e eu olhei para tela para ver o que havia acontecido, se o meu celular tinha descarregado ou o que. Acabei me surpreendendo ao ver que Andrew havia desligado intencionalmente a chamada. Iria retornar à ligação para o questionar sobre isso, mas o seu nome apareceu na tela no mesmo segundo... ele estava me fazendo uma vídeo chamada. Atendi, e o seu rosto apareceu para mim.
— Decidi falar assim para que não restasse nenhuma dúvida sobre isso da minha parte, olha bem para mim. — Pediu, e eu o fiz, encarando os seus olhos. — Eu nunca soube quem os seus pais biológicos eram, pois eu nunca liguei para isso. Mortos, vivos, abduzidos, o que fosse, eu não me importava! Para mim, você é, sempre foi, e sempre será o meu filho. — Eu comecei a chorar como um garotinho perdido ao perceber o quão sério ele estava sendo. De jeito algum ele, ou qualquer outra pessoa no mundo, conseguiria mentir tão bem assim sobre isso. Sobre qualquer coisa! — Eu tenho toda a papelada da sua adoção em alguma caixa lá em casa, e eu sei que nunca deixei você olhar quando era mais novo, mas se quiser agora, eu deixo você ver e fazer o que quiser com isso. Lá tem o nome do orfanato, o endereço, e o nome da assistente social que lidou com isso. Eu te ajudo com tudo.
— Você realmente não sabe? — Perguntei retoricamente, pois no fundo eu já sabia que ele estava sendo honesto comigo.
Andrew apenas negou com a cabeça.
— O que foi que você descobriu aí, afinal? Você não parece nada bem.
— Eu... te conto quando voltar, ok? — Decidi dizer, já que tudo parecia não passar de uma grande coincidência. Isso, ou Daniel poderia estar mentindo. Ou a assistente social me levou daqui para a América. Eu não sei! Tudo estava confuso demais! E agora, no calor do momento, eu não conseguiria desvendar nada. Precisava de calma. — Desculpa ter ligado assim do nada, eu só... eu não sei. Tá tudo muito confuso!
— Não tem problemas. Apenas... se acalma e fica bem, ok? Volta o quanto antes para cá.
Notei um tom diferente em sua voz, como se ele não estivesse me contando algo, e logo tratei de tirar a limpo.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa aí?
— Não, não foi nada. — Tentou desconversar.
— Pai... — Insisti. Se era algo do trabalho, definitivamente era algo importante.
— Encontraram o corpo de Noah Kim hoje mais cedo no lago da cidade.
Arregalei os olhos, em choque.
— Foi assassinado?
— Ainda não se sabe. A teoria inicia é que tenha sido um suicídio.
— Meu Deus... — Disse apenas, surpreso demais para formar qualquer opinião. Apesar de ter investigado a sua vida meses atrás, nem eu nem ninguém sabe de fato o que se passa na cabeça de uma pessoa para saber se ela faria ou não algo assim. — E a Olivia, como ficou ao saber? A Taylor? Elas estão bem?
— Ela está bem. Taylor também. Elas estão no departamento de polícia com a família.
— E por que não está lá também? Eu pedi que ficasse aí para protegê-la! — O lembrei, preocupado, e estreitei os olhos para olhar para o fundo da imagem na tela, ele parecia estar em seu carro, mas o veículo não parecia estar em movimento. — Para onde você está indo?
— Eu sei, e é exatamente isso o que eu estou tentando fazer... — Ele suspirou pesadamente, prestes a me dizer algo que eu provavelmente não gostaria... — Uma garota acabou de ser encontrada morta em Annapolis e eu estou a caminho de lá agora para descobrir se há alguma conexão com o Enigma ou não.
— Loira, olhos azuis e dezessete anos? — Ele assentiu três vezes, e eu fechei os olhos em uma silenciosa lamentação. — Eu sabia que isso não tinha acabado.
— Não temos como afirmar isso ainda. Mas se caso essa nova morte realmente tenha algum tipo de ligação com o Enigma... eu estarei te devendo um pedido de desculpas por não ter te escutado antes, filho.
Eu apenas relevei as suas palavras, já que não era o momento de julgar ninguém e nem jogar nada na sua cara. Um "eu te avisei" não mudaria a nossa atual situação ou faria eu me sentir melhor.
— Se isso se confirmar, não é a mim que você precisa pedir desculpas, é a garota que morreu. — Ele pressionou os lábios um contra o outro, abaixando a cabeça, e eu soube que as minhas palavras o haviam atingindo em cheio. Isso já me era o suficiente por agora. E sem querer torturá-lo ainda mais, eu continuei. — Me liga assim que tiver alguma novidade, por favor. E cuida da Olivia por mim, pai, eu vou tentar voltar o quanto antes.
— Pode deixar, filho.
Mesmo ainda me sentindo um pouco tenso sobre tudo o que estava acontecendo, eu desliguei a ligação e voltei para dentro da prisão para continuar aquela conversa com o Daniel e tentar descobrir o máximo de informações possíveis sobre mim e sobre o assassinato da minha possível mãe biológica. Entretanto, toda via, e infelizmente, o horário de visitação do dia já havia sido encerrado e eu tive que voltar para o hotel para esperar a próxima abertura de horários no dia seguinte.
O que vocês acham? Essa história é verdade, o Daniel está mentindo, ou tudo não passa de uma coincidência maluca? 🤔🤐
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