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Onofre e Lia entreolharam-se, surpresos. Lia aproveitou e pegou um livro que estava sobre a mesa de centro da sala:
— Eu até olhei este livro, "Significado dos Sonhos". Anotei algumas coisas. Quer ouvir, seu Onofre?
— Por favor.
— Pelo relato dela, selecionei algumas palavras: "Casa, quarto, berço, criança, gêmeos, porta, cozinha, homem, mulher, pia, faca e crime".
— E o que diz o livro?
— Não dá para ter uma conclusão, pois são muitas coisas diferentes. O que o senhor destacaria como mais importante?
— Hum... Acho que "crime, homem e gêmeos".
— Vamos ver o que significa.
"Crime — sonhar que comete um: evite neste dia comentários sobre planos futuros; ser testemunha de um: mudança de vida para a melhor; ver alguém cometer um: cuidado com problemas com a justiça; ver o criminoso ser preso: sorte no jogo".
"Homem — brigar com um: casamento ou noivado próximos; ver um homem nu: lucros financeiros, sorte no jogo ou promoção no emprego; gordo:..."
"Gêmeos — símbolo de igualdade assim determinado através dos tempos. Porém, na oniromancia, as imagens de gêmeos podem representar vários símbolos, principalmente os opostos como o bem e o mal, o certo e o errado, a verdade e a mentira, a riqueza e a miséria, o amor e o ódio. Este é um sonho em que os significados podem ser duplos. Seja qual for a imagem vivida pelo sonhador, somente ele pode interpretá-lo, porque é o único que conhece o seu consciente".
Nancy interrompeu-a:
— Nem precisa continuar com isso, tudo bobagem. Só lamento que o homem do sonho não estava nu. Estou louca por uma promoção.
Lia e Onofre riram, quebrando o clima de tensão. Onofre pigarreou:
— Se me permitem uma opinião, acho que esse livro está certo numa coisa, sim.
As duas quase falaram ao mesmo tempo:
— No quê?
— Leia de novo a parte que fala sobre os gêmeos.
Lia abriu o livro mais uma vez e releu. Onofre assumiu uma postura de intelectual, muito comum a ele. Reiterou, misterioso:
— Somente a última frase, por favor.
— Deixa eu ver... Ah, sim! — Lia logo entendeu o pedido. — Acho que já sei aonde quer chegar: "Seja qual for a imagem vivida pelo sonhador, somente ele pode interpretá-lo, porque é o único que conhece o seu consciente".
Onofre fitou as duas com os olhos verdes:
— Percebem? Em minha opinião, essa frase é a única coerente de toda a sua leitura, mas só se tornou coerente porque excluímos o que não tem sentido. E ela devia ser usada não só para quem sonha com gêmeos, mas para todo tipo de sonho. Respeito a oniromancia, que é a adivinhação pelos sonhos, mas sou da opinião de que só a própria pessoa, qualquer que seja o caso, pode tirar qualquer conclusão sobre os próprios sonhos. No máximo nós podemos tentar ajudar a interpretar, mas a partir do que a própria pessoa afira sobre eles.
— Afira?
— Sim, do verbo aferir... Verificar. Não se pode dizer que sonhar com isso signifique aquilo, pois o que vai no consciente e subconsciente de cada um, é particular e único, só a própria pessoa conhece. E só ela, portanto, pode emitir uma opinião sobre seus próprios sonhos.
— Então o senhor acha tudo isso bobagem?
— Diria que esse livro beira mais à crendice e ao supersticioso, pois parece querer adivinhar, relacionando os sonhos aos fatos ordinários da vida. Ele generaliza e até banaliza. Teríamos que ver o que Sigmund Freud disse a respeito, mas confesso, sou quase leigo no assunto. Ele escreveu um livro chamado "A Interpretação dos Sonhos". Eu não li, mas sei que ele diz que os sonhos representam desejos reprimidos, muitas vezes não realizados devido aos impositivos da sociedade. Quando dormimos, a mente relaxa e baixa a guarda, deixando o inconsciente agir de forma livre sobre o consciente. Segundo a psicanálise, portanto, os sonhos são um excelente caminho para o nosso psiquismo.
Nancy riu:
— Quer dizer que tenho o desejo secreto de assassinar alguém? Tome cuidado, hem, Lia?
— Vira essa boca pra lá, Nancy. Pelo amor de Deus, nem brinca com uma coisa dessas.
Nancy acariciou a mão de Lia, que retribuiu o afago, deixando Onofre um tanto quanto sem jeito. Ele ponderou, por fim:
— Particularmente, acredito que a maioria dos nossos sonhos são apenas o reflexo do nosso cotidiano, das coisas que nos preocupam no dia a dia, sendo assim, não querem dizer nada em si mesmos.
Nancy discordou, em parte:
— Mas há sonhos que são muito reais, diferentes desses do cotidiano.
Onofre teve de concordar:
— Verdade e talvez esses queiram dizer alguma coisa além daquilo que vemos ordinariamente em estado de vigília.
— Vigília?
— Sim, Lia. Vigília... Quer dizer, o período em que não estamos dormindo, em que estamos acordados. Esse é o estado de vigília.
Nancy estava encantada com Onofre. Era um homem fantástico. Quem o visse, com seu jeitinho humilde, jamais imaginaria a riqueza de seus conhecimentos, mas ela ainda tinha um problema que precisava resolver:
— E qual sua conclusão?
— Talvez seu sonho, Nancy, traga alguma mensagem verdadeira, com explicação sobrenatural. Há muitos casos desses relatados na Bíblia...
Ele fez um pequeno silêncio, para pensar um pouco mais nas possibilidades:
— Podemos supor uma intervenção extrafísica, ou seja, espiritual, mas também podemos pensar, segundo a Parapsicologia, em uma percepção extrassensorial — algum fenômeno inexplicado da mente. Em resumo: um aviso (se de ordem espiritual); ou uma premonição (se de ordem sensorial da mente).
Onofre finalizou seu raciocínio, quase sibilando as palavras, o que deixou as duas arrepiadas:
— Um aviso ou premonição... Sobre algo que está por acontecer!
— No futuro?
— É... Mas precisamos de uma pista...
— Para quê?
— Talvez para evitar que um crime aconteça!
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Na manhã seguinte, às nove horas, a campainha da casa de seu Onofre tocou insistentemente. A esposa dele saiu para ver quem era, deparando-se com Lia, que tinha o rosto afogueado.
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