1 . England
Como não há um voo de Porto Alegre direto para Londres, tivemos que fazer duas escalas. Uma no Rio de Janeiro, onde trocamos de avião, e outra em Roma, Itália. Aterrissamos perto do meio dia no horário de Londres. Teddy e Sandy, meu tio e prima adotivos, nos esperavam. Teddy se responsabilizou pela papelada para o translado do corpo de Ophelia, o que eu agradeci muito pois eu não fazia ideia de como fazer isso. Meu tio havia me avisado que o caixão chegaria dois dias depois do meu avião, e que teríamos tempo para descansar e organizar um funeral discreto.
Sim, discreto. As ordens de Teddy sobre não avisar ninguém ou postar nas redes sociais sobre o que aconteceu, foram bem diretas. Ninguém, absolutamente ninguém, deveria saber da morte de Ophelia. Aquilo me deixou um tanto irritada. Não que tivéssemos muitas pessoas para avisar, afinal nunca permanecemos em um local por tempo suficiente para criar laços, mas, sim, a exigência em si. Minha vida toda foi esconder tudo de todos, nome, endereço, família, tudo. Achei que agora tudo aquilo havia acabado, afinal Ophelia só era paranóica demais, e não a culpo. Mas Teddy? Por que Teddy mantinha a paranóia dela? Por que continuar com essa loucura?
Você pode até pensar que eu sou sem coração, que eu estava feliz com a morte de Ophelia, e de fato, uma parte de mim estava aliviada. Não me entenda mal, nós nunca nos demos bem. Houve até uma época em que consegui fugir de casa, foram mais ou menos dois meses, em que não precisei mentir ou me esconder, ou ter medo do que falar. E agora eu pensava que tudo aquilo havia acabado, iria ser enterrado com Ophelia no sábado. Mas, ao ouvir as palavras de Teddy, iguais às de minha avó, eu percebi que eu nunca teria escapatória dessa vida. Sempre seria uma nômade perdida, sem saber suas próprias origens. Sem conhecer seus próprios fantasmas.
Sandy e Verônica se abraçaram chorando, enquanto Teddy acariciava meus cabelos. Sandy veio a mim, fungando, e jogou seus cabelos loiros em meu rosto quando se agarrou em meu pescoço. Ela era baixinha para a idade dela, miúda para uma mulher de 21 anos, e era constantemente posta em dúvida quando anunciava que não tinha 16. Mas apesar do tamanho, Sandy era muito responsável, e esse era um dos motivos de terem saído do interior do Alabama, uma cidadezinha chamada Brookside, com seus 1.400 habitantes — agora 1.398 —, e terem vindo para Londres, a capital da Inglaterra. Era uma mudança radical, principalmente para Teddy, que há anos tinha o seu bar, o qual ele carinhosamente nomeara de Thunderstruck por seu fanatismo pela antiga banda de rock AC/DC. Eles já tinham se adaptado agora, estavam há uns três anos lá, desde que Sandy se formou no colegial e conseguiu uma bolsa em uma universidade na Europa.
Ao olhar Sandy, lembrei de todas as vezes que conversávamos pelo computador, e falávamos sobre um dia de nos mudarmos juntas para uma grande cidade. Eram os únicos momentos que eu conseguia pensar que, talvez, eu tivesse um futuro legal. Feliz. Normal.
Mas eu já sabia na época que isso nunca seria possível. Sabe, quando sua vida começa com uma tragédia, é provável que o resto dela também seja.
Aconteceu há mais ou menos 14 anos atrás. Eu ainda não tinha feito quatro anos, e Verônica havia feito dois anos no inicio do mês. Lembro que era frio, havia neve lá fora. Eu amava a neve, gostava de ficar olhando pela janela do meu quarto ela caindo e cobrindo as árvores, os carros, a rua. Imaginava que o tempo parava quando acontecia isso. E eu gostava. Parece que desde muito pequena eu já apreciava meu próprio tempo, sentia que ele era especial demais. Eu não lembro muito daquela noite, exceto da neve. Cresci apenas com alguns lapsos de memória. Lembro que nossa babá, que dormia em nossa casa naqueles dias, nos escondeu no armário do quarto dela. Lembro também que ela morreu naquela noite, tentando salvar minha vida e a de Verônica. Lembro de ver um par de olhos felinos olhando para mim por entre as frestas da porta de madeira do armário. Vovó dizia que meu subconsciente bloqueou as imagens da minha mente. Eu não sabia se era realmente isso, apenas sabia que depois daquela noite, passei o resto da minha vida morando de cidade em cidade, sem saber um motivo. Vovó sabia, e depois de certo tempo comecei a desconfiar de que estávamos fugindo de alguém. Tentei confrontá-la algumas vezes, mas ela sempre conseguia escapar das minhas perguntas.
Minha vida era uma constante bola de neve sem fim. Cada vez mais as coisas ficavam obscuras, subentendidas. Sem explicações.
Eu odiava o fato de não saber nada sobre mim.
Chegamos a Nothing Hill, onde Sandy morava, finalmente realizando seu sonho de morar onde seu filme preferido fora gravado. Teddy retirou as malas do carro e Verônica foi tomar banho assim que encontrou sua nécessaire. Sandy me chamou, dizendo que precisávamos conversar antes que Ronnie, como a chamávamos, saísse do banho.
Teddy tinha uma pequena biblioteca na casa, Sandy fechou as portas assim que entramos.
— Decidimos falar com você primeiro, para você decidir o melhor jeito de contar a Ronnie depois. — anunciou minha prima em um tom de conspiração.
— O que aconteceu? — perguntei preocupada com o tom tenso da conversa
— Vocês não vão morar conosco. — fiquei sem reação — Mas não pense errado! — acrescentou ela, quase desesperada com a minha não reação — Não é questão de moradia.
— Eu matriculei vocês em um internato. — anunciou Teddy, para a minha total descrença da frase. Esperei que os dois rissem e anunciassem o fim da piada. Mas Sandy ficou brava de repente.
— Fale a verdade, Theodore. — disse ela com tom ríspido, sem olhar para o pai — Não foi ele quem as matriculou. Foi a vovó.
— Sandy!
— Não, pai! Você não pode levar a culpa por isso. — virou-se para ele indignada, e depois se voltou para mim — Há uma parte do testamento que apenas Teddy tem direito a ler. Não foi mostrada a vocês duas pelo advogado. Nessa parte, vovó dá a Teddy a guarda de vocês duas, mas apenas com a condição de que vocês sejam enviadas a esse internato, chamado Saint Davis. — procurei cegamente por uma cadeira que havia atrás de mim e me sentei, com as pernas bambas — É uma ilha, há pouco mais de duas horas daqui.
— Mas... Eu já finalizei os meus estudos. Fiz minhas últimas provas em Porto Alegre, isso é apenas para Verônica. — Sandy balançou a cabeça, negativamente.
— Esse internato, ele tem duração de quatro anos para o Ensino Médio. Você terá que voltar a estudar por mais um ano e meio, já que ainda estamos na metade do ano letivo por aqui, e eles ainda estão no terceiro ano.
— Eu não acredito! — disse completamente absorta.
— Foi tudo por ordem de Ophelia.
Teddy permaneceu em silêncio, enquanto Sandy tagarelava coisas que, judicialmente, eu não deveria saber. Mas que se dane, era sobre mim que estavam falando.
— Já está tudo pago, Nath. Todos os livros, as mensalidades. Tudo. E se o papai não quiser enviá-las, vocês ficaram sob a tutela do governo, e não poderão sair do internato nem quando tiverem os finais de semana livres. E o pior... – ela parou por um instante, escolhendo as palavras – vocês vão entrar no sistema de adoção.
Eu engoli seco. Aquilo era demais. Como Ophelia poderia fazer algo assim, depois de tantos anos nos mantendo como prisioneiras dentro de casa? Eu nem sequer frequentei uma escola normal, Ophelia havia nos dado aula em casa. E agora um internato? Quando eu finalmente poderia ter minha liberdade?
— Entenda, eu não quero culpar Ophelia. — disse Teddy, interrompendo qualquer coisa que Sandy estivesse falando — Devo minha vida e a vida de Rachel a ela. — Rachel era a esposa de Teddy falecida e filha adotiva de Ophelia. — Mas, não há nada que eu possa fazer. Ou vocês vão para esse internato com o meu consentimento, ou eu perderei vocês duas.
Eu levei alguns segundos até que toda a conversa se aquietasse no meu cérebro. Era informação demais. Era loucura demais.
— Eu... não entendo. — disse eu, por fim — Por que ela fez isso?
— Ela queria que vocês se mantivessem em segurança, Nathalie.
— O que eu não entendo é... — começou Sandy, pausando de repente. Pareceu-me perdida em pensamentos — Como vovó sabia que vocês ainda estariam estudando quando ela morresse? Ou no caso, que Ronnie ainda estaria estudando.
Fui pega pelo pavor da pergunta.
— Sandy...
— Não, não, não. — ela interrompeu o pai. O que dizem mesmo sobre baixinhas serem duronas? Teddy era o triplo do tamanho dela, mas parecia que isso não o impedia de sentir medo da própria filha — É sério! Vovó não fez esse testamento um dia antes de morrer. O Dr. Hunter falou que há cinco anos ela o visitava para confirmar cada parágrafo do documento.
— Como é que é? — perguntei estupefata, levantando-me feito uma idiota, como se ficar de pé fosse explicar todas as perguntas.
— Não dê ouvidos ao que Sandy fala, Nathalie. — interveio Teddy — Ela não entende nada sobre isso. — ele a olhou com olhar de repreensão — É lógico que Ophelia não sabia quando iria morrer, mas pelo fato de vocês duas terem apenas a ela, e de já estar em uma idade avançada, ela ficou com medo de que, se acontecesse alguma coisa, vocês ficassem sozinhas, sem direção. — tentei assimilar aquilo — Você a conhecia, Nath. Sabe como ela era, cuidadosa demais, sempre enxergando adiante. Tudo isso é apenas proteção.
— E a proteção tinha de ser tão drástica? — perguntei inconformada — Eu já me formei, tio! Tenho um diploma do ensino médio! E agora, eu vou ter mais um ano de estudo. — bufei
— É um ano e meio. — lembrou-me Sandy, num tom ameno.
Soltei um palavrão longo, que fez Teddy me olhar atravessado. Sandy riu, mas logo conteve-se quando viu minha cara feia.
— Eu não vou ficar mais uma porcaria de um ano e meio estudando! — exclamei, determinada e batendo o pé no chão como uma adolescente idiota.
— Eu sinto muito. — disse Teddy. Eu bufei.
— Não! — bati o pé — Teddy, pelo amor de Deus! Pelo amor que você já teve por mim, ou por Ophelia, você não pode me mandar para esse internato!
— Nathalie, não há nada que eu possa fazer, minha filha! — disse ele agoniado. Mas não tanto quanto eu.
— Tem de haver alguma coisa, qualquer coisa! — eu já me sentia sufocada, com falta de ar.
— Bem, há uma coisa... eu acho. — acrescentou quando viu esperança nos meus olhos — Podemos conseguir sua emancipação.
— Como é? — perguntou Sandy, perdida.
— É, Sandy. Se ela conseguir se emancipar, não precisará obedecer ao testamento. — explicou ele — Mas... — senti um frio no peito com aquela palavra — Para se conseguir a emancipação, você tem que casar, ou ser autossuficiente economicamente, ou se formar em uma faculdade.
— Ou engravidar. — acrescentou Sandy com sarcasmo. Eu não consegui nem rir. Tudo aquilo estava bem longe de mim.
— E-eu não vou me casar. — era tão estranho falar sobre isso. — E não tenho condições de entrar em uma faculdade agora.
— Mas pode conseguir um emprego. — sugeriu Teddy. — Você já tem uma casa própria em Privy Harbor, — Privy Harbor era a pequena cidade costeira há duas horas do centro de Londres, onde Ophelia havia me deixado de herança uma casa, que eu nem conhecia ainda — tem uma pequena herança que sua avó lhe deixou no banco. Você só tem que procurar no lugar certo.
— Ei, isso soa melhor do que engravidar. — zombou Sandy, outra vez.
Eu ainda tentava organizar os pensamentos. Não era assim tão fácil. Eu não tinha experiência, e provavelmente todas as vagas de emprego já estariam preenchidas naquela minúscula cidade.
— Eu posso te dar uma ajuda quanto a isso. — Teddy respondeu aos meus pensamentos — Tenho um amigo em Privy Harbor que tem uma loja de instrumentos musicais. Posso falar com ele.
— Faria isso por mim? — perguntei emocionada, praticamente choramingando. Qualquer coisa era melhor do que ir para um internato.
— Claro que sim. — garantiu-me ele — Na segunda-feira pela manhã eu falo com ele. Afinal, tenho que levar Ronnie para pegar o ônibus até o internato.
— Deus lhe abençoe, Teddy! — me joguei em seu pescoço no impulso. Ele me abraçou sem jeito.
— E como funciona esse negócio de emancipação? — perguntou Sandy.
Sentamos os três no sofá da sala, enquanto Teddy explicava sobre a conversa que teria com o Dr. Hunter. Eu já estava respirando aliviada.
Mas ainda havia Verônica. Ela ainda teria de ir para o internato.
Eu e Sandy subimos para o quarto, esperando Verônica sair do banho. Eu já havia me decidido que partiria para a casa que vovó nos tinha deixado em Privy Harbor no domingo à noite, o enterro seria no sábado, e eu passaria uma noite ainda na casa de Teddy, pra não deixar Verônica sozinha, que partiria para Saint Davis na segunda-feira pela manhã.
Nós já esperávamos o escândalo. Verônica já era dramática por natureza, e isso se triplicava quando encasquetava que o mundo estava conspirando contra ela. Ronnie praguejou, chorou, gritou, riu sarcasticamente, rosnou e praguejou mais um pouco. Toda aquela atitude só fez reforçar minha decisão de ir mais cedo para Privy Harbor e ficar sozinha na casa.
Sandy sentia-se culpada por tudo. Ela queria que eu morasse com ela, e no entanto, fosse qual fosse o meu destino, não moraríamos juntas. Ou eu iria para Saint Davis, ou moraria sozinha em Privy Harbor, o que me agradava bem mais. Eu disse à ela que em pouco tempo eu poderia morar em Londres, com ela e Teddy, pois em menos de dois meses já teria 18 anos.
— Vai ficar tudo bem, Sandy. — repeti milhares de vezes.
Mas eu sabia que era mentira. Eu sabia que nada ficaria bem. Havia uma pequena pontada lá dentro do meu peito que não me deixava ficar em paz com tudo aquilo.
Enfim o sábado chegou, e com ele Ophelia. O funeral foi feito no mesmo local que ela seria enterrada. Havia apenas eu, Verônica, Teddy e Sandy dizendo adeus a ela. Meu tio não quis nem que chamássemos um padre ou pastor. Ele mesmo disse algumas palavras. Verônica também. Ela passou a maior parte do discurso de Teddy agarrada a mim, chorando. Eu? Eu não consegui derramar uma lágrima, e não sabia o porquê. Sempre fui de chorar, e apesar das brigas eu amava a minha avó. Eu sentia dentro de mim que eu estava triste, e que eu nunca mais a veria novamente. Mas havia também um grande espaço vazio. Oco. Escuro. E a cada minuto ele crescia mais. E a medida que ele crescia, eu sentia menos. Aquilo me deixou apavorada. Eu queria chorar, eu queria dizer adeus a minha avó, mas nada saiu. Nem uma lágrima. Nem sequer uma palavra, exceto: Adeus, vovó.
Teddy me levou até Privy Harbor no seu Caballero 72 que eu adorava. Apesar do rock pesado ressoar dentro do pequeno espaço, eu podia sentir a agonia me sufocando, enquanto eu olhava deprimente pelo vidro embaçado da janela. Estava muito frio, ainda não nevava, mas era só uma questão de tempo. E eu sabia que meu sistema imunológico não estava tão bom para essa mudança brusca de temperatura. No Brasil as temperaturas estavam perto dos 40º nessa época do ano, até mesmo no sul, onde normalmente era mais frio do que o resto do país. Mas uma gripe me pareceu a desculpa ideal para ficar trancada dentro de casa.
Teddy não tentou puxar um assunto, acho que ele também se sentia culpado por tudo. Eu deveria culpar alguém. Deveria me aproveitar da ocasião e descarregar minha raiva. Mas eu não conseguia. Eu sabia que não havia culpados. Até mesmo quando pensava em colocar a culpa em Ophelia me parecia uma ideia errada. Ela só fez o que sempre soube fazer de melhor enquanto ainda estava viva: manter-nos dentro de uma atmosfera que ela considerava segura. Mesmo que, para isso, eu e Ronnie tivéssemos que nos isolar.
Eu esperava que toda essa história de emancipação desse certo, ou que pelo menos eu conseguisse um emprego nessa cidade.
Teddy me ajudou a descarregar minhas malas da caçamba do carro. A cidade até me pareceu acolhedora, mesmo com as árvores expondo seus galhos secos, e todos me olharem apertado por cima de cachecóis e golas altas. Me senti como se estivesse invadindo um mundo ao qual eu não pertencia.
Privy Harbor tinha, no máximo, 2.000 habitantes. Nem era considerada uma cidade, na verdade. Pelo menos, não para mim. Era um bairro, uma vila, talvez. Sabia que teria dificuldades em me adaptar. Meu inglês não estava muito bom, por causa dos últimos anos em que morei na argentina e no Brasil, apesar de sempre me comunicar com Sandy em nossa língua nativa. Tenho certeza de que meu sotaque seria uma mistura de latino-americano.
A casa ficava em um bairro chamado Lurkville, onde havia poucas casas, e todas elas tinham o aspecto de nobreza. Eram todas muito parecidas, apenas alguns detalhes e a cor davam a diferença entre uma e outra. A casa de Ophelia era branca, de dois andares, e ficava bem no meio da quadra, onde a rua terminava. Havia um gramado na frente, que, para o meu espanto, estava bem cuidado. O telhado era em formato de torre, as janelas eram verdes de vidro e por trás delas havia cortinas brancas. O carro de Teddy estava estacionado no caminho da garagem.
Com uma mochila em minhas costas, caminhei lentamente pelo caminho estreito de pedras largas que conduzia até a porta principal da casa. Peguei a chave no bolso do meu casaco e abri a porta ornamentada.
Os móveis estavam cobertos por panos brancos e o cheiro de poeira coçou o meu nariz. No hall de entrada havia um espelho oval, coberto com um pano branco, e logo abaixo dele uma mesinha de carvalho negro, que descobri, fazendo algumas fotos e um telefone quase caírem. Notei que o telefone não era antigo, como eu imaginei que fosse. Era algo no estilo dos anos 80/90. Havia uma escada logo a seguir do hall. Estava empoeirada. Uma pequena sala de star à direita do hall toda coberta também. Um corredor ao lado da escada onde pude ver algumas portas.
— Vou levar essas coisas para o seu quarto. — disse Teddy, me fazendo pular ao me tirar dos devaneios. Ele soltou um pequeno riso quando percebeu isso. — Com qual quarto vai ficar?
— Ahn, eu não sei... Você já conhece a casa? — perguntei desconfiada
— Já vim aqui algumas vezes, para verificar se tudo estava em ordem. — explicou-se. Assenti.
— Quantos quartos têm? — ele me pareceu contar mentalmente.
— Quatro, se eu não estou enganado.
— Eu quero algum que fique de frente para a rua.
— Há dois. Terá que subir e decidir.
— Ok.
Subi correndo as escadas, enquanto me deparava com retratos pendurados na parede. Não reconhecia ninguém. Não quis parar e averiguar, pois Teddy ainda segurava as malas. Ao fim da escada, me deparei com uma porta e um corredor cortado em T.
— Isso é um banheiro. — disse meu tio, com a voz abafada. Continuei, dando apenas uma olhada para os fundos do corredor, e parti para frente da casa. Entrei em uma porta onde havia uma cama de casal, uma penteadeira antiga de carvalho e um espelho grande oval, pendurado horizontalmente na parece acima da penteadeira. Os detalhes no encosto da cama chamaram a minha atenção. Não tinham significado algum, mas eram interessantes. Sempre tive certo encantamento por coisas antigas, e aquele quarto parecia perfeito para mim.
— Eu vou ficar com esse. — disse convicta.
— Já decidiu? Você nem viu o outro. — protestou meu tio.
— Eu gostei desse. Se por acaso eu quiser trocar, eu mesma levo as coisas. — sorri. Teddy sorriu também, e entrou no quarto depositando as malas ao pé da cama.
— Bem, err, eu tenho que voltar. — disse ele, desajeitado — Tenho que cuidar do meu bar.
— Ah, sim, claro. Obrigada, tio! — o abracei, agradecida. Ele retribuiu o abraço, sem jeito.
— Cuide-se, garota. Se precisar de alguma coisa, você tem meu número. — disse ele, já saindo do quarto.
— Não se preocupe. Eu ficarei bem. O bairro parece ser bem... seguro. — havia uma luta dentro de mim a cada vez que eu tinha de dizer aquela palavra.
— Lurkville é o melhor bairro de Privy Harbor. Melhor até que Nothing Hill. — Teddy parou de supetão na escada — Que Sandy não ouça isso. — nós rimos, enquanto eu o acompanhava até a porta.
— Não deixe Ronnie fazer a sua cabeça. — alertei — Ela vai tentar se fazer de vítima para não ir a escola na segunda-feira.
— Deixarei ela e Sandy se entenderem quanto a isso. — eu ri, revirando os olhos. — Tchau, Nath.
— Tchau, Teddy.
Fiquei na porta, observando o carro se distanciar. Depois dei uma breve olhada nas casas vizinhas e entrei, antes que alguém quisesse me dar às boas vindas.
Pensei em dar uma geral na casa, mas fiquei com preguiça. Não havia nada a fazer na questão entretenimento. A televisão era velha, e constatei que não havia TV a cabo ali. Não tinha internet também. A única coisa a fazer era colocar uma música no alto falante do meu celular e ler um livro.
Subi para o meu novo quarto e decidi limpá-lo ao som de Mr. Brightside, do The Killers.
Depois de trocar a roupa de cama e verificar mil vezes se tinha alguma aranha no colchão ou por perto dele, tirei o pó dos móveis do quarto, varri e fui tomar uma ducha no meu novo banheiro. Eu quase gritei de excitação quando vi uma banheira. Mas também quase chorei por ver a sujeira dela.
Graças a Teddy que me alertara quanto à sujeira da casa, eu trouxera alguns produtos de limpeza. Limpei o banheiro, e então, finalmente, pude tomar meu banho.
A música – agora Florence Welch – ainda ressoava no quarto enquanto eu deixava minha pele enrugar dentro da água. Enquanto meus cabelos escuros boiavam, fiquei pensando em quão erradamente boa estava minha vida naquele momento. Eu sempre preferi estar sozinha a ter pessoas ao meu redor, atormentando minha mente. Acho que era um pouco de egoísmo, às vezes. Eu me sentia cansada em ter que ouvir os outros falando sobre seus problemas, e na maioria das vezes, ou em todas elas, eu não sabia como ajudar. Na maioria das vezes eu só queria ficar no meu canto, pensando nos meus problemas, ouvindo as minhas músicas. Exatamente como eu estava agora.
Eu queria usufruir dos últimos momentos de irresponsabilidade que eu ainda possuía. A partir do momento em que eu abrisse os meus olhos na manhã seguinte, providências sobre alimentação, cuidados com a casa, verificar se Verônica estava se comportando nas aulas, e arrumar um emprego, iria começar. E todo o resto da minha adolescência fútil iria por água abaixo.
Fiquei de molho, e acabei pegando no sono.
Abri os olhos para um lugar estranho. Não, estranho não. Novo. Era basicamente o meu novo quarto. Fiquei confusa, pois não me lembrava de como saí da banheira. Levantei da cama onde estava, e fui até o banheiro tomar um pouco d'água. Os moveis pareciam diferentes, mais novos. Estranhei, mas voltei para o quarto. Quando olhei para a cama, minhas pernas enfraqueceram. Eu já não estava mais na porta do banheiro e sim a porta do quarto. O quarto de Ophelia. E ela estava lá, sentada na beirada da cama, com sua camisola cor de creme, segurando a foto de meu avô. Exatamente como tantas noites. Segurei firme na dobradiça da porta, com medo da cena. Foi quando fitei a cama novamente, e vi minha avó deitada imóvel nela. As lembranças da manhã fria no nosso antigo apartamento ficaram vívidas naquele momento. Eu corri até ela e tentei acordá-la, desesperada. Eu queria que ela acordasse, mesmo que no fundo eu soubesse que aquilo não aconteceria.
Mas, para o meu espanto e alívio, ela abriu os olhos. Mas não eram mais os seus olhos castanhos, e sim duas bolas negras. No mesmo instante, seus cabelos curtos e brancos se transformaram em pretos, muito pretos, e compridos. As rugas sumiram, e sua roupa era um conjunto branco, parecido com esses que se usa em reformatórios. Enquanto eu assistia sua transformação, estupefata demais para me afastar, a nova Ophelia, ou quem quer que fosse aquela mulher, segurou minha mão e sussurrou:
"Aproxime-se, meu anjo"
Aproximei-me temerosa de seu rosto. Enquanto uma de suas mãos acariciava meus cabelos, ela sussurrou novamente em meus ouvidos:
"Está chegando a hora, querida"
"Hora de que?" perguntei, com medo
"De vingar-se. Vingança, vingança, vingança..."
Enquanto o medo se apoderava mais de mim, senti uma dor aguda em meu pescoço. Quando percebi que ela tinha me mordido, já era tarde demais. Eu já havia sido jogada contra a parede, e o sangue escorria por minhas mãos.
Na cama, a mulher de cabelos negros sorria com meu sangue em seus dentes.
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