CAPÍTULO XXVI
- O que foi? – Perguntou Leon preocupado ao ver-lhe a expressão grave.
Manuela deu a volta na cama e parou ao seu lado, seus dedos refazendo o contorno do desenho enquanto sussurrava.
- É igual a minha.
- Na verdade a sua é igual a minha, já que eu ganhei a marca primeiro. – Corrigiu permanecendo deitado enquanto ela continuava a percorrer o desenho com o dedo.
- O que significa? – Essa era outra pergunta que sempre ficara rondando sua mente junto a tantas outras diante das coisas sem explicação que ele fazia.
- É o símbolo da minha danação. – Contou olhando para a imagem gravada no próprio corpo. – É o que faz de mim um Eterno.
- O que você quer dizer com danação? – Esperava que não fosse o sentido literal da palavra.
Leon suspirou e se ergueu da cama, pegou a calça que estava jogada no chão e a vestiu, aquela seria uma conversa longa que remexeria em feridas antigas que por mais que ele dissesse a si mesmo que já estavam cicatrizadas, sabia bem que era mentira.
- Não pertencer a lugar algum, não ser ninguém além de uma sombra vagando pelo mundo, sem destino, sem propósito, implorando por um perdão que nunca vou ter. – Falou triste colocando as mãos no bolso e olhando distraído para a paisagem noturna que se descortinava pela grande parede de vidro.
- Está falando do perdão de Deus? – Sussurrou parando ao seu lado.
- Ele não tem razão para me perdoar porque em seu amor ele nunca me condenou. – Declarou tirando uma das mãos do bolso e segurando a dela. – Deus não me castigou, tão pouco me baniu, eu fiz isso ao desobedecer aos seus mandamentos, ao quebrar as regras e querer ter algo que os celestiais não possuem.
- E o que é?
Não conseguia imaginar algo tão importante a ponto de um arcanjo arriscar perder sua posição e ser banido do céu por isso.
Leon ficou calado por um longo instante considerando se deveriam continuar aquela conversa, entendia a curiosidade dela, a necessidade de conhecer mais esse mundo até então inexistente e que lhe era desconhecido de todas as formas, mas aquela não era uma história bonita, feita para ser contada logo após um interlúdio amoroso, ela era forte, tensa, triste, amarga até e precisava de um momento propício para ser trazida à luz.
- Um outro dia falaremos sobre isso. – Determinou acariciando-lhe o dorso da mão e guiando-a até a mesa onde os alimentos aguardavam.
- Por que? – Indagou contrariada, sentando-se na cadeira que ele puxou para ela. – Acha que não sou capaz de saber a verdade? Você prometeu que me contaria tudo, esqueceu?
- A falta de preparo para esse assunto não reside em você e sim em mim. – Admitiu sentando-se a frente dela. – Acredito em seu potencial, mas esse é um assunto indigesto que não deve ser discutido na hora da refeição.
- Essa é mais uma daquelas coisas que você ficou de me contar e até agora nada. – Resmungou observando-o distribuir sobre a mesa os recipientes com a imensa quantidade de comida que trouxe.
- Até cinco horas atrás mal nos víamos, sequer nos dirigíamos a palavra sem que isso causasse uma guerra. – Lembrou enchendo um copo com suco de laranja e entregando a ela. – Como eu poderia ter falado qualquer coisa?
- Mas agora pode falar e não quer! – Teimou encarando-o com evidente irritação. – Não quero que jogue nada para de baixo do tapete, muito menos coisas que amanhã ou depois eu venha a descobrir por outras fontes que não seja você, então porque não me conta logo de uma vez a razão da sua queda?
- Por que ainda não estou pronto. – Reconheceu enquanto olhava para algum ponto acima da cabeça dela. – É fácil e prazeroso falarmos das nossas vitórias, nos enche de orgulho compartilhar as nossas conquistas, o mesmo não acontece quando temos que expor nossas derrotas, nossas vergonhas.
- Você não confia em mim? – Indagou baixinho percebendo que ele evitava olha-la. – Não vou julga-lo. – Garantiu com voz suave.
- Eu me julgo todos os dias e garanto que nenhum juiz ou júri é mais implacável comigo que eu. – Respondeu encarando-a sua expressão extremamente séria ao continuar. – Não haverá segredos entre nós, tão pouco mentiras, nossa relação não terá alicerces tão podres, só preciso que me dê o tempo necessário para ser capaz de compartilhar essa história e se não o faço agora não é por não confiar em você, mas por não confiar em mim.
- Não sei se entendi. – Admitiu. – Por que não confiaria em si mesmo? – Ele se remexeu na cadeira, seus lábios apertados em uma linha fina, era evidente que ele gostaria de estar falando de qualquer coisa menos daquilo, vê-lo tão desconfortável a fez desistir momentaneamente daquele tópico. – Pelo menos vai me contar o que é marca, o que ela faz e porque a minha é igual a sua?
Leon ficou calado observando-a com o copo de suco na mão sem ter ainda tomado uma gota, achou melhor convence-la a se alimentar primeiro antes de continuar aquela conversa, ainda que agora o diálogo versasse sobre outro assunto o qual ele falava com tranquilidade era melhor faze-lo depois da refeição.
- Se alimente primeiro e depois continuamos esse assunto.
- Não estou com fome. – O olhar de descrença que recebeu dele a fez fungar e começar a beber o suco em longos goles, alternava o suco com o sanduiche que ele colocou em sua frente e que devorou em poucas mordidas. – Satisfeito? – Murmurou depois de ter limpado o prato.
Ele sorriu, se levantou e estendeu a mão para ela, Manuela deu a volta na mesa e quando segurou a mão dele sentiu como se uma pequena descarga elétrica a percorresse em uma fração de segundos, quando deu por si já não estavam mais no quarto dele, mas em um grande espaço coberto tendo no centro uma piscina imensa cujas águas em um maravilhoso tão azulado pareciam chama-la.
- Como chegamos aqui? – Questionou olhando-o abismada.
- Tele transporte. – Respondeu guiando-a até a borda da piscina onde ambos se sentaram colocando apenas os pés na água.
- Você nos tele transportou para cá? – Sentou-se um pouco de lado para poder olha-lo enquanto conversavam.
- Sim. – Confirmou balançando os pés nas águas em movimentos suaves que fizeram com que elas se agitassem formando ondas que os atingia nos tornozelos e canelas suavemente, enquanto cobriam e descobriam seus pés.
- Você controla os elementos, faz tele transporte... – Começou a citar. – E o que mais? Voa? – Brincou dando-lhe um leve empurrão com os ombros.
- Tenho asas, então... – Sorriu colocando as mãos no chão e se reclinando.
- Tá de brincadeira? – Questionou incrédula, ele apenas confirmou com um movimento de cabeça. – Então para que o avião?
- Estou entre humanos a milênios e uma das coisas que aprendi duramente com o passar do tempo é que as diferenças não são bem vindas. – Esclareceu. – Aquilo que não pode ser explicado pela ciência ou pela religião ainda é tratado como bruxaria.
Manuela permaneceu calada, mas o cenho franzido deixava claro sua incompreensão instigando-o a continuar sua explicação.
- No início dos tempos quando até mesmo a ciência não fazia sentido para os homens eles a temiam, o sobrenatural sempre foi encarado com fascínio enquanto era tido como apenas uma lenda para assustar crianças e iludir donzelas indefesas. – Sorriu suavemente como se a ingenuidade humana o divertisse. – Quando veem a verdade ficam aterrorizados e querem imediatamente destruir o desconhecido antes de serem destruídos por ele, na era medieval afogavam e queimavam as mulheres com habilidades sobrenaturais. – Falou como se tivesse testemunhado tais acontecimentos, a expressão pesarosa ao fitar as águas da piscina. – Quando na verdade o único poder que elas tinham era o de saber usar folhas e raízes para curar. – Suspirou. – Agora a ciência é a nova inquisição, o que lhe é estranho torna-se imediatamente material de estudo e pesquisa, dissecando tudo aquilo que pode lhe render algum conhecimento, particularmente não desejo ser o próximo deitado em uma maca, tendo meus membros arrancados enquanto algum cientista tenta encontrar uma resposta lógica para as minhas habilidades.
- Algum anjo ou arcanjo foi vítima disso? – Indagou horrorizada.
- Não, mas prefiro não arriscar. – Sorriu zombeteiro ao prosseguir. – Além do que se eu entrasse voando nas reuniões em que participo causaria muita comoção, talvez até alguns infartos.
- Está debochando de mim? – Apertou os olhos em uma fisionomia ameaçadora.
- Não. – Mordeu os lábios tentando inutilmente segurar o riso, tele transportou-se para o outro lado da piscina quando recebeu o primeiro tapa no ombro, Manuela apoio as mãos no chão para se impedir de cair de cara no piso.
- Isso não vale! – Bradou se erguendo e marchando até ele furiosa. – Estou falando sério com você e você tirando onda com a minha cara!
- Isso não é verdade. – Defendeu-se. – Ai! – Exclamou já do outro lado da piscina para onde se tele transportou ao receber outro tapa no braço. – Você é uma mulher muito violenta! – Reclamou passando a mão no local onde havia sido atingido. – E injusta, sou sincero em tudo que digo.
- Então senhor sincero, fique onde está e pare de usar os seus poderes contra mim! – Começou a fazer o caminho de volta. – Não saia daí Leon!
- Só se você prometer que vai usar as suas mãos apenas para me acariciar. – Barganhou dando um passo atrás a cada passo que ela dava.
- Como se eu pudesse machucar você! – Bufou indignada.
Ele parou e aguardou ela se aproximar, quando Manuela estava a apenas um passo de distância Leon descansou as mãos sobre seus ombros e a encarou com uma expressão grave.
- Você pode quebrar meu coração. – Murmurou deslizando as mãos de seus ombros por seus braços até alcançar suas mãos, entrelaçando seus dedos aos dela.
- Você fala como se me amasse. – Sussurrou olhando-o assustada, dividida entre o medo e a vontade de ouvir um sim.
- O único amor que conheci foi o de Deus. – Contou com um meio sorriso melancólico. – E o perdi por conta das minhas iniquidades, não sei se estou preparado para outro amor. – Confessou de olhos baixos.
- Você nunca amou ninguém em todo esse tempo em que esteve na Terra?
- Senti desejo, carinho, camaradagem. – Listou levando uma mão pequenina até os lábios e beijando-lhe a palma. – Amor homem / mulher nunca senti.
- E o que sente por mim? – Interpelou arregalando os olhos e tapando-lhe a boca com a mão imediatamente ao se arrepender de ter feito a pergunta. – Não precisa dizer nada.
Leon retirou carinhosamente a mão que lhe cobria a boca enquanto a fitava ternamente.
- E se eu quiser falar?
- Não precisa... – Apressou-se a interrompe-lo.
- Está com medo do que vai ouvir?
- Estou com medo de confirmar as minhas suspeitas.
- Que são?
- Que você apenas me deseja.
- O desejo não é uma coisa ruim, você sabe, não é?
- Sim. – Concordou sentindo uma sensação estranha de desamparo. – Mas não serve como base de um relacionamento, muito menos um casamento.
- Um casamento pode sobreviver sem amor, mas sem desejo ainda não vi nenhum que tenha durado muito. – Declarou tranquilo.
- É isso que você está me oferecendo? – Perguntou com voz falha.
Sabia que era muito cedo para falar de sentimentos, em especial se levassem em conta que tinham como tempo de convivência amigável menos de vinte e quatro horas, seu lado racional lhe dizia que era bobagem se entristecer e preocupar por Leon não ter lhe feito uma declaração de amor digna de um poema de Vinícius de Moraes, porém aquela parte emocional, apegada aos detalhes lhe dizia que um casamento sem amor estava destinado a não durar.
Fechou os olhos por um segundo, respirou fundo buscando se concentrar no que realmente importava naquele instante que era saber o significado da marca e a influencia dela em sua vida, soltou a mão dele e foi sentar-se em uma espreguiçadeira próxima a piscina, sabendo que ele a seguia mesmo não ouvindo seus passos.
- Pedacinho de Céu... – Chamou ele sentando-se ao seu lado, a expressão receosa de quem sabia que de alguma forma havia pisado na bola. – Não disse a você o que sinto...
- Não precisa me dizer o que acha que eu quero ouvir. – Declarou interrompendo-o.
- Mas...
- É muito cedo para falarmos de sentimentos Leon. – Disse atrapalhando novamente a fala dele. – Estamos nos conhecendo, como você mesmo disse faz menos de cinco horas que começamos a conversar ao invés de discutir.
- Sim é verdade, mas...
- Você não me trouxe aqui para falarmos do que sentimos um pelo outro, não é? – Lembrou com um sorriso desconcertado. – Melhor falarmos do que viemos falar.
- Manuela...
- Estamos começando a nos entender. – Agarrou a mão dele enquanto pedia. – Não vamos estragar essa pequena trégua com assuntos que não dominamos.
- Acha que não conheço meus sentimentos?
- Acho que é muito cedo para falarmos de algo além de tesão no tocante ao que sentimos um pelo outro.
- Você me perguntou se um casamento sem amor é o que eu tenho a te oferecer. – Rememorou. – Gostaria que me desse a chance de te responder.
- A verdade é que não estou preparada para sua resposta. – Admitiu com um suspiro. – Acredito também que a sua resposta não esteja madura, então antes que você diga algo que venha a se arrepender depois peço que nos dê mais tempo para viver essa relação e para entender o que sentimos.
- Tem razão, não há presa. – Sorriu ao acrescentar. – Afinal temos todo o tempo do mundo.
- É isso que eu desejo saber agora. – Externou. – O que a marca de um eterno significa e o que ela pode fazer comigo? Na minha vida?
Leon passou a língua pelos lábios se preparando para a primeira de muitas explicações que ainda teria que dar, puxou-a para sentar entre suas pernas na espreguiçadeira em que estava buscando deixa-los o mais confortável possível para aquela que seria uma longa conversa.
Boa tarde queridos (as)!
Mais um capítulo dessa estória para animar nossa tarde, aproveito para avisar que esse capítulo não passou por revisão, então perdoe os erros gramaticais que possam encontrar!
Deixem seus comentários e façam aquela linda estrela brilhar!
Uma ótima leitura!
Beijittos!
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