Capítulo 23
Fazia frio naquele fim de tarde de outono em Chicago. Olívia arrumava o casaco em seu corpo, tentando se proteger do vento gelado.
Quanto aos cabelos, já havia desistido de manter em ordem, era uma luta inútil. Ao chegar até o hall do seu apartamento, agradeceu pela proteção daqueles tijolos. O seu humor naquele dia em particular não estava dos melhores. Para ser mais exato, desde o ocorrido no restaurante com o Sr. White o seu humor vinha oscilante. Não que Olívia fosse uma pessoa constante, sua personalidade era exatamente essa, e mudanças radicais de humor durante o dia era o seu normal.
Orange já estava acostumado com isso e sabia exatamente o momento em que acontecia a quebra na sua paz interior e evitava a todo custo ficar por perto, sabia que ela precisava dos seus momentos a sós para reorganizar a sua mente. E era isso que vinha fazendo desde que voltaram.
Seus clientes não tinha essa versão dela. Carmim era uma boa profissional, e como tal, não podia demonstrar sentimentos que não fossem o de dar prazer ao seu parceiro. Uma das frases mais usada por ela deixava isso bem claro: "Estou aqui para o seu prazer!". Henry White foi o que ficou mais perto de presenciar a sua briga interna, afinal, ele já não era mais o seu cliente. Pelo menos, não no seu coração.
E por conta disso, dele ser o dono do seu coração, sentiu-se impotente e afrontada quando avistou no topo da escada do seu andar, aqueles sapatos reluzentes tão conhecidos. Apertou o seu olhar quando viu o rosto pálido do milionário do ramo farmacêutico sentado, como se fosse um qualquer, naquela escadaria encardida.
Sentiu vontade de avançar em cima dele e sair gritando desaforos. Fazia pouco mais de dois meses que tudo desmoronou. Seria assim toda vez que ele desconfiasse? Sumiria por um tempo e voltaria a procurá-la em sua residência como se aquilo selasse um pedido de desculpas? Como se ele se rebaixando ao nível dela fosse sanar toda a mágoa que ele havia lhe causado? Olívia não estava gostando nada de vê-lo ali e isso estava muito nítido em seu semblante.
Passou por ele antes que o homem pudesse levantar, batendo com força os calcanhares no chão. O barulho do salto de sua bota ecoou por todo o corredor. Seguia por ele com o Sr. White em seu encalço, ainda sem dizer nada. Então, antes de girar as suas chaves, voltou-se como se espumasse pela boca:
— O que veio fazer aqui?
— Conversar com você.
— Não precisava ter se incomodado e vindo até aqui. Um telefonema bastaria.
— Achei que não fosse atender. E não queria conversar com você por telefone. — ele a encarava com ar de súplica e desculpas.
— Marcasse um encontro, simples assim. — Olívia respondeu como se não se importasse, porém era exatamente o oposto que sentia. Ela se importava além do que queria ou podia suportar.
— Você iria?
— Sr. White, você paga e eu vou, a regra é clara. — não era o que deseja responder, mas ele precisava sentir que era indiferente mesmo não sendo.
— Não estou aqui para transar com você. — agora ele a encarava com frustração.
— Certamente que não. Entra. Está chamando muita atenção aqui fora.
Olívia girou as chaves de forma agressiva. Esperou que ele passasse por ela, bateu a porta deixando evidente toda a sua irritação. Jogou as chaves sobre o aparador de qualquer forma, tanto que elas chegaram a cair ao chão. Ignorou esse deslize e retirou o casaco que usava. Sua raiva era tanta que o frio que vinha sentindo passou instantaneamente, dando lugar a um calor descomunal que crescia em seu ventre subindo por todo o seu corpo.
— Agora sim podemos conversar, Sr. White.
— Já pedi para não me chamar assim.
— Como deseja ser chamado? Não! Primeiro eu preciso descobrir como está me chamando.
— Olívia, acredito que podemos ter uma conversa séria sem sermos sarcásticos um com o outro.
— Sente, Henry. Vou passar um café para nós.
Olívia sentiu alívio quando ele falou o seu verdadeiro nome. E Henry sentia o mesmo quando o tom de voz dela, antes agressivo, voltou ao seu timbre usual, rouco e baixo. Sentou no sofá e aguardou. Encarava um dos retratos dela ao lado de Orange quando ela retornou com a caneca de café fumegante em sua mão.
— Ainda gosta dele? — Henry apontou para a fotografia e pegou a caneca.
— Gosto. Seria uma tola se não gostasse. É o único homem que me amou. Que me ama.
Olívia olhou para o retrato com certa melancolia e sentou sobre a sua mesinha de centro, ficando assim, de frente para o homem que lhe encarava com os olhos tristes e pesados.
— Isso não é verdade.
— O que não é verdade? — Olívia colocou seu corpo para frente e apertou seus olhos e novamente seu tom de voz alterou — Que ele me ama? O que você sabe sobre ele?
— Não sei nada sobre ele — agora seria a vez da voz de Henry White ficar um tom acima do seu usual —, apenas sei que ele não é o único que te ama.
— E o que isso quer dizer? Que você me ama? É isso, Henry? — e seu corpo se moveria alguns centímetros na direção do homem sentado desconfortavelmente em seu sofá o encarando e esperando por aquela resposta.
— Ficaria surpresa se eu dissesse que sim? — ele respondeu olhando direto naqueles olhos que tanto lhe intrigava
— Muito surpresa.
— Não acredito que não percebeu.
— Então, por que ainda me paga? Por que ainda me trata como se eu fosse a sua prostituta?
— Eu te tratei como a minha prostituta apenas naquela primeira vez que estivemos juntos. Depois não foi mais assim, e você sabe que não estou mentindo.
— Henry! Como eu vou saber? — Olívia jogaria nesse momento seus braço para trás indicando que estava exausta de tudo aquilo — Você é diferente dos outros clientes que eu já tive, não posso negar, agora entender que aquela forma fosse a sua demonstração de afeto está muito longe.
— Não gosto quando você se refere a mim como um cliente.
— O que você é? Me fala? — ficaria a centímetros do seus rosto —É isso o que você é, Henry, o meu cliente. Você me paga e eu te presto o serviço. E teve a oportunidade de deixar de ser.
— Eu sei que tive e sinto muito por não ter feito da forma correta.
— Quer saber? — e então ela voltou para a sua postura inicial. Sentou corretamente no centro da mesinha e o olhou como que desistisse de tudo. Olívia estava cansada. — Não teria dado certo de toda forma. Eu ia continuar sendo a sua amante de todo jeito. Também me apaixonei por você e lutei muito para que isso não acontecesse. Sejamos práticos. Isso não é um filme de Hollywood, por mais que eu queira que fosse. Eu não sou a sua Vivian e você não é o meu Edward de Uma Linda Mulher. Nessa história, — apontou para eles. — a prostituta não fica com o milionário.
— Ela pode ficar. — agora seria a vez dele tentar aproximação buscando o contato com aquelas mãos tão bem cuidadas e macias que Olívia. Porém a mulher seria mais rápida e não permitiu que ele a tocasse.
— Não pode, Henry! E sabe que não. Imagine que lindo as manchetes dos jornais "Henry White, dono das empresas farmacêuticas White Health Corporation, se casa com Olívia Brown, uma acompanhante de luxo de Chicago." Isso se eles forem bonzinhos e não colocarem o nome correto do que faço.
Henry abandonou a caneca de café, agora fria e intocada, na mesa de centro perto de onde Olívia estava sentada. Passou as mãos pelos cabelos, respirou fundo e fitou a vista que a janela oferecia. Uma noite clara e estrelada se fazia.
— Não quero que seja mais isso, mas não quero que se vá.
Olívia levantou-se da mesa de centro, também deixando para trás a sua caneca de café igualmente intocada, e sentou do seu lado no sofá. Segurou a mão que tanto apreciava, a esquerda, e nesse gesto sentiu que era a última vez que elas lhe tocariam.
— Não sou mais uma acompanhante de luxo, prostituta ou puta, seja lá o que está na moda nos chamar agora. Isso acabou. Acabou quando eu aceitei a sua proposta. Não quero mais, cansei. Quero algo verdadeiro de agora em diante. Mas também não posso apagar o meu passado e a única pessoa que aceita é ele. — apontou para o retrato, Henry fez menção em falar mas ela o impediu — Ele não tem que dar satisfação ao mundo sobre quem é, com quem dorme, acorda e divide uma vida, diferente de você. Ele não é importante. Ele é um ninguém e as pessoas não se importam com ninguéns. Você é importante, prestigiado. Você é um exemplo, e como tal, não pode ser visto com uma mulher com um passado igual ao meu.
— Poderíamos inventar outro. Tenho meios para isso.
— Sei que tem, mas não quero. Não desejo ser apagada e muito menos fazer com que você pague as chantagens que surgirão. Tivemos sorte desse tempo todo em que estivemos junto apenas o Sr. Green cruzar o nosso caminho. E veja como você ficou? Não suportaria ouvir dos seus lábios aquelas palavras novamente.
— Eu peço desculpas por aquilo, devia ter ouvido o que tinha a me dizer. Ao vê-los juntos naquele bar, o meu sangue ferveu como da outra vez que os flagrei naquele outro restaurante. — Henry ficaria pensativo por alguns instantes —Interessante, afinal, sempre soube o que você fazia e que não era o único, mas assim que tive o fato estampado em minha cara não pude suportar a realidade. Te comprei como se fosse uma propriedade.
— Você me magoou muito duvidando da minha fidelidade a você, sugerindo que estava marcando um programa com ele. Viu? É disso que eu estou falando. Imagine se casarmos. — Ela o encarou com avidez, mas sabia que ele não responderia e assim seguiu: — Todos os homens que se aproximarem você pensará que tem algo ali. Um cliente do passado, ou mesmo um do futuro. Viu? Eu sempre vou ser a prostituta, por mais que queria negar. Não suportaria viver ao seu lado dessa forma e você sabe muito bem disso, por isso me "comprou" depois daquele fim de semana de amostra grátis. Era mais seguro me pagar não é, Henry?
— Era mais seguro eu nunca ter te chamado de volta como eu sempre fiz. — Henry desviou o olhar e voltaria a encarar a vista que a janela lhe oferecia daquela noite fria em Chicago.
— Por que chamou? Por que sou parecida com ela? — Olívia puxaria com cuidado o seu rosto. Ela precisava ouvir a resposta de sua pergunta olhando dentro daqueles olhos azuis.
— Num primeiro momento, sim. Então, fui te conhecendo e não quis que fosse embora, como ainda não quero. Sei que pensa que estou aqui porque você me lembra dela, na aparência apenas. Vocês duas são opostos, mas quem me completa é você. É de você que sinto falta quando abro os olhos e não vejo esses cabelos espalhados sobre a minha cama. É da sua voz que sinto falta quando me liberta das preocupações falando sobre assuntos corriqueiros que por muito tempo eu deixei de me importar e que agora são essenciais para que minha faça sentido.
— Fico muito feliz em saber disso. Me incomodava saber que estava comigo pensando nela. — os olhos estava marejados nesse momento, se ele dissesse mais alguma palavra desmoronaria.
— Nunca pensei nela enquanto fazia amor com você.
Olívia o beijou. Ouvir aquelas palavras sendo ditas, e da forma como foram, a sua reação não tinha como ser diferente e ofertou toda a sua verdade com os lábios colados ao dele. Estavam dizendo através de gestos que se amavam, e também estavam cientes que aquilo era uma despedida.
E por isso as lágrimas salgadas que saiam de seus olhos se misturavam ao sabor de suas salivas.
— O que vamos fazer agora? — Henry segurava aquele rosto delicado entre suas mãos, desejando nunca mais soltá-lo.
— Seguiremos com nossas vidas, Henry. Estou de partida. Graças a você. De certa forma, o seu dinheiro vai possibilitar que um sonho meu se realize. — e Olívia se permitiu sorrir pela primeira vez naquela noite.
— Qual seria esse sonho? — Henry limpou a marca que as lágrimas deixaram no rosto da mulher que lhe mantinha preso.
— Vou me mudar para a praia, comprar um bar e viver ali na paz e tranquilidade. Isso aqui já deu para mim. Como te disse no meu aniversário, estou ficando velha para o que faço e também não quero mais fazê-lo.
— Já viu o lugar? — Henry não sabia dizer naquele momento se gostava do que ela lhe dizia, porém a mulher se mostrava animada e ele não seria o responsável em lhe jogar um banho de água fria, pelo contrário ele queria saber tudo que ela tinha em mente, quem sabe assim poderia de alguma persuadi-la
— Sim! Quer dizer, apenas pela internet.
— Pela internet? — e novamente veio em sua mente aquele pensamento de desânimo sobre como Olívia via o mundo.
—Vou para lá esse final de semana conhecer e fechar o negócio.
— Quer que eu vá junto?
— Não precisa, Orange vai comigo.
Aquele nome veio como uma flechada em seu peito. Estava feito. Ela tinha feito a sua escolha e o outro havia ganhado e então Sr. White retornou.
— De toda forma, me envie o contrato antes.
— Não precisa...
— Preciso. Eu quero. Guarde esse dinheiro que você juntou. Eu compro esse bar para você e também uma casa...
— Henry... Acabou. Você não tem que me comprar mais nada.
— Eu sei que não tenho, mas eu quero. Por favor, aceite. Agora preciso ir. — Sr. White levantou do sofá ajeitando seu terno em seu corpo pequeno um pouco mais magro que habitual.
— Você não precisa ir embora. — Olívia estava sendo sincera nesse momento, não desejava que ele fosse. O tesão os uniu, mas a companhia, as conversas essas eram as responsáveis por mantê-los unidos durante todo esse tempo.
— Eu devo ir. Não seja teimosa e me envie o contrato com os valores, esse será o meu último presente para você. — encarrou profundamente dentro daqueles olhos amendoados, quem estava de fora poderia jurar que ele conseguia ler o que ela pensava —Olívia, você não sabe e nem teria como saber, mas você me salvou e te dar isso não está nem perto de ser uma retribuição.
Henry lentamente e seguiu em direção à porta de entrada. Olívia vinha logo atrás de cabeça baixa. Ele voltou-se para ela, segurando em seu queixo e olhando direto naqueles olhos cor de mel e disse:
— Nunca abaixe essa cabeça!
Depositou um beijo em sua testa e a envolveu em seus braços. Durante aquele abraço, ele gravou em sua memória cada pedacinho daquela sala, lembrando-se do que ali viveu naquele final de semana. Um final de semana em que se permitiu ser "um ninguém", como ela disse. E nesse momento, soube que jamais poderia ser.
Se separaram e ele a beijou novamente, só que agora nos seus lábios rosa. Nos lábios de Olívia e não de Carmim. E dessa forma, sumiu escada abaixo. Olívia já não impedia que as lágrimas rolassem e elas desciam salgadas pelo seu rosto desprotegido de uma maquiagem. Estava ali autêntica e ferida. Despedindo-se do homem que amava.
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