Fã de verdade
Prólogo.
— ACORDA, LUANA! VOCÊ SABE QUE DIA É HOJE?! HOJE JÁ É SEGUNDA!!
Luana olhou com desprezo para a pseudo-adulta pulando da cama, animadíssima demais ainda mais por ser uma segunda, e provavelmente sete horas da manhã.
Chocada pela menina não esboçar nenhuma reação ao comentário, Mari sacolejou a mais nova pelos ombros e gritou:
— LU, A VIAGEM É NESSA SEMANA!!!
Viagem..?
Ah.
Houve um click na mente de Luana e ela finalmente acordou. Já era aquela semana? Daí ela entendeu imediatamente a empolgação da mais velha. Afinal, era A Viagem.
UM.
Luana era basicamente invisível. Uma pessoa extremamente comum, tanto na aparência, quanto em qualquer coisa em sua vida. Para uma menina de dezessete anos, sua existência era surpreendente sem dramas e sem emoções. Não tinha problemas com amigos ou crushes. Uma vida acadêmica mediana, nada excepcional — sem premiações, nem atuações esportistas, nem destaques. Uma família completamente normal, num apartamento de classe média baixa, num bairro padrão.
Tudo nos conformes... Exceto pela irmã mais velha, talvez.
E essa história é dela.
— Você vai levar tudo isso em uma viagem de sete dias? — empacotando o terceiro jeans, a pequena malinha já estava metade abarrotada de meias, dois bonés, uma coleção de calcinhas e... aquilo era um suspensório? — Pelo amor de Deus, Marina. Você não vai ter tempo de usar nem metade disso! E você só tem direito de levar uma mala de mão, sabia?!
Mari fechou a mala e sentou em cima, emburrada porque sabia que a mais nova estava sendo muito mais sensata e realista que ela, a "pseudo-adulta", apelido que lhe caía muito bem. Afinal, ela era teoricamente a mais responsável. A que ia viajar sozinha pela primeira vez na vida.
Mas Marina precisa de todos aqueles itens — não exatamente para usar, mas para se sentir melhor. Sabe? Pra se sentir mais perto de casa. Algo assim. Ignorando seu lado sentimental, que tendia a prevalecer, ela abriu a mala de novo e começou a repassar todas as coisas que tinha enfiado lá dentro.
— Você já checou o hotel? — a mais nova perguntou.
— Já, fiz quando acordei, lembra? — Luana não lembrava. — Já conversei com as meninas também e... tá tudo perfeito!
A voz de Marina subiu na última sílaba da palavra de um jeito que fez a irmã observá-la com desconfiança. Conhecendo-a como conhecia, sabia que havia alguma coisa nada "perfeita" no seu "plano perfeito"... Mas resolveu guardar aquela observação para si.
As duas passaram o dia inteiro falando sobre a viagem, empacotando coisas e sonhando acordadas com a aventura solitária de Marina. Quando foram dormir, Mari ainda estava tão ansiosa que não conseguia fechar os olhos. Usando a luz da tela do celular, ela ficou admirando o motivo principal da viagem: um papelzinho quadrado com seu nome, a data do dia 25 de Dezembro e um horário estampados em prateado. Mas, mais importante que tudo isso, era o nome gravado em letras curvas e douradas que preenchiam a maior parte daquele papel: NDB.
DOIS.
Todo mundo conhecia os Garotos da Casa ao Lado — ou popularmente chamados de NDB. Não era nem força de expressão: o MUNDO inteiro realmente sabia quem eles eram: a ascensão da música popular de um país super distante do que Marina e Luana moravam, o que não os impedia de ter dezenas de milhares de fãs acampados há semanas na frente do estádio em que fariam um show exclusivo no Natal.
É. No Natal.
Ninguém imaginou que os ingressos venderiam bem por causa da data — afinal, brasileiros são muito apegados a ela e gostam de comemorá-la com a família, em casa, no conforto de uma mesa de jantar. Mas, para a surpresa dos que não entendiam nada de fanatismo e dedicação, as milhares de entradas para o show de Natal se esgotaram em quatro minutos.
Quatro. Minutos.
Marina sabia disso, é claro, porque ela foi uma das que conseguiu comprar o tal ingresso e, quando foi direcionada para a página principal do site de vendas, eles haviam se esgotado. Mari tem uma memória muito vívida de ter ficado parada, estática, olhando para a tela do notebook, em choque. E de ter começado a chorar no minuto seguinte, não acreditando no e-mail de confirmação de pagamento que recebera.
Ela ia ver os meninos do NDB. Ela estaria lá, na noite de Natal, e seria a experiência mais maravilhosa de sua vida!
É claro que foi estranho contar pra família sobre a viagem — afinal, além de ser Natal, ela morava a 400 quilômetros de distância do local do show. E o primeiro problema que ela teve de enfrentar nos meses que se seguiram foi arranjar dinheiro pra pagar pela viagem.
Um emprego de meio período como garçonete numa lanchonete resolveu a situação, mas a deixou com um trauma eterno de cozinhas e hambúrgueres — o que, por um lado era ótimo pra sua saúde, por outro era muito inconveniente não conseguir frequentar restaurantes fast food como antigamente.
O segundo problema foi aguentar os pais choramingando em todos os momentos possíveis que ela não ia passar o feriado com eles, que ia abandoná-los por um bando de garotos adolescentes, e que ela tinha feito uma maluquice absurda, uma loucura sem precedentes... De fato era uma loucura, mas que outra chance ela teria? Não tinha como desperdiçar aquela de jeito nenhum! Eles iam entender mais cedo ou mais tarde...
Quem não estava entendendo muito era Eliza. Mas Mari não queria lidar com ela naquele momento, então era assunto basicamente engavetado. Não pensar em Eliza e no show ao mesmo tempo foi uma das regras que ela criou assim que comprou o ingresso. As duas coisas não tinham como andar juntas; afinal, ela não queria colocá-las na balança para ter que escolher. Isso seria impossível. Então... enxotou tudo pra debaixo do tapete.
Marina achava, porém, que o maior problema de toda essa história seria, na verdade... ela mesma.
Porque seus pais tinham razão: era um bando de garotos adolescentes com fãs adolescentes. E Marina tinha vinte e dois anos. Normalmente não ligava pra isso; hobbies não tinham idade, né? Mas ela estava se considerando "a tia" toda vez que pesquisava quem ia no show e encontrava só crianças na faixa dos doze, treze anos escrevendo comentários sem assento e vírgulas na internet. Ugh.
Nem Luana, sua irmã quatro anos mais nova, ligava muito para os NDB, então ela não era uma opção de companhia para a viagem.
Nenhum dos seus amigos da faculdade gostava de NDB — na verdade, a maioria não perdia tempo em caçoar deles na frente de Marina, rindo e brincando das "coisas de criança" que ela gostava. Ela nunca ligou de verdade, mas começou a notar o quão constante essas brincadeiras eram e o quanto elas a afetavam agora que suas "coisas de criança" pareciam mais reais com a aproximação do show.
Ninguém acreditava de verdade que ela ia gastar dinheiro com hotel e viagem pra ver um bando de meninos maquiados em roupas coloridas combinando, bem pagos para se mostrar, fazer fanservice e, de vez em quando, cantar.
Nem ela acreditava.
Até que Dezembro entrou no calendário, o dia 15 passou, a faculdade entrou de férias e Marina pôde mergulhar de cabeça no seu mundo de fanfics e música. E foi nele que ela achou outras três meninas maiores de idade (ufa!) que também tinham conseguido comprar o ingresso pro show.
Todo mundo diz que conhecer alguém da internet pode ser perigoso, né? Mas Mari estava um tanto desesperada. O dia da viagem estava chegando e ela não sabia onde ia ficar, porque tinha comprado as passagens para uma semana anterior ao show (estavam mais baratas!) e, bem, ela não ia dormir na rodoviária por sete dias. A não ser que fosse extremamente necessário.
Por favor, que não seja necessário!, ela pedia todas as noites.
Encontrar essas meninas foi como uma luz no fim do túnel.
Elas tinham feito uma reserva num hotel próximo ao estádio do show e, por sorte, era um quarto quádruplo e elas queriam que Mari ficasse com a cama sobressalente.
Os pais de Marina e a própria Luana surtaram. Mesmo depois de inúmeras chamadas de vídeo com as garotas, com os parentes delas (desde os pais até os irmãos e primos, sim), eles ainda não estavam 100% convencidos de que aquilo era uma boa ideia. Mas estava decidido; Mari até já tinha pago sua parte das diárias e elas se comunicavam diariamente, trocavam fotos, áudios empolgados e, claro, muitas músicas e comentários sobre os sete meninos membros do NDB.
Quando o dia da viagem chegou, Mari estava cansada por não ter dormido, mas a ansiedade e a taquicardia não a deixavam sentir nada além de empolgação. Ela deu tchauzinho pela janela do ônibus para a irmã mais nova e prometeu que daria notícias o tempo todo. Mesmo.
Dentro do veículo, a realidade a esmagou: ela tinha vinte e dois anos e estava viajando, no Natal, para ver um show de uma boyband adolescente. Sozinha. Indo se encontrar com outras três meninas que nunca tinha visto na vida e que não sabiam quase nada sobre ela, dividir um quarto de hotel por sete dias e, com sorte, não ser assassinada nem roubada nesse meio tempo.
Olhando a tela do celular com uma foto dos meninos NDB de fundo, Marina suspirou, frustrada.
Ela queria tanto que Eliza estivesse com ela...
TRÊS.
Eram quatro garotas enfiadas num quarto com duas beliches, uma mini-geladeira que não cabia uma garrafa d'água de pé, um banheiro com chuveiro frio e três cabides pendurados numa madeira cilíndrica presa à parede (que o hotel carinhosa e ironicamente chamava de guarda-roupa).
Ana era tímida e quieta. Respondia quando perguntada, ria baixinho e sentia vergonha alheia de todo mundo. Quando Beatriz falava, porém, parecia que estava dando ordens pra uma grupo de criança de seis anos de idade que não conheciam a palavra "disciplina" (e que provavelmente eram surdas também). A risada então? Ecoava até no hall de entrada (e elas estavam no sétimo andar!). Carol abdicou do primeiro nome pra que ela e Ana não fossem confundidas nas conversas. Era sensata a menina, ponderada.
E tinha Marina. Que não era nada disso, mas talvez fosse um pouquinho de cada, do jeito mais balanceado possível. A normal.
Elas se deram bem de início — Bia foi a que chegou primeiro, pegou as chaves e escolheu o beliche perto da janela pra não ficar sentindo o cheiro esquisito vindo do banheiro. Depois Ana, e Mari chegou quase junto de Carol. Elas falavam muito; agora pessoalmente pareciam querer tirar o atraso dos meses só trocando fotos de cantores seminus pelo aplicativo de conversas on-line. Mari estava com dor de cabeça da viagem mal feita, então foi ficando pra trás na intimidade.
No primeiro dia, comeram pizza num rodízio. Riram, beberam refrigerante até passar mal e falaram sobre qual dos meninos do NDB elas gostavam mais.
No segundo dia, Carol recebeu um vídeo dos meninos desembarcando no país vizinho pra uma apresentação parecida com a que veriam, e elas ficaram no hotel chorando enquanto viam as garotas desmaiando no aeroporto por terem ficado a três metros de distância dos seus ídolos. Até Ana derramou umas lágrimas e ficou eufórica, deixando a timidez completamente de lado.
Então foi a vez de Mari sentir um pouco de vergonha (dela e das outras pessoas também) de novo, porque as meninas do vídeo tinham... sei lá, quinze anos no máximo? Será que tudo bem se ela desmaiasse também? Porque ela achava que ia. Só de ver os vídeos seus olhos se encheram de lágrimas.
— Vocês acreditam que a gente vai ver eles de pertinho assim na terça-feira?! E olha! Tão dizendo que quem for no show vai receber um postcard autografado! Exclusivo! — Carol se animou. — Só a gente no mundo que vai ter isso! Nós e as argentinas, né...
Pronto. As quatro se derreteram em mais lágrimas. Estar ali e fazer parte daquilo tudo... Era demais pra aguentar.
Mari mandou uma mensagem pra irmã, exaltada, dizendo que tinha certeza que jamais se arrependeria de estar ali, de passar o Natal com seus ídolos, de vivenciar tudo aquilo. E foi dormir ainda chorando vendo algumas imagens do tal postcard exclusivo.
QUATRO.
Mas os dias de glória duraram pouco e o sábado daquela semana foi outra história.
Carol e Bia acordaram brigando porque alguém tinha usado o desodorante de alguém, e tinha demorado mais de duas horas no chuveiro, e a outra precisava usar o banheiro e blá-blá-blá. Elas discutiram e gritavam, e Ana e Mari, caladas, viram as duas adotarem a política do gelo depois de tanto gastarem saliva: resolveram não se falarem mais, a não ser que fosse extremamente necessário. Isso quando ou Ana ou Mari não serviam de pombo correio entre elas.
Tava bom demais pra ser verdade.
Daí Mari foi contar pra Luana sobre isso e acabou vendo que recebera outras mensagens de outras pessoas perguntando se ela tinha mesmo ido pro show (já que ela encheu suas atualizações nas mídias sociais nos dias anteriores com seus surtos de fangirl). Tudo bem, tudo normal, até ver que uma dessas mensagens era de Eliza.
"Espero que esteja se divertindo. Aproveite."
Seis palavras, ela contou.
Se fosse de qualquer outra pessoa, Mari entenderia o tom irônico. Mas elas vinham de Eliza. Não tinha ironia ou sarcasmo ali. Ela realmente estava desejando que ela se divertisse e aproveitasse — Mari tinha certeza!
Isso só piorou as coisas. NDB, Eliza, viagem e Natal... ela não podia juntar esses pensamentos. Não, não, agora não!
CINCO.
Ainda no sábado de tardinha, Bia chamou Ana e ela para saírem pra uma "balada".
— A gente já tá aqui, não vamos perder a oportunidade, né? Já olhei quais são as melhores e quais deixam entrar os menores de 21... — Bia riu, e só então se virou pra Marina, com cara de falso espanto. — Opa! Às vezes eu esqueço que você é mais velha que a gente, Mari! É que nem parece, né?
Mari piscou e sentiu o estômago se revirar. Carol chegou bem nessa hora e começou outra discussão com Bia sobre respeito e consideração. Afinal, elas nem eram tão mais novas assim! Ela e Ana tinham dezoito, e Carol tinha dezenove, poxa!
Bia não era de engolir sapos e foi logo emendando um assunto no outro, esticando a briga da manhã e enfiando Marina no meio...
Atordoada pelos gritos, Mari largou as meninas no quarto, desceu os sete andares de escada do hotel, e encontrou um cantinho no estacionamento pra sentar e chorar sozinha.
Ela já não tinha mais certeza de que não se arrependeria daquela viagem.
SEIS.
Domingo chegou com chuva. É ridículo achar que o clima faz essas coisas de propósito pra refletir na sua vida, mas é claro que foi exatamente isso que Marina pensou ao acordar, morrendo de dor de cabeça.
Ela viu que Carol não estava no beliche abaixo do seu e desceu para tomar café no restaurante do hotel, encontrando-a sozinha numa das mesas, rindo pro celular.
— Oi! Bom dia! Olha só essa foto deles no show de ontem na Argentina!! Dá pra acreditar que em dois dias a gente vai poder tirar fotos assim também?!
Ela não precisava nomear o "eles", é claro.
Mari sorriu pra tela do celular também, notando o coração se acelerar. Quase que no mesmo instante, sentiu o próprio telefone vibrar no bolso do jeans e o estômago gelou, meio dolorido.
— Mari, seu celular tá tocando. — Carol apontou, como se não fosse óbvio.
— Eu sei... — a garota suspirou.
Na noite anterior, Marina tinha respondido a mensagem de Eliza quando estava chorando no estacionamento, e é claro que a garota estava preocupada com ela, porque não parou de lhe mandar mensagens pra saber o que estava acontecendo e pra tentar animá-la.
Era a primeira vez que se falavam daquele jeito em muito, muito tempo. Desde que comprara o ingresso pro show dos meninos do NDB, pra ser mais exato. Longe e vulnerável como estava naquele momento, Mari se sentiu confortável e ignorou os últimos meses de quase silêncio.
Não é que haviam brigado de fato — elas raramente brigavam, aliás. Era só aquele não falar sobre o assunto que pesava no meio das duas quando estavam juntas. Às vezes isso era ainda pior do que uma briga ou discussão porque elas estavam quase sempre juntas...
Agora, voltando ao seu estado normal depois da crise do dia anterior, Marina não queria responder Eliza, porque isso só faria com que questionasse mais ainda se ela tinha feito a escolha certa indo naquela viagem idiota.
Disposta a esquecer o comentário maldoso do dia anterior, Mari cumprimentou Bia (e Ana) alegremente, e viu que ela e Carol, apesar das farpas ocasionais, estavam conversando civilizadamente. Também disposta a animar o domingo, Mari colocou o celular em modo avião e deu a ideia dela e das meninas irem passear num bairro asiático da cidade. Afinal, quem ficaria de mau humor vendo itens de papelaria fofinhos e experimentando comida do outro lado do mundo?
Elas só voltaram pro hotel depois das dez da noite — e ainda assim foi porque Ana insistiu, já que estava com dor de barriga por causa dos três sorvetes que tomou à tarde.
As meninas ainda queriam sair à noite, aproveitar a cena noturna como adolescentes normais que eram. Apesar de não gostar muito daquelas coisas, Mari até tinha concordado em ir, mas agradeceu ao estômago fraco de Ana e ficou feliz de voltar pro hotel pra poder tomar um banho e descansar.
Com a cabeça já no travesseiro e a conversa paralela das outras garotas no quarto, Marina se lembrou do celular. Quando o sinal da operadora despertou, a tela começou a piscar incessantemente com a chegada de dezenas... não, centenas de mensagens.
Era Luana.
E Eliza.
Engoliu seco e abriu as da irmã primeiro.
"Marina, pelamordedeus liga esse celular, atende as ligações, escuta a mensagem que deixei na caixa de voz! Sei que ninguém faz isso, mas escuta só dessa vez que eu não tenho mais paciência nem dedos pra digitar!"
Essa era a última. As outras todas eram mensagens pequenas perguntando onde ela estava, o que estava fazendo, e pedindo urgentemente pra que ela desse sinal de vida. Entre essas, meio perdida, Luana tinha escrito: "aconteceu uma coisa com a Liza. Atende esse telefone, Marina!" e o coração da menina disparou imediatamente, dolorido.
SETE.
Ninguém nunca escutava mensagens de voz deixadas na caixa de mensagem. Era basicamente uma lei... que Mari quebrou sem pensar duas vezes.
A voz da irmã abafou todos os sons do quarto do hotel:
"Mari, não quero ser estraga prazeres nem nada, mas não dava pra ficar calada! A Eliza tá no hospital. Parece que vai ter que fazer uma cirurgia de emergência... Ela não queria que te contasse, pra não estragar seu show, mas meu Deus do céu! Vocês duas são tão cabeça dura! Eu que não vou receber xingo depois de ambas as partes quando você descobrir e me encher o saco por eu não ter contado! Enfim. Ela me ligou dizendo que tava pra ser internada porque tava sentindo muita dor no estômago, e aí descobriram que era o apêndice. Apendicite. Isso foi uma seis e pouco da tarde. Pedi pra me manter informada, mas é óbvio que não deixam ela ficar com o celular. Aí quando liguei, o pai dela atendeu e falou isso, que ela ia ser operada às pressas. Falei pra mamãe e a gente vai lá ver como ela tá daqui a pouco... ah, são quase oito da noite no momento dessa mensagem. Sabe-se lá quando você vai ouvir, mas faz o favor de me ligar de volta, sua desnaturada."
Marina olhou as horas na tela do aparelho: 22:33. Levantou de supetão e saiu pelo corredor do hotel de pijama e descalça, ignorando as perguntas das outras garotas. Com o celular colado no ouvido e o coração a mil, ela ouviu afobada o som do "tu.... tu..." e o "FINAMENTE!" de Luana do outro lado da linha.
— Diz o pai dela que ela tá bem. A cirurgia já foi feita, aliás. Disseram que não dava pra esperar porque é perigoso e tal... E foi rápida, não teve complicação, mas não deixaram a gente entrar, então viemos embora.
Era óbvio que mesmo assim Marina já estava se desmanchando em lágrimas.
— Escuta... acho mesmo que está tudo bem. — Luana baixou a voz. — Eu falo pra ela que você ligou e que queria muito estar aqui com ela e...
— Eu vou voltar. — Marina escutou a própria voz chorosa dizer.
— Quê?! Mas o show é depois de amanhã! Você não vai achar nenhuma passagem pra-
— Não tem problema. Vou ver se eles adiantam a minha volta pra hoje ou, sei lá, amanhã de manhã... o mais rápido possível. Será que a rodoviária tá aberta agora?
Ela não estava pensando direito, mas, ao mesmo tempo, não conseguia pensar em outra coisa. Eliza no hospital, tecnicamente sozinha, sem ter com quem falar... E ela em outra cidade correndo atrás de sete meninos maquiados no Natal.
Mari não deixou a irmã contestar. Desligou o celular e ficou tremendo no corredor, procurando o telefone da rodoviária ou da empresa de transporte responsável pela sua passagem, a que achasse primeiro.
— Mari, tá tudo bem?
Bia, Ana e Carol encaravam a menina descalça sentada no chão sujo do corredor do sétimo andar. Elas a escoltaram de volta ao quarto e Marina chorou sem controle mais uma meia hora sem dizer nada.
Depois de tomar dois litros de água, ela começou a resmungar que nunca deveria ter se aventurado naquela viagem.
— Como assim?! Olha o tanto de coisa legal que a gente fez, os lugares que conhecemos... e o show que a gente vai ver com exclusividade daqui pouco mais de 24 horas! — Bia não entendia. — Pensa nos postcards, Mari!
— Não quero trocar a única pessoa com quem eu queria dividir isso tudo de verdade por um postcard, Beatriz! — ela fungou. — Sem ofensa, meninas.
Então Mari contou tudo. Como ela provavelmente tinha feito a escolha errada.
Agora as três, além da irmã Luana, eram as únicas que a haviam escutado falar sobre Eliza daquele jeito.
Ela teve receio no início, mas e daí? Marina provavelmente nunca mais encontraria Ana, ou Bia, muito menos Carol (que morava no norte do país). Não tinha porque ligar para o julgamento das três. Estava decidida a voltar pra casa, afinal, e a única pessoa que podia (e deveria) julgá-la por ter abandonado Eliza e embarcado naquela viagem sem ela era a própria Eliza.
— Tudo bem, eu te ajudo a trocar sua passagem — Carol disse, por fim, surpreendendo Mari um pouco. — Mas tenho quase certeza de que você só vai conseguir voltar amanhã... Tá bem tarde.
— Tá mesmo. Eles já fecharam o guichê de troca — Ana virou a tela do celular para Mari, já com todas as informações em mãos. — Mas tem um número 0800 vinte e quatro horas, acho que dá pra ligar e ver se pelo menos tem vaga no primeiro ônibus amanhã cedo.
— Qual o número? Eu ligo aqui — e Beatriz já estava discando e falando com alguém e fazendo os procedimentos necessários para que Marina voltasse em segurança para casa no primeiro ônibus da segunda-feira.
OITO.
— Será que ela tá fingindo? Porque, sei lá...
Luana revirou os olhos.
— Não sei qual de vocês duas é mais problemática. Você não tá feliz que ela tá aqui?
— É claro que tô! — Eliza se encolheu no sofá. Só um pouquinho, porque os pontos na barriga doíam bastante. — Mas ela não devia estar rindo desse jeito. Ela tinha que estar me odiando por isso ter acontecido justamente agora.
— Eu acho que ela tá é te amando ainda mais, principalmente por você ter conseguido alta em 24 horas. — Luana suspirou e Eliza sentiu vontade de se enterrar no sofá da sala dela, morrendo de vergonha tanto por estar ali daquele jeito, quanto pelas palavras da mais nova.
Ela não conseguia parar de pensar no quanto queria ter tido dinheiro pra comprar o ingresso dos NDB com Marina. E também na possibilidade dela ter comprado e ter tido a apendicite enquanto elas estivessem em outra cidade. As duas coisas soavam terríveis na sua mente.
— Pronto! Terminei de colocar os enfeites! — Marina saltitou para o sofá onde Eliza se encontrava e, mesmo empolgada, se sentou com cuidado ao lado da menina, lhe oferecendo a garrafa d'água. — Toma, o médico disse que você tem que tomar muito líquido.
— Mas eu já tomei! Desse jeito vou ter que passar o Natal no banheiro porque não vou parar de fazer xixi!
— Sem problemas! Eu fico lá segurando sua mão!
— Ugh, isso foi nojento. — Luana fez uma careta para as duas. — E eu acho que a mamãe vai ter um pequeno curto circuito quando ver que você pendurou bonequinhos dos NDB na nossa árvore de Natal.
Mari encolheu os ombros.
— Se eu não posso ir até eles, eles que venham até mim, ué.
Eliza sentiu a dor dos cortes aumentar e gemeu.
— Você estaria na fila uma hora dessas... — ela comentou, o semblante culpado.
Mari e Luana se entreolharam e a mais velha suspirou alto.
— De novo isso? Olha, do mesmo jeito que eu escolhi ir da primeira vez, eu escolhi voltar, tá bom? Não ia deixar você sozinha no Natal... — Mari ouviu a irmã mais nova pigarrear e viu o fio de sorriso nos lábios de Eliza ao seu lado. — Quero dizer, eu ia, mas você estava saudável. E a Luana ia te chamar pra vir pra cá pra você não ter que ficar sozinha com seu pai... E eu ia voltar na quarta, você sabe, então ainda íamos passar o dia 25 juntas, só a "virada" que não, então... Ah, vocês entenderam!
A irmã de Marina revirou os olhos e resmungou, de novo, que as duas eram muito cabeça dura, antes de deixa-las sozinhas para tomar banho e esperar os pais para a ceia de Natal.
— Eu já tinha aceitado que os meninos do NDB tinham roubado você do meu Natal. — Liza encolheu os ombros, se ajeitando no sofá, envergonhada.
— Jamais! Sou muito mais fã sua que deles. — Mari se inclinou sobre ela, tomando cuidado para não fazê-la sentir mais dor e, com a voz miúda, ela acrescentou: — E você já tá aqui dentro há muito mais tempo. E vai ficar por muito mais tempo também, eu espero.
Eliza sorriu antes que a outra garota lhe desse um beijo na bochecha e outro nos lábios, murmurando um "eu te amo" escondido e vergonhoso.
— Vamos envelhecer sendo bregas juntas — Mari prometeu, rindo.
Durante a ceia de Natal, os pais de Marina e Luana mimaram Eliza de todas as formas possíveis. Elas eram amigas desde pequena e, com o falecimento da mãe de Liza e a falta de proximidade dela com o pai, a garota tinha passado a praticamente viver no apartamento da família.
Mesmo com o choque que Marina trouxe pro cotidiano delas, dizendo que ia viajar pra ir num show em outra cidade sem ela, Eliza nunca sentiu raiva ou qualquer outra coisa negativa por Mari. Ela sabia o que era importante para a garota...
Ou pelo menos achava que sabia, porque Marina estava genuinamente feliz em casa, na noite do dia 24 para o dia 25 de Dezembro. Mesmo com as mensagens no celular, os vídeos e fotos que iam chegando do show, Mari tinha certeza de que não se arrependeria de ter voltado. Aquela era a escolha certa.
No dia 25 de Dezembro, Luana acordou cedo para arrumar o presente para a irmã e viu as duas meninas dormindo desconfortavelmente juntas na cama de solteiro da mais velha, o colchonete intacto no chão. Era sempre assim. Ela tinha que se certificar de sair de fininho para não acordá-las, mas, naquele dia, não fez a menor questão.
— ACORDA, MARINA! VOCÊ SABE QUE DIA É HOJE?! — ela gritou no ouvido da pseudo-adulta, que gritou de volta como um cachorrinho raivoso. Luana riu e enfiou o celular na cara da irmã. — É dia de você ganhar seu presente de Natal!
Piscando longamente, Mari demorou para conseguir entender a imagem no telefone da irmã... até que a foto de um dos integrantes do NDB entrou em foco na sua visão. E havia um rabisco em cima da foto. E a foto mexia... espera, o quê?!
— É um vídeo, Mari. — Eliza riu. — É claro que se mexe!
Luana aumentou o som e deu play de novo:
"Oi, Mari! Espero que esteja tudo bem com você e com a Eliza, que ela esteja se recuperando bem! A gente achou que você fosse querer isso, então pegamos pra você com o número do seu ingresso que sua irmã nos passou... Era um por ingresso, tá?! Isso quer dizer que é totalmente exclusivo mesmo! E eu adoraria ficar com ele pra mim, mas... ai! Para com isso, Carol! Eu sei que é dela! Eu ia dizer que eu adoraria, mas sei que ela merece muito!"
A imagem do vídeo balança como se estivesse num furacão e outras três pessoas aparecem no centro:
"Oi, Mari! O que a Bia quis dizer é que esse é seu presente de Natal: o postcard do show! E conseguimos pegar do seu integrante favorito!! E olha só isso, aproxima aqui pra mim, Ana... Consegue ler o que tá escrito?"
A câmera fica desfocada por um momento, mas depois a imagem meio que congela em cima da foto. E Marina consegue ler.
A data do dia 25 de Dezembro e os dizeres "você me mostrou que eu tenho motivos"... junto do seu nome e um autógrafo.
Marina tinha mais de um motivo pra ficar feliz e agradecida naquele Natal.
💌
Esse ano eu tirei uma pessoa super pra cima, que fala "bom dia" pra todo mundo o dia inteiro (porque, afinal, é pra ser um bom DIA, né?!) e tem um jeitinho todo particular de falar, também conhecido como "alinês", que encanta todo mundo 💫
Espero que você goste das doses de fangirl, referências e de amorzinho que tentei colocar nesse conto - e da pintura que eu fiquei horas tentando acabar e no fim não consegui e resolvi escrever o conto pra compensar HAUAHUAUH alimarini 💜 (fiz a pintura pensando na sua fic "White Tears" inclusive, mas acho que quem tem que chorar é o JGKK e não o TY, dsclp) (isso não faz o menor sentido, eu sei).
Boas festas, xuxuzinho, um ano de 2020 maravilhoso, e que seu curso de alinês lhe dê muitos frutos na próxima década, criando pessoas bilíngues em todos os continentes 💜
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