Capítulo 21
Uma pergunta.
— Olivia.
Ouvi a voz da Taylor me chamar, mas era algo tão longe e tão distante...
— Olivia, acorda logo!
Apenas quanto senti algo atingir o meu rosto foi que eu abri os olhos.
— Você jogou um travesseiro na minha cara? — Me sentei na cama, me espreguiçando.
— É claro, você parecia até mesmo uma pedra dormindo. O que aconteceu? Não dormiu direito?
— Não... eu acordei de madrugada com um pesadelo onde o Harry me esfaqueava até a morte na cozinha do apartamento e fiquei acordada um bom tempo olhando para o teto depois disso. — Isso era o que eu queria dizer. Mas eu não sentia intimidade o suficiente para falar isso com ela ainda. — Não. Toda essa situação, acho que me deixou um pouco inquieta. Demorei para dormir. — Expliquei, e ela assentiu enquanto passava batom no espelho. — Ainda está de manhã? Por que você me acordou?
— Temos visitas. — Ela avisou, saindo do quarto em seguida.
Escovei os dentes, tomei um banho, e finalmente troquei o vestido do jantar de ontem por um short jeans e uma camisa de mangas longas azul bebê. Estava saindo do quarto quando voltei alguns passos, e olhei para a maleta de maquiagem da Taylor.
Eu não tinha trazido nenhum tipo de cosmético comigo, apenas as minhas roupas, alguns sapatos, meu celular, e o meu perfume. Parei em frente ao espelho, olhando a minha aparência, e suspirei ao ver que eu estava com o rosto um pouco inchado por causa do choro, e com leves olheiras, graças a minha péssima noite de sono. Eu não deveria me preocupar com essas coisas fúteis quando tinha a porra de um serial killer atrás de mim..., no entanto, melhorar um pouco a minha cansada aparência não machucaria ninguém. Passei um pouco de corretivo para amenizar as olheiras e um batom rosa claro quase invisível, apenas para dar um pouco mais de cor aos meus lábios. Olhei no espelho novamente, vendo o quão melhor eu aparentava estar, e saí do quarto.
Na sala, além de Taylor e Harry, estavam Andrew e o meu pai.
— Pai! — Sorri, correndo para o abraçar.
— Oi, querida. — Ele beijou o topo da minha cabeça.
— A mamãe não veio? O Elijah?
— Não, eles ainda estão na polícia, mas você os verá em breve. Eu prometo.
Eu assenti e olhei em volta, procurando um lugar para me sentar. Andrew estava sentado em uma das poltronas, o meu pai, que se levantou apenas para me abraçar, voltou a se sentar na outra poltrona, e então, sobrou o sofá que ficava bem no meio dessas poltronas. Harry e Taylor estavam sentados nele, mas cada um em uma extremidade, deixando o meio como único lugar vago. Sem querer prolongar aquela situação, já que eu era a única ainda de pé ali, eu engoli em seco e fui me sentar lá, sem ousar por um segundo olhar para Harry ao meu lado.
— Eu sei que essa é uma situação difícil para todos, mas é o que temos agora. — Andrew começou dizendo. — Para esse plano funcionar, ninguém pode saber que você está aqui, Olivia.
— É... então... eu meio que já contei para alguém. — Revelei, com uma expressão de culpa.
— Meio que contou ou contou? — Ele perguntou.
— Contei.
— Para quem? — Meu pai perguntou. — Patty?
— Sim.
— Menos mal. — Suspirou aliviado. — Eu conheço aquela menina quase toda a vida dela, ela é confiável.
— Mas o celular de Olivia não. — Harry falou pela primeira vez desde que entrei. — Se o celular foi grampeado, hackeado, e estiver sendo rastreado, Enigma pode estar bolando um plano enquanto falamos.
— Eu não tinha pensado nisso.... — Me senti ainda mais culpada. — Mas meu celular ficou desligado o tempo todo. Eu o desliguei antes de colocar na mala e vir para cá. Então, não tem como rastrear... eu acho.
— Vai buscar. O seu também, Taylor. — Andrew pediu. Assenti e me levantei.
— Taylor não está com celular, eu tomei como castigo. — Escutei o meu pai falar enquanto ia até o quarto.
Peguei o meu celular da mala e voltei para sala, o colocando na mesinha de centro. Harry pegou o meu celular, e com uma ferramenta que eu gostaria de chamar de "chave de fenda", mas não tinha certeza se era esse o nome ou não, ele abriu o aparelho, removendo a parte de trás. Fiquei olhando tudo com um aperto no coração, afinal, eu tinha acabado de ganhar aquele celular depois de perder o último na piscina de Noah.
— Não foi grampeado, mas ainda é preciso ver se foi hackeado. Só que não pode ser aqui, se o celular foi mesmo invadido, no momento em que ligarmos, ele pode ser rastreado.
— Eu levo para a delegacia e peço para o nosso cara do TI olhar. — Meu pai informou.
— Desde quando vocês têm um cara do TI? — Estranhei.
Essa cidade não era muito grande, e até mesmo o legista que estava trabalhando nesse caso era da cidade vizinha, Westville.
— Desde ontem. Eu liguei para o prefeito de Westville e pedi um pouco mais de reforços, principalmente para todo esse lance tecnológico.
— Você poderia ter falado comigo antes. — Andrew falou. — Temos toda uma equipe pronta para isso. E sem querer ofender, Xerife Thornhill, mas essa investigação está sobre o meu comando agora.
— É, eu sei. Na próxima eu falo com você.
Apesar do meu pai ter tratado toda essa situação numa boa, eu sabia que ter que largar a mão do comando para outra pessoa não estava sendo nada fácil. Principalmente diante de todo esse trabalho que ele estava tendo com esse caso. Comigo sendo o alvo então, ele deveria estar cem por cento mais focado, se é que isso era fisicamente possível.
— Enfim, esses são celulares pré-pagos, então, se vocês precisarem ligar para alguém, usem eles. — Andrew informou, tirando dois aparelhos de dentro de uma sacola plástica que estava ao seu lado na poltrona e os colocando na mesinha de centro a nossa frente. — Mas é apenas em caso de emergência.
— Podemos entrar nas nossas redes sociais, agente Chase? — Taylor perguntou.
— Nas suas contas não. Podem criar uma conta nova se quiserem. Desde que não contatem absolutamente ninguém, postem fotos, ou usem seus nomes de verdade.
— E quanto a sair? Podemos sair? — Ela perguntou.
Andrew franziu a testa, olhando para o meu pai claramente confuso com a obviedade da pergunta, no entanto, prosseguiu e respondeu educadamente.
— É claro que não. Ninguém pode saber que vocês estão aqui... — Ele olhou diretamente para mim. — Ou melhor, ninguém mais.
Eu apenas assenti, entendendo o recado. Não era como se eu tivesse mais alguém para contar isso mesmo.
— Garotas, eu tenho que ir agora, vou levar os celulares de vocês para a checagem e tentar reavaliar as pistas que temos. — David falou. — Mas eu vou tentar voltar logo, ok? E se possível, trazer a mãe de vocês comigo... Andrew, você vai ficar? — Meu pai ficou de pé.
— Não, eu também vou. Tenho um avião para pegar.
— Você vai viajar? — A pergunta saiu pela minha boca antes mesmo que eu pudesse parar para pensar.
— Sim, tenho que voltar a Nova Iorque para explicar o caso e conversar pessoalmente com o meu chefe sobre a realocação de vocês para um lugar mais seguro. Devo voltar em no máximo dois dias. Mas não precisam se preocupar, Edward estará aqui... — Notei quando Harry inclinou a cabeça um pouco para o lado como se estivesse incomodado com algo. —... assim como o agente do lado de fora da porta, e todos os agentes e policiais que estão disfarçados no quarteirão. Qualquer problema, é só ligar para o pai de vocês, pelo pré-pago, é claro.
— Sem problemas. — Taylor comentou, enquanto eu apenas assentia.
Me despedi do meu pai com mais um abraço, e logo, ele e Andrew tinham ido embora. Harry se levantou, pedindo licença para ir até a cozinha, enquanto Taylor ligava a televisão e colocava suas pernas para cima do sofá, sentando com elas cruzadas. A televisão ligou em um canal de notícias, e ela já iria mudar de canal, quando eu notei que a repórter Jane Winker estava parada bem em frente ao departamento de polícia.
— Espera, acho que ela está falando do caso! — Tomei o controle da sua mão e aumentei um pouco o volume.
".... temos informações EXCLUSIVAS que apontam que Olivia Collins, enteada do xerife da cidade, David Thornhill, é uma possível futura vítima do Enigma. Não divulgaremos qualquer informação a mais sobre o caso para não comprometer as investigações, no entanto, é seguro afirmar que Olivia, assim como sua irmã gêmea, Taylor, estão seguras e protegidas dentro do departamento de polícia. Em seguida..."
Jane estava parada um pouco em frente ao gramado do departamento de polícia, e ela com certeza teria tentado chegar mais perto se não fossem os policiais parados logo em frente à entrada. Assim que terminou de falar, uma foto minha e outra da Taylor apareceu na tela
— Não acredito que eles usaram essa foto horrível minha! — Taylor resmungou, tomando o controle de volta. — Enquanto a sua está... bem, não está perfeita, mas ok.
— Sério que você está preocupada com isso agora?
As duas fotos eram praticamente iguais, já que eram as fotos que nós tiramos para as nossas carteiras de motorista no ano passado. A única diferença era o cabelo, já que eu o preferia com as ondas naturais, enquanto a Taylor vivia dando chapinha no seu.
— É claro! É da minha imagem que estamos falando aqui, eles poderiam ter usado uma foto melhor. Meu Instagram está cheio delas!
Não disse nada e apenas me levantei, indo até a cozinha. Harry estava em frente a geladeira aberta e procurava por algo dentro dela. Eu me sentei em um dos banquinhos do balcão da ilha, e fiquei ali observando em silêncio ele pegar uma cebola, alguns outros legumes e verduras, e fechar a geladeira em seguida.
— A informação sobre nós vazou... ou meio que vazou, já que foi divulgado que estávamos no departamento. — Decidi comentar, já que não sabia se isso seria um empecilho ou não.
— Vazamos a informação hoje mais cedo. É parte do plano. Não precisa se preocupar. — Ele informou, sem olhar para mim e completamente focado no que fazia. — Você ou a Taylor possuem algum tipo de alergia que eu deva saber, ou não consomem algum tipo de comida?
— Somos alérgicas a amendoim... você está preparando o almoço?
— Sim. — Respondeu, pegando uma faca para começar a cortar as verduras.
Engoli em seco, lembrando imediatamente do meu pesadelo, e ver ele manusear uma faca enorme como a que ele tinha em mãos com tanta facilidade só me deixou ainda mais nervosa. Notei que havia uma faca pequena, daquelas de cortar pão, do meu lado da ilha, e sem pensar duas vezes, eu a peguei, escondendo-a no bolso traseiro do meu short.
— Não sabia que você sabia cozinhar. — Comentei, me sentindo mais segura.
— Eu diria que tem muitas coisas que você não sabe sobre mim, afinal, não nos conhecemos.
— Na verdade, EU não te conheço. — O corrigi. Dando ênfase no "eu". — Você me conhece. Ou pelo menos foi o que me disse aquela noite em que eu te acusei de ser o Enigma.
— Qual das? — Franziu a testa de forma debochada. — Foram tantas vezes que é até difícil manter registros.
Mordi o meu lábio inferior para conter o sorriso envergonhado, e assenti, aceitando a provocação.
— Tudo bem, eu mereci essa. Porém... eu pensei que você fosse bom no assunto registros, já que até mesmo convenceu a minha melhor amiga a destruir um sobre você. — Rebati.
— Boa. — Ele reconheceu. — Mas deixar registros sobre um disfarce meu nas mãos de uma adolescente impulsiva não seria muito inteligente da minha parte, seria?
— O que foi? Não confia nesse projeto mal feito de Enola Holmes?
Debochei de volta, e pela primeira vez, eu o vi sorrir abertamente, não de forma educada, mas sim, por achar o que eu havia dito realmente engraçado. E isso causou um frio gostoso em meu estômago.
— Me desculpe por isso. — Reconheceu. — Eu estava bastante exaltado por você ter literalmente invadido o meu quarto e... exagerei um pouco. Espero que não leve esse terrível insulto para o seu coração.
— Está tudo bem, sério. Eu não levei. — Decidi me desculpar também. —Realmente não sou nada boa em investigação, prova disso é que eu fiquei por dias acusando um agente federal de inúmeros homicídios. Sinto muito mesmo por isso, aliás. Você foi bem paciente comigo.
Eu respirei fundo em alivio assim que pedido de desculpas saiu pela minha boca, pois desde que a verdade foi revelada, eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser isso. Cheguei até a pensar que não conseguiria me desculpar de tanta vergonha. Mas consegui.
— Está tudo bem. — Ele assentiu, levando tudo na esportiva. — Acho que qualquer um na sua situação acharia o mesmo.... Mas se queria saber mais sobre mim, era só ter me perguntado. Puxar os registros de alguém como você fez comigo pode resultar em um belo de um processo. — Alertou. — Sua sorte é que Harry Campbell não existe.
— Eu não sei onde estava com a cabeça! — Cobri os meus olhos com as mãos, morta de vergonha. — Mas também, não é como se você fosse a pessoa mais aberta do mundo. — Tentei argumentar.
— Isso não justifica. — Ele sorriu de lado. — O que tanto quer saber sobre mim, afinal?
Ele terminou de cortar todos os legumes e largou a faca no balcão, olhando para mim. E devo dizer... boa pergunta. Seus olhos verdes me encararam firmemente, mais abertos que o normal, e eu falhei miseravelmente em pensar em uma resposta. Ou no caso, pergunta.
— Eu... não sei? — Suspirei. — Agora que eu sei que você é inocente, eu não tenho mais do que suspeitar.
— Eu já não sou tão interessante assim? — Brincou.
— Não é isso. — Senti o meu rosto corar levemente. — É só que... eu não sei quem você é, acho que esse é o problema. — Tentei explicar.
Harry pegou um pano de prato em cima do balcão para limpar as suas mãos, e então, estendeu uma delas por cima do balcão até mim.
— Eu sou o agente federal Edward Chase. Prazer em conhece-la, Senhorita Collins. — Disse, de forma extremamente cordial.
Aceitei o seu aperto de mão, sentindo um leve arrepio percorrer o meu corpo assim que os seus dedos envolverem a minha mão de forma firme, e assenti.
— Prazer em conhece-lo, Agente Chase.
Ele fez uma leve careta.
— Me chame de Edward. Ou Harry. Agente Chase é o meu pai.
Ele tomou a iniciativa de desfazer o nosso aperto de mão, e eu encolhi minhas mãos em cima do meu colo, voltando a ficar nervosa com a sua presença.
— Posso fazer uma pergunta sobre você agora, Harry? — Pedi, insegura sobre o que iria perguntar.
— Pode. Mas apenas uma.
— Só uma?
— Se você não quer...
— Não, tudo bem! — Me apressei em concordar antes que ele mudasse de ideia. — Uma pergunta será então. — Ele assentiu e ficou me olhando em silêncio, esperando que eu me pronunciasse. — Seu nome de verdade é realmente Edward?
Ele franziu a testa.
— Essa é a sua grande pergunta?
— Eu sei que não é Harry Campbell. E posso estar passando um pouco da linha aqui, mas você pareceu incomodado quando o seu pai te chamou de Edward mais cedo, então... — Parei de falar, esperando que ele respondesse.
— Ele me chamou de Edward toda a minha vida. Eu não me sinto incomodado com isso. — Ele explicou de forma ampla. Deixando claro que havia algo com o que ele estava incomodado, só não era isso, e ele tampouco me diria o que era. — Mas você está certa. O meu nome verdadeiro é Harry.
— Você não falou que iria mentir na resposta. — Protestei.
— Eu não estou mentindo. — Se defendeu, sorrindo. Ele tinha dentes lindos aliás, todos bem direitinhos e aparentemente naturais. Não era aquele branco falso que se via nas redes sociais.
— Mas se você é mesmo Harry Campbell, quem é Edward Chase?
— Eu nunca disse que era Harry Campbell.
— Então... eu não estou entendendo!
Desisti de pensar naquilo e apenas esperei que ele me dissesse a resposta.
— Você terá que esperar até amanhã para saber. — Ele deu de ombros.
— O que? Como assim...
— Apenas uma pergunta, lembra? Amanhã eu respondo outra.
Eu expirei frustrada ao lembrar das suas palavras.
— Isso não é justo. Uma pergunta é muito pouco....
— Que pena. — Me cortou, não dando a mínima para a minha frustração. Então, eu contive a minha indignação, e apenas observei ele colocar as verduras e os legumes em um prato grande e derramar um pouco azeite por cima. — A salada que a sua irmã pediu está pronta. O que você vai querer?
— Mais uma pergunta? — Ele apenas inclinou a cabeça para o lado, sequer se importando em me responder com palavras. — Tudo bem... Pode ser qualquer coisa que não seja salada. — Concluí. — Precisa de ajuda preparando?
— Não, eu trabalho melhor sozinho. Você pode ir esperar na sala.
— Tudo bem, então.
Eu desci do banquinho e me virei para voltar para a sala.
— Olivia? — Parei de andar e me virei, observando em total silêncio ele sair de detrás da ilha da cozinha e vir na minha direção calmamente.
E ele chegou perto... muito perto. Tão perto que eu comecei até mesmo a sentir o calor do seu corpo junto ao meu. Pensei em me afastar, mas os seus olhos me encarando de forma quase incisiva me impediam de fazer qualquer movimento. O que ele estava fazendo? O que eu estava fazendo?
Harry se inclinou na minha direção, e eu senti a sua respiração atingir alguns fios do meu cabelo, me causando uma sensação no ventre que eu não sabia nem por onde começar a explicar... Senti uma de suas mãos no meu quadril e fechei os olhos, respirando com dificuldade. Ele havia tomado banho recentemente, e estava tão cheiroso, que a sua proximidade estava me deixando até mesmo inebriada... No entanto, na mesma velocidade em que ele se aproximou, ele se afastou, me deixando totalmente atordoada no meio daquela cozinha.
— O que...
Ele me interrompeu.
— Eu não acho que você vá precisar disso aqui lá na sala. — Ele ergueu a mão, revelando estar segurando uma pequena faca. E eu imediatamente percebi o que havia acontecido ali. Levei a mão até o bolso traseiro do meu short para ter certeza, e realmente, ele tinha pego a faca que eu havia escondido ali. — E da próxima vez, tenta ser um pouco mais discreta. Até mesmo uma pessoa com deficiência visual conseguiria ver essa faca no seu bolso.
Fechei os olhos, me xingando mentalmente de tudo quanto era nome por ter esquecido da existência dessa bendita faca. E quando eu finalmente tomei coragem para abri-los novamente, percebi que Harry tinha um sorriso torto no rosto, como se estivesse se divertindo bastante com a minha agonia.
— Foi... eu... tive um... — Gaguejei, sem saber o que dizer. Eu pareceria ainda mais idiota se contasse do meu pesadelo.
— Olha... — Ele suspirou. — Não precisa me explicar. Contanto que você não tente se ferir com essa faca, eu não tenho nenhum problema se você quiser mantê-la por perto. — Ele me estendeu a faca e eu a peguei da sua mão, sem entender bem o porquê de ele estar me entregando ela de volta.
— E se a minha intenção fosse... machucar você?
Ele ergueu uma das sobrancelhas de forma confiante.
— Você pode até tentar se quiser.... Mas eu aconselho que não. — Me dando as costas, Harry foi até o armário de panelas e tirou de dentro uma frigideira. — O que acha de bife assado?
— Ótimo... eu acho.
Abaixei os olhos para a faca em minhas mãos, e respirei fundo, um pouco confusa. Há minutos atrás eu sentia que precisava urgentemente dela, mas agora... eu me sentia idiota por ter pensado que eu precisava dela. Pois apesar do recente pesadelo, talvez... Harry fosse mesmo confiável.
Decidi por deixar a faca em cima do balcão da ilha no mesmo lugar em que eu a havia pego, e voltei para a sala.
***
— Você não pode contar para ninguém, okay? — Pedi.
E ouvi Patty suspirar do outro lado da linha.
— Como se eu fosse sair por aí espalhando que você está escondida no apartamento de um ex-suspeito de ser serial killer, que na verdade, é um agente federal, que ainda por cima, é alguém que você pode ou não ter uma leve queda. Ninguém em sã consciência acreditaria em mim, Olivia. Eu certamente seria taxada de drogada na cidade!
— Ótimo. Não sobre a parte de você ser taxada de drogada, é claro. E sobre a queda...
— Ei! — Ela me cortou. — Nem vem tentar negar, pois eu não sou idiota! Você passou as últimas semanas obcecada por ele, até sonhos teve. Tá obvio o interesse.
Eu respirei fundo, me preparando mentalmente para dizer mesmo aquelas palavras...
— Eu não ia negar... ia pedir a sua opinião.
Já estava na hora de eu encarar a verdade sobre todo esse meu nervosismo perto de Harry. Eu era totalmente insegura das minhas ações e pensamentos quando estava perto de qualquer garoto, mas de Harry... era como se tudo ficasse mil vezes mais forte e pior. Quando ele chegou perto de mim mais cedo eu só faltei desfalecer no chão da cozinha de tão afetada que fiquei com a sua proximidade. Isso não poderia ser nenhum pouco normal!
— Você sabe a minha opinião, se peguem logo!
— Amiga, não vale. Essa é a sua opinião para tudo!
— Tá, tudo bem... você quer a minha opinião séria, então?
— Sim, por favor!
— Olha... ele tem vinte e cinco anos, Liv... Já deve ter conhecido tantas mulheres, e se brincar, até mesmo tem uma namorada no momento. Ou namorado, eu não sei. Vai saber! Então... eu acho que dessa vez não vai rolar.
Eu suspirei pesadamente. Isso deveria ser um alivio para mim, mas de alguma forma, eu me sentia... decepcionada? Não... frustrada? Sim. Talvez até mesmo os dois.
— Você tem razão. — Concordei.
— Eu normalmente tenho. — Ela bocejou do outro lado da linha. — Mas como você soa decepcionada, vou deixar claro que já passou das duas da manhã e eu estou morrendo de sono. Então, eu não vou dar concelhos brilhantes. Sem falar que na maioria dos casos, se pegar sempre é a resposta certa. — Apenas pelo seu tom de voz, eu podia imaginar ela dando de ombros com sua postura despreocupada e sonolenta.
— Não deu certo com o Jace.
— Ei, todo caso há exceções! Mas falando nisso, o que deu essa história toda?
— Não havia quaisquer indícios de que Zach ou Jace estavam mesmo naquele quarto de motel, então, essa história não deu em nada.
— Mas e a arma? Não poderiam prender ele por posse ilegal? Nós tiramos fotos!
— A polícia não pode pedir mandados de prisão com fotos que nós adquirimos de forma ilegal. Logo, não há qualquer prova. Eles devem ter limpado tudo antes da polícia bater lá, e a essa altura Zach já deve estar bem longe de Londville.
— Acho que não, hein. Algo me diz que ele ainda está na cidade.
— Algo? O que?
— Não sei direito, é só um pressentimento. Mas seja lá o que for que ele e o Jace estejam aprontando, não acho que acabou. Aquele mapa mesmo, é bem estranho.
Patty e eu analisamos a foto do mapa assim que chegamos a minha casa naquela mesma noite, antes do meu pai chegar. Tentamos encontrar algum padrão nas marcações que haviam nele, como por exemplo: as casas marcadas serem as casas de todas as vítimas do Enigma na cidade. No entanto, acabou que não conseguimos encontrar nada. Nenhum padrão. Eram apenas casas aleatórias e a minha casa acontecia de estar no meio delas. Era o trabalho do meu pai agora descobrir o que diabos eram aqueles xises espalhados pela cidade, isso é, se ele conseguisse achar o Zach, ou um dia conseguisse um motivo concreto para interrogar o Jace.
— É, tudo isso é bem estranho mesmo. — Concordei. — Então toma cuidado, talvez o Zach possa ir atrás de você para tirar satisfações por termos contado tudo para a polícia. — Alertei, preocupada.
— Ele pode até tentar, mas o placar está dois a zero para mim. — Ela comentou rindo.
— Pode parecer engraçado, mas lembre-se de que ele matou o segurança do banco que roubou. Ele não é nada confiável.
— É, eu sei. E vou tomar cuidado. Não se preocupe comigo, se preocupe em agarrar o Harry.
Revirei os olhos para a sua clara provocação, ela era tão sem noção.
— Eu vou desligar.
— Quanto mais você ignorar, maior e mais duro vai ser de resistir, Olivia. Duplo sentindo intencional.
— Amiga, TCHAU! — Desliguei o celular antes que ela pudesse falar mais alguma gracinha.
Eu podia sim ignorar essa situação o quanto eu quisesse. Graças a algo chamado "autocontrole" que eu... obviamente não tinha, mas que poderia desenvolver. Isso não era um caso perdido!
Deixei o celular de lado e deitei na cama, pensando no que fazer. Eu tinha que me manter longe de Harry e o evitar a todo custo. O que seria difícil morando no apartamento dele, mas não completamente impossível. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando não pensar em nada por um tempo, o que não deu certo, pois imediatamente comecei a me lembrar do nosso encontro na Universidade...
— Por que você quer tanto que eu seja um assassino?
Levei alguns segundos para assimilar aquela pergunta e todas as suas implicações. Sem ter ideia alguma do que ele estava falando.
— Eu não quero nada de você!
— Bem, não é o que parece.
— E o que parece? — O desafiei a falar.
— Que você quer que eu seja a porra desse assassino, pois só assim você pode se convencer de que o que está... — Ele parou de falar de repente e virou o rosto para o lado, como se estivesse controlando-se para não falar algo.
Eu pisquei algumas vezes, um pouco atordoada, e até mesmo engoli em seco, pois poderia jurar que ele iria falar "sentindo". O que seria uma loucura total! Nada poderia estar mais longe da verdade do que isso. Nem em um milhão de anos. Caramba, só se fosse medo e raiva, pois isso sim eu estava sentindo!
— Esquece. — Ele disse apenas, ainda sem me olhar.
Eu fechei os olhos com mais força, tentando me livrar da lembrança. Pois não era possível que ele soubesse, era? Nem mesmo eu sabia naquela época. Pensava que estava apenas me protegendo dele, e não... me protegendo de criar sentimentos por ele. Deus.... eu precisava de respostas. E apenas com essas respostas, eu conseguiria por um ponto final em toda essa bagunça acontecendo em minha mente e corpo. Era algo arriscado, mas necessário.
Me levantei da cama, e saí do quarto, parando em frente a porta do quarto de Harry. Olhei para o lado, no fim do corredor, e vi luz sair por debaixo da porta do banheiro. Taylor tinha entrado há alguns minutos para tomar banho, e conhecendo a minha irmã, ela demoraria bastante, o que daria tempo para a minha conversa. Bati na porta de Harry, e esperei por poucos segundos até ele abrir.
Engoli em seco ao ver que ele estava sem camisa e apenas com uma calça moletom preta, e o fato de eu estar apenas com um pijama fino não ajudava em nada.
Perdi alguns segundos impressionada com todas as tatuagens que ele tinha em volta dos seus braços e torso, e imediatamente me arrependi da decisão de ter saído da cama. Eu deveria ter ido dormir... eu deveria ter pensado melhor nessa loucura! Deveria ter esperado até amanhã de manhã, quando estivéssemos mais vestidos, e não agora, no meio da madrugada, pois eu sabia muito bem que nada de bom acontecia depois das duas da manhã... Só que agora era tarde demais para isso.
— Olivia... o que faz acordada a essa hora? — Estranhou.
— Eu não consigo dormir... será que podemos conversar um pouco?
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