Capítulo 32
Laurel não era uma pessoa intrometida. Não era do seu costume meter-se na vida dos outros. Tinha, no entanto, um grande defeito: era muito observadora.
E o olho negro no rosto de Daphne não lhe passara despercebido.
As duas costumavam acordar ao mesmo tempo, ambas madrugadoras, ao passo que Meredith ficava na cama até à última. Daphne era a primeira a usar a casa de banho enquanto Laurel arranjava o cabelo e checava tudo o que tinha de fazer durante o dia na sua belíssima agenda Muggle.
Naquele dia, porém, calhou Daphne estar demorar mais um pouco a levantar-se, sentando-se na cama e fitando o vazio demoradamente.
Algo que durara tempo suficiente para Laurel ver a mancha negra ao redor dos bonitos olhos de Daphne.
A Greengrass mais velha apercebera-se do olhar de Laurel posto em si e correra de imediato para a casa de banho, saindo muito mais tempo depois do que o costume e com a cara impecável.
Horas depois, na sala de Feitiços, a maquilhagem de Daphne ainda estava intacta.
- Mas porque é que estás a olhar assim tanto para a Greengrass Ruim? - perguntou Meredith, olhando intrigada para a ruiva.
- Depois explico. - respondeu à amiga, que encolheu os ombros, desinteressada.
Assim que a aula terminou, Laurel aproximou-se de Daphne, que conversava tranquilamente com Pansy. De vez em quando passava a mão pelos cabelos, pondo mechas estrategicamente caídas para o lado esquerdo do seu rosto, onde a nódoa negra se encontrava.
Mais ninguém reparara, à exceção de Laurel.
- Daphne, podemos conversar?
Pansy bufou, fitando Laurel com desdém. A Parkinson cruzou os braços em frente ao peito, colocando-se ligeiramente entre a melhor amiga e a maior inimiga.
- O que queres, demónia?
- Nada contigo, meu bem. - respondeu Laurel, revirando os olhos - Daphne?
Daphne mordeu os lábios, incerta. Laurel ergueu a sobrancelha e a Greengrass soube o assunto que a ruiva queria falar. Pansy lançou um olhar superior a Laurel, cujos olhos safira mantiveram-se fixos na loira.
Lentamente, o olhar de Pansy mudou para se tornar horrorizado ao ver Daphne assentir.
- Daphne?!
- Vou ter contigo ao Salão Nobre depois, Pans. - respondeu Daphne, sem conseguir olhar a melhor amiga nos olhos.
A passos largos, a loira afastou-se da sala de aula, seguida de perto por Laurel. Assim que viraram a esquina, Daphne virou-se para ela de rompante, os olhos quase incinerando-a.
- O que queres, Ravenclaw? - perguntou, embora soubesse a resposta.
- Eu vi o teu olho, Daphne. - disse Laurel, de imediato.
- E?
- Quem te fez isso?
- Eu caí. - respondeu Daphne, atirando o cabelo para trás num gesto casual - Bati contra um dos bancos de pedra que estão no jardim.
A Greengrass sequer pestanejava, dando a Laurel a sensação que mentir era algo natural para ela.
- Contaste à Pansy?
- Claro que não.
Laurel prensou os lábios.
- Porque não? É uma história muito engraçada para partilhar com a melhor amiga, não?
Daphne engoliu em seco, surpreendida por ter sido apanhada a mentir.
- E-eu...
- Tu e o Ubaqart namoram, não é? O capitão dos Slytherin?
- Sim, e então?
- Foi ele que te fez isso. - afirmou a Ravenclaw, apontado-lhe para a cara - Não foi?
A adolescente à sua frente recuou, abanando a cabeça. Por algum motivo, não parecia assustada e não agia como se aquela tivesse sido a primeira vez.
Quando falou, o estômago de Laurel contorceu-se ao perceber porquê.
- Nós chateamos-nos e ele irritou-se, mais nada.
- Ele bateu-te, Daphne.
- Que exagero! Ai Laurel, o que tens tu a ver com isso? - irritou-se Daphne, cruzando os braços.
- Não é a primeira vez, pois não? - questionou a ruiva, sentindo o sangue a ferver.
- Já aconteceu antes, desta vez é que ficou mais marcado... A minha pele é muito sensível, fica uma marca gigante mas nem sequer dói...
- Ele bateu-te. - repetiu Laurel.
- E então?
- Isso é normal para ti?
Daphne não precisou de responder para Laurel saber a resposta. A sua postura, o seu encolher de ombros, a forma como enrolava o cabelo com a ponta dos dedos...
- Satisfeita? Já me posso ir embora? - questionou Daphne, bufando.
Laurel assentiu, observando-a afastar-se como se nada fosse. A Ravenclaw esfregou a nuca nervosamente, desmanchando o coque mal feito que lhe prendia o cabelo.
Por fim, tomou uma decisão e saiu pelo corredor afora como se tivesse apanhado um choque.
- Asty! - chamou, procurando a cabeça da Greengrass mais nova entre os Slytherin que almoçavam no Salão Nobre - Astoria!
Astoria ergueu a sobrancelha ao ver a ruiva correr para junto dela, afogueada. A Greengrass mais nova não era de se impressionar mas não pode deixar de se pôr imediatamente de pé ao ver a expressão consternada da Ravenclaw.
- Está tudo bem, Lau? - questionou, deixando-se ser puxada pela amiga.
- Preciso falar contigo e... Desculpa, mas... - Laurel esfregou novamente a cara, nervosa - Eu sei que não tenho nada a ver com isso e que posso estar a ser evasiva mas...
- Lembraste que o que eu mais gosto em ti é o facto de seres direta? - interrompeu Astoria, abanando-lhe o braço - Fala mulher.
Laurel ponderou por instantes, avaliando o rosto de Astoria, que revirou os olhos. Por fim, a ruiva desistiu, sabendo que, se alguém aguentava o que estava prestes a dizer, seria Astoria.
- O teu pai bate na tua mãe? - questionou a Ravenclaw, de chofre.
Astoria pestanejou. Por momentos, Laurel pensou que ela lhe gritaria, viraria as costas ou nunca mais lhe falava. Mas era Astoria, a Slytherin mais sensata que conhecia.
- Sim, desde sempre. Porquê?
A mais nova falou com tanta naturalidade e frieza que Laurel estremeceu. Conhecia Astoria bem o suficiente que não lhe era uma situação indiferente mas se havia algo que sabia fazer era esconder os sentimentos, tendo anos de prática em cima.
- A tua irmã está num namoro violento, Asty. O namorado bate-lhe e ela acha aquilo normal. - Laurel fez uma pausa, observando-a - Tu também achas?
- Não. - respondeu Astoria, prontamente - Mas eu e a Daphne fomos criadas de maneira muito diferente. Eu sou a ovelha negra da família, a amiga de traidores de sangue, Muggles e toda a escumalha bruxa. Sempre fui assim e os meus pais não são propriamente meus fãs. - encolheu os ombros - Raramente estou lá em casa, costumo passar as férias na casa de amigas. Mas a Daphne... É a menina bonita, favorita e viveu a vida toda com eles...
- Ela nunca viveu outra coisa. - interrompeu Laurel, pensativa - Por isso acha normal...
- Sim, o meu pai sempre bateu na minha mãe e a Daphne cresceu com isso. É o normal para ela.
- Mas não é. Não é normal. Podes falar com ela?
- Achas que ela me vai ouvir? De cada vez que a tento avisar sobre o nosso pai...
- Astoria, podes não conseguir abrir-lhe os olhos para o vosso pai mas para o namorado dela? Ela é tua irmã, Asty, por pior que seja.
As duas fitaram-se, vendo a máscara de Astoria cair com alguma lentidão. Laurel era das poucas pessoas que sabia como desmanchar Astoria e uma das poucas que a jovem realmente respeitava.
- Vou ver o que posso fazer. - respondeu a Slytherin mais nova, fungando discretamente.
Laurel sorriu e abraçou-a, sentindo o corpo de Astoria ficar tenso sobre o seu toque. Ela nunca era abraçada, nem mesmo pelas amigas e muito menos pela mãe. O choque trespassou-a como uma flecha, abandonando-a tão rápido como chegara.
Astoria abraçou-a de volta, comovida.
**
No dia seguinte, Ubarat fora parar à enfermaria com um olho negro e menos um dente da frente.
Quando Laurel encontrou Daphne, esta chorava agarrada à irmã com o olhos negro e a bochecha inchada, tendo sido vítima de mais uma pancada.
A última, tal como Astoria deixara bem claro quando espetara um belíssimo soco na cara em quem se atrevera a tocar na sua irmã.
Os olhares de ambas cruzaram-se e Astoria piscou-lhe o olho. Laurel sorriu, aliviada mas não parou, sabendo que Daphne não iria gostar da presença dela à mesma. Meredith, que caminhava ao lado dela, lançou-lhe um olhar intrigado e Laurel explicou-lhe resumidamente o sucedido.
Mal terminou, Meredith fitou-a, com uma admiração mal disfarçada.
- Pensei que não gostávamos da Greengrass Ruim. - disse a Lovelace, embora o nome que dera a Daphne tivesse soado menos ofensivo do que o costume.
- Posso não gostar dela como pessoa e colega mas nunca na vida deixaria uma mulher passar pelo que ela passava sem fazer nada. - afirmou Laurel, convicta - As mulheres têm de lá estar umas para as outras senão quem estará? Os homens, que raramente nos compreendem? - abanou a cabeça, visivelmente perturbada pelo assunto - Não é normal sofrer de maus tratos. Não é normal sermos violentadas, muito menos abusadas ou violadas. Só espero que a Daphne tenha coragem de fazer queixa daquele estúpido e que ele seja expulso, para aprender a nunca mais encostar um dedo numa mulher. - confessou, suspirando cheia de raiva.
- Pela tareia que a Astoria lhe deu, acho que o homem aprendeu a lição. - comentou Meredith, soltando uma risadinha.
Laurel riu com ela, sentindo orgulho em Astoria. A Greengrass era como uma irmã mais nova para ela, as duas sendo tão parecidas e tão diferentes.
Se alguém perguntasse a Astoria o que Laurel era para ela, não hesitaria em dizer o mesmo: uma irmã mais velha, como Daphne nunca fora.
**
Mais tarde, naquela noite, Blaise Zabini adentrou na Sala Comum dos Slytherin com uma expressão de fúria mal disfarçada. Laurel, que estudava tranquilamente no seu canto, ouviu-o bufar, os punhos cerrados.
- Aquele sacana... - rosnou ele, socando a parede mais próxima.
- Acho que essa parede não tem a culpa, Zabini. - comentou Laurel, sem se conseguir conter.
- Não me provoques, Laurel. - ripostou Blaise, irritado - Hoje não.
- É Ravenclaw para ti, lembraste? - Laurel tirou os óculos da cara, semicerrando os olhos na sua direção - Estás a falar do Ubarat, não estás?
Blaise cerrou os dentes, tentando acalmar-se.
- Gostas da Daphne? - perguntou Laurel, curiosa.
- Por Merlim, Laurel, deixa-me em paz!
Draco Malfoy, que entrava naquele preciso momento no compartimento, ergueu a sobrancelha, sem expressão.
- O que se passa?
- O Zabini esqueceu-se de crescer, Draco. - respondeu Laurel, soltando uma risada - Vai beber um chá de camomila que isso passa-te.
- A Daphne... - Blaise cerrou os punhos de novo, caminhando nervosamente enquanto fitava o seu melhor amigo com um ar perturbado - O Ubarat batia-lhe. Aquele sacana...
- As notícias correm rápido. - comentou Laurel, suspirando - Mas pelo menos a Astoria fez queixa e a Daphne foi corajosa o suficiente para não negar...
- Se eu já lhe tivesse dito que... Draco, eu nunca lhe tocaria, nunca...
Laurel ergueu uma sobrancelha duvidosa, perfeitamente recordada do braço de Zabini a sufocá-la. Este revirou os olhos, ignorando-a e focando-se em Draco, que parecia uma estátua de tão imóvel que estava.
- Se ela estivesse comigo não teria sofrido o que sofreu. - conseguiu dizer o moreno, esfregando a cara - Eu gosto dela. Eu gosto dela e não a protegi...
- Por Merlim! - exclamou Laurel, pondo-se de pé - E depois?! O que isso resolve agora?! Blaise, eu não sei que porcaria tens na cabeça mas vou-te dizer o seguinte: mexe esse rabo e vai apoiá-la como ela merece. Não como namorado, não como futuro namorado ou o raio que te valha mas como amigo dela. Esse é um valor que os homens parecem não conhecer no que toca a uma rapariga mas eu ensino-te! Agora pára com o chilique e vai ter com a moça, está bem?
Blaise pestanejou, aturdido. O olhar dele virou-se para Draco, que assentiu, encolhendo os ombros.
- Se fosse a ti ia antes que ela te bata. - respondeu o amigo, recebendo uma cotovelada de Laurel - É mentira?
- Não. - respondeu a ruiva, rindo - Vai lá, Zabini. E... Blaise? - os olhos safira de Laurel focaram-se nas íris cor de chocolate de Blaise, sérios - Não lhe toques, está bem?
O rapaz assentiu, correndo porta fora. Laurel suspirou, aliviada, encontrando os olhos tempestuosos de Draco postos em si. Antes que pudesse dizer alguma coisa, ele aproximou-se, envolvendo-a num abraço forte e apertado.
- És incrível, sabias? - questionou ele, com admiração.
Laurel soltou uma risada, a resposta na ponta da língua.
- Eu sabia, e tu? Só agora é que descobriste?
Draco afastou-se, dando-lhe a visão do seu rosto perturbado. Ele não dormia há dias e isso era demasiado visível. Laurel prensou os lábios, esticando-se em bicos de pés para beijá-lo na bochecha.
- Hora de dormir, Draquinho. - provocou, vendo-o revirar os olhos.
- Só se vieres comigo.
- D-Desculpa? - gaguejou Laurel, atrapalhada.
O Malfoy sorriu, achando-a adorável com as bochechas coradas.
- Dormir ao meu lado, Laurel. Talvez assim eu consiga...
Engoliu em seco. Laurel assentiu, entrelaçando a mão na dele.
- Anda lá.
E foram, deitando-se de frente um para o outro, as mãos firmemente entrelaçadas.
Pela primeira vez desde que o ano letivo começara, Draco conseguiu dormir uma noite sem sonhos, ao lado da rapariga por quem se apaixonara.
**
Não à violência contra as mulheres.
Este capítulo não foi pensado, nem ten grande relevância para a história, apesar de ter um ou outro aspecto importante. Foi um capítulo escrito com sentimento, com o empoderamento que uma mulher deve ter.
Não é normal sermos abusadas.
Não é normal sermos violentadas.
Não é normal as "piadas de mau gosto" e "estavas a pedi-las".
Não é normal.
Para além disso, ser mulher é unir-nos. Sermos umas para as outras. Não importa se não gostam daquela fulana, não importa se a fulana agiu mal, não importa quem seja, é mulher, é pessoa, defendam-na com unhas e dentes destas coisas.
Para todas as mulheres, um beijinho de coração ❤
P.s: Dove Cameron como Daphne Greengrass ✨
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