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Capítulo 3

Tinha sido metralhado nas pernas.

- De onde és rapaz? – perguntou-lhe para o tentar distrair da dor.

O soldado quase que não o ouvia. Contorcia-se com o sofrimento. Os membros inferiores estavam envoltos em sangue. Tinha um garrote em cada perna.

- Eles, eles empurram-nos para as trincheiras da frente – dizia quase a gritar.

- E depois retiraram-nos o apoio de retaguarda.

Começou a chorar. Pedia desesperadamente para voltar para casa.

Ela sentiu um breve choque, mas rapidamente se recompôs.

- Veja se tem febre muito alta – observava o médico com atenção os estragos nos membros inferiores após ter rasgado as calças.

- Ponha-lhe o Éter rapidamente para o anestesiar – ordenou à enfermeira.

O rapaz tinha os ossos destroçados. E dava alguns sinais de gangrena. Há horas que esperava pelo tratamento.

- "Tão novo e vou-lhe ter de amputar as pernas. Que Deus o ajude!"

A enfermeira cumpria nervosamente com as suas tarefas, embora se esforçasse para transmitir confiança.

Ele notou que ela ia ajudando e sabia o que fazia.

- "Vá lá tive sorte com a enfermeira. A última era um estafermo. Nem sabia o que era um bisturi." – pensava enquanto cortava os destroços de osso e pele.

O doente continuava inconsciente. A incerteza do médico levou-o a um rompante:

- Veja-lhe o pulso! Rápido! Sente?

- Sim Sr. Doutor. Um pouco fraco apenas.

A operação lá terminou.

O doente foi levado para a enfermaria do Deposito de Convalescentes. Tinha alguma chance de sobreviver, embora sem pernas.

Antes da entrada do próximo, surgiu o capitão médico com um ar esbaforido quase que atropelando a enfermeira.

- O Sr. Alferes tem de ser mais rápido. Estão a chegar feridos a todo o momento. A artilharia alemã praticamente já dizimou a "linha das Aldeias". Vou, entretanto, avisar os restantes colegas.

- "Pobres coitados. São sobretudo jovens que se alistaram para isto." – pensou com tristeza lembrando-se de alguns. A linha das Aldeias eram sobretudo jovens humildes que procuravam defender as cores do seu país.

Foram horas e horas sem parar. O frio era indiferente ao sofrimento daqueles pobres soldados.

Antes de entrar o próximo ferido, ela disse:

- Acabou-se o Éter Sr. Doutor.

Sentiu algum receio olhando ligeiramente para baixo.

- Nem quero ouvir isso. Temos de salvar estas vidas. Não vê o que se passa?

- O que faço então Sr. Doutor?

O depósito de material sanitário esgotou o Éter. Estava prometido no carregamento que acabou por não chegar de Lisboa. Restava a morfina. Pelo menos aliviava a dor.

Ele nem olhou para ela. Continuou o seu trabalho como se nada se passasse. Sabia que os barcos ingleses prometidos para a logística do Corpo Expedicionário Português tinham sido desviados para transporte de tropas americanas.

- Tem dez minutos para arranjar a anestesia.


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