CAPÍTULO XXVIII
Manuela sentiu a bile subir a garganta, os olhos ardendo enquanto as lágrimas escorriam incontrolavelmente por seu rosto, correu até onde Leon estava, porém antes de alcança-lo foi detida por uma espécie de véu, uma barreira transparente que permitia que visse tudo que estava acontecendo do outro lado, mas impedia sua passagem.
As seis pessoas sentadas nas cadeiras se ergueram, cinco delas deixaram a sala, uma figura, porém ficou para trás, uma mulher de frios olhos azuis que estudou Leon por um longo momento antes de caminhar até ele, seu longo vestido preto arrastava pelo piso de mármore como se fosse uma calda, seu andar lembrava o de uma pantera, elegante, mortal, sua expressão vazia em nada demonstrava seus pensamentos ou seus propósitos, mais ainda assim era possível notar a satisfação que sentia por vê-lo naquela situação.
Parou diante dele segurando seu rosto com uma de suas mãos de dedos longos e unhas bem feitas avaliando-o, a face era a única parte do corpo masculino em que deixaram pele, seu cabelo e rosto estavam encharcados de suor e respingos de sangue, mas ela não se importou, colou seu rosto ao dele e sussurrou algo em seu ouvido que o fez se empertigar e sussurrar algo furiosamente de volta.
O carrasco os olhou chocado evidenciando que havia entendido a troca de palavras, a mulher apenas sorriu e fincou cruelmente uma de suas unhas na carne exposta do peito de Leon arrancando um pequeno naco do músculo fazendo o corpo forte estremecer. O choro de Manuela tornou-se mais intenso, sem perceber pôs-se a esmurrar o véu tentando a todo custo atravessar, tinha que ajuda-lo! Quanto mais batia mais forte e espessa a barreira ficava, sua transparência adquirindo um tom leitoso que se tornava mais intenso a cada instante, em segundos já não conseguia mais ver o outro lado o que aumentou seu desespero.
- Manuela o que há? - A voz masculina vinha de longe, como de um túnel, enquanto tentava derrubar a barreira a pancadas. - Manuela... Manuela... Pedacinho de céu!
Manuela sentiu um forte impacto no peito como se tivesse batido em um veículo em alta velocidade, o ar escapou de seus pulmões, era como se sua alma houvesse acabado de voltar para o seu corpo, gemeu enquanto piscava incontrolavelmente ao se ver nos braços de Leon que a encarava preocupado, a apreensão contorcendo seu rosto bonito, o olhou confusa, seus olhos percorrendo afobada toda a extensão do corpo dele, percebendo aliviada que ele estava perfeito, o peito sem camisa devidamente coberto pela pele firme e macia, o abraçou com força, escondendo seu rosto molhado de lágrimas no peito largo, sentia que estava tremendo como uma folha ao vento, mas não conseguia se impedir de tremer.
- O que houve? - Perguntou ele angustiado. - Por que está chorando Manuela? O que você tem?
Ela queria falar, mas só conseguia soluçar em seus braços, a imagem dele sendo literalmente esfolando vivo estava fixa em sua mente, torturando-a ao testemunhar mentalmente o sofrimento que ele tivera que passar.
- Por favor, Pedacinho de céu... - Pediu aflito. - Me diz o que está acontecendo.
- Só me abraça. - Rogou abraçando-o ainda mais.
Leon a atendeu, a abraçava enquanto acariciava-lhe os cabelos e murmurava palavras de consolo, pegou-a no colo e os tele transportou de volta ao quarto, deitou-a na cama deitando-se ao seu lado e a puxou para o seu peito secando-lhe as lágrimas com carinho. Ficaram em silêncio por um longo tempo, o único som no quarto vindo dos soluços angustiados de Manuela.
- Por que eles fizeram isso com você? - Perguntou com voz trêmula.
- Isso o que? - Indagou ele atônito.
- Por que arrancaram a sua pele? - Sua voz saiu engasgada pelo choro.
- Como você sabe disso? - Inquiriu assombrado.
Ninguém sabia qual fora o seu castigo por quebrar as regras ao aceitar o acordo que fizera com Manuela, nem mesmo Chris tinha a real noção de sua punição, uma vez que apenas ele e os membros do conselho haviam permanecido na sala após seu julgamento, como ela poderia saber?
- Eu vi. - Murmurou encarando-o compadecida por seu sofrimento.
- Você viu? - Franziu o cenho confuso. - Quando?
- Agora. - Era possível ver que ela também não entendia como tal coisa tinha acontecido. - Eu estava olhando para você e então de repente eu estava naquela sala... Vendo aquele homem... Como ele pôde fazer aquilo com você? - Questionou revoltada, os olhos cintilantes pelos resquícios de lágrimas e fúria. - Por que ele estava te machucando? E aquelas pessoas como puderam ficar assistindo enquanto ele literalmente arrancava a sua pele? - Sentou-se na cama e o encarou indignada. - E aquela bruxa maldita achando pouco, ainda foi lá tirar pedaços de você!
- Como sabe disso Manuela? - A fitou sério, sua mente rodopiando em busca de uma explicação para que ela tivesse conhecimento de todos aqueles detalhes.
- Já disse a você, eu vi!
- Aquilo aconteceu já faz um tempo. - Contou encarando-a pensativo. - Isso não faz sentido...
- Quem eram aquelas pessoas e por que estavam machucando você?
- Aquele é o Conselho dos Sete. - Esclareceu ainda assombrado ao se dar conta de que ela teve acesso a uma lembrança sua. - E aquela foi a minha punição.
- Pelo que? - Não conseguia imaginar uma transgressão tão grave que exigisse tal castigo.
- Por interferir na vida humana. - Sussurrou ainda perdido nas implicações de tamanha ligação entre os dois.
- Como?
Pensou em inventar uma desculpa qualquer, até mesmo em desconversar, afinal podia perceber o quanto aquela descoberta havia mexido com ela, certamente a arrasaria saber que a razão de sua punição havia sido o acordo que fizeram, no entanto havia prometido que sempre seria sincero e não voltaria atrás em sua promessa.
- Por trazer você e a sua família do mundo dos mortos. - A exclamação de choque o fez parar o que estava dizendo, viu-a lutar bravamente contra as lágrimas que voltavam a se acumular em seus olhos enquanto esses se entristeciam.
- Então foi por minha culpa? - A expressão de angustia e arrependimento o assombraria por dias.
- Não. - Apressou-se em negar abraçando-a e afagando-lhe os cabelos. - Nada foi sua culpa.
- Como pode dizer isso? - Sua voz estava embargada. - Você sofreu toda aquela tortura porque me trouxe de volta, porque ajudou a mim e a minha família. - Ela o encarou, seu rosto a imagem da aflição. - Eu sinto muito Leon... Não podia imaginar... Perdoe-me, por favor.
- Não há o que perdoar, eu sabia o que estava fazendo, tinha consciência do que seria cobrado.
- Por isso você relutou tanto em aceitar. - Murmurou consternada.
- Não foi essa a razão. - Contradisse. - Não há punição que me impeça de te ajudar. - Afirmou afagando-lhe o rosto e secando uma lágrima traiçoeira que deslizara pelas bochechas coradas. - Minha relutância se devia ao fato de que para mantê-la em segurança e a sua família depois de impedi-los de fazer a travessia eu teria que me ligar irremediavelmente a você, só assim conseguiria fazê-los sumir do radar dos carregadores de almas, do anjo da morte e o mais importante, tornaria você invisível para os Perdidos.
- E como você fez isso?
- Através do ritual, quando o fizemos uma parte da minha alma se juntou a sua e assim como eu consigo ficar invisível para os parasitas espirituais, consegui deixar você e sua família por meio de seus laços sanguíneos invisíveis para eles também.
- Então foi por isso que se casou comigo? - Indagou mordendo os lábios para se impedir de voltar a chorar.
Agora tudo fazia sentido, pensou Manuela sentando-se na borda da cama e escondendo o rosto entre as mãos, o estranho ritual, a insistência dele em que ficassem juntos, as peças soltas daquele misterioso quebra cabeça estavam começando a se juntar e a lhe dar uma perspectiva diferente do que motivara Leon a ter aquelas atitudes, ainda não entendia, porém a razão dele ter arriscado tanto só para ajuda-la.
- Não foi apenas por isso. - O ouviu dizer as suas costas. - Sabe que quero você...
- Isso é desejo, ninguém se casa por desejo Leon. - Repreendeu fitando-o, quando seus olhos cruzaram com os dele seu coração se encheu de ternura, sua mão buscou automaticamente o rosto dele acariciando-o.
Sempre acreditara que ele era movido pela arrogância e por tantos outros sentimentos egoístas, mas agora que sabia um pouco mais do que o levara a fazer o ritual, entendia que de fato, de uma maneira pouco ortodoxa e muitas vezes invasiva ele só queria protegê-la.
- Eu sinto tanto que tenha sofrido tudo aquilo por minha causa, se eu soubesse... Se tivesse sequer a ideia...
- Já passou Pedacinho de céu. - A mão grande cobriu a dela que acariciava seu rosto, levando a palma até seus lábios, onde depositou um beijo. - Foi há muito tempo e já não importa...
- Importa sim! - Exasperou-se. - Esses membros do Conselho dos Sete são uns bárbaros, estavam se divertindo com a sua dor!
- Já passou. - Repetiu puxando-a para os seus braços. - Gostaria muito que você não tivesse visto isso, na verdade você não deveria ter visto.
- Eu vi, não sei como... Mas eu vi!
Leon tinha quase certeza de que ela tivera acesso a uma lembrança sua era a única explicação que lhe ocorria para ela ter visto um acontecimento passado a mais de vinte anos, o assustava que ela conseguisse tal feito, pois havia muitos fatos de seu passado que deseja manter escondidos no mais profundo de seu inconsciente pela vergonha e dor que lhe causavam, não queria outra pessoa invadindo suas memórias mesmo que essa pessoa fosse Manuela, tinha que descobrir como ela havia feito isso para que pudesse impedir que tal fato se repetisse, sabia que havia sido algo espontâneo que a pegara de surpresa tanto quanto a ele, talvez até mais, porém para preservar sua intimidade e a relação entre os dois, o melhor era que suas lembranças continuassem a ser território inexplorado e desconhecido.
- Como o Conselho soube o que você fez? - A pergunta dela o arrancou de suas conjecturas.
- Os carregadores de alma prestaram queixa ao anjo da morte que reportou o ocorrido ao Conselho, como punição pela minha desobediência eu sofri aquele castigo.
Não disse a ela que aquele foi o seu castigo durante sete anos, sempre que sua pele nascia ela era arrancada de novo e de novo, para lembra-lo de que mesmo sendo um desgarrado, ainda vivia sob o julgo do conselho.
O Interrogaram tentando saber a razão de seus atos, mas se negou a falar, por isso sua pena foi prolongada, pela desobediência e afronta. Apenas a pele de seu rosto não foi tirada, para ressaltar que já havia tido honra e valor diante dos celestiais, mas agora era indigno.
- O que são os carregadores de alma?
- É a luz no fim do túnel que algumas pessoas afirmam ver quando estão em estado de quase morte. - Seus lábios se torceram em um sorriso irônico. - Eles são ajudantes.
- De quem?
- Do anjo da morte. - Explicou. - Têm como responsabilidade ajudar as almas que acabaram de deixar os corpos a fazer a travessia e irem ao encontro de seu mestre para que elas possam ser encaminhadas ao seu lugar de descanso.
- Então é verdade que as pessoas quando morrem ficam dormindo eternamente - Afirmou pensativa.
Leon sorriu com um ar de quem tem um conhecimento precioso, mas não estava disposto a compartilhar.
- Um dia te conto sobre isso. - Prometeu. - Já tivemos muitas emoções fortes por hoje, por que não se deita ao meu lado e me deixa te botar para dormir? - Seus olhos tinham um brilho travesso de quem queria fazer qualquer coisa, menos dormir.
- Tem certeza que é isso que você está pensando em fazer? - O encarou em dúvida.
- Eu posso tentar. - Disse puxando-a para os seus braços quando ela se deitou ao seu lado. - Caso você demore a dormir, posso te deixar bem... Cansada e relaxada. - Sussurrou em seu ouvido de maneira insinuante.
Manuela suspirou quando sentiu o braço forte circundar sua cintura e o calor gostoso do corpo dele envolver o seu ao apoiar suas costas no amplo peito.
- Você deveria me odiar. - Murmurou ela, o sentindo ficar tenso as suas costas.
- O que?
- Eu só te fiz mal, desde que entrei na sua vida só te causei problemas...
Depois de ver o que ele passara por tê-la ajudado aquela ideia ficara girando em sua cabeça a fazendo se sentir péssima.
- De onde tirou isso? - Segurou em seu rosto fazendo-a encara-lo. - Você foi a melhor coisa que me aconteceu.
- Não diz isso... Depois do que eu vi sei que não é verdade.
- Eu estou na Terra a milhares de anos Manuela. - Puxou-a de encontro ao seu corpo estreitando o abraço. - Já fui punido muitas vezes, das mais variadas formas e em nenhuma delas meu motivo foi mais válido.
- Juro que eu...
- Shiii! - Sussurrou colocando o indicador sobre os lábios rosados silenciando-a. - Nada do que eu fizer por você ou para você será um sacrifício, eu sabia o que estava fazendo, que seria punido por isso e não me arrependo, por favor, não lamente, foi minha escolha atender ao seu pedido, não há culpados.
- Se eles fizeram aquilo com você por me ajudar, o que vão fazer quando souberem do nosso casamento? - Questionou angustiada, sentindo o medo apertar suas vísceras.
- Eles já sabem.
- O que? - Se debateu nos braços dele tentando se erguer. - Ó meu Deus! Como você sabe que eles sabem?
- Se acalme mulher! - Pediu quando ela quase caiu da cama ao tentar se levantar. - Não quero que se machuque.
- Está preocupado comigo quando você pode sofrer uma punição terrível a qualquer momento? - Indagou nervosa. - Talvez, até matem você! - Bradou agitada. - Quem contou para eles?
- Nos tornamos uma só carne, esse foi um evento de proporções celestiais. - Levantou da cama e apanhou um copo com água que entregou para ela, quando a viu beber alguns goles falou. - Eles já sabem lá em cima e vão passar a informação para o conselho logo.
- Está brincando, não é?
- Não. - Leon passou a mão pela nuca fitando-a desconcertado. - Isso é sério.
- Está me dizendo que os anjos e arcanjos ficaram nos assistindo fazer sexo? - Sua voz traduzia seu choque e repulsa diante da possibilidade. - Estamos em uma espécie de reality show pornográfico celeste?
- Eles não precisam ver o ato para saber o que aconteceu. - Apressou-se em esclarecer. - Quando nós tornamos uma só carne houve uma vibração mística que foi sentida nos céus atestando a conclusão do ritual, por isso agora eles sabem.
- Se não tivéssemos feito sexo eles não saberiam?
- Não, porque o ritual não teria sido concluído. - Falou sentando-se ao lado dela na cama. - Nesse caso não haveria o que saber.
Manuela ficou olhando para o chão sem nada ver por alguns instantes, sua mente trabalhando furiosamente para processar as informações, uma parte sua desejava não ter cedido aos encantos de Leon, assim preservaria a saúde física e talvez até a vida dele, agora ciente do quanto ele fizera por ela se via na obrigação de retribuir pelo menos parte de todo o auxílio que recebera, a melhor maneira de fazer isso seria saindo da vida dele, de fato nem deveria ter entrado, assim ele não teria sofrido tanto, estremeceu ao ser atingida pela imagem mental de Leon sendo esfolado, mas havia outra parte que não conseguia sequer cogitar essa ideia, não admitia em hipótese alguma abrir mão do prazer experimentado nos braços desse eterno, muito menos da cumplicidade que se desenvolvia a passos largos entre eles.
- Deveria ter impedido esse desastre. - Declarou encarando-o.
- Por desastre você quer dizer termos feito amor? - Perguntou com voz enganosamente suave.
- Você sabia as consequências, por que insistiu nisso? - Os olhos negros estavam tristes ao concluir. - Não há prazer no mundo que valha uma vida.
- Pois digo a você que é exatamente o contrário. - Rebateu fitando-a com olhos cintilantes de paixão. - De nada vale a eternidade sem prazer. - Levou os dedos até os lábios rosados acariciando-os delicadamente. - Não sei qual será o castigo por essa transgressão e não me importa, porque nunca vou me arrepender de ter feito você minha mulher!
Boa tarde queridos (as)!
Me façam um favor? Me digam o que acharam desse capítulo e façam aquela bonita estrela brilhar, conto com o carinho de vocês para acende-la. Muito obrigada por acompanharem a minha obra, logo estarei postando mais capítulos.
Tenham uma ótima leitura!
Beijitos!
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