Capítulo 65.
Pensei em muitas coisas para as quais "festa" poderia ser um eufemismo. Que, assim como Klaus fez, reuniria seus homens para me torturar em um interrogatório. Ou qualquer destino pior para uma mulher.
Mas não, eles realmente estavam dando uma festa e eu fui levada para lá.
Pelo menos, em consequência da interferência daquela mulher. Eu não sabia exatamente o que Lorenzo pretendia fazer comigo se Louise não tivesse aparecido.
— Pelo amor de Deus, Lorenzo. Ela é só uma menina!
— Cala a boca, Louise.
A garota protestou mais uma vez conforme eu era arrastada pelo braço para dentro da casa e continha um grunhido de dor pela brutalidade do aperto dele. Aquele que se chamava Ian entrou em seguida, depois de cumprir a ordem que recebera para amarrar Mei na varanda. Apesar do coração engasgado na garganta, sabia que gritar seria perda de tempo, assim como implorar por qualquer tipo de misericórdia — ninguém poderia me ouvir e, se nem os gritos de uma suposta aliada o comoviam, não seriam os meus que mudariam algo.
Uma das garotas que estava na sala com uma taça de vinho na mão deixou um grito escapar quando fui empurrada para dentro, atraindo suas amigas que estavam na cozinha.
O que se seguiu foi uma pequena comoção conforme Lorenzo me jogava no chão no centro da sala e o resto deles tentava acalmar as garotas. Alguém baixou a música, mas continuava com copos de bebida nas mãos. Louise era a única que mantinha a calma e, apesar de nunca falar nada, o olhar de repreensão não abandonava Lorenzo.
— Meu Deus, ela tá bem?! — Uma garota que eu não tinha visto até então perguntou. Seus cabelos cacheados estavam presos em um rabo de cavalo e a pele marrom sem qualquer linha de expressão sugeria que tinha a idade próxima à minha.
— E a cachorra? — Dominic perguntou, ignorando-a.
— As duas estão bem. A cachorra tá lá fora e Lorenzo só amarrou a garota. — Ian explicou.
— Cara... eu não acredito. Não era para ninguém saber que a gente tava aqui... — O garoto mais novo não parecia capaz de conter a ansiedade, balbuciando sem parar enquanto passava os dedos pelos cabelos escuros.
Continuei quieta, observando-os. Os que estavam mais próximos a mim eram Lorenzo e Ian, e não aparentavam o mesmo nervosismo com a situação. O resto dos convidados da festa que eu estraguei estavam espalhados pela sala de estar, nos mais variados graus de estresse; Louise tentava acalmar as duas amigas, a ruiva e a morena alta, com uma expressão de tédio para seus choros exagerados; a menina de rabo-de-cavalo conversava com Miguel e, além de serem os mais novos, percebi que também eram um casal; Dominic coçava a cabeça, incomodado e sem tirar os olhos de Lorenzo, como se esperasse por alguma ordem.
Segui seus olhos até o líder do grupo, que estava de cabeça baixa e em silêncio. Como se em resposta a mais um balbuciar nervoso do garoto mais novo, tirou um cigarro do bolso da calça e o levou aos lábios. Ian, que parecia agir como seu braço direito, ofereceu um isqueiro para ele.
— Calem a boca todos vocês — Lorenzo mandou, sem alterar o tom de voz, e foi obedecido. — Miguel, para com essa merda. Não precisa se preocupar, ninguém vai saber de nada disso.
Tranquei a respiração quando ele se aproximou, seus coturnos fazendo um barulho pesado contra o piso de madeira. Chegou quase ao meu lado e se agachou, de maneira que pudesse me olhar nos olhos.
— Podem ficar tranquilos. Tenho certeza que a Rebeca quer ser a nossa amiga — falou, o tom quase entediado enquanto dava dois tapas no meu ombro. — Ela nem está tentando gritar. Você só estava no lugar errado na hora errada, não é mesmo?
Todos os seus movimentos pareciam debochar de mim. Mesmo que eu estivesse com as mãos atadas nas costas, a proximidade deixava claro que não me achava nem remotamente perigosa.
Decidi jogar seu jogo.
— Eu... Sim! — implorei, esperando que a minha voz soasse estridente o suficiente para sugerir desespero, mas não demais, para que ele ainda levasse a sério. — Estava a caminho de Esperança com a minha cachorra. Eu soube que a cidade foi reerguida e...
— Ela nunca caiu. — Lorenzo me cortou e tragou o cigarro, soprando a fumaça acima da minha cabeça. — De onde você estava vindo mesmo?
Por um segundo pensei em usar a história que Ana me sugeriu, que eu e Mei sobrevivemos todo aquele tempo sozinha e só agora achamos necessário buscar por um grupo. Porém, olhando para os olhos claros e incisivos de Lorenzo, vi ali sua pouca disposição em acreditar em qualquer coisa que eu dissesse. Se ele não me via como uma ameaça, também não me respeitaria o suficiente para acreditar que eu e minha cachorra havíamos sobrevivido até ali sozinhas.
Decidi então ser mirabolante o suficiente para que ele ao menos me desse o benefício da dúvida.
— Eu venho de Chapecó — falei e percebi a mudança de expressão imediata dele, captando algum interesse. — Sou filha de Carol, a mulher de Pantera.
Depois daquelas palavras, todos ficaram em silêncio. Engoli em seco, mas confiava que havia feito uma escolha segura. Pelo menos, já conheciam aquela cidade, o que parecia menos pior do que pegá-los de surpresa.
— Mulher dela? — As sobrancelhas loiras de Louise se uniram.
Ian deixou um riso sem graça escapar.
— Era óbvio que aquela aberração era uma sapata.
Mas a expressão de Lorenzo não se alterou.
— Eu não lembro de vocês.
— Chegamos lá recentemente, há menos de dois meses. — Torcia para que, nas vezes que a minha voz falhava, ele assumisse que fosse apenas por medo. Continuei inventando a história, tentando trazer o máximo de detalhes possíveis: — Saímos de Itajaí há cinco meses, depois que meu pai morreu. Tínhamos um grupo, alguns vieram conosco, mas até chegarmos a Chapecó, várias pessoas acabaram morrendo. Eu, mamãe, Samuel, Odin, Alice, Paulina... — Inventei nomes e roubei alguns de amigos, qualquer coisa para dar mais credibilidade à mentira. — Enfim, alguns de nós conseguimos chegar. Pantera me contou que vocês não têm uma boa relação... mas estamos precisando de comida lá. Eu insisti para tentarmos contato, negociar, mas ela e minha mãe proibiram meu envolvimento, acham que eu sou muito nova, muito ingênua... Então brigamos e eu resolvi fugir. Pensei que, se eu chegasse em Esperança sozinha, pudesse mostrar que eu não era uma ameaça e talvez... Vocês... são de lá?
Coloquei tudo de mim naquela atuação, forçando uma voz baixa e receosa, mas não completamente incompetente. Juntei informações falsas às verdadeiras, tentando tecer ao máximo aquela história. Pelo menos, sabia que havia acertado ao mencionar o nome de Pantera. Todos prestavam atenção em mim.
Lorenzo segurava o cigarro queimando entre os dedos e me encarava. Seus olhos desfocaram por alguns instantes, sugerindo que estava pensando, então Dominic quebrou o silêncio da sala murmurando um "Somos". Lorenzo o fuzilou com os olhos.
— Mulher da Pantera... Filha dela... — Louise murmurou, repetindo minha mentira. Então praticamente sussurrou: — Seu pai vai gostar de saber disso, Lorenzo.
Ele direcionou seus olhos afiados a ela, que tinham um tom de azul tão claro que quase pareciam cinzentos. Então deu de ombros e murmurou um "eu sei". Pela forma como todos o tratavam e baixavam a voz quando falavam, ficou evidente como o respeitavam, mas, principalmente, também o temiam.
Estava tão nervosa com a proximidade dele que levei um susto quando se levantou repentinamente. Pareceu satisfeito em me causar desconforto.
— Bom, Rebeca, então vamos fazer o seguinte: amanhã, você vai voltar com a gente para Esperança. Vai poder negociar pelo seu grupo — falou. — Mas vai ter que passar a noite aqui.
— Lorenzo, mas e... — Miguel tentou falar, mas foi interrompido:
— Não se preocupe. A Rebeca não vai falar nada para ninguém sobre a nossa festinha, já que estamos fazendo um favor para ela. — Então, Lorenzo pegou uma garrafa com um líquido transparente na mesa de centro e verteu um pouco em um copinho de dose. Esticou em minha direção, como se propusesse um brinde. — Não é?
Queria cuspir na cara dele, sentindo a aspereza da corda machucando meus pulsos.
— Claro que não... eu só quero chegar até lá em segurança.
— E você vai, eu prometo. — Ele virou a dose e colocou o copinho sobre a garrafa, mas não a soltou. — Só que vai ficar trancada hoje. Espero que não fique ressentimento entre a gente, é apenas uma questão de segurança. — Tranquei a respiração de novo quando ele se aproximou e segurou meu braço com a mão. Seu aperto era forte. — Anda, vamos.
— Lorenzo, precisa mesmo deixar ela presa? — Louise insistiu. — É só uma garota.
Mais uma vez, ele a encarou com uma expressão quase assassina. Toda a sua postura, a forma como falava e seus movimentos, tudo me deixava insegura, como se fosse uma bomba prestes a explodir. Admirei a coragem daquela garota em se impor.
— É para a nossa segurança também, Lou. — A ruiva se aproximou dela e segurou seu braço. Sua voz era exageradamente manhosa, como se quisesse forçar inocência.
— A Andie tá certa, Lou — Lorenzo falou, a voz afiada, então piscou para a ruiva. — Não se preocupa, mais tarde vamos levar algo para ela comer e beber. Até lá, a nossa festa vai continuar... não esperamos tanto para deixar um contratempo estragar tudo. Aumenta a música, Ian.
Em resposta às palavras dele, Andressa soltou um gritinho de comemoração e a outra garota a acompanhou. Ian obedeceu e aumentou a música na caixa de som, então senti um puxão no braço. Lorenzo me encarava com a expressão fechada. Sabia que a melhor escolha que eu tinha a fazer era seguí-lo.
Guiou-me pelo braço até uma porta ao lado da escadaria que subia para o segundo andar. Abria para um quarto simples, com uma cama de casal, duas mesas de cabeceira e um armário duplo. A única janela estava com o vidro e as venezianas fechadas. Parecia limpo, como o resto da casa, e alguns objetos espalhados sugeriam que era utilizado com relativa frequência.
Lorenzo encostou a porta depois que passamos, então intensificou ainda mais o aperto no meu braço, arrancando-me um gemido de dor.
— Você não vai contar pra ninguém sobre o que viu aqui, porque eu vou te fazer se arrepender se tentar. — sibilou no meu ouvido. — Os únicos que vão se foder são eles e eu vou voltar pra torturar você e a sua cachorra. Estamos entendidos?
Ele me apertou ainda mais, mas contive a careta de dor e apenas assenti.
— Ótimo — falou e me puxou com força, até que eu caísse de joelhos no chão. Então me empurrou para trás e caí sentada com as costas na quina da cama. — Você vai passar a noite aqui e amanhã te levamos para Esperança. Não tente chamar por ninguém. Qualquer gracinha que você fizer, eu vou explodir sua cabeça, entendeu?
— Entendi, Lorenzo — respondi, sem desviar os olhos dele apesar do quarto escuro tornar praticamente impossível distinguir seus traços.
Ele se agachou ao meu lado e segurou meus pulsos para trás. A princípio fiquei confusa enquanto ele fazia força, então percebi que erguia a cama para colocar uma das pernas dela no meio dos meus braços amarrados, mantendo-me presa ali.
— Sabe, eu até estou começando a gostar de você. Não faz perguntas bestas, sabe que não adianta chorar — falou, próximo a mim. Então, senti o cheiro forte de álcool quando ele abriu a garrafa de bebida e encheu outra dose. Ao invés de tomar, levou até os meus lábios. — Agora, beba isso.
Agradeci pela baixa iluminação provavelmente disfarçar a forma como franzi as sobrancelhas, até finalmente entender o sentido de suas ações. Ele queria me embebedar para garantir que eu não estaria apta a tentar nada.
— Eu não bebo — tentei, sem erguer a voz.
— É? Eu não estou nem aí. — Ele empurrou o copo mais uma vez contra a minha boca, forçando-a contra um dente. — Beba logo. Não faça eu me arrepender de falar que estava gostando de você.
Esforcei-me para pensar em alguma maneira de sair daquela situação, mas ele não parecia disposto a me dar outras opções. Então cedi e tomei a dose que ele verteu dentro da minha boca, deixando uma tosse genuína escapar em seguida. A vodka fez minha garganta arder, mas apesar do desconforto, não fiquei muito preocupada. Estava acostumada a beber com Melissa e apenas uma dose não iria me derrubar.
Então, Lorenzo me serviu uma segunda.
Dessa vez, sabia que implorar não levaria a lugar nenhum e bebi sem falar nada quando ele a empurrou até mim. Quando serviu a terceira, comecei a me preocupar de verdade. Foi ele quem tomou, mas meu alívio não durou muito, pois serviu mais uma.
— Que cara de preocupação é essa? Só estou tentando te deixar no clima da festa — falou, com um sorriso debochado no rosto. Levou mais aquele copo aos meus lábios, obrigando-me a beber. — Além do mais, essa posição que você está parece uma merda. Vai te ajudar a pegar no sono.
Ignorando o gosto ruim, mantive a bebida na boca e fingi engolir. Respirei fundo enquanto ele enchia outra vez o copo e me fazia beber mais. Então, fiquei imóvel com a bebida na boca, esperando que ele não percebesse.
— Pronto, a última — falou, depois que eu "bebi". — Infelizmente não posso te convidar para a festa, mas isso vai deixar a sua noite bem melhor. Nem pense em tentar alguma coisa, porque sempre vai ter alguém te vigiando.
Respirei pelo nariz, lutando contra o gosto amargo na boca, e assenti. Ele ficou me observando pelo que pareceram horas e temi que estivesse desconfiando de algo, mas afinal deu uma última olhada no quarto e saiu pela porta, batendo-a atrás de si.
Cuspi a vodka no chão, sentindo a boca e a garganta arderem, e tive de conter a vontade de imediatamente recuperar o canivete no meu coturno para cortar as amarras. Eu podia tentar fugir, aproveitando o volume alto da música e a distração deles, mas não sabia quanto tempo demoraria até que decidissem verificar o quarto. Eu teria alguns minutos, talvez até uma hora, para tentar me afastar o máximo possível e me esconder, mas se fosse encontrada, teria piorado completamente a minha situação.
Podiam machucar Mei para me punir.
Parecia-me mais seguro esperar até que eles fossem dormir se eu quisesse evitar ser flagrada. Mas isso poderia virar contra mim, se decidissem deixar alguém de vigia dentro do quarto.
Então, cogitei simplesmente continuar ali. Acreditar nas palavras de Lorenzo e esperar até a manhã seguinte, onde supostamente me levariam à Esperança. Eu não conseguia confiar inteiramente naquilo, mas ao mesmo tempo... eles já poderiam ter me matado, se quisessem. Bem ali, longe de qualquer testemunha, e dar meu corpo ainda quente de comida ao primeiro zumbi que encontrassem. Se a intenção fosse me levar para lá a fim de me tortura, bom, também poderia ser feito ali.
Independente de qual decisão eu tomasse conforme a noite se estendia, passei os minutos seguintes me contorcendo para alcançar o canivete que guardei no coturno. Quando finalmente o recuperei, escondi-o dentro do cós da calça e esperei.
Sem saber exatamente pelo quê.
✘✘✘
A pior parte, como sempre, era pensar em Mei. Remoer-me de agonia imaginando se ela estava bem e se eu seria capaz de mantê-la a salvo. Ou se, afinal, havia sido um erro trazê-la comigo. Minha parceira poderia estar com Pantera e Samuel, a salvo e bem alimentada, ao invés de passando a noite sozinha e confusa ao relento.
Quando imaginava aqueles cenários, precisava me segurar para não abandonar o bom senso e tentar fugir.
Para o meu consolo, pelo menos havia se mostrado uma boa ideia esperar para ter certeza de que não viriam conferir o quarto, pois Lorenzo ou algum outro homem o fazia em intervalos de meia hora. Ninguém percebeu o chão molhado da bebida que cuspi ou me obrigou a tomar mais — eu já sentia meus sentidos suficientemente anuviados com as duas doses. Ainda não era o suficiente para prejudicar meus reflexos e raciocínio, mas qualquer condição diferente de sóbria não era o que eu queria enquanto estivesse sendo mantida de refém.
Apesar disso, minha "estadia" foi calma pelo tempo que se seguiu, onde ouvi a música alta e eventuais gritos e risadas. Minha presença podia tê-los deixado receosos inicialmente, mas não tardaram a voltar para sua festinha.
Também não era difícil deduzir que, de onde vinham, não seria de bom tom fazer uma festa com som alto e bebidas alcoólicas, e por isso ficaram tão perturbados com a minha presença. Ainda que eu não me sentisse segura para usar aquilo contra eles depois das ameaças de Lorenzo, era bom ter aquele tipo de informação.
Sendo sincera, apesar das armas e da postura dos homens, absolutamente nenhum deles tinha cara de sobrevivente. Eu, Melissa, Guilherme, Victória, Samuel, todos podíamos tomar um banho, arrumar nossos cabelos e vestir roupas de festa, mas nenhum conseguia esconder as cicatrizes, as marcas de expressão que apareciam cedo demais, as olheiras quase permanentes sob os olhos... em contrapartida, aquelas pessoas pareciam ter ficado completamente imunes ao apocalipse nos últimos anos.
Comecei a imaginar como viviam, se precisavam racionar alimentos ou se haviam perdido entes queridos de maneira brutal. Tudo para não voltar a pensar na minha situação, no álcool que fazia minhas pálpebras pesarem e nas cordas amarradas no meu pulso, ou em Mei do lado de fora.
A noite se transformou em madrugada e, para o meu desespero, eu havia caído no sono duas vezes, subsequentemente acordada por quem quer que abrisse a porta para garantir que eu ainda estava ali. Estava frustrada comigo mesma, ao mesmo tempo que não conseguia evitar sentir aquelas doses de vodka me atordoando. Minha boca estava seca e minhas costas doíam, e mais de uma vez precisei segurar as lágrimas.
Já não sabia que horas eram quando o volume da música diminuiu. Pela conversa que se seguiu, algumas pessoas estavam subindo para seus quartos (um casal, como entendi pelas provocações do restante do grupo), mas outras vozes continuaram por mais algum tempo. Eu conseguia reconhecer principalmente a de Lorenzo e a da garota ruiva que falava gritando. Esforcei-me para ouvir suas conversas, na esperança de pelo menos afastar o sono, mas logo fui surpreendida com o barulho da maçaneta girando.
Pela primeira vez, não era um homem que se aproximava, mas sim a garota mais nova de cabelos cacheados. Valentina. Ergui a cabeça, curiosa com sua presença, e a encontrei acuada com apenas a cabeça para dentro da fresta da porta.
— Com licença — pediu, entrando lentamente e ligando a luz. Deixei um riso escapar.
— Toda. — Nem acreditei quando consegui brincar e quis amaldiçoar aquelas doses idiotas de vodka. Ainda assim, era muito menos desconcertante que desta vez fosse uma mulher a entrar ali.
Valentina parou por um instante, então abriu um leve sorriso. Percebi que estava com um copo de água em mãos e minha garganta pareceu mais seca do que nunca.
Observei enquanto ela se aproximava com receio, como se eu fosse um animal selvagem. Vestia um conjunto de cropped e saia pretos, que de nada condizia com o frio do lado de fora, e suas pálpebras estavam ressaltadas por uma sombra rosa clara e ela era muito bonita. Definitivamente, não devia ser mais velha que eu.
— Eu vim trazer um copo de água — sussurrou. — Você está bem?
— Fora as mãos amarradas, estou. Por que foi você quem veio, dessa vez?
Ela estava se ajoelhando perto de mim — em uma distância claramente calculada, sem se atrever a chegar perto demais — e abriu um sorriso sem jeito.
— Bom, na verdade eu insisti com Lorenzo e ele mandou que eu mesma trouxesse, se fazia tanta questão — explicou. — Eu não gosto da ideia de te deixarem amarrada aqui. Você... está com sede?
— Você está tentando me drogar ou coisa parecida? — perguntei e não era exatamente uma piada, mas a expressão horrorizada de Valentina foi um pouco cômica. Ela negou fervorosamente com a cabeça. — Nesse caso, sim. Estou com um pouco de sede.
Valentina me estendeu o copo e ergui uma sobrancelha para ela. Então, deixou um suspiro escapar ao lembrar de que eu estava amarrada. Ela pareceu profundamente sem jeito, sem disfarçar o medo de se aproximar de mim. Vi o conflito nos seus olhos, mas afinal se aproximou um pouco mais e levou o copo até meus lábios, da mesma maneira que Lorenzo havia feito algumas horas antes, mas com mais delicadeza. O líquido em questão também era muito mais bem-vindo.
Bebi até a última gota e ela se afastou de mim o mais rápido que pôde. Mesmo com o medo óbvio, vi diversas oportunidades de atacá-la em seus movimentos hesitantes. Se já tivesse soltado as amarras, poderia agarrá-la sem problemas. Não que aquilo me desse qualquer vantagem, considerando que ela gritaria por ajuda. Descartei a ideia tão rápido quanto pensei nela.
— Valentina — chamei, mantendo a voz baixa. Ouvir seu nome saindo da minha boca a pegou de surpresa. Me pegou de surpresa, pois falei sem pensar: — Você pode ser sincera comigo? Eu corro perigo? Eles realmente vão me levar para Esperança?
Observei-a morder o lábio inferior com os dentes, um pouco incerta se deveria responder. Somente aquela atitude fez meu coração disparar, mas ela finalmente cedeu e respondeu, num sussurro:
— Olha... eu não sei responder, mas sei que é melhor você obedecer Lorenzo. Faça tudo o que ele mandar. É a sua única chance agora.
Aquelas palavras tiveram um gosto ainda mais amargo do que a vodka, mas fiz o melhor que pude para segurar as lágrimas que ameaçavam vir.
— E minha cachorra? Você acha que...
— Ah, não. De jeito nenhum — falou, e provavelmente nem percebeu que havia aumentado um pouco a voz. — Para ser sincera... bom, ela é sua melhor chance. Eles precisam de animais lá, principalmente cães de serviço. Ouvi Lorenzo falar que a sua é bem treinada e responde a você. Pode ser isso que o interessou.
Fiquei alguns segundos encarando-a em silêncio, incrédula e incapaz de descrever o alívio que aquelas palavras me traziam. Durante todo aquele tempo, estava temendo pela vida de Mei sem saber que ela corria menos perigo do que eu.
— Eu não...
— Desculpa, mas eu preciso ir — Valentina me interrompeu, a urgência evidente em sua voz. Provavelmente nem deveria estar me respondendo nem conversando comigo. — Só... não desafie Lorenzo. Nem nenhum dos homens dele. O Miguel é bom, mas... as coisas são complicadas.
Ela mal terminou de falar e se virou em direção à porta, murmurando um rápido "boa noite" antes de sair tão rápido do quarto que eu não sabia dizer se ouviu o meu.
Respirei fundo, agradecendo mentalmente pela garganta reidratada que pelo menos tornava menos infernal toda aquela situação. Então repensei meus planos, tentando ignorar os ruídos de conversa do lado de fora, dos quais eu conseguia ouvir muito pouco com clareza — o suficiente apenas para deduzir que a festa estava acabando.
Eu tinha comprado o meu tempo com uma mentira que não sabia por quanto tempo era capaz de suportar. Deveria admitir que havia inventado aquilo no desespero, mas que de fato possuía interesse em intermediar um acordo entre as cidades? Ou continuar até onde fosse possível, confiando que ninguém conseguiria me pegar na farsa?
Chegar em Esperança sob a custódia de Lorenzo seria, de fato, o melhor destino que eu poderia almejar?
✘✘✘
Nota da autora:
Avisei que esse capítulo seria mais longo, não avisei? 🤭 Quase 4k palavras!
E prometo que teremos mais um essa semana, talvez sexta ou sábado.
Eu tinha prometido há algum tempo uma maratona de encerramento de Em Fúria, mas meu tempo acabou ficando bem mais apertado do que eu pretendia e acabou não rolando. PORÉM, agora finalmente consigo fazer ela acontecer 🥰
2 atualizações por semana até o final, topam? 👀 Estamos tão pertinho!
Eu toda 🥰🤩✨ e o capítulo todo 😢😱💣 kkkkkk eu amo essa história.
E aí: é melhor a Rebeca tentar fugir de uma vez ou confiar neles? Afinal, o destino final dela também é Esperança...
Será que chegaremos lá até o final desse livro? 👀
Tudo isso e muito mais... mais perto do que imaginamos.
Não sejam mordidos até lá 🖤
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