Capítulo 23
Sombra.
Dois dias se passaram e absolutamente nada aconteceu. A última vez em que tivemos contato com alguém foi na quarta a noite quando David veio nos visitar e trazer o meu celular, desde então, foi apenas Rosa, Taylor e eu no apartamento.
Eu não tinha qualquer notícia de Harry. Ele continuava na Universidade, e eu nem poderia pedir informação ao meu irmão, pois Elijah não havia retornado para lá na terça, ao invés disso, ele havia ficado em Londville para fazer companhia a nossa mãe, já que David estava sempre ocupado com a investigação.
Não era desconfortável, já que Rosa era uma ótima agente e se esforçava ao máximo pra que Taylor e eu nos sentíssemos bem. No entanto, era extremamente solitário e entediante. Nem mesmo a minha família eu conseguia ver, já que o meu pai não queria arriscar que a nossa localização fosse de alguma forma comprometida. Então, o máximo que aconteceu foi uma videochamada bem rápida na quinta de manhã, onde nós não conversamos praticamente nada e apenas choramos o tempo todo.
Minha mãe e o meu irmão não conseguiam mais sair de casa, já que repórteres ficavam acampando na nossa rua e cercando a nossa casa o tempo todo. E eu e Taylor não conseguíamos sair desse apartamento, pois um assassino em série poderia nos matar a qualquer momento. O quão doido era isso? Há dois meses atrás minha vida era totalmente normal... eu brincava que ela era extremamente parada, mas a agitação que eu estava tendo agora tampouco era boa. Sem falar que antes eu dormir tranquilamente, enquanto agora, além de demorar para cair no sono, eu ainda tinha pesadelos onde era atacada por uma figura encapuzada. Isso quando eu não sonhava com os rostos das outras garotas que morreram em Londville. Eu só... estava cansada demais de tudo isso.
Estávamos na sexta agora, e já estava de noite. Harry ainda não tinha voltado e eu estava preocupada, curiosa e impaciente. Ele fez uma ligação para a Rosa hoje no final da manhã. Ela ficou bem tensa com o que ele havia dito, mas não falou o que foi, e eu também não consegui ouvir já que ela foi conversar no quarto. Ela estava lá há um bom tempo, aliás. Saiu há um tempo atrás para ver como estávamos e preparar o nosso jantar, mas a comida continuava intocada no fogão já que ela conseguiu queimar boa parte. Ela aparentemente era uma ótima agente do F.B.I., no entanto, uma péssima cozinheira.
Eram oito da noite agora e eu estava faminta. Fui até a cozinha atrás de algo para comer e me decepcionei ao descobrir que não havia nenhum tipo de besteira nos armários. A única coisa remotamente perto eram as caixas de cereais que as vezes comíamos no café da manhã. E nossa, eu venderia até mesmo um rim em troca de um pacote de Doritos no momento.
— Será que podemos pedir algo para comer? Uma pizza?
Abaixei a minha mão e me repreendi mentalmente assim que percebi que estava levando a minha unha até a boca. Eu havia parado de roer elas quando tinha oito anos e não iria começar com esse péssimo habito novamente. Minhas unhas estavam perfeitas agora. Um pouco grandes, já que eu não cortava há alguns dias, mas ainda lindas.
— Eu não sei... acho que não. — Taylor falou, pensativa. — Talvez se a Rosa pedir...?
— Eu acho que ela deve ter dormido, já que não saiu do quarto mais.
Normalmente, Rosa esperava Taylor e eu já estarmos dormindo, ou no mínimo dentro do quarto, para apagar tudo e ir dormir. Só que como nós tínhamos um sono bem instável, com dias em que íamos dormir cedo, e outros onde ficávamos até as três da madrugada na frente da televisão, isso acabou meio que passando para ela, que provavelmente não tinha uma boa-noite de sono desde que chegou.
— É, acho que sim. — Ela concordou. — Nossa, eu comeria uma pizza inteira sozinha agora só para não ter que comer nada do que ela faz.
Tentei não rir.
— E se a gente pedir para o agente lá fora? — Sugeri.
— É... pode ser que funcione, já que é ele quem vai ter que receber e pagar a pizza primeiro, para só depois abrir a porta e nos entregar.
Decidindo seguir com esse pequeno plano, fomos até a porta, mas não conseguimos abrir, já que assim como do lado de fora, também havia um painel do lado de dentro. Esse, no entanto, pedia apenas a senha, só que também não a tínhamos.
— Olá? Agente Jonas? — Taylor chamou, batendo a mão contra a porta.
— Aconteceu alguma coisa? — Ouvimos ele falar, mas por pouco não conseguimos entender, o som era bastante abafado.
— Não, estamos bem. — Taylor respondeu.
— Não estão bem?
— NÃO! Não! — Falei alto. — Estamos bem! Queríamos apenas saber se você poderia pedir uma pizza para nós? Estamos morren... estamos com muita fome! — Decide não usar a palavra "morrendo" para não acontecer mais um mal-entendido.
— Pizza?
— SIM! — Taylor exclamou, feliz por ele finalmente ter entendido algo. — De pepperoni!
— Tudo bem. — Respondeu.
Sorrimos, animadas com a ideia de finalmente comer algo descente, e voltamos para o sofá. No entanto, apenas eu me sentei.
— Escuta, eu vou tomar um banho, me avisa quando a pizza chegar, ok?
Eu assenti, concordando. E assim que ela deixou a sala, eu alcancei o meu celular na mesinha de centro e liguei para o meu pai.
— Pai? — Perguntei assim que a ligação foi atendida.
— Oi, espere um pouco. — Pediu. E eu ouvi o som de uma porta batendo. — Pode falar agora, estou sozinho. Aconteceu alguma coisa?
— Não. Eu só queria saber como estão as coisas, algum avanço na investigação?
— Eu queria muito te dar uma boa notícia, já que vocês estão aí já há alguns dias..., mas não temos nada. Nenhuma nova informação.
Notei um tom estranho em sua voz, no entanto, não consegui exatamente dizer o que ele significava.
— Nem no campus? Com Harry estando lá.
— Não. — Respondeu um pouco rápido demais, e foi aí que eu realmente comecei a desconfiar.
— Pai... nada mesmo? — Insisti. E o ouvir suspirar do outro lado.
— Na verdade... — Ele iniciou, receoso. — Harry está aqui.
— Co-como? — Eu quase engasguei com o ar.
— Ele está aqui desde hoje de manhã.
— Então... Harry passou o dia todo aí? — Perguntei novamente, ainda surpresa.
— Sim. Pensávamos ter conseguido algo, mas acabou que não foi nada.
— O que vocês pensavam que tinham?
— Não foi nada. — Ele desconversou.
Mas eu não aceitaria essa resposta. Para Harry ter se deslocado de Annapolis para cá e ter passado o dia todo no departamento, obviamente tinha que ser algo grande, algo importante.
— Como não foi nada, pai? Você acabou de dizer que um agente federal passou o dia inteiro aí... por favor, eu mereço saber!
Longos e tortuosos segundos se passaram até ele finalmente me dar uma resposta.
— Tudo bem... — Suspirou pesadamente. — Na madrugada de ontem para hoje nós recebemos uma carta.
— Uma carta? — Repeti a palavra, sem entender. Até que finalmente me atingiu. — Uma carta do Enigma?
— Talvez. Mas nós não sabemos. Ninguém conseguiu decifrar, já que está escrita em poemas... ou enigmas. — Eu pude sentir toda a frustração que esse caso estava lhe causando em sua voz. — Até onde sabemos, pode nem ser dele, já que não sabemos de quase nada! Pode ser de algum imitador ou alguém tentando brincar com a gente.
— Você falou a mesma coisa sobre ser um imitador em relação ao que aconteceu com a minha mão. E aqui estamos nós.
Automaticamente olhei para a minha mão. Eu havia tirado os pontos durante o banho ontem, e o corte já estava totalmente sarado. Havia apenas uma pequena e quase imperceptível cicatriz no lugar.
— Eu sei. — O ouvi suspirar novamente. — A verdade é que... não temos muita coisa com o que seguir, minha filha. Sinto muito.
— Eu entendo, pai. Não precisa se desculpar.
Eu acreditava cem por cento que o meu pai era um dos melhores xerifes que esse país tinha. Ele era esperto, ágil, moralmente centrado, e bem focado. Contudo, eu não era ingênua em relação a isso. Antes de começar a atacar apenas em cidades pequenas, o Enigma passou por Nova York. E lá, o nível de investigação era completamente elevado! Não era atoa que o F.B.I. estava aqui, tentando e falhando em resolver esse caso. As coisas eram muito complicadas e difíceis, e apesar de ter fé no meu pai, eu sabia que tudo não seria resolvido do dia para a noite.
— É, mas eu sinto que preciso. Essa carta foi como uma luz no fim do túnel para essa investigação, e ainda assim, ninguém parece conseguir entender o que ela quer dizer.
— O Enigma já enviou uma carta assim antes?
— Segundo os arquivos de Andrew sobre o caso, sim, algumas vezes em outras cidades, foi daí que surgiu o nome. Mas nenhum policial conseguiu entender nenhuma. A maioria eram coisas sem sentindo, ou versos aleatórios da bíblia.
— Será que... eu posso ver? — Pedi, com medo do que esperar.
Ele sempre se esforçava tanto para me manter longe da investigação que pensei que ouviria um "não" logo de cara, no entanto...
— Nós pensamos exatamente nisso.
— ... Isso é um sim, então?
— Sim. Harry saiu faz alguns minutos daqui e está levando uma cópia da carta para você.
— Nossa... ok!
Senti um frio percorrer todo o meu corpo. Tanto pelo medo do que encontraria naquela carta, quanto por ansiedade em ver Harry novamente.
— E Olivia... não se preocupe. Ficará tudo bem.
— Eu sei que sim, pai. Confio no senhor.
Mesmo não podendo ver ele no momento, eu pude sentir que um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Até mais, princesa. Boa noite.
— Boa noite, pai.
Desliguei a chamada e fiquei sentada na mesma posição olhando para o nada sem saber o que pensar. Será que era uma carta para mim? Onde só eu conseguiria decifrar o seu significado? Uma carta feita de enigmas já era algo irônico o suficiente para esse caso, mas se fosse direcionada a mim... Deus, eu não queria nem imaginar o que poderia estar escrito nela!
Me levantei, indo até a cozinha, e peguei uma garrafa de água na geladeira, bebendo metade dela e parando para respirar antes de beber o resto. E eu não tinha ideia de que estava com tanta sede assim.
Voltei para a sala sem saber o que fazer, se eu sentava e esperava, ou ficava em pé. Não tinha ideia. Tudo o que eu sentia era um nervosismo e um frio esquisito na barriga... e foi aí que eu escutei algo. Um som, baixo e abafado, vindo do corredor do lado de fora do apartamento. Parecia o som de algo caindo. Olhei para a porta, e desci os olhos para o estreito espaço que havia entre ela e o chão, notando a sombra de alguém parado bem do lado de fora.
— Agente Jonas? — Perguntei. Talvez a pizza tivesse chegado. Ou talvez fosse o Harry, apesar de ser mais provável que ele ainda estivesse no caminho. De qualquer forma, não houve resposta, então, tentei novamente. — Agente Jonas? ... Harry?
Um, cinco, dez segundos se passaram, e novamente, não houve nenhuma resposta. Apesar da sombra continuar ali.
Comecei a sentir um aperto em meu peito. Uma agonia que só fazia crescer e crescer, e tentei não me desesperar. Não deveria ser nada... Pensei em esperar mais alguns segundos para ver se o dono, ou dona, da sombra iria se pronunciar, quando notei que sangue começava a escorrer por debaixo da porta, entrando no apartamento, e logo, eu percebi que o Agente Jonas provavelmente já não estava mais entre nós.
Sem pensar duas vezes, corri até a mesinha de centro em frente ao sofá e peguei o meu celular, ligando para o meu pai. Tocou uma, duas, três vezes até que ele atendeu.
— Olivia?
— Pai, tem alguém...
Senti algo envolver o meu pescoço, e então, todo o meu corpo foi puxado para trás com força, me fazendo cair com tudo no chão e derrubar o celular. Levei as mãos até o pescoço para tentar me livrar do que quer que fosse aquilo, que parecia até mesmo ser algum tipo de tecido, mas estava fazendo tanta pressão que eu não conseguia. Tentei lutar, e até acertei uma cotovelada na pessoa, que com o ato acabou folgando o aperto no meu pescoço, me permitindo respirar por dois segundos, no entanto, logo a pressão voltou, e eu voltei a ser estrangulada. Como último recurso, eu tentei me debater para ver se conseguia ver algo, mas tudo o que eu consegui ver foram luvas de couro pretas e roupas da mesma cor.
A pressão foi ficando cada vez mais forte, até que chegou no meu limite e eu fui perdendo totalmente as minhas forças, sequer conseguia erguer a mão. Tudo a minha volta foi ficando embaçado, e eu estava quase apagando completamente, quando oxigênio invadiu os meus pulmões com força e eu voltei a respirar.
A pressão havia desaparecido e eu me arrastei pelo chão para longe, tirando o tecido que ainda estava no meu pescoço e o jogando para o lado. Era uma gravata...
— Olivia, você está bem? — Ouvi Taylor falar e ergui o rosto. Completamente confusa sobre o que havia acabado de acontecer.
— Eu... — Senti uma pontada na garganta e não consegui terminar.
Olhei em volta pela sala, com medo de que a pessoa que havia me atacado ainda estivesse lá, mas não encontrei ninguém além da Taylor na sala. Apenas pedaços de vidro espalhados pelo chão.
— Eu o atingi na cabeça com um jarro de vidro e ele saiu correndo! — Ela explicou, ainda com um olhar assustado e a respiração instável. — Eu vou chamar a Rosa... — Segurei o seu calcanhar antes que ela saísse, e ela entendeu que eu não queria ficar sozinha. — ROSA! — Gritou. E então, se sentou no chão ao meu lado, me abraçando. — Graças a Deus você está bem!
Aceitei o abraço, apertando-a com força enquanto lágrimas escorriam de forma descontrolada pelos meus olhos e rosto, e Taylor passou a mão pelo meu cabelo, sussurrando "vai ficar tudo bem" várias vezes em meu ouvido para tentar me tranquilizar. E de certa forma, ela conseguiu. Pelo menos um pouco. No entanto, eu rapidamente me afastei quando notei o meu celular no chão logo atrás dela. Apontei para ele e Taylor o pegou, a ligação ainda estava conectada e ela colocou no alto falante.
— Pai?
— Olivia? — Ele perguntou, com a voz desesperada.
— É a Taylor.
— O que aconteceu com a sua irmã? Vocês estão bem?
— Ela foi atacada. Alguém tentou estrangular ela com uma gravata, mas por sorte, eu saí do banheiro na mesma hora e o atingi com um vaso. Ele correu, estamos bem.
— Ele ainda pode estar por aí! Pegue algo para se defender, uma faca, qualquer coisa, e vá para o quarto. Onde está a Rosa?
Taylor se levantou e correu até a cozinha, voltando rapidamente com a maior faca que conseguiu encontrar.
— Acho que no quarto. Estamos indo para lá. Onde você está?
— Eu e a polícia já estamos a caminho, faça o que eu mandei.
Taylor me ajudou a ficar de pé, e estávamos indo para o quarto, quando ouvimos alguém se aproximar da porta que ainda estava aberta. Vi os dedos da minha irmã se fecharem com força em volta do cabo da faca assim que a pessoa finalmente apareceu. Era Harry. Ele segurava sua arma com os braços erguidos em frente ao corpo, mas rapidamente a abaixou ao nos ver.
— O que aconteceu aqui? — Ele entrou no apartamento, no entanto, Taylor não abaixou a faca. — Taylor. — Ele falou de forma firme, olhando para a faca.
Mas ela apenas balançou a cabeça em uma negativa e continuou com a faca erguida, se esforçando ao máximo para não deixar as lágrimas em seus olhos caírem.
— Alguém tentou matar a Olivia... como eu vou saber que não foi você?
— Taylor, quem é? — Nosso pai perguntou.
— Sou eu, Xerife Thornhill. — Harry se pronunciou, falando mais alto que o normal para que o meu pai ouvisse.
— Está tudo bem, filha, ele é F.B.I.
Apenas com a permissão do nosso pai foi que ela abaixou a faca e relaxou um pouco mais. Segurei em seu braço para que ela entendesse que realmente estava tudo bem, e ela olhou para mim e assentiu.
— Você viu quem foi? — Harry olhou em volta pelo apartamento.
Haviam cacos de vidro espalhados pelo chão junto com algumas flores, e alguns dos móveis estavam fora de lugar.
— Ele usava uma máscara. Foi muito rápido. — Taylor respondeu.
— E a polícia?
— Já estamos a caminho. — Nosso pai falou prontamente. — Acho que tudo bem se desligarem a ligação agora.
Taylor se despediu rapidamente dele, e desligou o celular. Já Harry, iria guardar a sua arma de volta no coldre quando algo pareceu cruzar a sua mente.
— Onde está a agente Valdez?
Praticamente marchando corredor a dentro com sua arma em mãos, Harry abriu a porta do quarto e entrou, Taylor e eu ficamos no corredor observando. A primeira coisa que vimos assim que a porta se abriu totalmente foi a Rosa caída no chão. Eu arfei, chocada com a cena, e minha irmã cruzou o seu braço com o meu, tendo a mesma reação, enquanto Harry se abaixava ao lado do corpo para checar o seu pulso.
— Ela está viva? — Perguntou, apertando o meu braço de forma involuntária.
— Não.
Taylor olhou para mim em choque, e eu devolvi o olhar, sentindo o mesmo. Como isso tinha acontecido? A quanto tempo? De que forma? Rosa não tinha sequer um arranhão pelo corpo, nenhuma gota de sangue a sua volta, parecia loucura!
Harry largou a arma no chão ao lado do corpo de Rosa, e começou a fazer reanimação cardiorrespiratória, fazendo pressões ritmadas na área do seu peito. Ele tentou por um minuto, e então, parou. Não estava funcionando, ela realmente estava morta, e provavelmente há um bom tempo.
— Vamos voltar para a sala para esperar os polícias. — Ele falou, se levantando do chão e guardando a arma em seu coldre.
Harry fechou a porta do quarto quando saiu, e já na sala, ele fechou a porta do apartamento também. Ele tentou fazer isso de forma rápida, mas ainda assim eu tive um vislumbre do corpo de Jonas morto no corredor. Ele tinha um corte gigante na garganta e o seu corpo estava envolta de litros e mais litros de sangue. O sangue estava no chão, nas paredes, em todo lugar. O corredor, antes branco, agora parecia um mar vermelho.
Taylor e eu nos sentamos no sofá, e Harry veio falar comigo pela primeira vez desde que chegou. Havia uma enorme preocupação estampada em seu rosto.
— Como você está? Algo dói? — Levei a mão até o meu pescoço, e ele assentiu, entendendo. — Você viu alguma coisa? Como ele era? — Eu balancei a cabeça, negando, e ele olhou para o meu lado. — E você, Taylor?
— Foi tudo tão rápido... eu não sei direito, ele estava todo de preto e com uma máscara. Não vi muita coisa.
— E a altura? Você se lembra da altura?
— Ele era um pouco mais baixo que você... talvez uns um e oitenta... e era magro! Bem magro.
— Deu pra ver algo mais? O tom de pele?
— Ele estava todo coberto, a única parte aberta era na área dos olhos da máscara, então, eu não tenho certeza, mas ele parecia ser branco, ou tinha a pele em um tom claro.
— Tenta manter isso na sua cabeça, pois quando toda a equipe chegar você terá que repetir para tentarmos fazer algum retrato.
Taylor apenas assentiu e Harry se afastou de nós, tirando o seu celular do bolso da calça para ir fazer uma ligação no canto da sala.
— Você está bem? — Ela olhou para mim.
— Estou... — Consegui falar. A dor intensa já havia passado, mas a minha voz estava rouca.
— Ainda bem que eu saí do banheiro a tempo e nada aconteceu. — Ela voltou a me abraçar, e pouco a pouco eu fui sentindo novas lágrimas se formarem em meus olhos.
— Obrigada...
— Não precisa agradecer. — Ela se afastou, enxugando com os dedos as minhas lágrimas, enquanto eu fazia o mesmo por ela, que também estava chorando.
— Você notou?
— Notei o que?
— Você... chamou ele de... pai. — Falei pausadamente, tentando não forçar muito a minha garganta.
— Harry? — Ela fez uma careta engraçada.
— David!
— É... eu sei. Acho que eu chamei mesmo. — Ela desviou o olhar, tentando agir como se isso fosse nada demais, mas eu sabia que era.
Logo, os policiais chegaram e nosso pai veio até nós, nos abraçando forte. Ele dava beijos em nossas cabeças e parecia que nunca mais iria nos soltar, no entanto, teve que se afastar para que o médico me examinasse. Ele tinha a estatura mediana, cabelos ruivos e olhos castanhos. Era um dos dois médicos gerais da cidade, e se não me engano, seu nome era Michael Kermine.
Doutor Kermine passou uma lanterna nos meus olhos, e depois, escutou meus batimentos e tirou a minha pressão.
— Você consegue falar? — Perguntou.
Assenti. — Mas ainda... dói.
— Normal, considerando pelo o que você passou. O fato de você conseguir falar e respirar é um bom sinal, significa que nada provavelmente foi fraturado. Além de que, se ele tivesse segurado por mais tempo, a falta de oxigênio no cérebro poderia ter causado um AVC. — Ele começou a tatear cuidadosamente o meu pescoço. — Seria adequado um exame melhor no hospital, porém dadas as circunstâncias, não podemos fazer isso.... Mas não se preocupe, não parece haver nada de errado, amanhã a dor já deve ter passado. Porém, vai ficar uma marca roxa em seu pescoço por uns dias.
— Tudo bem, doutor... obrigada.
O médico saiu, e logo, Harry e o meu pai se aproximaram do sofá. Continuei sentada.
— Harry me contou sobre a descrição que vocês deram, mas precisamos saber exatamente o que aconteceu. — Meu pai disse.
— Eu estava no banheiro, quando eu saí, eu o vi em cima da Liv, a estrangulando com a gravata. Então, corri, peguei a primeira coisa que vi e bati contra a cabeça dele, que fugiu na hora.
— E antes disso? O que aconteceu? Como ele entrou? — Harry perguntou.
— Eu ouvi um som abafado do lado de fora... — Fiz uma pausa para respirar, já não doía mais, mas a sensação era incomoda. — Tinha uma sombra do lado de fora... eu chamei pelo segurança, mas ele não respondeu... eu chamei por você..., — Olhei para Harry. — Mas novamente, não houve resposta. Então, sangue começou a entrar por debaixo da porta... Eu me virei para pegar o celular e segundos depois ele estava sobre mim... não vi como entrou, mas foi pela porta.
— Um especialista está examinando o painel nesse exato momento para ver se ele foi hackeado ou não. — Meu pai falou. — Enquanto isso...
— Eu nunca deveria ter ido embora... — Harry murmurou antes que meu pai conseguisse concluir o que iria dizer. — Foi minha culpa, se eu estivesse aqui...
— Ei, calma. — Meu pai se aproximou dele, colocando a mão em seu ombro. — Não vamos por esse caminho. Não tínhamos como saber.
— Isso é tão frustrante. — Ele continuou. Passando a mão pelo cabelo de forma exasperada. — Toda vez que parece que estamos nos aproximado de descobrir algo, ele vai e revela que sempre esteve a dois... não, cinco passos à frente de nós! — Harry balançou a cabeça com um semblante derrotado. — Eu estou nesse caso há quase três anos... e há quase três anos eu assisto garotas morrerem sem conseguir fazer porra nenhuma para impedir! E agora, a Olivia... — Ele parou de falar, suspirando. — Me desculpe, David... e me desculpe, Olivia.
— Não precisa se desculpar, eu sei que você está fazendo o que pode. — David tentou o acalmar. — Assim como o seu pai. Assim como todos. Estamos todos ralando e trabalhando duro aqui. Não carregue essa culpa, pois ela não é sua, é dele. — Harry finalmente assentiu, se acalmando. — Aliás, alguma notícia do Andrew?
— Eu liguei para ele há alguns minutos atrás para informar desse acontecido. Ele está no aeroporto de Nova York e o voo dele sai em algumas horas.
— E sobre o esconderijo? — Foi a minha vez de perguntar, já que eu não tinha certeza se conseguiria dormir aqui mais.
— Foi aprovado. Amanhã de manhã quando Andrew chegar nós devemos fazer a transferência. — Ele comentou, ainda com um olhar atormentado no rosto.
— Obrigada, Harry... — Decidi falar. — Obrigada por estar aqui e obrigada por voltar. Eu sei que não deve ser nada fácil, mas eu também sei que você, o seu pai, e o meu pai vão conseguir solucionar esse caso.
Eu observei toda a angustia e frustração em seu rosto ir ficando cada vez menor, mas não sentia que apenas aquelas palavras tinham sido o suficiente. Por isso, eu me levantei do sofá e fui até ele, passando os meus braços pelo seu pescoço em um abraço.
— O que você...
O ouvi sussurrar, mas não dei atenção. E acho que nem ele deu, já que não terminou a frase. Estavamos em um apartamento lotado de policiais para todos os lados, não era como se isso fosse algo demais. Era apenas um abraço. E ainda mais unilateral, já que ele não estava me abraçando de volta.
— Eu confio em você, Harry. — Sussurrei em seu ouvido, para que apenas ele escutasse.
E sentindo que já havia feito a minha parte naquela tentativa de o acalmar, eu estava pronta para me afastar quando senti os seus braços rodearem a minha cintura, finalmente me abraçando de volta. Pensei que isso nunca aconteceria, mas aqui estava... e a sensação era tão boa e calma.
Meu coração voltou a acelerar em meu peito, mas dessa vez, não foi de um jeito ansioso, nervoso, assustado, ou sequer sexual, e sim, como uma forma de aviso. Apenas para me deixar sabendo que ele se sentia completamente bem e seguro ali... nos braços de Harry.
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