Seis
EDUARDO
Depois de passar o sábado inteiro com um moleque que só sabe gastar energia para os esportes, comer (mais do que eu, mesmo que eu tenha achado que isso fosse impossível) ou arranjar alguma coisa para gastar a energia que eu não possuo mais, sinto-me quebrado. Acho que fiquei tanto tempo me dedicando aos videogames e computadores que acabei fiquei meio sedentário.
Mas valeu a pena cada minuto que passei com aquele moleque. Sempre vai valer a pena. Sinto muito orgulho em saber que ele está se tornando um cara muito legal.
Hoje, que já é domingo de manhã, acordei um pouco mais tarde e percebi que minha mãe não estava, fui ao quarto do Felipe e ele não está também. Encontro um café da manhã pronto para mim sobre a mesa da cozinha e um bilhete na porta da geladeira em que minha mãe escreveu que tinha ido fazer umas compras com o meu irmão. Engraçado que eu que ia com ela sempre que ela precisava fazer as compras aos domingos bem cedo, com certeza dona Carla já está colocando em prática o seu plano de me fazer entender que eles podem se virar sem mim.
É, mãe, você é mais esperta do que eu pensei.
Tomo o café rapidamente e corro para a rua com o meu notebook, o dia está bonito demais e ainda não são nem onze horas da manhã, talvez eu tenha alguma inspiração no roteiro para o game novo em que estou trabalhando. Já mexi em muitas coisas, mas preciso pensar no roteiro por completo para fazer um trabalho limpo e fluido, estou cansado de ter que consertar bugs porque não tive paciência de montar um roteiro completo e fiquei ansioso demais para criar logo o jogo, mesmo que por partes. Preciso agir como um profissional, é isso que se espera de alguém que pretende ser o melhor possível na própria área, certo?
E talvez esse estágio e a bolsa sejam um grande passo para isso, penso espontaneamente. Talvez seja mesmo, mas não é tão fácil simplesmente decidir que vou e pronto. Eu queria que fosse.
Ainda com esses pensamentos enchendo minha cabeça, caminho segurando o notebook em sua case e acabo parando em frente ao parque. Em frente à igreja dos pais da Sofia. Eu já vim aqui algumas vezes.
Sento-me no banco da praça e fico admirando a fachada da igreja que é tão bonita. Eu até que gosto daqui. Nunca fui muito de frequentar a igreja assiduamente, mas creio muito em Deus e sei que Ele faz coisas incríveis só porque pode fazer. Ele deu uma nova vida a Sofia, afinal. Minha avó frequenta essa mesma igreja desde que eu me entendo por gente, ela sempre tentava me levar quando eu estava na casa dela, mas nunca aceitei um convite. Até que teve o culto de ação de graças da Sofia e eu fui, o culto foi muito emocionante, principalmente ao ver meu amigo Ben superando o seu passado e lidando melhor com a morte do seu pai. Realmente a história desses dois é quase inacreditável de tão incrível.
Ainda me lembro daquele culto algumas vezes. Lembro-me da Sofia cantando e tocando piano. Lembro-me de todos os nossos amigos presentes e até mesmo de me surpreender com a Maria que sempre foi tão tímida cantando tão lindamente com o coral e para Sofia. Ela canta demais. Minha vó sempre dizia que eu devia cantar na igreja, mas eu não curto muito essas coisas. Eu gosto de cantar, é verdade, e sempre dizem que eu canto bem, mas daí a entrar no coral da igreja eu já acho demais.
Depois daquele culto, fui algumas vezes com o Ben enquanto ele ainda estava por aqui. Minha vó também ficou feliz quando eu a acompanhei pela primeira vez em um culto de domingo. Eu nunca vou esquecer a expressão no seu rosto quando apareci na sua casa – que não é muito distante da minha – e disse que iria acompanhá-la. Ela sorriu o sorriso mais lindo louvou ao Senhor. Vovó nunca deixou de me dizer que Deus tinha grandes planos para o meu futuro e, até hoje, eu não faço ideia do que isso quer dizer.
Talvez hoje seja um bom dia para fazer uma nova surpresa a ela e acompanhá-la ao culto.
Paro de olhar fixamente para a igreja e deixo as divagações de lado. Levanto do banco e vou mais para o lado onde ficam algumas mesas com banquinhos, sentei-me colocando o notebook ali. Analiso o que já tenho do jogo e começo a pensar no roteiro a longo prazo, o que não é nada fácil. Escrever nunca foi o meu forte.
O jogo que estou criando, basicamente fala de um soldado que deseja ser o dono do castelo de diamantes que pertence ao rei do vilarejo, não pela riqueza do castelo, mas para tentar livrar o povo do rei tirano. Para chegar até o castelo, ele recebe a ajuda dos moradores de lá, mas para isso, precisa ajudá-los em cada missão e, se obtiver êxito, recebe um diamante que torna possível a passagem para o castelo, pois ao juntar 15 diamantes, os mesmos o levarão para o castelo no qual foram originados com a proteção de um escudo impenetrável.
Eu sei que tem muita coisa para mexer ainda, principalmente nas fases em que o soldado precisa realizar as missões e nos vilões que ele enfrenta até chegar ao seu destino. Escolhi fazer um jogo em alta definição, então, preciso pensar em como fazer os personagens principais que são: o soldado, o réu tirano e a princesa que é sua filha, mas também sua prisioneira por querer ajudar o povo a se livrar da tirania do pai.
Não sei porquê estou cismado com esse tema, talvez tenha assistido Game of Thrones, O Senhor dos Anéis e filmes e séries demais sobre a era medieval, mas eu coloquei isso na cabeça e não vou conseguir tirar até tê-lo terminado.
Bom, eu só preciso me concentrar, pensar e escrever um belo roteiro para ir criando os cenários.
As férias vieram em boa hora, afinal.
MARIA
Perdi completamente a noção da hora enquanto estive orando na igreja. Já passa do meio-dia e meu rosto está completamente encharcado de lágrimas, mas precisava muito desse tempo com Deus. Sem interrupções das minhas colegas de quarto, sem horário para fazer algum trabalho, sem preocupação em ter que estudar para alguma prova, nada disso. Apenas Deus e eu, e mais ninguém.
Eu sei que o pastor Pedro e tia Angélica estão por aí resolvendo as várias coisas que eles fazem em um dia de domingo. Também sei que eles não vieram aqui justamente para me deixar à vontade e estou eternamente grata por isso, parece que tirei um peso enorme das minhas costas. Falar com Deus sempre faz minha alma ficar leve.
Depois de contar tudo para o meu Pai, deixo o salão da igreja com um sorriso enorme e vou em busca da tia Angélica, ela deve estar na sala onde se aplica a Escola Bíblica.
Achei-a com algumas partituras nas mãos, devia estar escolhendo os louvores para hoje, pois o ensaio começa às duas.
— Atrapalho? — pergunto depois que passo pela porta aberta. Angélica me presenteia com um sorriso e larga as partituras.
— Claro que não, meu amor. Está tudo bem?
— Está, sim. Só perdi a hora enquanto falava com Deus. Acho que tinha coisas demais para falar — sorrio um pouco sem graça, mas ela sorri junto comigo.
— Imagino que sim, sempre temos. E como está na nova cidade? Tem conseguido ir à igreja com frequência?
— Com frequência sim, graças a Deus. Só não tenho conseguido assumir as responsabilidades no qual estava acostumada. Sinto falta, mas não posso ser irresponsável e começar uma coisa sabendo que não poderei cumpri-la.
— Está certa, meu bem. Deus entende essa fase da sua vida e você sabe que tudo isso é da permissão dEle. Só não se afaste, tudo bem? Já vi muito isso acontecer.
— Não consigo nem pensar nessa possibilidade, tia Angélica. De verdade, não consigo me imaginar sem Deus.
— Fico muito feliz com isso, você é preciosa demais para Ele, acredite.
— Eu acredito, só espero que Ele cuide da minha família... — O sorriso desaparece do meu rosto. Do dela também.
— Ah, meu bem...
— Não, não estou murmurando. Sei que tudo que Ele faz tem um propósito, só estou preocupada com meu pai.
— Você quer conversar sobre isso? — pergunta, já ao meu lado, com as mão sobre meu ombro, pronta para me consolar.
Quero falar sobre isso. Quero muito poder desabafar sobre tudo isso, mas não sinto que seja a hora, mesmo que confie na tia Angélica, não sinto que ela seja a pessoa para que eu possa me derramar. Talvez se Sofia estivesse aqui, eu já teria me derramado há muito tempo...
— Obrigada, tia Angélica, mas não. Ainda não é o tempo de contar para alguém que não seja o Espírito Santo, você entende, não é?
— Claro que entendo, meu amor. Contudo, saiba que estarei sempre disponível para você.
— Eu sei, obrigada. Você sempre foi como uma mãe para mim — confesso emocionada.
— Ah, querida... — Angélica me puxa para um abraço apertado. — Você sabe que sempre foi como uma filha também. Desde que pus os olhos em você ao lado da minha Sofia, soube que você era a irmã que ela nunca teve e sempre quis.
Uma lágrima solitária cai dos meus olhos e a abraço mais forte. Sou muito abençoada. Sou verdadeiramente abençoada por tudo que tenho e creio que essa fase ruim vai passar, creio mesmo. Porque sei que, mesmo que não passe tão logo quanto imagino, Deus nunca nos desamparará. Ele nunca abandona um filho Seu.
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