CAPÍTULO XII
Manuela abraçou o próprio corpo enquanto se forçava a encarar Leon esperando pelo que ele faria a seguir, apoiou-se na porta pois não confiava em suas pernas, temia dar um passo e desabar diante dele, sentia-se desconfortável não só pela roupa diáfana, como também por estar sozinha com dois homens grandes e desconhecidos, pois apesar do que vivera com Leon nos últimos dois dias, ele ainda era um estranho.
- Venha aqui. - Pediu ele suavemente estendendo a mão para ela, seus olhos mergulhados um no outro.
Manuela queria resistir, permanecer onde estava era mais seguro, ainda que ao que tudo indicava não haveria mais lugar seguro para ela, mas a voz dele tão máscula e hipnotizante, a fez se mover com passos vacilantes até onde estava, fazendo-lhe a vontade, seus olhos estavam fixos nos dele quando colocou sua mão sobre a que ele mantinha estendida.
- O que vai fazer comigo? - Questionou com olhos lacrimejantes.
- Shhhh! - Acariciou-lhe o rosto carinhosamente com as pontas dos dedos. - Não tem o que temer, jamais a machucaria.
- Você me machucou hoje mais cedo. - Sussurrou colocando a mão livre sobre o local da marcação.
- Sinto muito, mas tive que fazer. - Afirmou levando a mão que segurava até os lábios e depositando um beijo suave sobre o dorso. - Não pense que foi algo que me agradou, mas só assim consegui evitar que você...
- Morresse? - Completou com voz falha, ele assentiu com um movimento de cabeça. - Como fez isso? O que fez comigo? Como faz essas coisas?
- São muitas perguntas meu pedacinho de céu. - Reclamou com um sorriso enviesado.
- Então só me responda uma coisa. - Pediu em um arroubo de coragem. - O que acontece com a minha família agora?
- Vão viver saudáveis e felizes até bem velhinhos. - Sorriu para ela. - Não era o que queria?
- Tem certeza?
- Prometi que daria a você o que queria. - Deslizou o polegar sobre os lábios macios, seus olhos acompanhando atentamente o movimento que fazia com o dedo, admirando o formato da boca suculenta. - Nunca quebro uma promessa.
Ao mesmo tempo que ouvi-lo dizer isso a reconfortava, também a amedrontava, pois lembrava-se bem da promessa que ele lhe fizera na noite de réveillon.
- E eu? - Perguntou baixando o rosto temendo o que encontraria nos olhos cor de avelã.
- Você cumpre com a sua parte do acordo e tudo fica bem. - Declarou tranquilo.
Manuela engoliu em seco ainda olhando para o tapete que recobria o chão de mármore, receava saber o que teria que fazer para saldar uma dívida tão grande.
- O que você quer? - Indagou em um murmúrio.
- Você. - Respondeu sem hesitar, colocou sua mão grande sob o queixo delicado fazendo-a encara-lo. - Não por algumas horas ou por uma noite... Para sempre.
Manuela o fitou desconcertada, não esperava que ele quisesse mais que uma noite de sexo, mesmo entendendo que ele não era um homem comum, acreditava que em suas paixões mundanas seria como um homem normal, no entanto ele lhe falava em para sempre, como se quisesse um compromisso.
- O que quer dizer com para sempre? - Riu incrédula. - Para sempre não existe.
- Para mim existe. - Garantiu sério.
A maneira como ele a olhou e a firmeza de suas palavras lhe deram a certeza de que falava sério, ou pelo menos acreditava verdadeiramente no que dizia, isso queria dizer que ele a queria para o resto da vida? Estaria ele usando apenas uma figura de linguagem? Ou de fato ele era alguém que viveria para sempre? As perguntas se acumulavam em sua mente deixando-a ainda mais confusa.
- O que você é? - Inquiriu antes que perdesse o fiapo de coragem que ainda lhe restava, pois mesmo temendo a resposta precisava ouvi-la.
- Alguns chamam de imortal... - Começou calmamente, como se estivesse explicando um fato histórico de conhecimento comum. - Mas meu povo batizou a seres como eu de eternos.
- Eternos? - Manuela repetiu sem entender. - Isso quer dizer que você não morre?
- Até morro. - Explicou pacientemente. - Mas apenas um tipo especial de criatura pode conseguir acabar com a minha existência.
- Você é um vampiro? - Perguntou ainda mais confusa. - Vai beber o meu sangue? - Tentou puxar a mão da dele apavorada diante da ideia assombrosa.
O som de uma risada camuflada por uma tosse, a fez se virar e olhar para o secretário de Leon que acompanhava a conversa do outro lado do quarto, ele apertava os lábios, mas o brilho em seus olhos azuis deixava claro que a situação o divertia.
Voltou sua atenção para seu interlocutor esperando a resposta, seria esse o pagamento? Ele a manteve viva para drenar cada gota de seu sangue e assim continuar eterno? Essa era forma de pertencer a ele para sempre? O medo fez seu coração já acelerado disparar ainda mais.
- Fique tranquila, seu sangue vai continuar correndo por suas veias e alimentando seu lindo corpo. - Falou divertido. - Não sou um vampiro, não faço parte da mitologia conhecida.
- Então o que? - Insistiu, pois continuava sem entender.
- Em outro momento falamos sobre isso, apesar de ser extremamente atraído por esse lindo pescoço, asseguro que o que pretendo fazer não envolve drenar o seu sangue. - Um arremedo de sorriso desenhou-se em seus lábios carnudos ao concluir. - Também não sou um lobisomem.
- Não entendo. - Confessou.
- Eu sei que não. - Soltou-lhe a mão e o ar de diversão foi substituído por uma expressão séria. - Você vai aprender o que precisa sobre mim com o tempo, não há pressa, o mais importante agora é garantirmos que a sua família e você fiquem seguros.
- Mas você disse...
- Eles estão vivos Manuela, como você pode comprovar. - Interrompeu severo. - Mas não estavam, e por tê-los trazido de volta e ter impedido você de atravessar o véu que separa o mundo dos vivos e dos mortos deixei furiosos os carregadores de alma que estavam guiando vocês pela travessia.
- Como? - Indagou estupefata, não conseguia acompanhar aquela conversa maluca.
Leon suspirou, eram muitas informações e não tinham tempo naquele momento para uma aula de história sobrenatural, sabia que ela estava confusa, em seu lugar também estaria, mas pelo olhar que recebeu de Chris percebeu que deveria se apressar.
- Quanto tempo para o horário? - Perguntou ao amigo por sobre a cabeça dela.
- Cinco minutos.
- Por que não me avisou antes? - Demandou aborrecido.
- A conversa estava tão interessante que me distraí. - Confessou descaradamente, nenhum pouco constrangido por seu lapso. - Melhor se apressar.
Leon o fuzilou com o olhar, se não obedecesse a cada pequeno detalhe da cerimônia corria o risco de que não desse certo, e isso era a última coisa que queria, voltou sua atenção para Manuela procurando falar o mais tranquilamente para não a deixar mais assustada do que já estava.
- Pedacinho de céu preciso que preste bastante atenção em tudo que vou dizer e mesmo que não faça nenhum sentido para você, deve me obedecer sem questionar, pode fazer isso? - Indagou segurando-lhe as mãos tentando controlar sua ansiedade.
- Sim. - Respondeu umedecendo os lábios nervosa.
- Ótimo. - Sorriu satisfeito.
Segurando-a pela mão a levou até um local aos pés da cama onde pedras de um bonito tom de azul céu com diferentes símbolos entalhados em sua superfície se espalhavam pelo chão formando um padrão idêntico ao da marcação que ele havia feito em seu corpo mais cedo, a posicionou sobre o centro do símbolo do infinito, um pé em cada círculo entrelaçado formado pelas pedras azuis, a encarou bem sério e disse:
- Não saia daí a menos que eu mande, não importa o que veja ou quanto medo sinta, continue onde está e faça tudo o que eu mandar, entendeu?
Manuela balançou a cabeça em sinal de concordância, satisfeito Leon voltou até a mesa e apanhou um cálice e uma adaga trazendo-os consigo quando voltou e se posicionou dentro do círculo formado pelas mesmas pedras azuis que estavam na frente do símbolo do infinito, ficando a apenas um passo de distância.
Sério, entregou a Manuela o cálice instruindo-a a segura-lo com as duas mãos, o objeto era pesado, feito de ouro com intrincados detalhes em prata desde de sua base até uma faixa de delicados rubis vermelho sangue que contornavam seu centro, acima dela , quase tocando a borda, gravada em uma bonita caligrafia, havia a frase per fidem, não fazia ideia do que significava, mas obviamente era importante como a própria peça parecia ser, pois apesar de seu brilho cintilante e óbvio cuidado com que fora manuseado ao longo do tempo, era possível perceber que se tratava de um objeto antigo e precioso, não só por seu valor financeiro, mas pela aura reverente que inspirava, água cristalina preenchia seu interior até o meio.
- Lembre-se, fique onde está. - Pediu ele erguendo a adaga e levando-a até a mão esquerda, fazendo um talho na palma.
O sangue começou a escorrer vermelho vivo deslizando pela palma masculina, a fazendo encara-lo assombrada enquanto ele posicionava a mão sobre o cálice e deixava o fluído cair sobre a água, a expressão completamente indiferente, como se não estivesse deixando esvair seu fluido de vida, logo a água tingiu-se de puro carmesim, o líquido transparente rapidamente sendo corrompido pelo vermelho intenso do sangue, formando um pequeno vórtice dentro da taça, água e sangue se fundindo selvagemente para logo em seguida repousar no cálice como se fosse o mais fino vinho, Leon fechou os dedos sobre o ferimento os abrindo em seguida para revelar a palma completamente perfeita, se não estivesse vendo o sangue dentro da taça acreditaria ter imaginado.
- Beba. - Falou encarando-a solene.
- O que? - Espantou-se com a ordem.
- Faça Manuela! - Mandou severo. - Não questione o que não entende, apenas faça!
- Não vou beber o seu sangue! - Negou-se horrorizada estendendo o cálice na direção dele, tentando devolvê-lo. - Isso é um absurdo!
Leon a encarou com a expressão austera, os lábios apertados em uma linha fina sinalizando sua contrariedade.
- Três minutos. - Disse Chris do outro lado do quarto, fitando Leon preocupado.
- Manuela...
- Não! - Disse enojada.
- Olhe pra mim. - Mandou sendo prontamente obedecido por ela. - Você não me deixa escolha. - Resmungou aborrecido.
Se tivessem tempo, poderia tentar convence-la a participar e assim evitar usar seus poderes sobre ela, não queria impor sua vontade fazendo uso de seus dons para sobrepuja-la, não sabia quais seriam as consequências dessa magia junto ao encantamento do ritual, no entanto diante da urgência da situação se via obrigado a abrir mão de seus receios e escrúpulos.
Prendeu seu olhar no dela, mergulhou nos olhos escuros fixando-os em si enquanto entoava em latim.
- Quia voluntas semper valuerunt audieritis me! - Com voz suave ordenou. - Beba.
(Que a minha vontade sempre prevaleça, me obedeça!)
Manuela se empertigou tentando resistir ao comando das palavras desconhecidas, mas quando ele lhe devolveu o cálice e mandou que bebesse, o recebeu e levou aos lábios solvendo o líquido até a última gota sem reclamar, ainda que sentisse o estômago se revolver de repulsa não pode evitar de obedecê-lo, se não o tivesse visto derramar o próprio sangue na taça, acreditaria ter bebido somente água, pois o líquido não tinha sabor e nem possuía o conhecido cheiro metálico que tal fluído corporal normalmente apresentava, mais uma coisa estranha para se juntar as demais.
Leon pegou o cálice das mãos de Manuela e o entregou para Chris já se preparando para dar início ao próximo passo, sem dizer uma palavra pegou a mão direita dela e posicionou sobre seu peito.
- Quarto chakra e sétimo chakra. - Orientou Christopher se afastando para o outro lado do quarto.
- Eu sei. - Resmungou Leon.
Ele pegou a mão esquerda de Manuela virando-lhe a palma para cima e a fitou gentilmente ao pedir:
- Confie em mim Pedacinho de céu.
Manuela firmou seu olhar no dele sem nada dizer, esperando o que ele faria em seguida, mas ao vê-lo aproximar a adaga de sua mão um gemido assustado escapou de seus lábios e teria puxado sua mão se seu corpo a obedecesse.
- Vai ficar tudo bem. - Tentou tranquiliza-la, mas ao ver os olhos assustados fixos nele percebeu que não estava tendo sucesso. - Nenhum mal vai lhe acontecer, prometo.
- Estou com medo. - Confessou em um fio de voz.
- Sempre vou protege-la, nenhum mal acontecerá a você. - Garantiu sincero. - Sempre cuidarei de você Manuela. - Jurou, em seguida disse naquela língua estranha. - Et dolens mutus.
(silenciar a dor e o sofrimento)
Com a ponta da adaga fez um circulo na palma da mão de Manuela, o corte não era muito profundo e estranhamente não lhe causou nenhuma dor, nem mesmo um desconforto, ficou olhando um filete de sangue saindo do ferimento e se acumulando no centro de sua palma, quando ergueu o olhar percebeu que ele estava fazendo cortes na palma da própria mão, em movimentos rápidos abriu um talho na parte superior da palma, um do lado direito, outro do lado esquerdo e o último na parte de baixo , totalizando quatro cortes que começaram a verter sangue profusamente, mas que ao invés de escorrer em direção ao pulso começaram a circular de um corte a outro em movimentos rápidos, tornando-se apenas um borrão vermelho.
- Repita o que eu disser. - Instruiu depositando sua mão sobre a dela, as palmas feridas se tocando, os cortes da mão dele se encaixando ao redor do dela como uma moldura, quando o sangue dele entrou em contato com o ferimento em sua mão uma sensação como de um choque elétrico atravessou seu corpo, fazendo-a se contrair. - Calma. - Pediu ao vê-la arregalar os olhos. - A partir de agora qualquer dor sua se torna minha. - Fechou os olhos e murmurou. - Et participes dolor tuus.
(faço minha a sua dor)
De olhos fechados Leon entrelaçou seus dedos aos dela ao mesmo tempo que dizia:
- Repita comigo...Sanguis fiet unum.
(Pelo sangue nos tornamos um)
Manuela obedeceu, repetindo as palavras ditas por ele, Leon posicionou suas mãos sobre o espaço vazio entre o círculo em que estava e o símbolo do infinito em que ela se encontrava, o sangue que estava contido começou a cair de suas mãos formando uma pequena poça, como se tivesse vida própria o líquido vermelho se alinhou ligando os dois símbolos e se entrelaçou nos espaços vazios entre as runas contornando-os completamente.
- Est sanguinis. - Falou posicionando suas mãos de modo que a dele ficava por baixo e a dela por cima, acima da trilha de sangue que fazia a ligação entre os locais onde estavam, o sangue parando de escorrer de suas mãos de súbito.
- Cor unum - Continuou, colocou a mão livre sobre o peito de Manuela.
- Uno Spiritu. - Levou a mão que estava sobre o peito de Manuela até o alto de sua cabeça.
Manuela tentou fazer o mesmo, mas mesmo Leon baixando o rosto e ela ficando na ponta dos pés, não conseguiu apoiar a mão sobre o topo da cabeça dele como ele fazia na sua.
- Acho que ela não vai alcançar o topo da sua cabeça. - Christopher proferiu ao ver a dificuldade de Manuela.
- Ela vai. - Garantiu Leon se ajoelhando diante dela no círculo.
Manuela também ia se ajoelhar, mas ele a impediu com um movimento negativo de cabeça, reposicionou a mão que antes estava sobre a cabeça dela a recolocando sobre seu coração sentindo o bater descompassado do órgão feminino, então disse com urgência:
Sanguis fiet unum.
(Pelo sangue nos tornamos um)
Est sanguinis
(um só sangue)
Cor unum
(um só coração)
Uno Spiritu
(um só espírito)
Unum corpus
(um só corpo)
In perpetuum
(para sempre)
Praeter semper
(além do sempre)
As runas no chão começaram a vibrar e deslizar de uma lado ao outro sobre o sangue que as conectava, o movimento produzindo um som que lembrava um sussurro, como se fosse o eco das vozes de ambos pronunciando as palavras de encantamento, o movimento tornou-se cada vez mais rápido, logo as pedras não passavam de borrões azuis e uma luz difusa começou a surgir, das mãos entrelaçadas fitas de luz vermelha partiam em espirais começando a contorna-los, uma faixa de luz verde saia do peito de ambos se cruzando e entrando no peito um do outro, do alto de suas cabeças uma suave luz lilás saia circundando ambos os corpos.
Leon se ergueu e colocou a mão de Manuela de volta em seu peito enquanto murmurava in perpetuum Praeter semper, as luzes se fundiram em um grande vórtice de luz azul, as runas se ergueram até a altura da cintura de ambos, fazendo as roupas e cabelos tremularem com a força do vento que a luz que os envolvia emanava, uma força invisível os juntou em um abraço enquanto uma voz desconhecida entoava.
Animarum caritate
(amor de almas)
Os olhos de Leon cintilaram e como aconteceu no quarto da pausada pela manhã, um arco de luz dourada acendeu-se ao redor de suas íris, ficando cada vez maior sendo lançada diretamente nos olhos de Manuela que dessa vez não teve a oportunidade de fecha-los.
******************************************************************************************
Olá meus queridos! Um capítulo fresquinho para vocês e o mais incrível antes da meia noite! Rsrsrsr, o que é um grande feito para uma autora que em geral só posta seus capítulos de madrugada. Espero que gostem!
Leiam, comentem, votem! Vamos tornar a nossa amizade ainda mais forte!
Boa Leitura! Beijitos!!!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro