Um Céu Sem Estrelas
Allya abriu os olhos de repente, sobressaltada, como quem desperta de um horrível pesadelo. Confusa e desnorteada, a jovem arrastou o corpo para cima no colchão, sentando-se com aparato. Depois, olhou pela janela.
Os cristais de Er ainda estavam azuis. Do outro lado de fora do quarto, a casa ainda estava silenciosa. Charya e Reniae dormiam abraçadas na cama à frente da porta. Polyana, que tinha permanecido congelada na mesma posição por horas a fio, rodou com dificuldade sob as cobertas, dirigindo-lhe um olhar desfocado.
— O que se passa? Porque é que acordaste tão cedo?
Allya encarou-a, trazida de volta à realidade pelo tom de preocupação na sua voz anciã.
— Não é nada, avó. Volta a dormir.
A matriarca não ficou convencida, nem mesmo quando a mais nova se aninhou sob o lençol virada para a parede. Contudo, nada disse, limitando-se a voltar para o seu sono leve. Na sua idade, qualquer oportunidade para dormir era bem vinda.
Enquanto Polyana tornava a adormecer, Allya asfixiava nos seus próprios pensamentos. O sabor dos lábios de Link nos seus e o peso do seu toque na sua pele nua diziam-lhe que aquele beijo tinha realmente acontecido. Que não tinha sido uma estranha fantasia. Contudo, parecia a explicação mais provável naquele momento. O sol estava longe de nascer no outro plano. Em sua casa, o silêncio era rei. Não havia qualquer razão para ter acordado a meio da noite.
Encolhendo-se, ela forçou os olhos a fechar. A inquietação que sentia arrastou a sua vigília, mas acabou por conseguir voltar a adormecer. No entanto, não voltou a sonhar.
Reniae abanava-a suavemente quando recuperou a consciência, retirando-a do vazio negro em que estivera metida. A urgência de se apresentar na mina antes das badaladas assolarem Erysa forçaram-na a prosseguir a sua rotina matinal como se nada a afetasse. Mas, no seu interior, estava mergulhada no caos. Por muito que pensasse no assunto, não conseguia identificar a razão pela qual fora cuspida do plano onírico. Só esperava que o seu regresso naquela noite viesse acompanhado de uma explicação.
O dia arrastou-se. A secção do túnel onde estivera a retirar Poeira nas últimas semanas estava praticamente seca, obrigando-a a procurar pelas partículas com redobrada atenção. As pausas, que geralmente serviam para levantar o seu ânimo, foram incrivelmente enfadonhas. Zhou estava algures em Erysa a namorar com Nox e metade dos trabalhadorees estavam ausentes, encarregados de preparar a reunião anual de mineiros, tanto antigos como atuais, que se avizinhava.
Com toda a sua ansiedade, não foi necessário que a viessem tirar do seu túnel no final do dia. Allya já estava a caminho de casa antes que o resto dos seus colegas dessem por isso.
Polyana percebeu o seu estado de espírito alterado pela forma como bateu a porta da frente ao entrar. Os pais repararam que algo estava errado quando, pousando o seu olhar nela, interpretaram a sua linguagem corporal e a expressão tensa. Tentto preocupou-se ao recolher o prato da ruiva, praticamente intocado, no final da refeição. As mais novas, cientes de que a irmã tinha alguma coisa a afligi-la, persuadiram-na a deitar-se primeiro. E ela, tão alheia à realidade naquele momento, nem percebeu que o seu transtorno se difundia para o resto da família.
Finalmente deitada, Allya fechou os olhos, esperou e adormeceu. E, de novo, não sonhou.
Noite após noite, a jovem tentou regressar para Link e para o seu refúgio no plano onírico. Mas era em vão. Ela não conseguia voltar a sonhar. E o que mais a entristecia, era saber que não havia nada que pudesse fazer.
O Zhou e a família notaram o seu desgosto, tal como haviam reparado na felicidade que ela espalhava por todos à sua volta pela primeira vez em vários anos não muitos dias antes. A cada noite afastada de Link, as saudades cresciam no coração de Allya. Talvez se ela não tivesse admitido os sentimentos as coisas não tivessem mudado. Talvez se não tivesse cedido à tentação de o beijar, ainda conseguiria entrar no mundo dos sonhos.
— Estás aqui outra vez?
Allya, sentada no chão do arquivo entre as poucas estantes a que lhe tinham dado acesso, levantou o olhar.
Aellara, de pastas na mão, estava parada ao seu lado. Nas suas íris azuis claras refletia-se a figura desgrenhada da amiga mais baixa, com a roupa amarrotada marcada pelo pó dos documentos que consultara e com o cabelo, agora pelo meio das costas, amarrado num carrapito repleto de nós. A sua pele naturalmente clara perdera o brilho, as olheiras tinham ficado mais vincadas nos últimos dias e, aqui e ali, manchas vermelhas sarapintavam o seu corpo alvo, nos locais onde o seu nervosismo tinha levado as suas unhas a marcar um trilho, quase fazendo sangue.
A ruiva resmungou um cumprimento, ignorando a pergunta. A sua atenção depressa voltou para as linhas que os seus dedos seguiam de forma tão ansiosa. Já lhe era difícil ler todos aqueles parágrafos e entender o seu significado mergulhada no mais ensurdecedor dos silêncios. Com companhia, o seu ritmo já de si lento abrandaria consideravelmente.
— Estás à procura do quê?
A albina segurou as pastas com umas das mãos e alisou a parte de trás da saia com a outra ao se agachar ao lado de Allya. Esta ignorou-a, mesmo quando a mais alta deixou as pastas no colo e se inclinou para perceber que livro a outra estudava com tanto afinco.
Nem mesmo a ruiva sabia o que procurava. Seria por isso que não tinha respostas? Porque não sabia que perguntas fazer?
— Ainda é por causa de sermos sobreviventes de alguma coisa? — perguntou numa voz doce, retirando o livro das mãos da mais nova com cuidado e fechando as suas páginas velhas e bafientas depois de uma espreitadela.
Allya olhou a estante a seu lado. Ainda lhe faltava verificar mais uns quantos livros que tinham parecido interessantes para a sua busca.
— Não, não é — admitiu.
A visão enturvou-se, desfocando os livros que ela sabia que nunca iria ler. Todos até agora tinham sido inúteis. Aqueles também seriam.
Toda aquela busca incessante era inútil.
Aellara inclinou-se para a frente, deixando as pastas deslizar para o chão sobre os seus joelhos quando, ao ouvir os soluços de Allya, se prontificou a abraçá-la. A mais pequena deixou-se envolver, amargurada com toda aquela situação. Amargurada consigo própria.
Chorar era a única coisa que fazia ultimamente, para além de amaldiçoar a noite em que deixou a verdade no seu coração adquirir nome próprio.
As mãos calejadas da ruiva agarraram o tecido da camisola de Aellara com uma força desmedida. Allya deixava que o Zhou e a família a consolassem assim como a amiga fazia, com um abraço apertado e um afagar das costas. Porém, raramente chorava na sua frente. Permitia-se a si mesma aqueles momentos de reconforto silencioso e nada mais, guardando as gotas de água salgada para quando estivesse sozinha com os seus botões. Ainda assim, naquele instante era inevitável. O desespero era tanto que, na falta de espaço para se acumular, transbordava do seu corpo. E Aellara era só uma infeliz testemunha.
A família não sabia a razão de tanta angústia. Sabiam que algo se passava, mas não perseguiam a verdade. Todos a conheciam suficientemente bem para saber que ela falaria quando sentisse que era o momento. Assim, ofereciam apoio com um simples olhar cúmplice ou um ombro amigo. E Allya sentia que traia a sua confiança com o seu silêncio. Algum dia teria de dizer a verdade. Mas parecia não haver palavras suficientes para explicar tudo aquilo que ela tinha vivido com Link ou para descrever aquilo que agora sentia, depois de inúmeras noites sem o conseguir alcançar.
Secretamente, ela perguntava a si própria se alguma vez chegaria a partilhar aquele peso que trazia consigo, fosse com quem fosse.
— Não podes continuar a vir aqui. — Aellara usou as mangas da sua camisola já manchada para enxugar as lágrimas que caiam em catadupa. — O Lector não gosta de ter pessoas nos arquivos para além dos seus funcionários.
Allya fungou ruidosamente, engolindo o choro e o ranho. As suas mãos, parcialmente cobertas com as pontas das suas mangas, tentavam empurrar as lágrimas para o local de onde nunca deveriam de ter saído. Especialmente na presença de uma espectadora.
— Para além disso... — acrescentou a mais velha, parando o movimento da outra para a forçar a olhá-la nos olhos. — Isto não te está a fazer bem. Seja o que for que te atormenta, acho que é melhor tentares esquecer.
A chorosa engoliu o próximo soluço, procurando recuperar a calma. Aquela ideia não lhe era estranha. Na verdade, tinha-se debatido com ela nos últimos dias.
Ela nunca mais tinha conseguido entrar naquele mundo onírico onde, entre a natureza verdejante e um céu estrelado, a sua vida tinha mudado por completo. Nunca mais se tinha reunido com o homem por quem se apaixonara e com quem, graças a noites bem passadas, tinha aprendido tanto. Não havia forma nenhuma de recuperar aquelas noites perdidas. As suas tentativas fúteis de voltar a sonhar e as horas passadas em frente a livros que não compreendia eram o balde de água fria que o comprovavam.
Ela teria de o esquecer se quisesse sobreviver à angústia. Mas como poderia ela apagar as suas memórias? Como poderia fingir que nunca se começara a apaixonar por outra pessoa? Como poderia arrancar de si alguém que se tinha fundido à sua própria alma em apenas alguns meses?
— Aposto que o Edvin está a chegar ao limite da sua paciência — continuou Aellara, ao se lembrar da confidência preocupada que Zhou lhe fizera. — E de certeza que a tua família também não aguenta viver em agonia por muito mais tempo.
Allya deixou de lado o seu egoísmo pela primeira vez em muitos dias, reavaliando o estado da sua vida.
Quando lhe surgiu a ideia de procurar formas de conseguir sonhar e de tentar confirmar que realmente não existia mais nada para além de Erysa, a ruiva pediu ao patrão para fazer apenas meios dias na mina. Aquilo que era apenas um mecanismo para descanso dos funcionários ao longo de uma semana de esforço exigente passou a ser o seu dia-a-dia. Metade do tempo estava a recolher Poeira, a outra metade a explorar as estantes que Lector, o edil, lhe tinha cedido a custo, chegando a casa tão tarde como na altura em que não ansiava por adormecer.
A sua obsessão por respostas era tanta que o seu salário tinha diminuído de acordo com a redução de horas de trabalho e ela não tinha feito caso. As sessões de família após o jantar não contavam com a sua presença ou tinham-na apenas de corpo e ela não ligava. Há um par de dias, tinha deixado o pai sozinho na reunião de mineiros, à qual comparecia com ele todos os anos, para se enfiar entre os livros e nem se tinha lembrado de pedir desculpa.
A sua vida estava a maior trapalhada que alguma vez estivera nos seus recém atingidos 21 anos, caindo aos pedaços à sua volta com baques estrondosos. E ela estava surda o suficiente para não notar.
Com esforço, a ruiva terminou com o que restava do seu choro. Os seus olhos castanho-claros, ainda brilhantes do banho de lágrimas, encararam os azuis da albina. Havia ainda um mar de tristeza. Mas, lutando por se manter à superfície, estava uma centelha de determinação.
— Obrigada, Llara. — Allya desembaraçou-se dos braços da amiga. — Vou fazer isso.
A mais alta sorriu brevemente. Levantaram-se as duas, arrumando o espaço para ocultar a presença contínua da sua intrusa. Depois, prometendo que voltariam a falar, Allya deixou a amiga regressar ao trabalho.
Tinha de ir à mina, pedir a Edvin que voltasse a regularizar o seu horário. Tinha de voltar a casa e remediar as coisas com os Lacris. Tinha de pedir desculpa a todos à sua volta por toda a aflição que lhes deu.
E, acima de tudo, tinha de enterrar o seu desgosto no coração. De outra forma não conseguiria seguir em frente.
Os dias passaram e tornaram-se semanas. Por vezes, quando os cristais de Er tinham as cores do nascer do sol, Allya dava por si a olhar para a Cúpula e a desejar poder sair de Erysa e sondar caminhos para uma hipotética superfície afim de procurar Link e as estrelas.
Mas depois caía a ficha da realidade. Nunca ninguém tinha conseguido sair de Erysa para "o mundo lá fora". Mesmo que existisse algo para além das galerias que circundam a cidade e que ela conseguisse sair de Erysa e chegar à superfície, Allya não fazia ideia de onde começar a procurar por Link. Pelas histórias que ele lhe tinha contado, o mundo é enorme. Ela perder-se-ia, com certeza.
Nessas alturas, ela concentrava-se no seu trabalho, esquecendo os seus desejos fúteis. Edvin não tinha gostado dos meios dias de trabalho consecutivos e deixava isso bem claro a cada oportunidade. A família tinha perdoado o seu egoísmo, mas a diminuição temporária do seu salário tinha deixado as suas marcas na casa dos Lacris. As rotinas tinham sido completamente alteradas, para ter a certeza que se conseguiam cobrir todas as despesas. Agora, como autoimposta punição, Allya fazia tudo o que podia para os compensar, desde acordar mais cedo para confecionar as refeições a aceitar horas extra na mina.
Pelo menos assim não tinha a cabeça mergulhada em fantasias, nascidas daquilo que só poderia ter sido um conjunto de sonhos demasiado realistas. Link e aquele cenário fantástico tinham nascido da sua cabeça e nada mais.
Mesmo assim, de quando em vez, durante as noites mais duras e solitárias, a jovem não podia evitar chorar ao olhar os cristais de Er azuis e a Cúpula que, com alguma imaginação, se assemelhava a um céu estrelado. Nas alturas em que a vontade a assomava e que não tinha ninguém que a pudesse ouvir, ela chorava, deixando as lágrimas correr livres.
Chorava por um amor que perdeu.
Chorava para libertar a saudade no seu peito.
Chorava para não se afogar na própria tristeza.
Chorava para, no vazio que se seguia a exteriorizar a sua angústia, recuperar alguma paz de espírito.
Tentto olhou uma última vez o interior da panela antes de desligar o lume. O calor remanescente acabaria de cozer os ingredientes, terminando o caldo que iria servir à família.
Atrás de si, Charya andava de um lado para o outro a preparar a mesa da cozinha para a refeição enquanto discutia com Polyana o que tinha acontecido durante o dia na casa da curandeira. Afagando a sua pequena cabeça acobreada, ele saiu da divisão para chamar o resto da família.
— Jantar! — exclamou ao entrar na sala.
Os seus olhos caíram na cadeira de rodas do pai, parada à frente do sofá. Tybalt segurava qualquer coisa nas mãos para que Reniae a pudesse analisar e tirar notas. Deitada sobre as almofadas estava Allya, que não tinha chegado a casa há muito tempo. Do quarto dos pais, Kleomia avisou que sairia depois de se vestir.
Tentto sorriu e deu a volta ao pai. Inclinando-se sobre Allya, ele beijou a sua testa com ternura antes de se ajoelhar a seu lado.
— Allya. O jantar está pronto.
Ela estremeceu e o coração dele engasgou-se na sua própria batida. Depois, refreando a vontade de acariciar a face dela, sentiu o estômago embrulhar com culpa.
Tentto compreendia como minutos de gargalhadas ou conversas profundas com a irmã o podiam afetar. Contudo, perceber como pequenos gestos dela o conseguiam desnortear, derretendo-o por dentro, permanecia um mistério. E ainda que soubesse que deveria assassinar os seus sentimentos rebeldes o mais depressa que conseguisse, a tarefa era praticamente impossível. Os danados, mesmo que constantes, eram irritantemente elusivos.
Enquanto o jovem se debatia, Allya demorou a abrir os olhos. Quando reconheceu as mechas negras e os olhos ametista na cara pálida, depois de piscar os olhos para afastar o cansaço, endireitou-se desajeitadamente.
— Desculpa, adormeci... Reniae. — Os seus olhos procuraram a irmã que ela tinha ficado de ajudar. Contudo, tanto ela como Tybalt já tinha saído da sala. — Bolas!
— Não te preocupes. O pai ajudou-a.
Allya suspirou, passando as mãos no cabelo.
— Desculpa.
De pé, Tentto esticou as mãos na direção dela, ainda afundada no sofá velho.
— Não peças. É normal estares cansada.
Allya aceitou a ajuda para se colocar de pé sem rebater o comentário. Se nunca se tivesse entregado à autocomiseração, nunca teria de compensar a família ao ponto de adormecer pelos cantos, estafada.
Estavam os dois irmãos a entrar no corredor, quase a virar para a cozinha, quando se ouviram batidas fortes na porta da frente. Como era a que estava mais próxima, Allya mudou de trajetória para a abrir.
— Zhou? Estás bem? — perguntou, surpresa. Tinha-o visto pouco tempo antes, quando se separaram não a muitas ruas de distância depois de mais um dia de trabalho. — O que é que fazes aqui?
O jovem estava dobrado sobre si próprio, com as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego, o cabelo solto caído à frente da face. Com um movimento brusco de cabeça, Zhou endireitou-se, assustando a amiga no processo.
— Allya, tens de vir, já! Acabou de chegar um forasteiro a Erysa — conseguiu dizer, apesar das respirações entrecortadas. Quando a cara dela permaneceu igualmente confusa, ele acrescentou: — E está a chamar por ti.
— Um forasteiro? Em Erysa? — perguntou Tentto do corredor, incrédulo.
Tinha seguido Allya até à porta e usava a sua altura para espreitar sobre o ombro dela. Quando o loiro lhe dirigiu um olhar para reconhecer a sua presença, viu nas suas feições a surpresa da afirmação. Erysa era uma cidade completamente fechada, sem povoações vizinhas. Não era possível ter algum visitante, muito menos humano.
— Sim! — Zhou ignorou o irmão de Allya e agarrou na mão da amiga, puxando-a atrás de si. —Anda!
Puxada pelo loiro, Allya correu pela cidade, tentando acompanhar o seu ritmo acelerado. A sua cabeça, que até então estivera em branco com a notícia, alimentava-se agora do seu movimento para refletir sobre as palavras que ouvira. Se aquilo não era uma partida, alguém tinha chegado a Erysa. E estava a chamar por si.
Zhou conduziu-a por entre os edifícios, dirigindo-se à praça. A notícia peculiar começava lentamente a espalhar-se, atraindo erisanos para as ruas em volta da Torre, formando um mar de gente que os dois tinham cada vez mais dificuldade em ultrapassar.
Corpos atiravam-se contra o seu, tentando abrir espaço para avançar. Atrás de si, uma voz familiar chamava pelo seu nome antes de ser engolida pela confusão. À sua frente, pouco se via. Pelo menos até se estar a alguns metros de distância do coração de Erysa. No sítio certo, em qualquer uma das ruas periféricas, se os erisanos levantassem a cabeça como Allya fez, olhando em frente, encontrariam o motivo de tanta comoção, tornando tudo o resto insignificante.
Uma criatura que nunca ninguém tinha visto erguia-se acima da multidão. As suas orelhas arredondadas, cobertas por uma pelagem que oscilava entre o branco e o castanho, davam nas vistas pelo seu tamanho. As estruturas que tinha nas costas abriam-se de vez em quando, assustando a massa de corpos humanos com os seus espasmos. Contundo, foram as hastes ramificadas que prenderam a atenção da ruiva.
Ela já tinha ouvido falar de criaturas que possuíam chifres de osso que se projetavam da cabeça, entre as orelhas aparatosas. De entre essas criaturas, que ela reconhecia agora ter estado longe de imaginar da forma correta, só lhe tinham descrito uma em pormenor suficiente para a conseguir reconhecer sem nunca antes lhe ter posto a vista em cima.
Empurrando amigos e vizinhos, Allya tropeçou até chegar ao limite do círculo que envolvia a estranha criatura. Quando se endireitou, ficou frente a frente com os olhos laranja-topázio de Myriu, o único Trekari que conhecia pelo nome.
O seu frágil coração ameaçou saltar do peito quando os seus olhos estudaram o ser que ela jamais julgou possível ter diante dos seus olhos. Depois, um movimento à sua esquerda, denunciado pelo murmúrio dos curiosos, chamou a sua atenção.
Um homem sorria na sua direção.
E, com essa visão, o seu coração parou.
FIM DA PRIMEIRA PARTE
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