Onze
EDUARDO
— Olha, Edu, espero que... Eu não sei como dizer...
— Maria, não se preocupe. Sério — gargalho ao notar seu pânico. — Vovó quer isso pra mim, não eu. Fica tranquila, somos amigos, bons amigos. E espero que continuemos a ser.
— Claro. — Ela diz rapidamente. — Claro que continuaremos a ser amigos, é só que, tem tanta coisa acontecendo em minha vida que pensar num relacionamento chega a ser uma piada. — Ela ri, mas o sorriso não chega aos olhos. — Não quero desrespeitar sua vó nem nada, se for o caso, nem vou amanhã e...
— Qual é, loirinha! É só a minha vó.
— Bom, não sei se você sabe, mas sua vó assusta, Eduardo. — Maria me olha com verdadeiro pavor no olhar e isso me faz rir, mas preciso admitir que, em seus 1,47 metros de altura, não existe uma pessoa que não faça o que ela quer.
— Olha, fica tranquila, vou dissuadir minha vó disso, tudo bem? Ela vai acabar desistindo alguma hora, somos amigos há tempo demais pra deixar algo assim estragar, beleza? — A dúvida permanece em seu olhar. — E ainda preciso de ajuda no jogo. Com o roteiro, lembra?
— É claro que vou te ajudar. — Maria fala rapidamente, a escola em que me formei no Ensino Médio já está em nosso campo de visão, a caminhada foi boa, nem vi o tempo passar. — Só não quero nada estranho, ok?
— Ei, você é imune a mim, lembra? Você sempre me dizia isso na escola. Não é porque minha vó vai tentar me enaltecer que vai funcionar com você, ou vai? — cutuco ela com implicância, mas consigo arrancar um sorriso.
— Claro que não! — diz com convicção, o que fere um pouco meu ego, devo confessar. — Você sempre será o Dudu palhaço pra mim. — Ela pisca e se encaminha para o portão pelo qual eu costumava passar de nas manhãs de aula.
Sorrio mediante ao que ela diz, mas um comichão começa a me incomodar, afinal, não sou aquele "Dudu palhaço" que ela costumava viver, e lembrar dos meus demônios internos só faz com que eu tenha mais raiva ainda daquele que os libertou. Aperto minhas mãos com força e trinco os dentes, até que Maria olha pra mim outra vez e tento me controlar.
— Obrigada pela companhia, até amanhã. Por favor, sem gracinhas. — Ela pisca pra mim e isso me faz relaxar.
— Pode deixar, vou tentar colocar uma focinheira na minha vó. — Isso a faz gargalhar enquanto adentra o terreno escolar e segue para o beco onde dá caminho pra sua casa.
Sua gargalhada ainda parece ecoar pelos meus ouvidos, ao ponto de me fazer relaxar o aperto nas mãos, em que, sem perceber, acabei ferindo com minhas unhas. Respiro fundo e faço o caminho até em casa. Exorcizar esses demônios não será fácil, mas é bom saber que me lembrar do Eduardo que eu costumava ser tem o poder de ao menos controlá-los no inferno que existe dentro de mim.
🌻🌻🌻
Felipe me encheu o saco para que o trouxesse para a casa da vovó, ele, assim como eu, é apaixonado pelo tempero da senhora que foi uma parte bem ativa em nossa criação. Na verdade, concordei em trazê-lo já pensando também que isso podia diminuir as desconfianças da Maria sobre os planos da dona Madalena sobre nós.
Nós. É até engraçado pensar nessa palavra se tratando da Maria e eu. Somos tão diferentes de certa forma, não consigo me imaginar com alguém como ela, tão certinha e equilibrada. Acho que minha loucura a afugentaria antes de haver qualquer possibilidade de um "nós", por isso entendo bem suas ressalvas sobre encarar minha vó e seus planejamentos.
— Claro que estou feliz que tenha vindo, querido. — Vovó está tentando "se justificar" desde que fez uma careta ao ver Felipe comigo quando abriu a porta.
— Sempre soube que Eduardo era seu preferido, mas também não tinha sido tão explícita assim, dona Madalena. — Meu irmão está fazendo doce desde então, mesmo depois de todas as tentativas da minha vó de se explicar. Esse menino é dramático demais, e isso está hilário!
— Felipe, pelo amor do meu Cristo! — Minha vó está andando pra cima e pra baixo na cozinha, e meu irmão está se aproveitando da situação para beliscar todas as coisas possíveis. — Você ainda é muito novo para que eu tenha que me preocupar com seu casamento. Meu foco agora é realmente seu irmão, mas só porque eu quero bisnetos. Você quer me dar bisnetos? — Vovó toca na ferida.
Meu irmão faz uma careta, balança a cabeça freneticamente e salta da bancada em que estava sentado. Parece que isso foi justificativa o suficiente para ele.
— Você lutou bem, soldado ferido — pisco pro minimim.
E então a campainha toca.
— Aproveita que está com esse sorriso no rosto e abra a porta para a Maria, querido. — Vovó já começa seu jogo bem elaborado. — E você, Lipinho, venha me ajudar a triturar esses biscoitos para a torta.
— Mas eu quero cumprimentar a Maria...
— Depois. Deixe que seu irmão vá recepcioná-la. Vá, Dudu, anda!
Saio da cozinha rindo. Dona Madalena não tem jeito mesmo, se ela ao menos soubesse o quanto seu plano é improvável de dar certo, talvez não se esforçasse tanto. Contudo, confesso que me divirto com suas tentativas estapafúrdias...
— Oi... — Maria cumprimenta um pouco receosa. — Cheguei cedo?
— Ah, não! Minha vó até sentiu seu cheiro antes de você chegar — faço piada, mas acho que só consigo trazer mais tensão, não aliviar, pois seus olhos estão arregalados. Eu, por outro lado, gargalho. — Má, relaxa, estou brincando. Aliás, trouxe meu irmãozinho pra desarmá-la um pouco. — Isso parece gerar outro sentimento nela.
— Felipe está aqui? Nossa, ele deve estar enorme! — Agora seus olhos cor de mel possuem um brilho diferente.
É curioso, pois meu irmão nutria uma paixão infantil por ela e sempre ficava bem tímido ao seu lado. Quando ele encontrava toda a galera, ficava mais comigo e com os garotos, o menino de 10/11 anos se sentia muito intimidado com tantas meninas bonitas, mas em casa dizia que um dia se casaria com a Maria, engraçado que dizia que nem se importava com o aparelho ou com o fato de ela ser uma nerd, só queria se casar com a menina mais bonita das minhas amigas. Quer dizer, isso até que ele conheceu o furacão Isa, aí ele se apaixonou por ela também, mas nutria uma espécie de amor e medo, no final, dizia que Maria era a que queria se casar mesmo.
Maria, o doce de pessoa que sempre foi, o tratava como o mascotinho do grupo sempre que ele estava presente, isso até o idiota do Henrique começar com suas cagadas colossais, pois aí Felipe ficou tão triste com toda a situação que nem ao menos ficar com meus amigos queria mais, ainda mais sem o Ben e com todos nós nós preparando para engatar na "vida de adulto". E ela sempre perguntava por ele, como se sentisse que algo estava errado. Eu sempre tinha uma desculpa ou uma piada diferente sobre o assunto.
É, acho que tornei excelente em esconder minhas emoções ou maquia-las com os sorrisos e risadas que dava, era tão bom que minhas feridas se tornaram invisíveis.
MARIA
Ok, saber que dona Madalena planeja me juntar com Edu me deixou um pouco preocupada. Bom, talvez mais que "um pouco", mas isso não deve ser sério, né?
Senhor, espero que não seja sério. Por favor, que não seja sério.
Conheço o Eduardo há muito tempo, tempo demais. Ele é ótimo, com certeza, mas também não tem noção do que significa um relacionamento sério. Ainda não conheci uma garota com quem ele tenha namorado mais de 3 meses. Bom, só se foi nesse período em que não nos vemos, mas mesmo assim, pensar nisso me dá até vontade de rir. Somos amigos, bons amigos com um bom grupo de amigos. Quando ele teve um pequeno trelelê com Rebeca já foi bem estranho, principalmente pelo fato do Thiago ser apaixonado por ela e todo mundo saber disso. Bom, só espero que dona Madalena perceba que somos realmente bons amigos e deixe seus planos de lado...
Depois que Edu e eu nos cumprimentamos na porta, ele me convidou para entrar e me guiou até a cozinha, onde uma senhorinha muito agitada estava de um lado para o outro enquanto um rapaz — uma versão menor do Eduardo e maior do garotinho que conheci — está com uma careta que parece ser de indignação, mas concentrado na tarefa de triturar biscoito, e é só pôr meus olhos sobre suas mãos que me preocupo com seus dedos.
— Ah, Dudu! Era pra você fazer sala pra nossa visita, querido. Está uma bagunça aqui.
Sua fala me faz rir em vários níveis diferentes, pois além de não haver bagunça nenhuma e a cozinha estar impecável a não ser pelos utensílios que estão sendo usados no momento, é também muito claro seu esforço de me juntar com seu neto. É terrível, é verdade, mas não deixa de ser cômico.
Entrementes, a careta de Felipe se suavizam e ele passa a ignorar sua função para me oferecer um belo sorriso. Ele é tão parecido com Edu que chega a ser surpreendente. Ambos são altos, apesar de Eduardo ser maior, Felipe está quase do seu tamanho, ele cresceu bastante nesse período de tempo. Os olhos azuis de ambos são de um azul intenso, como um céu límpido, sem nuvens, e isso com certeza é herança da senhorinha que no momento me encara como se eu fosse um objeto em promoção na vitrine da vida de seu neto. Misericórdia.
— Vovó, a senhora poderia se esquecer por um tempo de quem é e desse plano maluco só pra gente comer em paz e Maria conseguir me ajudar sem ficar pensando o tempo todo em qual será seu próximo passo? — Edu fala diretamente com sua vó, o que deixa minhas bochechas queimando.
— Edu! — repreendo-o.
— Oi, Maria. — Felipe me cumprimenta, o sorriso permanece em seu rosto e ele parece enfrentar um período de timidez e coragem, tudo ao mesmo tempo. Os hormônios da adolescência parecem se aflorarem todos nesse exato momento.
— Oi, Lipinho — sorrio ao chamá-lo como chamava em seus 10/11 anos. Isso faz com que a careta volte ao seu rosto.
— Dudu, não seja um sem noção, querido! O que Maria vai pensar desse jeito? — Dona Madalena repreende o neto mais velho.
— Vovó, Maria me conhece há tempo suficiente para não se surpreender com o que sai da minha boca. — Isso me faz rir. — Aliás, essa mulher aqui é areia demais pro meu caminhãozinho, então não precisa se iludir quanto a um romance entre nós dois. — Meu riso se desfaz e sinto o sangue todo nas bochechas outra vez.
— Isso é verdade. — Felipe concorda e ri.
— Ora, que é isso?! — Dona Madalena para com as mãos na cintura e a testa franzida, pronta para a bronca. — Claro que não é areia demais! Não que você não seja maravilhosa, minha filha, você — ela direciona essa fala pra mim, mas logo se volta para o neto outra vez —, mas eu sirvo a um Deus que faz tudo perfeito. Ele nunca faria um caminhão que não suportasse a areia que Ele fosse enviar. Nunca se esqueça de que quando se trata do amor "em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos", já falei com você sobre isso, leia sempre I Coríntios 13, querido, e espere chegar o que é perfeito para que aniquile o que é imperfeito.
Depois dessas palavras, nem Edu nem eu tivemos qualquer argumento, na verdade, tudo o que se ouvia na cozinha era a risada abafada de Felipe.
🌻🌻🌻
Um tempo depois, ainda meio aturdida, fomos para a mesa que ficava na sala de estar/jantar, ao lado da cozinha. Fui surpreendida com nhoque de mandioca com carne seca, uma receita que já estava doida para aprender. E dona Madalena se prontificou em me mostrar o passo a passo em outro dia em que eu fosse visitá-la, e claro, disse que era pro Edu ir também porque ele é apaixonado por massas em geral. Depois disso, Felipe passou um tempo falando sobre o Edu ser sempre o preferido e sobre como ela não tinha vergonha de deixar isso claro, dona Madalena, é claro, engatou na discussão com ele e Edu e eu ficamos rindo, vendo tudo.
— E ai, foi tão ruim quanto pensou? — Meu amigo me pergunta de repente enquanto avó e neto discutem sobre preferência.
— Não era como se esperasse que fosse totalmente ruim, você sabe. Eu só...
— Eu sei. — Ele não me deixou terminar, e sabia que realmente sabia. Ele entendia. — Fica tranquila, Má. Minha vó é um cão que ladra, mas não morde.
Sua fala quase me faz engasgar com o suco que estava bebendo. Começo a rir freneticamente, o que atrai a atenção a senhora e do adolescente.
— Lipe, querido, por que não pega a torta na cozinha? Já deve ter esfriado. — Dona Madá pede ao mais novo, o que só o faz bufar e reclamar ainda mais sobre Edu não precisar fazer nada, já que é o preferido. — Espero que goste de torta de limão, querida.
— Maria gosta de quase tudo que seja de limão, vó. — Eduardo fala de repente e me surpreendo que ele se lembre disso, afinal, falei sobre isso poucas vezes na escola já que quase nunca comíamos nada de limão.
— Hum, é mesmo? — Dona Madalena olha para seu neto com o interesse ainda mais renovado, mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, Felipe volta da cozinha sem a torta e diz pra vó que não conseguiu desenformar, então a mesma se levanta e vai auxiliar ao neto.
— Então... — Eduardo fala de repente. — Tudo bem mesmo me ajudar com meu jogo?
— Claro! Você já fez muita coisa?
— Mais ou menos. Sou péssimo em construir um roteiro escrito, sabe? Tenho muita dificuldade de arrumar meus pensamentos e transformar em algo legível. — Ele faz uma careta e me lembro de suas notas medianas em redação. Já corrigi alguns de seus textos e não eram ruins, apenas um pouco incoerentes quanto à estrutura, de fato.
— Você só precisa me dizer o que quer e me encarrego de tentar organizar esses seus pensamentos bagunçados — bagunço seu cabelo, está um pouco mais curto que era na época do colégio, mas ainda é macio e bem liso com o preto intenso, um grande contraste com seus olhos.
— Você faz mágica, eu sei. — Edu sorri e somos surpreendidos com um suspiro de dona Madalena.
Eu realmente preciso tomar cuidado com meus gestos enquanto estou perto dela.
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