11
Silvio, que era tido como um doutrinador espírita experiente, dirigiu-se ao que, na sua crença, chamavam de "Espírito comunicante":
— Ouviste bem, irmão, Jesus pediu para amarmos os inimigos.
A voz do 'Espírito' ironizava:
— Jesus! Jesus era filho de Deus... Fácil para ele...
Silvio tentou mostrar que não:
— Pelo contrário... Pense... Jesus, que era a expressão do amor, foi traído, julgado e morto, sendo um homem bom e inocente. Mesmo assim, ainda pediu, em último suspiro, que Deus perdoasse seus algozes, porque, segundo ele, não sabiam o que faziam... Já nós, não. Nós clamamos por vingança, mas quem dentre nós nunca errou e também não careceu de ser perdoado? Pense e reflita.
Célia, no que julgaram os presentes leigos em assuntos espíritas, estar incorporada de algum Espírito, rebateu:
— Não, eu não posso perdoar. Eu fui morta covardemente... — e nisso voltou-se para Lilo: — Meu pai.
Lilo assustou-se. A entonação de voz era-lhe muito familiar. Não resistiu e disse:
— Ana Maria?
Célia vertia lágrimas:
— Sim, papai... Sou eu... A tua Ana.
Mariana tencionou levantar e acabar com aquela cena, que mentalmente classificou de "palhaçada", mas Lilo colocou-lhe a destra sobre o braço, olhando-a severamente:
— Sente-se e não diga nada, Mariana.
Célia prosseguiu:
— Sou eu, pai... Sei que não acredita... Sei que não acreditam...
Lilo estava a ponto de desabar:
— Como posso acreditar que é você? Você sabe, não acredito nessas coisas.
— Mas tem a mente aberta... Quando eu era garotinha, tinha só dois anos, eu me engasguei com uma moeda e o senhor, ouvindo meus gemidos, socorreu-me a tempo. Valendo-se de conhecimentos de primeiros socorros, o senhor abraçou-me por detrás e apertou-me contra seu peito... A moeda voou longe e fui salva.
Lilo estava aturdido:
— É verdade! E eu nunca contei isso para ninguém. Fiquei com medo... Sua mãe teria me dado uma bronca enorme, por ter deixado você sozinha... Meu Deus do céu! Ninguém nunca soube disso... É você mesmo, Ana?
Lilo estendeu sua velha mão e pegou nas mãos transfiguradas de Célia, como se nas da própria Ana Maria o fizesse:
— É você mesmo, Ana?
— Sou eu, papai... Te amo muito!
Silvio, aproveitando o momento de relaxamento da 'entidade', sugeriu-lhe:
— Perdoe seu algoz, minha filha. Eu conheço a sua história, eu sei a quem você odeia, mas limpe seu coração dessa mácula e siga em frente.
Célia parecia sentir o peso de todo aquele ódio, represado por anos. Arfava:
— Meu pai, hoje mesmo o senhor disse que não podia perdoar João Gouveia... E me pede agora que perdoe José?
Lilo, comovido e realmente pensando estar diante de sua própria filha, morta há 28 anos, embora não soubesse como — e ainda que achasse tudo aquilo improvável e impossível, respondeu:
— Ana, meu bem, perdoe José. Façamos o seguinte. Eu perdoo João e você perdoa José, está bem? Não quero te ver sofrer... É o teu pai quem pede.
— João já morreu, papai. José também. Ambos foram assassinados, como eu. Ninguém escapa à justiça divina.
Aquela informação, sobre João, até onde seu Lilo sabia, era totalmente desconhecida de Célia, pois o fato dera-se há nove anos e ela e o marido moravam na cidade há apenas dois. Além disso, uma comprovação de que poderia mesmo ser Ana Maria: quando, durante à tarde, Lilo dissera não poder perdoar João, Célia não estava presente, como ela podia saber? Onofre também percebeu, mas buscou uma explicação mais parapsicológica: leitura da mente! Já Mariana tinha em mente que era o demônio quem atuava através de Célia. "Ao demônio nada é oculto", pensou. "Por isso ele sabe de detalhes tão íntimos." Cada qual, portanto, dentro de uma percepção diferente do fenômeno, buscava uma explicação à sua maneira. Para Sérgio, era tudo charlatanismo, simples assim, pois ele era do tipo prático, que analisa as coisas superficialmente e dá seu veredito de forma sumária, sem maiores exames. Mesmo assim, apresentava um argumento mais aprofundado, pois já ouvira falar da "leitura fria", na qual o suposto sensitivo arranca tudo das pessoas, numa simples conversa ou numa simples análise de gestos e palavras. Nancy, porém, sentia um aperto no peito, que não podia explicar, enquanto Lia, acostumada a livros espíritas, estava achando tudo muito lindo. Na perspectiva de Silvio e Célia, entretanto, apenas um Espírito desencarnado e atormentado, manifestando-se.
Célia parecia respirar com mais facilidade, após o pedido de Lilo, como se a 'entidade' houvesse aceitado a sugestão. Declarou:
— Eu os perdoo, a João e a José, meu pai, mas nessa mesa, existe um assassino...
E desfaleceu, sendo socorrida por Silvio e Onofre.
Todos estavam atônitos e perplexos: um assassino? A quem ela fizera referência? Entreolharam-se como na brincadeira do "assassino" e "detetive", como a dizer: qual de nós?
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