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Capítulo 70.

Imaginei que enfrentaria problemas quando cheguei até a recepção, mas a mulher sentada atrás do balcão folheando uma revista com a expressão entediada apenas ergueu o olhar para mim, franziu as sobrancelhas e deu de ombros. Isaías não me seguiu, enquanto Renata e aquele outro homem ficaram para cuidar de Lorenzo. Não pude deixar de me perguntar o que fariam se eu voltasse e tentasse matá-lo. Embora parecesse o certo, independente do efeito dominó que causasse, um cansaço incapacitante parecia impregnado no meu corpo. Queria ir embora, buscar as respostas para minhas perguntas e finalmente achar meus amigos. Encontrar conforto nos braços de Guilherme, depois de tanto tempo.

Encarei de volta a mulher na recepção, uma cinquentona bem arrumada com expressão de poucos amigos, até ela erguer uma sobrancelha para mim. Então, sem a iminência de ser arrastada para dentro do quarto, respirei fundo e caminhei calmamente até a saída, mas antes parei diante de uma parede espelhada para tentar me ajeitar. Meus cabelos estavam desgrenhados e não houve passada com os dedos que disfarçasse a falta de uma escova. As olheiras fundas e os novos curativos, principalmente o maior de todos no pescoço, não ajudavam a me dar uma aparência mais saudável. O máximo que pude fazer foi limpar na minha calça jeans escura o sangue do corte recém aberto no braço e torcer para que ninguém reparasse. No fim, quando deixei o hospital, não estava nem um pouco mais apresentável.

As portas automáticas funcionando não me surpreenderam, apenas despertaram uma nostalgia estranha que parecia há muito enterrada nos destroços de um novo mundo. Quando se abriram completamente, fui recepcionada por um céu repleto de estrelas.

Parando para refletir, eu sequer tinha pensado no que iria encontrar do lado de fora do hospital. Apesar de terem a inegável semelhança de não se parecerem em nada com o mundo onde eu cresci, as paisagens pós-apocalípticas variavam um pouco: de ruas completamente assoladas pelo caos, a pedaços da cidade que pareciam sequer terem sido tocados por ele; de cidades reconstruídas e habitadas, como Chapecó, com seus muros repletos de buracos de bala e destroços espalhados pela rua, aos campos extensos e vazios pelos quais passávamos em nossas longas viagens, livres de qualquer perturbação de zumbis, mas também de qualquer sugestão de que ainda havia vida neles.

Esperança não era parecida com nada disso. Era uma cidade a pleno funcionamento.

O hospital ficava no alto do morro na entrada da cidade e me permitia ter uma visão privilegiada do restante do território, delimitado por muros de concreto de pelo menos três metros. Esperança não tinha a mesma extensão da antiga cidade de São Miguel do Oeste, mas os muros cercavam pelo menos a metade dela — era a impressão que eu tinha, vendo apenas um dos lados com clareza enquanto o outro desaparecia atrás de prédios e árvores. Do lado de fora da construção, campos abertos com plantações ou criação de animais também tinham casinhas com luzes acesas, indicando que estavam habitadas.

Pela primeira vez em algum tempo, não ouvi qualquer rosnado, apenas o som de automóveis rodando pela cidade, folhas de árvores farfalhando com o vento... e grilos. Vida.

Envolvi meu corpo com os braços quando comecei a tremer de frio. Estava sem a minha jaqueta de couro e a blusa de mangas compridas não era nem perto de ser suficiente para uma noite de inverno no interior, mas nem pensei em voltar para o hospital. Ao invés disso, não consegui impedir meus pés de seguirem em direção ao centro da cidade.

A paisagem parecia remotamente familiar, mas eu nunca tinha voltado para lá desde meus cinco anos. Lembrar da minha infância sempre foi algo delicado. Os momentos em que eu andava de triciclo na calçada em frente à casa onde eu nasci logo se misturavam com uma época cuja cor predominante era cinza, já na casa de Florianópolis, que na época parecia tão estranha para mim. Minha mãe morreu meses depois que nos mudamos e eu só lembro de voltar a me sentir como uma criança normal aos nove, talvez dez anos. Foi um pouco depois de quando meu pai se mudou por causa do trabalho, meu irmão entrou na universidade e a minha relação com vovó, que me criou como uma mãe, aprofundou-se.

Arrastei os pés até a esquina, onde havia um ipê com os galhos quase vazios. Perdida em pensamentos, observei suas raízes que rachavam a calçada coberta de pétalas roxas. Aquela visão parecia nostálgica, mas talvez fossem apenas memórias que eu acabara de fabricar. Ouvi o som do motor de um carro e virei a cabeça na hora que uma Ecosport preta passou por mim. A algumas ruas de distância, um C3 diminuía a velocidade na rotatória. Uma mãe segurando a mão de seus dois filhos atravessou a rua depois que ele passou.

Senti um milhão de coisas borbulhando no meu peito e, ao mesmo tempo, nada. Meus joelhos fraquejaram e me apoiei no tronco ipê para não cair no chão.

As ruas estavam pouco movimentadas, mas definitivamente não desertas. No silêncio da noite, ouvi as vozes distantes de um grupo de pessoas que conversava em frente a uma casa. O que parecia ser um casal caminhava de mãos dadas em minha direção, ocupados demais com seus sussurros e risadinhas para se dar conta da minha presença. Aliás, absolutamente ninguém parecia prestar atenção em mim. Claro, aquela era uma cidade com milhares de habitantes — alguns deles talvez sequer reparassem em um rosto novo.

Continuei andando, imersa demais em meus arredores para perceber que não fazia ideia de para onde ia. Demorei até me dar conta de que, diferente de todas as vezes que caminhei entre casas e prédios sob o céu noturno, dessa vez eu enxergava tudo com clareza: as calçadas limpas, o canteiros de flores bem podados, até a placa dos carros estacionados... isto porque os postes de luz estavam funcionando. Parei debaixo de um deles e olhei para cima.

Quem mora na cidade grande e vai para o campo percebe imediatamente a diferença de um céu estrelado em cada um dos lugares. Pela primeira vez, em comparação à vastidão galáctica que sempre cobria as cidades, livres de qualquer iluminação depois que o apocalipse se instaurou, o céu do interior não parecia tão impressionante. Provavelmente era apenas exagero meu, embasbacada com tantas janelas iluminadas nos prédios e nas casas. Chapecó também tinha aquilo, mas a parte habitada da cidade se resumia aos dois bairros e não se estendia para além disso.

Atrevi-me a pensar se, na vastidão daquela cidade, meu pai ainda poderia estar vivo. A sua última tentativa de comunicação comigo foram ligações nas quatro horas em que passei trancada no banheiro do colégio. Depois disso, não respondeu mais nenhuma das minhas mensagens, mesmo que o sinal de telefone não tivesse ficado completamente instável por mais alguns dias. Era difícil compreender que tipo de sentimentos aquele pensamento me trazia. Já havia internalizado há tanto tempo sua morte que sequer me parecia esperança e sim apenas uma ilusão ingênua.

Respirei fundo e continuei andando, sem querer lidar com aquilo.

Passei por um supermercado e, ao seu lado, o que parecia ser um antigo clube, mas ambos estavam fechados. Não apenas com as portas de metal abaixadas, mas sim com as janelas cobertas com tapumes que sugeriam que não estavam em funcionamento. Era impossível não começar a me perguntar se havia comércio naquela cidade, como era feita a distribuição de suprimentos, se o cultivo próprio conseguia alimentar a todos ou se grupos de busca e saque ainda eram necessários...

Um odor gostoso soterrou aqueles pensamentos e arregalei os olhos quando percebi que... eu não havia sentido nenhum cheiro ruim até então. Não porque já estava acostumada com o fedor da podridão ou do sangue, mas sim pois simplesmente não havia qualquer uma daquelas coisas à vista. As calçadas estavam livres de lixo (o que já era raro mesmo antes do apocalipse, pensei, então também me perguntei se ali havia serviço de coleta). Também não havia sinal de corpos ou zumbis, mas aquilo também não existia em Chapecó, e nem assim aquela cidade conseguiu se livrar do cheiro de morte que impregnava o mundo.

Em Esperança não era assim. Quando eu inspirava, sentia apenas o cheiro da grama úmida de orvalho que parecia se misturar com o frio da noite e carregá-lo para dentro de mim. E então, havia aquele novo aroma de comida quente que fez minha barriga roncar.

— Boa noite.

Só percebi a presença daquele senhor quando ele chegou perto demais e, ainda assim, quando retornei dos meus devaneios, ele já tinha passado por mim, seguindo seu caminho pela rua de onde eu vim. Olhei para a sua figura enquanto partia. Era um pouco mais baixo que eu e usava um sobretudo de lã, com um chapéu cobrindo a cabeça cujos cabelos ralos provavelmente deviam ter a mesma cor grisalha da barba. Ele mancava, apoiando o peso de uma das pernas em uma bengala.

Não consegui encontrar a voz para respondê-lo, até que um som estridente me fez pular de susto. Franzi as sobrancelhas e busquei por ele, não demorando a encontrar um Yorkshire que me encarava pelas grades do portão de uma casa. Era uma criaturinha tão pequena e estava profundamente incomodada com o meu coturno, que devia ter quase o seu peso. Pensei em Mei e quis vê-la mais do que nunca, então lembrei que Victória me garantiu que ela estava a salvo na casa da mulher que me resgatou.

— Com licença! — Virei na direção do homem e minha voz saiu alta demais para aquela noite tranquila. Ele já estava a uns bons passos de distância, mas virou para mim. — O senhor sabe onde posso encontrar Victória?

Ele franziu a testa e se aproximou um pouco mais.

— Ahn, Victória Carvalho — tentei. — É uma garota da minha idade, um pouco mais alta, magra... Tem a pele negra e cabelos lisos...

A expressão dele se clareou um pouco, mas ainda me olhava como se eu falasse algo estranho. Então, lembrei que diferente da maioria dos outros lugares que já estive, a chance era que nem todo mundo ali se conhecesse pelo primeiro nome.

— Bom, ela deve estar lá no refeitório da igreja.

— Sabe me dizer onde fica? — A expressão dele pareceu ainda mais confusa. — Desculpa, eu... sou nova por aqui.

O senhor me olhou de cima a baixo, mas não parecia necessariamente desconfiado. Seus olhos se demoraram no corte no meu antebraço e percebi que uma nova linha de sangue escorria dele. Parecia que minha luta com Lorenzo tinha acontecido há dias atrás, e não a apenas alguns minutos.

— É só descer essa rua e virar à direita na próxima rotatória. — Ele apontou adiante. — De lá, você já vai conseguir ver a igreja. Fica perto da praça. Ao lado, tem um ginásio onde servem as refeições comunitárias.

— Muito obrigada — falei. — E, hm, boa noite.

Ele continuou me olhando com uma expressão curiosa até eu virar de costas e seguir na direção indicada. Apesar de ter estranhado a minha presença, não parecia alarmado ou mesmo assustado. Quando virei para trás, o vi seguindo seu caminho com a mesma calma com a qual me desejou boa noite.

Eu já devia ter passado pelo centro da cidade e agora estava em uma área residencial. Grande parte das casas parecia habitada, mas um número significativo também estava com as luzes apagadas e sem sinal de vida. Aquela cidade ficava em um terreno repleto de morros e eu estava alcançando a parte mais plana, onde as residências se tornavam menores e mais humildes. Percebi tarde demais que estava divagando e perdi a rua para virar à direita, então precisei andar um pouco mais para voltar. Àquela altura, eu já estava congelando de frio.

Enquanto caminhava em direção à igreja opulenta, em meio às árvores da praça, lembrei de quando voltava para casa do colégio. O ônibus me deixava a algumas quadras de casa e eu precisava caminhar durante o crepúsculo até a minha casa — no inverno, ficava escuro bem mais cedo.

No meio de tantas lembranças e tantas novas perguntas, meu coração parecia prestes a explodir. Eu me sentia em um sonho e, ao mesmo tempo, mais acordada do que nunca. Sentia-me como se tivesse sido transportada para outra dimensão, uma nunca alcançada pelo apocalipse. Tudo parecia a imagem perfeita de uma cidade antes do caos, mas então meus olhos subiam um pouco para os muros de concreto que limitavam a visão do exterior e eu lembrava o que havia do lado de fora.

Eu não sabia de qual dos dois lados sentia mais medo.

Era estranho ver tantos rostos diferentes, pessoas passeando com suas famílias ou conversando com vizinhos. Sentia-me particularmente deslocada quando lembrava que havia acabado de sair de uma cama de hospital, repleta de cicatrizes, e que quase havia sido morta na noite anterior. Como se a minha presença nunca fosse se encaixar em um local tão pacífico e distante de qualquer pesadelo.

Mas então eu pensava em Lorenzo (sentia medo de encontrar um rosto conhecido de outro membro do seu grupo a qualquer instante). Pensava no médico que permitiu que ele chegasse até mim quando eu estava mais vulnerável. Lembrava do medo de Victória e do aviso que eu poderia trazer problemas para ela se saísse sozinha. Parecia um mundo completamente deslocado do apocalipse, mas eu sabia que, independente do quão diferente fosse, ainda havia nascido dele.

Pensei em que segredos aqueles muros — que agora me protegiam, mas também poderiam me prender — escondiam.

Parei diante da igreja.

Os caminhos da praça bem iluminada e arborizada levavam até aquela construção imponente. Apesar de haver luz por trás das janelas de vitrais coloridos, nenhum som me indicava que uma missa estava acontecendo. Na quadra seguinte, encontrei o ginásio ao qual o senhorzinho se referiu, de onde pareciam vir uma infinidade de vozes. Qualquer zumbi conseguiria ouvir aquela baderna a metros de distância.

Engoli em seco enquanto caminhava até lá. Um casal bem agasalhado subiu a escadaria até as portas duplas e o homem abriu uma delas para a garota entrar. O único garoto sentado nos degraus com um capuz escondendo o rosto não parecia um segurança — ou sequer prestava atenção em quem passava por ali. Na verdade, diferente de Chapecó, onde você sempre encontraria um "soldado" pelas ruas, eu não encontrei nenhuma figura armada que sugerisse uma posição de proteção ou defesa. Não sabia se aquilo me tranquilizava ou não.

Quando me aproximei, o cheiro de comida quente se tornou ainda mais intenso. Demorei a encontrar coragem para empurrar as portas duplas, tentando ajeitar mais uma vez os cabelos desgrenhados e limpar o sangue do braço nas minhas roupas. Antes de encostar no empurrador, o rosto de Valentina veio à minha mente. Será que eles já estavam de volta? Fazia sentido, se Lorenzo já tinha me achado. Eu nem sabia se encontraria mesmo meus amigos ali. Poderia me deparar apenas com pessoas que já sabiam que eu havia matado um deles. Não significava nada que não tivessem me reconhecido na rua escura, pois se Valentina, ou até mesmo aquele Ian estivesse ali, bastaria que apontassem para mim.

E ainda havia um cenário ainda pior do que qualquer outro: se Victória fosse a única pessoa conhecida que eu encontrasse ali. Se o motivo de não ter visto Guilherme e Melissa até agora fosse porque eles simplesmente já estavam mortos e ela não teve coragem de me contar.

O garoto loiro na escada ergueu o rosto para mim, provavelmente estranhando que eu tivesse ficado parada ali por tanto tempo, e me obriguei a empurrar as portas, mesmo que as minhas pernas estivessem fraquejando. A sensação foi um pouco opressora quando percebi que lá dentro havia no mínimo o dobro de sobreviventes totais de Chapecó.

A aparência do ginásio era um pouco antiga, com seu chão de madeira e a tinta das paredes um pouco descascada, e diversas mesas de refeitório estavam organizadas em fileiras. De certa forma, lembrou-me um pouco do meu antigo colégio, não fossem as pessoas de todas as idades que se dividiam entre elas, rindo e conversando entre si. O nível do barulho quase me ensurdeceu.

Cambaleei enquanto caminhava para dentro e por sorte não caí, mas meu movimento abrupto atraiu a atenção das pessoas mais próximas. Percebi que além das mesas de refeição lotadas, também havia uma fila gigantesca que dava uma volta completa no local, todos esperando a sua vez na cantina, onde algumas mulheres se dividiram para servi-los.

Crianças passavam zunindo como abelhas, sendo repreendidas por pais que, sinceramente, tinham aparências tão desgastadas quanto a minha. Em algumas mesas encontrei grupos de adolescentes e tive um déjà vu de quando eu e os sobreviventes da escola estávamos juntos. Haviam também senhores e senhoras muito idosos, além de adultos de diversas idades. Era impossível absorver uma única característica de qualquer pessoa, pois não podia impedir que meus olhos voassem de um rosto a outro, procurando por qualquer semelhança com meus amigos — ou até com algum inimigo.

Não sei por quanto tempo fiquei ali, completamente parada em frente à entrada e me sentindo sufocada com tanto tumulto. Talvez até tivesse ficado envergonhada quando percebi olhos arregalados se virando para mim, se não estivesse tão atordoada. Então, pela primeira vez, encontrei armas. Em uma das mesas de canto, mais próximas à parede, vi homens fardados com pistolas aparecendo em seus coldres. Meus olhos foram imediatamente atraídos para um deles, que já havia me notado. Mais precisamente para os seus óculos escuros mesmo no espaço interno, que já seriam suficientemente chamativos se ele não estivesse usando um chapéu de cowboy.

Não consegui me mover, mas mesmo se pudesse, sequer sabia para onde ir. Senti a respiração descompassada e não sabia se era a iminência de um desmaio, ou se o tumulto realmente estava diminuindo. Ali dentro estava abafado em comparação à rua e minhas mãos suavam. Aos poucos, mais olhos começaram a se virar para mim e as conversas se transformaram em sussurros de curiosidade e apreensão. Procurei, procurei e procurei, mas parecia impossível encontrar alguém. Meu coração estava prestes a pular pela boca e, para cada lugar que eu olhava, mais pares de olhos se encontravam com os meus — nenhum deles nem remotamente familiar.

A minha impressão era de que um silêncio sepulcral uma hora se espalhou, mas provavelmente era apenas uma impressão causada pelo meu nervosismo. Ainda assim, quando um estrondo ecoou pelas paredes, diversas pessoas também levaram um susto. Um pedaço de cerâmica branca rolou até os meus pés e me virei para onde uma bandeja com duas combucas estava espatifada no chão.

A sensação foi exatamente a mesma de quando o vi pela primeira vez, quando nossos olhos se encontraram enquanto eu subia uma escadaria para fugir de um grupo de zumbis e ele saía da sala da coordenação do nosso antigo colégio. Daquela vez, os olhos de Guilherme me trouxeram alívio simplesmente por pertencerem a outro ser humano; desta, por serem tão familiares.

Ele estava diferente da última vez que o vi, mas ainda mais lindo, mesmo com os fios rebeldes do cabelo loiro escuro escapando do meio coque. Sua pele estava muito mais pálida em comparação a quando estávamos juntos no verão e em uma das bochechas vermelhas de frio, havia uma cicatriz que eu nunca tinha visto. Usava roupas elegantes de frio, um cachecol marrom enrolado no pescoço e estava completamente imóvel enquanto me encarava. Victória estava bem ao seu lado e parecia ainda mais bonita do que quando a encontrei no hospital, com seus fios escuros perfeitamente alinhados sob uma boina creme que combinava com o casacão da mesma cor que engolia seu corpo. Percebi que seus olhos estavam delineados e os lábios brilhando de gloss. Sinceramente, os dois pareciam modelos entre o resto das pessoas com aparência cansada e roupas casuais, mas podia ser apenas a minha mente vendo-os por trás de lentes cor-de-rosa depois de tanto tempo sentindo sua falta.

A impressão que eu tinha era que o tempo havia parado para nós e, mesmo que não fosse verdade, não me importei. Foi impossível não abrir um sorriso ao ver a descrença no rosto de Guilherme e tudo ao meu redor virou um borrão quando corri em sua direção, não me importando com os cacos de vidro e restos de sopa que esmaguei com o meu coturno.

Por uma única batida de coração, fiquei com medo que ele desaparecesse e eu acordasse de um sonho, mas meus braços rodearam seu pescoço e senti o calor do seu corpo quando o apertei com toda a força contra mim. Meu coração, que já estava disparado, doeu de tanta alegria quando ouvi o mais leve dos sons de surpresa escapando de seus lábios, e mesmo por trás daquela nova fragrância de pós-barba, até seu cheiro era familiar pra mim.

Apertei-o tanto que meus braços doeram e o senti rodeando timidamente a minha cintura, mas não encontrei a intensidade que eu esperava. Ao invés disso, Guilherme parecia completamente atordoado.

Afastei-me depois de vários segundos, sorrindo como uma idiota. Ele me olhava como se não conseguisse acreditar que eu estava ali.

— Rebeca... — Foi um sussurro tão baixo que apenas eu e Victória conseguiríamos ouvir.

— Rebeca, querida. Você acordou! — Victória o interrompeu.

Minha amiga sorria, mas sua expressão estava bem diferente do alívio sincero que encontrei no quarto de hospital. Ao invés disso, mostrava os dentes de uma forma plástica e soava dura, como se precisasse fingir que estava feliz em me ver.

Se ela percebeu a confusão em minha expressão, não demonstrou. Ao invés disso, puxou-me para um abraço. Envolvi seu corpo com os braços, percebendo que não tive a oportunidade de fazê-lo enquanto estava deitada no hospital, mas hesitei ao sentir algo pressionando meu estômago. Discretamente, Victória apertou as unhas no meu braço com tanta força que provavelmente teria deixado marcas se eu não estivesse usando mangas compridas.

— Sua idiota... — sussurrou, tão baixo que a princípio tive dificuldade de entender. — Rebeca, por favor, me acompanha.

Ela desfez o abraço com muito mais pressa do que aquele reencontro merecia. Assustada com o volume que senti, prestei atenção pela primeira vez em seu corpo na mesma hora que ela pousava a mão sobre a barriga.

Era um pouco difícil deduzir, considerando o volume natural do casaco, mas se você soubesse no que reparar, a gravidez de Victória ficava evidente.

Guilherme continuava imóvel, incapaz de soltar uma única palavra enquanto seus olhos nunca desviavam dos meus. Existia ali uma inegável alegria em me ver, mas parecia soterrada por diversas camadas de medo. Victória estendeu a mão na direção dele e entrelaçou seus dedos.

— Ah, você o reconheceu — ela falou, naquele mesmo tom artificial que imitava seu sorriso. — Este é o Guilherme, Rebeca. O meu marido.


Fim do livro três.


✘✘✘


Nota da autora:

Sim, é isso mesmo: eu terminei o livro com um gancho 🙈

Eu esperei por essa cena POR TANTO TEMPO — mais precisamente, desde o final do ÚLTIMO livro — e nem consigo acreditar que finalmente chegamos nela. Agora, nesse exato momento, finalmente veio o medo de apertar "Publicar" porque percebi que vocês vão me matar-

MAS ESPEREM: se vocês me matarem, eu nunca vou conseguir escrever o próximo livro!!

Eu confesso que me sinto tão entorpecida quanto a Rebeca caminhando pelas ruas de Esperança. É uma mistura de sentimentos enorme: a nostalgia de lembrar do fim dos outros livros, o alívio de chegar ao final de mais um e a antecipação de saber o que nos espera nessa história. E, bem no fundo, eu nem consigo acreditar que chegamos até aqui.

No último livro eu perguntei qual deles vocês preferiam, Em Decomposição ou Em Desespero, mas eu sinceramente acho que ninguém vai preferir o Em Fúria kkk esse livro foi caos seguido de mais caos seguido de "meu deus o que que tá acontecendo" seguido de "eu não acredito que a Rebeca se fodeu DE NOVO". E agora esse final. Então, ao invés disso, vou perguntar: vocês acham que esse foi o livro em que eu fui mais cruel? Eu acho que sim.

Vocês acreditam que, nos primeiros capítulos, estávamos todos surtando de alegria porque o trisal finalmente se oficializou? Para vocês também parece que se passaram ANOS desde aquilo?

Eu juro, eu estou TREMENDO de ansiedade para começar os planejamentos do Em * e Em * (não vão nem dar a quantidade de asteriscos por enquanto 🤭). Eu falo sem nenhum medo: vocês NÃO ESTÃO PRONTOS para o que essa saga reserva.

E acho que todos vocês já sabem como vai ser daqui para frente: não vou me alongar muito nessa notinha final, porque em breve aparecerei com um capítulo próprio de agradecimentos e também a previsão para a publicação do próximo livro 🖤 Ainda vamos nos ver mais uma vez (mais várias, eu prometo).

Mas, por hoje, vou mais uma vez agradecer com cada pedacinho do meu coração por terem chegado ao final de mais um livro e por sonharem junto comigo mais uma vez. É completamente inexplicável a honra que significa para mim ter tantas pessoas me acompanhando nessa jornada e espero que ela tenha sido tão prazerosa e caótica para vocês quanto foi para mim.

Eu amo vocês do fundo do meu coração.

Fiquem a salvo, não deixem de sonhar e jamais sejam mordidos.


Fomos forjados na Decomposição.

Até que o Desespero se transformou em Fúria.

E ela iniciará a...

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