1.5 : TRABALHO SUJO
No dia seguinte, Natsuki acordou no fim da tarde, exausta da última noite.
Não teve muito tempo para antes de começar a caminhar pelos corredores externos da Praia, mantendo-se alerta enquanto fazia suas rondas. Ela nem sabia exatamente o que estava fazendo, apenas copiava outros milicianos e "fazia algo útil" como Aguni mandou ela fazer uma vez.
Ao dobrar uma esquina, viu Niragi, o Último Chefe e dois outros milicianos parados sob a luz trêmula de um refletor. Niragi estava encostado em um pilar, o rifle pendurado casualmente no ombro, mas seus olhos estavam carregados de algo mais perigoso.
─── Miyuzinha... ─── Ele chamou, a voz baixa e afiada como uma faca. ─── Fazendo rondas sozinha. E sem uma arma.
Natsuki revirou os olhos, mantendo a postura firme.
─── De que adianta ficar carregando uma arma por aí como se fosse acessório? ─── Retrucou.
O sorriso de Niragi se transformou em algo mais ameaçador.
─── Engraçadinha como sempre. Mas hoje não tô no humor pra brincadeiras.
Antes que ela pudesse responder, um miliciano apareceu correndo, interrompendo a tensão crescente.
─── Avistamos dois estranhos observando a Praia na ponte. ─── Ele anunciou. ─── Aguni mandou a gente ir lá agora mesmo.
Niragi riu, erguendo o rifle enquanto olhava para Natsuki com diversão.
─── Parece que você vai ter sua chance de ser útil, Miyu. Vamos lá.
Eles seguiram em direção à ponte em carros com alta velocidade, o clima pesado como chumbo. Ao chegaram perto do local, Natsuki sentia os olhos de Niragi nela, prontos para apontar qualquer fraqueza.
- Dividam-se. - Niragi comandou com um sorriso sádico. - Pegamos um de cada lado.
Natsuki não hesitou. Como o pirado sugeriu, ela seguiu para o lado direito, enquanto ele e os outros milicianos foram pela esquerda.
Ela se aproximou silenciosamente, segurando uma arma que Niragi a forçou a carregar mais cedo. Quando finalmente se aproximou o suficiente, o invasor percebeu sua presença, mas Natsuki foi mais rápida.
Com um movimento rápido e preciso, ela acertou uma coronhada na lateral da cabeça do rapaz, que caiu no chão, atordoado.
Enquanto isso, Niragi e os outros capturavam a segunda invasora com métodos iguais, só que eles se divertiam. Quando todos estavam inconscientes, Niragi olhou para Natsuki com um sorriso satisfeito.
─── Nada mal, Miyuzinha. Pensei que você fosse amarelar.
Ela não respondeu, apenas olhou para os dois desconhecidos apagados no chão.
─── Vamos levar esses dois para o Chapeleiro. ─── Disse um dos homens ─── Ele vai lidar com o resto.
─── Que saco... ─── Niragi resmunga, coçando a cabeça com o cano de sua arma ─── Falaram que poderíamos nos divertir nessa Praia, só que o Chapeleiro sempre acaba com a graça.
─── Natsuki, ajuda aqui!
Natsuki ajudou a coloca-los no porta malas do carro, assim todos estavam prontos para levar os dois de volta para a Praia.
Ela ficou em silêncio durante todo o trajeto de volta. O motor do carro zumbia em seus ouvidos, mas sua mente estava em outro lugar. Os dois desconhecidos estavam apagados no porta-malas, e Niragi, no banco da frente, parecia mais animado que o normal, rindo e fazendo piadas sobre o destino deles.
Mas Natsuki não ouvia.
Seus olhos se fixaram no pequeno espaço da janela, onde as luzes da cidade piscavam, e sua mente a levou de volta ao momento em que ela chegou à Praia pela primeira vez.
Talvez esse tivesse sido uma das suas idéias mais estúpida ─── E olha que a maioria das suas idéias eram estúpidas.
Agora, olhando para os dois jovens no porta-malas, Natsuki sentiu uma pontada incômoda no peito. O garoto tinha alguém ao seu lado, assim como ela já teve. Ele não estava completamente só. Mesmo apagado, com a cabeça apoiada contra o ombro da garota, parecia haver uma conexão entre eles.
Mas ela estava sozinha agora. Claro, tinha Chishiya e Kuina, mas a verdadeira intenção deles era uma incógnita e ela não iria baixar a guarda novamente, por que mesmo que não tramassem algo contra ela, ainda corria o risco dela se apegar e eles morrerem de forma brutal bem na sua frente, algo que ela não saberia lidar novamente.
O pensamento de Kuina e Chishiya morrendo enviou calafrios pelo seu corpo, deixando-a irritada por se importar. Ela se sentia que nem uma garotinha solitária e carente.
O carro estacionou na Praia, e os milicianos começaram a arrastar os invasores para fora do porta-malas. Natsuki hesitou por um momento, seus olhos fixos no garoto inconsciente. Algo em seu rosto a fazia lembrar Yuta. O jeito como ele parecia tão jovem, tão... humano.
Ela revirou os olhos e suspirou, incomodada. Então seguiu os outros em silêncio como sempre. Era fácil apagar alguém, fácil seguir ordens. Difícil mesmo era conviver com a memória de quem você já foi um dia.
─── Boa tarde Kuina e sombra da Kuina. ─── Natsuki cumprimenta, ficando escorada na parede entre Kuina e Chishiya, enquanto uma multidão de pessoas se juntava no lobby.
─── Fiquei sabendo que você apagou um cara hoje. ─── Kuina diz ─── Você tá mesmo levando a sério esse lance da milícia.
─── Alguém tem que fazer o trabalho sujo. ─── Natsuki dá de ombros.
─── Vai jogar hoje Natsuki? ─── Kuina pergunta
─── Se o Aguni mandar. ─── Ela explica, bocejando ─── E você Chishiya?
─── Acho que vou deixar pra próxima.
Conforme as pessoas se juntavam no lobby, começaram a gritar em coral o nome do Chapeleiro, que não demorou muito para aparecer no topo da escadaria, com toda aquela aura de chefão.
─── Companheiros! ─── O Chapeleiro começa ─── Chegou a hora novamente está noite. Não precisam temer nada, essa é uma batalha feroz contra o medo. Todos aqui tem a bravura de superar obstáculos, apartir de agora todos aqui deve agir como um só time, vamos conquistar todas as cartas para voltarmos juntos ao mundo real. Portanto, agora só depende de nós! Vamos lá!
Com isso, todas as pessoas começaram a comemorar, como se a grande maioria não estivesse indo se matar em algum jogo.
─── O que foi? ─── Kuina pergunta para Chishiya, ao perceber que ele está quieto encarando duas pessoas.
─── São os intrusos. ─── Natsuki diz.
─── Já joguei um jogo com eles. ─── Chishiya explica.
─── Com eles dois?
─── É. Foi aquele jogo que a Natsuki não fez absolutamente nada e ainda assim conseguiu levar um tiro e sair viva. Eu acho que eles vão ser bem úteis pro nosso plano.
─── Natsuki. ─── Aguni a chama a distância, balançando a cabeça, indicando ela a se juntar a ele e os outros milicianos.
─── Droga...
【 Nome do jogo: Caça a fera 】
Dificuldade: Seis de Espadas
Objetivo: Derrotar todos as feras
Regras: Cada fera tem uma pontuação, derrote-as para juntar pontos o suficiente para zerar o jogo. É necessário 500 pontos para zerar o jogo. Não seja pego pelas feras.
── Cara... ─── Natsuki resmungou, encarando o celular em sua mão ─── Eu odeio jogos de espadas...
Os olhos dela viram para uma barraca de ursos de pelúcia do parque de diversões que seria a arena de jogos, vendo armas dispostas para os jogadores.
Uma pessoa tentou se aproximar da barraca, mas levou um empurrão de Niragi e desabou no chão. Os milicianos não iriam deixar ninguém pegar armas.
Ela coça a cabeça e entreolha os milicianos, as armas e os brinquedos, sem saber exatamente o que fazer já que até agora não surgiu nenhuma "fera".
─── Por que você só faz as coisas se te mandarem? ─── a voz de Aguni irritado vem de trás dela ─── Vai pegar uma arma Natsuki, você é da milícia. Se mexe.
Ela engoliu seco, antes de se dirigir até a barraca de armas. Niragi a encarou, mas não disse nada, apenas empurrou um revólver em direção dela, que quase derrubou no chão.
Ela aproveitou para pegar uma faca também.
As luzes do parque de diversões piscavam em tons frenéticos, iluminando a arena. Os brinquedos voltavam à vida com rangidos metálicos, girando sozinhos como se tivessem vontade própria. No centro do espaço, um telão gigante se acendeu, exibindo uma tabela de pontuação.
[Tabela de Pontuação]
Tigre - 100 pontos
Pantera - 80 pontos
Javali - 50 pontos
Águia - 30 pontos
Logo em seguida, um som alto reverberou pelos alto-falantes, seguido por uma melodia circense distorcida, quase irônica diante da situação.
Então, os gritos começaram.
Natsuki girou na direção do barulho e viu um homem correndo desordenadamente entre as atrações. O desespero em seu rosto era evidente, mas sua fuga não durou muito. Uma sombra ágil saltou do topo da montanha-russa desativada e caiu sobre ele com um impacto brutal.
Era uma pantera.
O corpo da vítima se contorceu sob o peso do animal, enquanto as garras se cravavam em sua carne. O felino afundou os dentes em seu pescoço com um estalo úmido e grotesco. No mesmo instante, o telão piscou novamente.
[Pontos obtidos: 0]
─── Que merda é essa...? ─── Natsuki murmurou.
Niragi soltou uma risada curta e carregada de divertimento.
─── Isso quer dizer que só pontuamos se formos nós a matar as feras. O bom é que tem isca em todo lugar. Olha esses otários!
Outro rugido ecoou, vindo de algum ponto distante do parque. O jogo tinha realmente começado.
─── Espalhem-se! ─── Aguni ordenou, e os milicianos se moveram com eficiência, pegando armas e tomando posições estratégicas ao redor da arena.
Dessa vez Aguni não precisou falar duas vezes, Natsuki correu e se escondeu dentro de uma casa de espelhos e só percebeu sua proeza ao entrar no lugar e ver sua imagem refletida em quase todos os lugares.
Era praticamente um labirinto e o que mais lhe causou arrepios foi um ronco alto que ecoou por todo lugar.
Ela girou assustada, procurando a direção de onde veio o barulho, mas encontrando apenas seu reflexo, até que ao virar a esquina ela consegue ver de relance uma sombra que parecia de um porco selvagem.
Natsuki engoliu seco e segurou firmemente o revólver que Niragi tinha lhe dado. Os espelhos ainda não refletiam nada, até que ao olhar para trás ele viu a figura enorme de um javali a encarando.
Ela segurou a arma e atirou, no entanto era apenas um reflexo no espelho.
O tiro estilhaçou o espelho, e o javali avançou furioso da direita. Natsuki correu pelo labirinto, ofegante, tentando se orientar entre os reflexos.
Ela parou atrás de um painel e observou. O javali se confundia com os espelhos, trombando contra o vidro. Era sua chance.
Mirou e disparou. O tiro acertou a lateral da fera, que urrou de dor, mas ainda avançou contra ela. Que caiu no chão enquanto tentava se defender do animal.
No último segundo, Natsuki puxou da sua cintura a faca que havia guardado e cravou-a no pescoço do animal várias e várias vezes, até sentir o sangue quente escorrer e ver que a fera parou de se mexer.
O javali estremeceu e caiu morto.
Mais 50 pontos.
Ela respirou fundo e saiu da casa de espelhos, olhando para a tabela de pontuação. Outros jogadores já haviam conseguido derrotar outros animais, incluindo tigre e panteras. O parque de diversões estava banhado em sangue.
Depois do jogo ─── que teve vitória da Milícia ─── Natsuki voltou para a praia, exausta e dolorida, mas grata por ter sobrevivido.
Assim que pisou na área da piscina, o local ficou em silêncio, todos ficaram apenas observando os milicianos passarem.
Ela aproveitou a distração pra poder se afastar do grupo, viu a distância Kuina conversando com o rapaz novo e pensou em se aproximar, mas foi impedida por uma mão segurando seu braço.
─── Ela é mais simpática que nós dois juntos. ─── Explica Chishiya, soltando o braço da garota ─── Sem contar que você meio que sequestrou ele.
─── Chishiya. ─── Natsuki murmura, com uma sobrancelha erguida ─── Que bom te ver.
─── Digo o mesmo. ─── Chishiya ironiza no mesmo tom que Natsuki.
─── Preciso conversar com você.
Chishiya apenas ergueu uma sobrancelha, mantendo o sorriso sarcástico de sempre.
─── Interessante. ─── Ele disse, cruzando os braços. ─── Geralmente sou eu que digo isso.
Natsuki não perdeu tempo com provocações e começou a andar em direção ao lado menos movimentado da piscina, esperando que ele a seguisse. Chishiya hesitou por um segundo, mas então caminhou atrás dela, mantendo um ritmo tranquilo.
Quando já estavam afastados o suficiente, Natsuki cruzou os braços.
─── Por que me quer no seu plano?
Chishiya deu um meio sorriso.
─── Você é esperta. Rápida. ─── Ele fez uma breve pausa. ─── E não tem medo de sujar as mãos.
Natsuki estreitou os olhos, esperando que ele continuasse.
─── Preciso de alguém que consiga entrar no quarto do Chapeleiro.
Ela piscou.
─── No quarto dele? ─── Sua voz soou mais baixa do que pretendia.
─── É o único cômodo da Praia que tem chave.
Natsuki considerou essa informação. De fato, todas as outras portas ficavam abertas. O Chapeleiro não fazia questão de privacidade? Ou seria apenas um símbolo de poder?
─── Se só ele tem a chave, como espera que eu consiga entrar?
─── O quarto só fica trancado à noite, mas algumas pessoas têm cópias da chave. Aguni. Os seguranças do Chapeleiro. Aposto que você conseguiria pegar uma.
Natsuki franziu a testa, pensativa. Roubar a chave de um segurança não seria impossível, mas também não seria simples.
─── E o bobão que chegou agora? ─── Perguntou, lembrando-se do garoto com quem Kuina conversava. ─── Por que quer ele no plano?
Chishiya deu de ombros, o sorriso nunca deixando seu rosto.
─── Preciso de uma isca.
Natsuki observou o jeito relaxado com que ele falou, como se não desse a mínima para o destino do garoto. Ela soltou um suspiro.
─── Chishiya...
Ele apenas sorriu, esperando que ela decidisse se queria ou não participar do plano. Antes que Natsuki pudesse dizer mais alguma coisa, uma voz feminina interrompeu a conversa.
─── Chishiya. ─── Ann surgiu ao lado deles, sua expressão impassível como sempre. ─── Vai ter uma reunião de membros executivos.
Chishiya desviou o olhar para ela, sem pressa, e apenas assentiu com um leve movimento de cabeça.
─── Entendido.
Ann não esperou mais nada, apenas se afastou com a mesma postura séria de sempre.
Natsuki revirou os olhos, cruzando os braços.
─── Claro. ─── Murmurou. ─── Mais uma vez você me deixa sem resposta.
Chishiya lhe lançou um olhar divertido.
─── É um talento meu.
Ela bufou, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele já se afastava em direção ao hotel. Natsuki ficou ali por um momento, sentindo a frustração crescer. Ele sempre fazia isso. Sempre falava o mínimo necessário e depois sumia, deixando as perguntas dela sem resposta.
Ela olhou de relance para a piscina, onde Kuina agora se encontrava sozinha. Talvez fosse uma boa ideia descobrir mais sobre os novatos... Afinal, se Chishiya o queria no plano, alguma coisa ele tinha de interessante.
Mas isso ficaria para depois.
Por ora, ela só queria descansar.
Notas da autora: Quem é vivo sempre aparece né meu bem. Perdão a demora e qualquer erro ou furo de roteiro, a tia Trickster tá sem tempo de revisar os capítulos 😭😭
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