Capítulo 24
Quando o toque daquele celular eclodiu, Henry de certa forma já esperava. Aquele aparelho havia perdido a sua função já algum tempo. Quando o ponto final da relação com a sua acompanhante de luxo foi dado, solicitou um número de celular novo. Aquele ficaria restrito apenas para ela. Em qualquer lugar que fosse o deixava acomodado em uma das repartições de sua maleta, devidamente carregado. E agora, com ele acomodado em suas mãos, sentindo a sua vibração, agradeceu por ter sido teimoso e mantido esse vínculo com o seu passado.
— Olívia!
— Como você está?
A voz dela reascendeu qualquer fagulha que ele tentou apagar sobre seus sentimentos e seguir com a sua vida solitária. Carmim foi a última acompanhante de luxo pela qual pagou, e Olívia seguia sendo a mulher que amava.
— Aliviado e triste. Se isso é possível.
— Tudo é possível.
— Nem tudo foi.
— Sinto a sua falta. — a voz de Olívia fraquejou.
— Não diga isso. Fale qualquer coisa...
— Me desculpe se essa é a verdade. Vou desligar, não devia ter feito essa ligação.
— Espero por ela há três anos, então, simplesmente não desligue, não precisa dizer mais nada, apenas me deixe ouvir a sua respiração.
Olívia acabou fazendo o que era pedido. Não ousou terminar aquela ligação que há muito tempo vinha ensaiando em fazer. Muitas e muitas vezes selecionou aquele número sem deixar que discasse. Orange fingia acreditar que tudo que fosse referente ao magnata farmacêutico tinha ficado no passado e a mulher o mantinha nessa ilusão, porém, quando estava sozinha e isolada de todos, buscava aquele número entre os seus contatos, deixando passear por seus olhos um tempo maior do que seria permitido para alguém que deveria esquecer e não se torturar com algo que desistiu.
Aquela manhã deveria ter seguido como todas as outras desde que abandonou o ar gelado de Chicago e passou a sentir o beijo quente da Florida. O sonho de morar na praia e ter areia embaixo de seus pés seguia dentro do previsto. O bar era um sucesso. Orange estava realizado, sendo uma das atrações principais daquele espaço bucólico frequentado por turistas. Toda noite, quando via o homem que escolheu para ter ao seu lado com o um sorriso largo no rosto, tocando aquelas músicas de sua juventude, sabia que a decisão era a certa, então, por que não estava feliz por inteiro?
A resposta estava naqueles dígitos do seu celular.
***
O corpo de Olívia saia vagarosamente do reino dos sonhos e se espreguiçava na sua cama confortável. Só não pode se esparramar por completo por conta do outro corpo que ficava do seu lado direito. Voltou-se para esse lado e sorriu ao vê-lo adormecido. Gostava de ver ele assim, sereno.
Orange sempre foi assim. Mesmo com tudo indo pelo buraco. Mesmo quando estava no fundo do poço, dormia serenamente como se nada estivesse acontecendo. Essa era uma das atitudes que fizeram Adele lhe pedir o divórcio. Enquanto ela ficava noites em claro tentando achar solução para as suas vidas, Orange dormia exatamente igual a filha que tinham juntos: serenamente.
O lençol escondia parcialmente a marca que o sol fizera na sua pele. O restante era tomado pelas sardas características dos ruivos como ele. Olívia jogou o seu joelho sobre aquela bunda parcialmente exposta e Orange nem se mexeu. Ficou na dúvida se o acordaria para transarem como fizeram na noite anterior ou se deixava o homem dormindo em paz.
Ficou com a segunda opção, mesmo que sua vontade fosse a outra. Certamente Orange a teria acordado com um belo de um oral se estivesse com muita vontade de transar ao despertar. A sorte de Olívia, – ou falta dela – era que sempre despertava primeiro que ele e assim raramente tinha seu sono interrompido. Henry algumas vezes interrompeu esse sono lhe dedicando suas famosas chupadas.
Tal como ele, seguiu nua até o banheiro. Olhou-se no espelho. Ainda gostava do que via. Até mais do que antes. Olívia agora mantinha um tom dourado sobre a sua pele, apenas os pedaços onde o biquíni escondia a sua pele ficava evidente o tom esbranquiçado original.
A água quase fria levou embora a ponta de excitação que sentiu ao despertar. O que desejava logo em seguida era o seu tão apreciado café. Abandonou o banheiro, vestida apenas com o seu roupão e seguiu para a cozinha do apartamento.
Orange e Olívia viviam no andar de cima do bar que ela "ganhou" do Sr. White. A princípio ela não faria o que ele havia pedido, de lhe enviar os documentos, e muito menos aceitar que viesse dele a compra dessa propriedade. O dinheiro que ela poupou durante alguns anos e o que ganhou sendo sua exclusiva, dava e sobrava. O Sr. White ganharia por insistência. Orange não gostou nada daquilo. Sentia que assim ela ainda estaria presa aquele homem. Estava certo. Olívia ainda sente pertencer a ele.
Não era uma propriedade grande. O bar tomava conta do andar de baixo. Basicamente um vagão comprido com um balcão que tomava toda uma lateral enquanto que na outra ficavam as ilhas de mesas e acentos. No final, o espaço para bandas. A casa tinha três shows fixos, sendo um de Orange.
No andar de cima ficava a residência de ambos. Dispunha de uma cozinha integrada à sala. Olívia providenciou isso derrubando algumas paredes. E dois quartos. O maior, com banheiro privativo e uma sacada charmosa com vista para o mar, era o dela com Orange. No menor seria deixado para Samantha, filha de Orange, quando viesse passar as férias de verão. Algo que Olívia fazia questão. Adele não se opôs. Estava até satisfeita. Orange, agora longe, estava mais presente na vida da filha do que quando moravam a apenas alguns quarteirões.
Colocou um pouco mais de água na cafeteira e ligou a televisão. Passava naquela hora da manhã algum programa de variedade em que o apresentador dava dicas de decoração. Olívia abriu a porta da cozinha, e do chão, pegou o jornal daquele dia.
Depois que o Sr. White entrou em sua vida, passou a dar atenção ao que acontecia com o mundo, e dessa forma, ficara sabendo de algo que fez o seu coração comprimir. Sentada à mesa da cozinha com a caneca de café da mão, lia a nota de falecimento da Sra. White, mãe do herdeiro e diretor-geral da White Health Corporation.
— Aconteceu alguma coisa?
Orange tirou a sua atenção sobre aquela notícia. Passando por ela indo em direção à cafeteira, também precisava de um café forte para começar o seu dia. Esse hábito Olívia adquiriu com ele quando moraram juntos pela primeira vez.
— Apenas as notícias de sempre. — Olívia respondeu, fechando o jornal e dando o primeiro gole em seu café
— Não é o que parece, está tão séria.
— Que horas Sam chega?
Melhor estratégia quando não se quer falar de um assunto é mudar, e Olívia sabia fazer isso com perfeição.
— Daqui a pouco. — Orange responde olhando para o relógio de parede pregado sobre a geladeira.
— Então tem que se apressar. Não vai querer fazer a menina esperar.
— Você vem junto?
— Não. Tenho umas coisas para deixar organizado para hoje à noite.
— Bom... — engoliu todo o café restante em sua caneca — Vou tomar um banho e buscá-la. De tarde nos vemos.
Olívia não respondeu, tornou a abrir o jornal e leu a notícia sobre o falecimento da mãe do Sr. White. Sabia como ele estaria se sentindo e desejou poder estar ao seu lado. Porém, estava distante e há muito tempo fora de sua vida. Questionava se devia ou não ligar. Dar os seus pêsames.
Terminou de tomar o seu café. Voltou para o quarto onde encontrou Orange pronto para a sua saída. Recebeu dele um beijo demorado. Observou a caminhonete afastando e sumindo no horizonte de sua sacada. Respirou a brisa úmida e quente que vinha do mar. Ligou o ventilador e sentou na beirada da cama, de frente para o seu guarda-roupa.
Encarrou aquelas portas com ripas de madeiras brancas que estavam entre abertas. De onde estava podia ver na última prateleira uma caixa florida. Levantou e foi até ela. Removeu o objeto com cuidado. Estava pesado. Acomodou sobre a cama que ainda estava desarrumada, – possivelmente ficaria assim o resto daquele dia – e com receio, removeu a tampa.
Ali estava contido a Srta. Carmim. Tudo o que lembrava o seu passado como ela ficou guardado naquela caixa. Seus sapatos favoritos, a peruca, alguns brinquedos eróticos e um retrato.
Aquele era o seu alvo. Um retrato que possuía até moldura, porém, nunca ocupou um lugar de destaque em seu lar. Estava fadado a ficar apenas ali nas lembranças. Em uma das viagens que realizou ao lado de Henry, Olívia conseguiu eternizar aquele momento em uma película.
Quando tudo acabou. Quando o momento do adeus chegou. Quando a aposentadoria de Carmim foi assinada. O momento de desapego fazia necessário. Mas aquela fotografia Olívia não conseguiu apagar de seu celular. Ela quis ter o homem que amava de alguma forma ainda próximo de si. E agora se via abraçada e sorridente ao seu lado naquela imagem.
Não tinha nada que a impedia naquele momento de sentir-se nostálgica ou mesmo arrependida de suas escolhas. Naquele instante, desejou não ter colocado um ponto final na história, mesmo que comprada, compartilhada com Henry. E dessa forma, pegou o celular da mesa de cabeceira e selecionou o seu número. Precisava ouvir a sua voz pela última vez.
— Nada disso está certo, Henry. — Olívia corta o silêncio após uma longa pausa.
— E quando esteve?
— Quando ainda mantínhamos uma relação profissional. E então, você me levou para a sua casa e fez com que eu me apaixonasse.
— E você não fez o mesmo comigo?
— Talvez. Não queria ser descartada.
— Sabe o momento quando aconteceu? Eu sei o exato momento quando me apaixonei por você.
— E qual foi?
— Quando você saiu daquele banheiro, sem maquiagem, sem a peruca. Ali, com os cabelos molhados tentando cobrir o seu corpo com as mãos. Naquele momento, com aquele gesto, senti que algo estava acontecendo e que não podia ignorar. Então, liguei novamente e pedi para que você fosse sem o cabelo artificial. Então, sentamos naquele restaurante e conversamos a noite inteira. Lembra que não transamos naquela vez?
— Faz tanto tempo, Henry...
— Pois eu me lembro de cada detalhe daquele encontro. Você me lembrava dela, mas não tinham nada em comum. Katherine foi um amor inocente, era uma mulher doce, gentil, educada e inteligente. Mas você Olívia, é extraordinária e nada tem a ver com o sexo que fazíamos.
Henry sentiu a mudança em sua respiração após ter lhe dito aquelas palavras. Olívia chorava no outro lado da linha.
— Por favor, não chore.
— É inevitável, depois de ouvir o que me disse. Eu sempre achei que fosse para você um backup desse amor que não pode viver. E então, você me acha extraordinária. Ninguém me acha assim. Nem minha mãe.
— Você é.
— Sou uma mulher alienada, Henry, é isso o que sou.
— Talvez esteja aí o seu charme. — Henry sorriu, não podia vê-la, mas sabia que ela também sorria — Falando sério, você prefere viver assim, mas existem muita astúcia e inteligência dentro de você, basta querer usar. Em diversos momentos, naqueles eventos chatos que te levava, você me surpreendeu em saber conversar com aquelas pessoas. Sabia que até hoje me perguntam sobre você e como eu pude te deixar escapar?
— Está mentindo.
— De forma alguma. Você era a melhor parte de mim.
Olívia sempre foi alheia dessa verdade. De fato era a melhor parte de Henry. Antes de ela estar na sua vida, Henry ia nesses eventos, fazia a aparição de praxe e se retirava logo em seguida ao jantar ser servido.
Em outros, não chegava nem a aguentar os coquetéis. As acompanhantes anteriores a ela não tinham a mesma desenvoltura para atrair a atenção que não fosse apenas para os seus corpos. Henry evitava deixá-las sozinhas, diferente do que fazia com Carmim. Essa desfilava solta pelo salão atraindo conversas, assuntos. Agregando mais carisma àquele homem carrancudo e tímido. Henry White também foi moldado, e até ele gostava mais dessa nova versão.
— Foi quando você me levou para o seu quarto... — Olívia enxugava as lágrimas e arrumava a sua voz ainda embargada pela emoção. — ...mas acho que aconteceu até antes. Aquela vez em que ficou doente e te vi vulnerável. Você nunca se mostrou assim, e lá estava, doente, cheio de febre, frágil e indefeso. Foi ali que senti que não tinha mais volta. E vieram as viagens e cada vez você me aproximava de sua vida real e não apenas daquela que compartilhávamos.
— Se você quiser ainda podemos.
— Em segredo? Não quero viver em segredo.
— Claro que não.
— Sabe que isso não é possível e já conversamos.
— É possível, basta você querer! Estou pouco ligando para o que as pessoas falarão.
— Diz agora, apenas. Quando a realidade bater em sua porta sabemos que não é bem assim. Tivemos uma amostra disso naquele bar.
— Como está a sua vida? Gostando de morar na praia?
— Geralmente sou eu quem muda de assunto.
— Talvez consiga te convencer de outra forma.
— Vamos deixar que o nosso amor fiquei apenas com os bons momentos. Ficamos apenas com as recordações felizes. Eu estou bem dessa forma e desejo que esteja também.
— Não tão acelerada como antes, mas está sendo satisfatória.
— Saber disso me conforta. Sua saúde sempre me preocupou.
— Pois fique tranquila. Meu check-up anual foi até elogiado pelos médicos. O que para um dono de uma empresa farmacêutica não é algo a ser comemorado.
— Nunca mais diga isso!
— Estou de brincadeira com você.
Ficaram em silêncio por um tempo. Para ela, o barulho vindo das ondas do mar, e para ele, o som do vento soprando entre os labirintos de pedras de sua propriedade na Inglaterra.
— Gostaria de poder vê-la. Imagino que deve estar mais linda.
— Bobagem! Tenho trinta e nove. Deus! Estou com quase quarenta anos!
O Sr. White gargalhou da forma que ela amava ouvir. Sincero e feliz.
— Ainda dando risada das minhas lamúrias sobre a idade.
— Tenho que dar, esqueceu que estou quase com cinquenta.
— E não menos interessante, Sr. White.
— Não me chame assim. Sou apenas Henry para você. Sempre. Independente de onde estivermos. Nunca mais me chame de Sr. White, como eu nunca mais irei te chamar por aquele nome. Somos apenas Henry e Olívia.
— Eu te amo.
Agora foi a vez de Olívia sentir a respiração do outro lado da linha mudar. E um silêncio incômodo dominar a sua alma. Teria dito algo errado? Havia cruzado a linha do que era permitido entre eles?
— Nunca havia escutado alguém dizer que me amava e tampouco dizer para outra pessoa. Olívia, eu amo você. Por isso que reforço o meu desejo de que você fique comigo. Não há sentindo vivermos separados se nos amamos.
— Preciso desligar...
— Não precisa, mas entendo.
— Adeus, Henry.
— Olívia, nunca irei te dizer adeus.
A ligação foi encerrada. Henry olhava para o visor que ia ficando com a luz cada vez mais fraca até que se apagou. Guardou o aparelho onde estava quando resgatou. Deu um giro em sua cadeira. Podia observar alguns pássaros voando do lado de fora de sua mansão em Oxfordshire. Os preparativos para o funeral de sua mãe estavam sendo realizados, porém, o que vinha em sua mente era a conserva que acabara de ter.
Voltou com a sua cadeira para o lado certo. Encarou a sua mesa abarrotada de papéis, apesar de já não ser mais tão ativo como era antes com sua empresa. Henry White aprendeu nesse tempo com Olívia, que se não delegar função possivelmente não aguentaria por muito mais tempo. Dessa forma, mudou os seus hábitos, agora só aparecia quando era algo de sumo importância, caso contrário, tinha os seus "Peter Green" para cuidarem do resto.
Retirou o telefone fixo do gancho e ligou para a sua secretária na sede da White Health Corporation em Londres. Não esperou muito para ser atendido, no segundo toque escutou a saudação costumeira de sua funcionária.
— Srta. Grey, preciso que compre uma passagem para Flórida para semana seguinte e também precisarei de um carro. Obrigado.
Henry não esperou qualquer resposta de sua funcionária. Colocou o telefone no gancho e deixou o seu escritório. Subiu para o quarto e colocou o seu terno de luto. Estava na hora de dizer adeus apenas para uma parte de sua vida e fazer com outra voltasse a reascender.
Fim.
Ou apenas um novo começo!
xXx
Srta. Carmim retornará em Reencontro com o Prazer - Livro 2
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro