Capítulo II • Splendor High School
Desligo o despertador e encaro o teto. O barulho constante da chuva e do vento no telhado não me permitiram ter uma boa noite de sono. Eu mal preguei os olhos.
Após uma respirada profunda, jogo a velha coberta desbotada para o lado e me levanto. Não me espanto ao notar que ainda chove.
Me arrumo para o primeiro dia de aula sem um pingo de entusiasmo e luto para não ceder à imensa vontade de ir vestida com minha velha calça de moletom surrada.
"Nem pense em usar essa calça em outro lugar que não o seu quarto, certo? Ela é horrível!" — Lembro da ordem de minha mãe com um sorriso.
Dou uma conferida rápida em minha roupa no espelho e aperto o elástico que prende meus cabelos. Depois, desço pelas escadas até a cozinha, onde Mark me espera para tomarmos café da manhã.
— Bom dia, filha. Dormiu bem?
— Como pedra. — Minto, com um rápido sorriso, e me sento.
— Animada para o primeiro dia na nova escola?
— Ah, estou sim. Muito animada.
Ele sorri, antes de me oferecer uma xícara de café com creme e um prato com cookies recém assados.
Terminamos de comer em silêncio.
Mark aplica um beijo no topo de minha cabeça e me deseja boa sorte na escola, antes de sair para o trabalho. Ele é dono de uma pequena loja de materiais de construção, que se tornou sua esposa e família depois da separação.
Eu não queria chegar cedo demais na escola, mas também não podia mais ficar na casa. Reunindo a coragem necessária para encarar as dezenas de olhares curiosos sobre mim, pego minha mochila, visto meu casaco, que mais parece uma roupa antinuclear, e saio para a chuva.
O barulho de meus tênis na grama encharcada ecoam de forma irritante. Sinto falta do barulho normal de cimento quando caminho.
Não consigo parar para admirar minha caminhonete como gostaria. A chuva está começando a engrossar.
Destranco a porta e jogo minha mochila no banco do passageiro. Dentro dela está seco e aquecido. Enxugo os pingos de chuva de minhas mangas e giro a chave na ignição. O motor liga em um ronco alto e rápido. Sintonizo o velho rádio e sigo para a escola.
Não foi difícil achá-la, mesmo eu nunca tendo estado aqui antes. Estaciono em frente ao prédio construído com tijolos marrons e encaro a fachada onde está escrito "Splendor High School" em grandes letras de metal.
Saio a contragosto da caminhonete quentinha e subo por uma escadaria de cimento ladeada por uma cerca viva. Dispo o enorme casaco preto de nylon e ajeito minha mochila no ombro. Caminho sem pressa pelo longo corredor de paredes brancas cobertas por armários cinzas, até encontrar a secretaria. Corro os olhos pela pequena sala de espera com uma longarina de três lugares, carpete preto e avisos e prêmios abarrotados pelas paredes. Um grande balcão reparte o cômodo ao meio. Atrás dele, há duas mesas, uma delas ocupada por uma mulher alta, de cabelos ruivos e curtos. Ela tira os olhos da tela do computador e me fita por cima dos óculos de grau.
— Posso ajudá-la?
— Oi. Sou Summer Palladio.
Vejo seu olhar mudar de tédio para interesse imediato. Eu era esperada, tópico de fofocas. A filha ingrata de Mark Palladio estava de volta à cidade.
— Ah, é claro. — Ela procura algo em uma pilha de documentos e se levanta. — Aqui está sua grade de horários e um mapa da escola. Você acha que consegue achar a sala de literatura sozinha?
— Consigo, sim. — Respondo, enquanto analiso o mapa em minhas mãos.
— Ótimo. Se precisar de qualquer coisa, pode me procurar. Seja bem vinda, Summer.
— Obrigada.
Deixo a secretaria no mesmo momento em que os outros alunos começam a chegar. Sigo o tráfego, olhando vez ou outra para o mapa. Mais rápido do que eu imaginava, encontro a sala três, onde terei minha primeira aula.
Entro na sala e paro, como os demais na minha frente. Há uma pequena fila para pendurar os casacos num conjunto de ganchos. Espero minha vez e penduro meu casaco, que não parece tão grande agora, ao lado do de uma garota quase uma cabeça mais baixa do que eu, com longos cabelos trançados e pele escura. Ela me lança um sorriso rápido, antes de ir se sentar.
O professor de literatura, Sr. Thompson, já está na sala. Corro para me sentar, antes que os lugares no fundo da sala sejam ocupados.
Ele nos cumprimenta com um sorriso e se encosta na mesa, nos encarando de frente.
— "Percorrer muitas estradas, voltar para casa e olhar tudo como se fosse a primeira vez". Alguém sabe me dizer quem é o autor dessa citação? — Ele aguarda por uma resposta que não chega. — Senhorita Palladio?
Todos os olhares na sala se viram para mim. Sinto meu rosto queimar de vergonha.
— Thomas Stearns Eliot. — Respondo, sem encarar ninguém de volta.
— Precisamente. — Ele sorri, satisfeito. — Seja muito bem vinda, senhorita Palladio. Espero que goste da cidade e ainda mais de minha aula.
Consinto com um rápido sorriso e volto minha atenção para a surrada carteira de madeira.
O professor distribui uma lista de leitura e, enquanto ele fala, fico me perguntando se minha mãe se lembrou de pagar o plano de saúde e regar as plantas.
Ainda recebo olhares curiosos e percebo alguns cochichos isolados, mas mantenho meu olhar baixo.
O sinal finalmente toca, avisando que a aula chegou ao fim. Me levanto e, na porta, me encontro novamente com a garota do casaco ao lado.
— Oi. Summer, certo?
— Oi... — Ergo as sobrancelhas, esperando sua apresentação.
— Josie.
Aperto sua mão estendida e sorrio.
— Primeiro dia é sempre um saco, não acha?
— Nem me fale. — Suspiro. — Parece que sou uma alienígena de três braços assistindo a uma aula.
— Passei por isso no ano passado. Fiquei aliviada por terem um novo foco esse ano.
— Ah, muito obrigada pela consideração.
Ela ri. Seu rosto é pequeno e quase infantil. E gosto do modo como ela usa suas tranças, enrolando-as parcialmente no alto da cabeça, em um grande coque.
— De onde você veio?
— Tucson, Arizona. E você?
— Nova Orleans, Luisiana. Por ser do Arizona, você não deveria ser mais bronzeada?
— Por ser de Nova Orleans, você não deveria ser mais vampiresca?
Novamente, ela ri.
— Justo. Qual é sua próxima aula?
— Economia. — Respondo, após analisar meu horário.
— Aula dupla de química. — Ela ergue melancolicamente o grosso livro. — Podemos nos encontrar no intervalo. O que acha?
— Claro.
— Legal. Até mais tarde, Summer.
— Até.
Acompanho Josie com os olhos até ela sumir de vista e só então me encaminho para o segundo andar, na sala doze.
O intervalo demora menos a chegar do que eu gostaria. Quando o sinal toca, questiono se não seria melhor continuar em aula do que enfrentar as centenas de olhares desconhecidos no refeitório.
Guardo meus livros no armário e respiro fundo, antes de começar a andar.
Atravesso a extensa porta amarela que separa as salas do refeitório e olho ao redor, mas não encontro Josie. Me sinto deslocada e insegura e odeio a sensação.
Alguns alunos passam por mim e cochicham entre si. Outros, me fitam da cabeça aos pés, sem muito pudor.
Me sentindo extremamente ridícula, parada feito uma estátua em exposição no meio do refeitório, pego uma bandeja e vou para a fila da merenda. Escolho um sanduíche natural, uma maçã e suco de laranja e me viro para as mesas.
— Ei, Summer. — Josie acena, sentada ao lado de um garoto alto, magricela e de cabelo encaracolado. — Sente-se aqui.
Respiro aliviada, quando coloco a bandeja sobre a mesa.
— Onde você se meteu? Não te achava em lugar algum.
— Fui guardar os livros no armário.
— Bem que eu suspeitei. Certo... Summer, esse é o Josh.
O garoto sorri e me estende a mão. Eu a aperto, sorrindo também.
— Josh, essa é Summer, a novidade da vez.
— Ah, fique tranquila. Eles se cansarão de você em um mês.
— Um mês? Que reconfortante. — Ironizo, destampando o suco.
O som de algo batendo no chão nos chama a atenção. Viramos os três para a porta, de onde um grupo de garotos entra rindo e disputando uma bola de basquete.
— Ah, esses são os atletas da escola. — Josie apresenta, sem muita emoção. — Aquele de jaqueta vermelha é Seth Hale. Ele é tipo o rei da escola. As garotas se matam por ele.
Seth fala alguma coisa com um dos vários amigos que o cercam. Ele caminha um pouco a frente de todos, com passos firmes e cheios de confiança. Alguns fios de seus cabelos castanhos escapam por baixo do boné azul marinho que ele usa.
— Terra chamando Summer. — Josie sorri, estalando os dedos bem próximo ao meu rosto. — Não se iluda, loirinha. Por trás daquele rostinho bonito, existe um cafajeste de mão cheia.
Segundos após a afirmação de Josie, Seth pisca para duas garotas sentadas em uma mesa próxima à nossa e sorri para outra pouco mais a frente. Elas comemoram freneticamente com sorrisinhos e cochichos pouco discretos.
Reviro os olhos, quase enojada com aquelas reações.
— Ele se gaba da fama de ser o maior pegador da escola. — Josh comenta.
— E de partir mais corações do que é capaz de contar.
Encaro seu rosto de forma fixa por alguns segundos. Seu ar de soberba, sua autoconfiança exagerada, eu detestei aquilo. Detestei Seth Hale.
— Garotos bonitos e babacas a parte, o que está achando da nova escola? — Josie pergunta.
Dou de ombros.
— Vocês são legais.
Os dois sorriem.
— Não foi bem isso o que eu perguntei, mas agradeço o elogio.
— Agradecemos.
Sorrio também.
— E então, já se inscreveu em alguma atividade extra?
— Ainda não. — Respondo a Josh, antes de dar uma mordida em meu sanduíche.
— Mas vai, certo? — Josie me encara.
— Vou.
— Em qual?
— Fotografia.
— Gosta de fotografar?
— É uma das coisas que mais gosto na vida. — Respondo com total sinceridade.
— Parece que está rolando uma vaga para fotógrafo oficial da escola. O antigo se formou ano passado. Se você manda bem mesmo, devia tentar.
— Você acha?
— O não você já tem. — Josie dá de ombros.
Mordo meu lábio, considerando com entusiasmo a ideia.
Talvez Splendor High School não seja tão ruim assim.
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