Capítulo 40
Ashley Hufflepuff permaneceu imóvel.
A ferida na sua nuca estava aberta e o sangue empapava-lhe os cabelos, cobrindo a relva húmida pela chuva miudinha que escurecia mais aquela noite. Com dificuldade, procurou esticar a ponta dos dedos ao máximo, tentando alcançar a pequena bolsa que carregava sempre à cintura sem mexer a cabeça. Infelizmente, o seu kit de Poções estava demasiado longe e Ley viu-se obrigada a ficar quieta, não querendo o risco de expor ainda mais a ferida ao contacto com a terra.
A jovem fechou os olhos, tentando focar-se em Harry. A ligação entre eles não era nem de longe nem de perto tão forte como ambos tinham com Laurel mas a esperança borbulhou no coração dela, em vão. No meio do luto e do sofrimento, Harry não notara no corpo caído de Ashley, correndo em vez disso até ao castelo para procurar o corpo de Dumbledore.
Ashley soluçou, sentindo-se só. Laurel fora-se, Meredith fora-se...
E Dumbledore jazia morto.
Respirou fundo, reunindo forças suficientes para gritar. O movimento intensificava as dores que sentia na nuca mas não tinha outra opção. Mexendo-se devagar, procurou virar-se de barriga para baixo, espalmando as mãos no chão numa tentativa de se erguer.
Então, veio o lamento.
A figura vermelha ardente de Fawkes entrou no seu campo de visão. A fénix de Dumbledore cantava, um som proveniente da mais profunda dor e Ashley deixou que as lágrimas escorressem livremente pelo seu rosto, apaziguada pelo canto da criatura. Fawkes aproximou-se lentamente dela, pousando as garras nas suas costas de forma suave.
Algo quente embateu-lhe na ferida, ardendo. Ley deixou-se ficar imóvel, sentindo as lágrimas da fénix curar-lhe a ferida, lenta e maravilhosamente.
Quando terminou, a criatura ergueu-se, desaparecendo no céu.
Ashley pôs-se de pé, lentamente. Ainda sentia dores por toda a sua cabeça mas viu-se forte o suficiente para caminhar pelos campos em direção ao castelo. Na base da Torre de Astronomia, uma multidão de alunos e professores reunia-se à volta de algo mas a Diggory recusou-se a lá ir; não queria ver o corpo sem vida de Albus Dumbledore.
Caminhou a passos largos até à enfermaria, focando-se em si e no seu estado. Lá, deu de caras com todos os que tinham lutado: Harry, Ron, Hermione, Ginny, Remus, Tonks... Todos junto da cama de Bill Weasley, que jazia com o rosto completamente desfigurado, sendo cuidadosamente tratado por Fleur Delacour e Molly Weasley, cada uma mais chorosa que a outra. Ao vê-la, a Professora McGonagall e Madame Pomfrey dirigiram-se a ela, ambas notando no sangue encrustado nas suas vestes.
Os olhos de Remus olharam imediatamente para trás dela, procurando por alguém. O seu rosto esmoreceu e Lupin deixou-se cair no banco mais próximo, pálido.
- A Laurel...
- Não lhe contaste? - questionou Ashley, virando-se para Harry.
O Grinffindor abanou a cabeça. Ley lançou-lhe um olhar frio, sentindo uma estranha raiva para com ele. Harry falhara em proteger Laurel, deixando-se inebriar pela vingança contra Snape e sabia disso; Ashley conseguira ver nos olhos dele o ódio pelo professor enquanto ambos corriam até Laurel.
- A Laurel foi levada. - contou a Hufflepuff, fitando Remus - Lamento, Remus.
Lupin ergueu-se e saiu da enfermaria, incapaz de se conter. Tonks seguiu-o, lançando um olhar apologético a todos. Hermione, em lágrimas, escondeu o rosto no peito de Ron, que parecia em choque.
Ashley deixou-se ser levada pela curandeira até uma das camas. Estava demasiado entorpecida para explicar que já não sentia dores e por isso engoliu de imediato a poção que Madame Pomfrey lhe estendeu.
- Ela vai ficar bem. - murmurou Hermione, aproximando-se dela.
A Hufflepuff assentiu, por educação. Nenhuma delas iria ficar bem. Ashley nem sequer conseguia contar-lhes sobre Meredith.
Meredith, que a atacara.
Meredith, que levara Laurel.
Meredith, que invocara a Marca Negra como se nada fosse.
Ashley fechou os olhos, exausta. As pálpebras pesavam-lhe e permitiu que a inconsciência a levasse para um mundo escuro e vazio, onde não sentiria dor nem culpa.
**
Remus Lupin tremia violentamente.
Caminhara pelos corredores de Hogwarts sem qualquer rumo, parando no meio de um deles para fitar a noite sem estrelas através de uma das maiores janelas de Hogwarts. Tonks, que o seguira, fitava-o com preocupação, sem saber o que dizer.
Laurel Ravenclaw fora levada.
O lobisomem abraçou-se a si próprio, sentindo a culpa corroer-lhe o espírito. Normalmente era uma pessoa controlada e racional mas a sua filha fora raptada e tudo o que Remus queria era matar quem quer que a tivesse levado.
A sua filha.
Remus recordava-se vivamente do dia em que Cora lhe pedira para criar a sua filha. Ele negara com veemência, amaldiçoando-a por sequer lhe pedir isso. Nunca esperara amar a menina como se fosse sua, ou sequer ser chamada de pai por ela.
Mas Laurel assumira-o logo como pai. Era seu tutor legal, o seu criador, o homem que tentava desesperadamente manter um emprego apenas para conseguir colocar comida na mesa.
Por ela.
- A culpa é minha. - murmurou, infeliz.
- Não é, Remus. - negou Tonks - Não poderias saber...
- Devia ter ido atrás dela, devia tê-la mantido debaixo de olho...
- Como se ela te tivesse deixado!
- Eu é que sou o pai! - exclamou Remus, fora de si - Eu é que sou o pai dela e devia protegê-la! E nunca o fiz! Laurel esteve em perigo todos estes anos, primeiro por minha causa e da minha doença, depois por causa de Voldemort... Ela nunca devia ter ficado comigo...
- A Laurel ama-te, Remus. Criaste-a como se fosse tua e ela adora-te, como podes sequer dizer uma coisa dessas?! - irritou-se Tonks, o cabelo mudando de cor para responder às suas emoções - É isto que tu fazes! No minuto em que algo corre mal, tu foges! Culpas-te só porque sim! Remus, tu não tens culpa de nada!
Lupin abanou a cabeça, transtornado.
- Já te disse que não podes casar comigo, Nimphadora...
- Isto não tem nada a ver com isso! Remus, a culpa não é sempre tua, neste caso não é culpa de ninguém! Nós já sabíamos que a Laurel era tanto um alvo para o Quem-Nós-Sabemos como Harry... Ela escolheu lutar em vez de continuar escondida. - Tonks fez uma pausa, sorrindo - Laurel é uma guerreira, tal como tu.
- Ela é tal e qual a mãe. - resmungou Lupin, baixinho.
A Auror aproximou-se dele, olhando-o de tal forma que o lobisomem sentiu o coração acelerar.
Nunca ninguém tinha olhado para ele com a paixão com que Tonks o olhava.
Naquele momento, Lupin soube que o amor que sentira por Cora Ravenclaw se desvanecera, os cabelos ruivos e o sorriso gentil substituídos pelos cabelos rosa e sorriso travesso de Tonks.
- Nós vamos encontrá-la, Remus, prometo.
Remus assentiu.
Ele tinha de acreditar nisso.
Por Laurel.
**
O funeral de Dumbledore ocorreu alguns dias depois.
Madame Pomfrey liberou Ashley naquele dia, embora com mil recomendações. A curandeira não estava muito certa quanto às melhoras no estado dela mas não tinha hipóteses; Ley não iria faltar ao funeral por nada deste mundo.
Tinha que lá estar, por ela e por Laurel.
Parada alguns metros atrás, Ashley observou a campa de Dumbledore. As pessoas que ali se encontravam começavam a dispersar, abandonando o local vagarosamente. Hogwarts era o local que muitos alunos viam como casa e Dumbledore fazia parte da mobília; Albus Dumbledore era Hogwarts e para um coração órfão como o de Ashley, fora muito importante na vida dela por ser um dos poucos adultos que se preocuparam verdadeiramente com ela, mesmo sem ter qualquer relação com a mesma.
A figura fina e delicada de Astoria Greengrass aproximou-se dela, os olhos frios sem vestígios de lágrimas. A Slytherin lamentava a morte do Diretor mas era demasiado prática para pensar muito no assunto; estava mais preocupada com o ano letivo que teria início dali a uns meses e com o desaparecimento de Laurel, o qual pesava-lhe na consciência.
- Ela gostaria de estar aqui. - murmurou, colocando-se ao lado da Hufflepuff.
Ashley assentiu, sem dizer nada. Astoria fitou-a, observando as linhas do seu rosto, duras e sérias. A Diggory nem parecia ela, com as vestes negras e coladas ao corpo, o semblante triste e a dor nos seus olhos.
A visão de Ashley Diggory naquele estado era assustadora e Astoria afastou-se, os lábios prensados numa linha fina.
- Vais procurá-las? - questionou, referindo-se não só a Laurel, mas a Meredith.
Astoria nunca acreditaria que Meredith Lovelace fosse capaz de trair a mulher que amava sem um motivo muito forte para o fazer.
O coração de Ley apertou-se.
- Sim. - respondeu, com suavidade - É a única coisa que posso fazer.
- Vou contigo.
- Não, não vais. - Ashley encarou o rosto da mais nova, com um pouco do seu brilho natural a bailar nos seus olhos âmbar - Precisas ficar em Hogwarts e proteger os alunos. Ou muito me engano ou Voldemort vai tentar tomar o castelo e colocar alguém da sua confiança no lugar de Dumbledore. Ele irá querer destruir ao máximo o legado de Dumbledore, sem dúvidas. - colocou a mão no ombro da Slytherin, que se permitiu tocar, algo raro e excecional - O que quer que aconteça, tens de ficar e proteger Hogwarts. Tenho a certeza que a Laurel te pediria exatamente a mesma coisa.
Astoria assentiu. Ao longe, a sua irmã observava-a, sabendo que a lealdade da Greengrass mais nova nunca estaria com a sua família.
- Tem cuidado. - pediu Astoria, fitando Ashley.
- Tu também.
Ley permaneceu no seu lugar, vendo-a afastar-se. Em seguida, procurou pelo rosto de Harry, que acabara de deixar o Ministro da Magia a falar sozinho.
- Harry. - chamou, aproximando-se dele.
- Ley. Eu lamento muito pelo que aconteceu com a Laurel...
- Eu vou atrás dela. - interrompeu a Hufflepuff, fitando-o com seriedade - Vais atrás de Voldemort?
Harry assentiu.
Os dois Herdeiros encararam-se pelo que parecia ser a primeira vez. Cada um deles tinha uma missão, cada um encarregue de um dos restantes Herdeiros.
A Herdeira de Hufflepuff, que jurara proteger a Herdeira de Ravenclaw até à morte.
O Herdeiro de Grinffindor, que jurara matar o Herdeiro de Slytherin.
- Quando partes? - questionou Ashley.
- Depois do casamento do Bill e da Fleur. E tu?
- Depois de convencer Remus de que esta é a melhor opção para encontrar a Laurel. - Ashley suspirou, embora fosse grata pelo carinho do lobisomem para consigo - Mas quero também cumprir algumas missões da Ordem. Os ataques aos Muggles e feiticeiros filhos de Muggles vão triplicar agora com a morte de...
Ley calou-se, incapaz de continuar. Harry prensou os lábios, engolindo as lágrimas.
- A Guerra começou... - murmurou a Hufflepuff.
- Nós vamos terminá-la. - garantiu Harry, estendendo-lhe a mão - Prometo.
Ashley assentiu, apertando-a.
Ao longe, um certo medalhão brilhou numa sinfonia de âmbar e rubi, resplandecente.
A Profecia dos Herdeiros começara.
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