Capítulo 54.
Fora o fato de Leonardo quase ter sido mordido por um zumbi, o resto da semana decorreu sem nenhum imprevisto.
Limpamos o mercado sem incidentes, aproveitando a movimentação da maior parte dos mortos vivos para as áreas centrais da cidade, próximo ao local da explosão. Era curioso como os zumbis continuavam caminhando naquela direção, mesmo há vários dias do ocorrido. Fazia-me pensar se as criaturas se moviam por inércia, seguindo um barulho que há muito acabara, e com isso motivavam outros a os imitarem. Talvez sequer rumassem para a oficina àquela altura, atrevi-me a pensar, mas podia ser somente o que eu gostaria que fosse verdade. Queria que Hector estivesse ali, acho que ele gostaria de ouvir minha teoria.
No quarto dia já havíamos levado praticamente todos os mantimentos do local, o que coincidiu com a alta oficial de Alex. Meu amigo agora também tinha uma cicatriz de bala abaixo do peito.
— Ouvi dizer que você mandou muito, Rebeca — abracei-o, tomando cuidado com as ataduras no tronco, quando finalmente nos vimos. Também desabafou: — Minha única frustração foi ser um estorvo pela maior parte do tempo.
— Você só perdeu os fogos de artifício — brinquei — mas não fale besteira. Sem você, não teríamos conseguido tirar todos com vida do colégio.
— Mas sequer consigo ajudar vocês agora — lamentou-se.
— Meu Deus — olhei para Paulina — agora entendo como vocês se sentem.
Estávamos todos no quarto de Tom, que também se divertia com aquele reencontro, ainda em repouso na cama. Era um clima tão estranhamente leve que nos fazia esquecer da guerra que enfrentamos há quase duas semanas.
Na manhã seguinte, Paulina voltou para o condomínio enquanto eu e Leonardo finalizamos o mercado, levando Alex. Voltou no próximo dia, com Victória. Surpreendi-me em vê-la ali e só então descobri que se ofereceu para continuar lá enquanto Tom estivesse de recuperação — havia conversado com Hanna para ser sua auxiliar, com sorte colocar em prática seu tempo de estudo com Alana.
Dois dias depois, eu, Paulina e Leonardo finalmente encerrávamos a nossa estadia no hospital, praticamente duas semanas depois do combate contra Klaus. Apesar do tempo, foram poucas as pessoas que realmente pudemos conhecer — eles tinham seus próprios problemas, e por sussurros ouvidos ao acaso, suspeitávamos que estavam tentando uma aliança com o terceiro grupo daquela cidade, agora que a ameaça que Klaus representava acabada.
Hanna era sempre uma ótima companhia, além de uma ajuda inestimável. Após uma consulta (onde eventualmente caíamos na gargalhada com o quão inacreditável aquilo era), receitou-me um anticoncepcional mais adequado para cessar a menstruação e tomar continuamente, como eu estava fazendo com o meu antigo. Tentei discutir sobre a possibilidade de colocar um DIU, mas ela foi incisiva ao negar, falando que era necessário um acompanhamento médico com o qual eu não podia contar — infelizmente, falar que não tinha problema, pois eu não esperava viver por muito tempo, não a fez rir.
Vi seu irmão apenas uma vez. Yuri, filho mais novo de Jin, não era um homem de muitas palavras. Na verdade, a expressão de desconfiança se assemelhava bastante a do pai. Devia ter por volta de 26 anos, menos que Hanna, e era impossível não notar como seu corpo era coberto por tatuagens (descobrimos que trabalhava com isso antes do apocalipse, profissão que o pai nunca apoiou, resultando no relacionamento conturbado que tinham).
Jin Wang e Anderson Frota, os dois líderes daquele grupo, sempre estavam atarefados demais para gastar tempo conosco além do necessário para repassar tarefas. Agatha, a fisioterapeuta, nos contou que um dos motivos de serem escolhidos para aquele posto era o fato de assumirem papéis extremamente opostos: desde suas crenças à forma de lidar com os problemas, os dois homens tinham muita dificuldade para concordar com algo — seu diferencial era serem capazes de encontrar um acordo que satisfizesse ambos. Desde então, fazendo aquele jogo de policial bom e policial mau, ajudaram a tomar a maior parte das decisões por todos do grupo.
Questionei-me como seria acertado aquele papel de liderança naquela nossa nova formação, que unia o grupo do condomínio, os sobreviventes da escola e os antigos reféns de Klaus. Eu jamais havia almejado ou sequer concordado em precisar tomar decisões, mas pelo menos agora que haviam tantas pessoas muito mais qualificadas do que eu, talvez finalmente pudesse tirar aquele peso dos ombros.
Queria dizer que passei a maior parte do tempo restante com Leonardo, dividindo piadas de mau gosto e flertes descompromissados, mas não tive esse prazer. Ele dizia que Maitê era minha fangirl e era difícil discordar, pela forma como a garota sempre tentava se juntar a mim. A diferença entre nossas idades não era tanta (eu tinha 17, ela 15), mas talvez o apocalipse zumbi realmente tivesse me endurecido um pouco, pois não era tão fácil quanto teria sido em outra vida conversarmos. Não que eu não gostasse dela, longe disso, mas tinha um pouco de dificuldade em me perder em seus assuntos banais. Antonela, filha de 13 anos da fisioterapeuta, e Catarina, da mesma idade, também passavam o tempo conosco, e gostavam de ouvir as histórias que vivi fora das paredes do hospital.
Conhecemos também Maurício e Diego, dois militares com um bom humor que contrastava com o armamento pesado que carregavam. Alicia, uma garota de 20 anos com cara de poucos amigos, habilidade em matar zumbis e preferência por usar roupas curtas mesmo no inverno (que renderam alguns olhares mais longos do que o necessário de Leonardo, como não pude deixar de perceber). Havia Ângela e Raul e...
— Prontos? — ouvi a voz de Paulina sair com um chiado pelo walkie talkie. Como se caísse de cabeça de volta à realidade, lembrei que estávamos em uma posição extremamente comprometedora para ficar divagando daquela forma.
— Bora — Leonardo respondeu em um sussurro, movendo o braço para apoiar uma mão em minha coxa, chamando minha atenção: — pronta?
Assenti e olhei para o relógio de pulso, que acabou ficando comigo desde que usamos em nossa missão de invasão e resgate a Samuel. 16h em ponto, como combinado. Paulina provavelmente-
Quatro buzinas longas rasgaram o silêncio daquela tarde fria, criando um tumulto que começou inofensivo entre a horda de zumbis, mas em segundos já se tornava uma confusão significativa. Normalmente, quando eles ficavam parados contemplando o infinito ou andando em uma caminhada trôpega, raramente rosnavam, mas sempre que uma possível presa atraía sua atenção, iniciavam uma sinfonia de grunhidos e sons profanos.
Aquilo era só um teste, no fim, mas eu agradecia imensamente a Paulina e Leonardo por isso. Também sequer sabia se conseguiria chegar até ali sozinha, visto que o simples ato de encarar a construção chamuscada com a entrada destruída já trazia um tremor à minha espinha — porém muito menor sabendo que aquela explosão era obra minha.
Além do horror psicológico, o local estava infestado de mortos vivos. Alguns inclusive já se amontoavam em volta da van estacionada onde esperávamos, a algumas ruas de distância. Era impossível não chamar atenção chegando de carro, mas pelo menos não era um ronco alto o suficiente para alertar mortos de ruas adjacentes. Aqueles provavelmente não desistiriam de nós para seguir o som da moto de Paulina, mas seria o suficiente para darmos conta.
— Estão indo. Em bando. — Leonardo confirmou pelo walkie talkie, com um alívio estampado na voz — Faz mais uma vez.
As buzinas se repetiram e, da esquina em que estávamos, conseguimos ver como a manada de zumbis começava a se locomover em direção ao barulho. Talvez de onde estivessem, já conseguissem ouvir o som gutural da Harley Davidson — aquele era um segredinho nosso, que encontramos em nossas buscas pelas ruas próximas ao mercado, e que quase fez Leonardo chorar de alegria.
— Vamos ficar aqui mais uns dez, quinze minutos, e começamos a limpar — repeti o plano e Leonardo concordou, mas não tirou a mão de mim, sem desafixar os olhos da manada de zumbis que começava a se mover na direção contrária.
— Sabia que acho que não são todos que estão indo? — murmurou — Lá no começo, um alarme de carro já os deixava ouriçados. Agora nem todos respondem a esse tipo de som... Será que estão ficando mais inteligentes?
Quase em resposta, um dos mortos vivos que rondavam a van tentou escalar o capô, escorregou e despencou até o chão, sendo pisoteado pelos companheiros. Graças aos céus era Leonardo que estava comigo, que não me julgou quando comecei a gargalhar, mas riu comigo.
— Acha que voltamos para casa hoje? — perguntei, conforme os minutos passaram, mas já sabia a resposta. Só queria engatar em alguma conversa para me distrair da ansiedade.
— Creio que vamos precisar dormir na rua. Se fosse só recuperar os dois, podíamos seguir viagem, mas até pegar a mulher... A estrada também deve ter mais zumbis do que normalmente.
Não via a hora de não precisar dormir mais em uma cama hospitalar.
— Acho que tá mais limpo. O horário também tá ótimo, é melhor irmos antes que fique realmente escuro. Vamos começar, princesa.
Ouvir aquele apelido fez um arrepio atravessar minha coluna, enquanto eu abria a porta da van e a chutava com toda a força, lançando o zumbi pendurado nela para trás. Era impossível não lembrar também da forma como Guilherme me chamava de anjo. Eu sempre reparava, mesmo que na maioria das vezes as situações de vida ou morte não me permitissem analisar minhas emoções.
De imediato abaixei para cravar a faca da mão esquerda no zumbi caído, abandonando-a lá para virar a tempo de amparar o avanço do segundo morto-vivo com minha segunda lâmina. A Rebeca de um ano atrás achava qualquer apelidinho daquele tipo horroroso, mas aqui estava eu, ouvindo constantemente os dois mais bregas de todos. E adorando.
Com uma rasteira, desequilibrei a criatura e agarrei sua cabeça para impulsionar aa queda até o chão, enterrando-a contra o asfalto. Senti o retumbar por todo o meu braço, franzindo o rosto de dor, mas não permiti que aquilo me atrasasse. Recuperei ambas as facas, secando o sangue escuro nas roupas dos próprios zumbis.
— Tudo bem aí? — a voz de Leonardo era um sussurro entre a semi escuridão. Confirmei com outro.
Àquela altura do inverno, às seis horas da tarde, o sol já havia se posto e o céu era iluminado por uma fagulha de luz acinzentada antes do anoitecer. Era arriscado por um lado, mas nos dava uma cobertura extremamente vantajosa por outro, podendo nos mover mais livremente, sem que os zumbis conseguissem identificar nossas figuras.
Rumamos a passos ágeis rua acima, ignorando os mortos que vagavam tropegamente ainda em direção ao resto da horda, indiferentes a nossa presença. O número de silhuetas ainda era alarmante, mas só seria um verdadeiro problema se houvesse luz para nos verem.
Precisamos enfrentar alguns mortos, que por sua vez atraiu a atenção de outros, mas Leonardo era rápido em finalizá-los com seu machado, compensando pela minha demora, que precisava derrubá-los para garantir um corte mais limpo. Quando eu enfiava a faca enquanto ainda estavam em pé, havia a chance de não conseguir retirá-la no tempo do corpo cair e perdê-la temporariamente. Como pretendíamos usar o tempo a nosso favor, não era uma aposta viável.
Seguimos assim por alguns minutos até alcançar o portão de entrada da área da oficina. Precisava agradecer quem quer que teve a decência de fechá-lo, mesmo na correria em que tivemos de abandonar o local quando eu havia desmaiado, pois graças a isso o pátio repleto de veículos estava praticamente vazio — Leonardo abateu os dois únicos que se esgueiravam em um movimento rápido. Sabíamos, mesmo assim, que não havia risco de terem profanado os corpos de nossos amigos, pois aquelas criaturas só eram atraídas por carne quente.
— Qual das tarefas de merda você quer? — ele me perguntou assim que empurrei o restante do portão atrás de nós, separando-nos da rua significativamente mais vazia após o nosso avanço. Se fossemos rápidos, talvez pudéssemos sair antes de mais deles chegarem.
Percebi que Leonardo olhava para um canto próximo ao muro e segui seu olhar para encontrar duas silhuetas de corpos caídos ao chão. Imaginei que sentiria algo, mas não imaginava que a angústia chegaria tão instantaneamente, trancando minha garganta e esmagando meu coração.
— Não faz sentido eu ir atrás dela, você vai conseguir trazê-la com mais facilidade — respondi, amarga, tentando ao máximo ocultar a emoção para não atrasar nossa missão. Já eram riscos demais, eu não poderia deixar meus sentimentos criarem mais perigos.
— Não tem problema se você não conseguir — alertou-me, mas mesmo assim começou a retirar as alças da mochila das costas, para pegar o conteúdo ali dentro. Apenas pensar naqueles pedaços de plástico me dava náuseas.
— Pode ir, Leonardo — avisei — eu me viro.
Mesmo sob escuridão que se intensificava, com uma lua minguante que pouco nos ajudava a enxergar, captei seus olhos claros fixos em mim, talvez analisando minhas emoções, talvez me dando o mesmo aviso que Paulina sempre dava: eu não precisava fazer tudo sozinha.
Agradeci mentalmente sua preocupação enquanto pegava de suas mãos os dois sacos plásticos para cadáveres que pedimos ao grupo do hospital. Não interessava agora, porque aquilo era algo que eu sentia que precisava fazer. Era a última coisa que eu podia oferecer aos amigos que perdemos...
Ouvi o barulho dos coturnos de Leonardo pesados contra o chão conforme ele se afastava para dentro da oficina e finalmente permiti que as lágrimas incômodas escapassem, sentindo cada pontada agoniante que apertava meu coração. Alguns segundos deixando aquela dor indescritível me atordoar, mas eventualmente obriguei meu corpo a se mover.
Atualmente, o cheiro sempre era horrível. De tudo: dos corpos putrefatos que vagavam, do frequente encontro com comidas há muito apodrecidas sendo devoradas por ratazanas, ou o próprio ar fétido que respiramos. A parte boa é que seu nariz realmente se acostumava e acabava sequer dando atenção a esse odores — a ruim, é que agora eu não podia evitar de prestar total atenção àquilo que parecia me sufocar.
Aproximei-me de olhos fechados dos corpos, porque, em um delírio infantil, pensei que seria possível fazer tudo assim. Não olhar nos olhos das cascas vazias de pessoas que eu tanto amava. As lágrimas queimaram tanto quanto o cheiro da podridão enquanto eu abria o zíper do saco plástico e os esticava, lado a lado, no chão de terra.
Tentei focar na respiração, mesmo que isso me fizesse perceber mais o cheiro pútrido. Eventualmente precisei abrir os olhos e me deparei com os cabelos castanhos desgrenhados de Alana cobrindo seu rosto. Agradeci pela pouca iluminação pois dessa forma não seria obrigada a olhar para seu rosto, mas o sangue seco do buraco de bala na cabeça era evidente. Segurei-a pelas pernas e fiz força para erguer seu corpo — em vida, não era muito mais pesada do que eu —, sentindo as lágrimas queimarem meu rosto. Já faziam duas semanas, mas fora o inchaço do corpo (e uma palidez que eu não conseguia distinguir na baixa luz), parecia exatamente igual a quem ela era.
Quando terminei de arrastá-la, soltei seus braços e caí de joelhos no chão, em prantos. Eu sempre soube que seria difícil, mas aquela era uma dor que eu só lembrava de ter sentido quando enxerguei a minha avó como um daqueles monstros. Chorei enquanto me debruçava de Alana, puxando o zíper do saco para cadáveres enquanto me desculpava pela dor que ela sentiu. Me desculpava por não ter sido rápida o suficiente, por ter sucumbido à tortura que os levou até nós.
Fiquei ajoelhada ao lado do seu corpo sem vida, agora envolvido por um plástico escuro, por um minuto inteiro, sentindo como se houvesse um vão em meu peito, sugando qualquer resquício da vida que havia em mim.
— Nenhum de nós iria admitir, mas àquela altura nos achávamos intocáveis — falei para Hector, sem coragem de focar os olhos em seu corpo. Diferentemente de Alana, o buraco de bala nele era muito mais evidente — eu só queria que as coisas voltassem a ser como eram. Não é justo pagar tão caro por um erro.
Mas ninguém me respondeu. Rastejei até seu corpo e comecei a movê-lo, sentindo-me enojada em como parecia que eu manuseava um boneco de pano, e não meu melhor amigo. Ele era muito mais pesado, por isso tive que arrastá-lo até conseguir posicioná-lo da melhor forma ao lado do plástico. Sentia minha garganta queimar de ultraje enquanto colocava primeiro suas pernas, depois empurrava com dificuldade o resto do seu corpo. Seus olhos ainda estavam abertos, contemplando o infinito. Hector ficava tão diferente sem os óculos...
Foram minutos, se muito, mas me sentia como se a tortura tivesse durado eternidades. Uma dor muito maior do que a que Klaus me causou fisicamente, uma cicatriz mais profunda do que qualquer bala que perfurou meu corpo...
Mas quando vi Leonardo chegando, respirando com um pouco mais dificuldade enquanto carregava um saco plástico grande, já estava parcialmente recomposta.
— Você viu o corpo do filho da puta? — perguntei, apertando tão forte as mãos em punhos que parecia que minhas unhas perfurariam o couro das luvas.
— Você não está bem, né? — ignorou minha pergunta, largando cuidadosamente o corpo de Mariana no chão.
Não conseguia controlar aquilo que me corroía por dentro. A dor era tão sufocante quanto a pior das enxaquecas e eu sequer conseguia explicar o motivo do ódio que fervia meu sangue. Não queria que Leonardo se aproximasse, não precisava da sua pena...
Tentei me afastar, distinguindo os traços de sua expressão de pesar mesmo sob a escuridão cada vez mais intensa. Queria esconder meus olhos marejados, queria poder vomitar aquela dor para fora com um grito, mas eu poderia berrar pelo resto da eternidade e aquele espinho dentro de mim não iria embora.
Queria poder morrer, para fazer aquela agonia acabar.
Não era justo.
Mas não consegui fazer nada disso. Quando os braços de Leonardo me envolveram, ele precisou sustentar meu peso, já que eu não era mais capaz de me manter em pé.
— Desculpa — murmurou, a boca contra os meus cabelos — Eu sabia o quanto é importante para você, mas não devia ter te deixado sozinha.
Apertei seus braços com força, tanto para me sustentar, quanto para me segurar como se fosse me impedir de também ser puxada por aquele vácuo de dor e sofrimento.
Quando senti o vento frio balançar meus cabelos e arrepiar meu corpo, dei-me conta que não podíamos ficar ali para sempre, mesmo que o calor daquele abraço conseguisse sufocar (um pouco) a dor.
— P-precisamos — murmurei, mas precisei limpar a garganta para disfarçar meu gaguejar — precisamos continuar.
Leonardo assentiu, mas segurou meu rosto, obrigando-me a olhar para ele. Os resquícios da iluminação diurna já haviam se extinguido e nossa única luz vinha da fraca lua minguante. Seus olhos também estavam avermelhados e as marcas úmidas em suas bochechas eram evidentes — diferente de mim, Leonardo não tinha vergonha de demonstrar fraqueza.
— Você é a mulher mais forte que eu conheço — sussurrou — só falta mais um pouco e vai poder voltar para casa. Você aguenta?
Balancei a cabeça, respirando fundo. Pelo menos, ter alguém ao seu lado ajuda a suportar a dor.
— Você viu o corpo dele? — questionei de novo, limpando o rosto nas costas do braço.
— Sim. Completamente queimado entre a lataria do carro.
— Quero ver também — comecei a caminhar e Leonardo me acompanhou — pelo menos essa alegria eu mereço... Você falou com Paulina?
— Quando eu ainda estava lá em cima. Está bem. Se afastou bastante e está nos esperando, escondida em uma casa.
Atravessamos o pátio enquanto eu ainda tentava estabilizar minha respiração. As portas ainda estavam escancaradas desde que Leonardo jogou o carro para dentro, provavelmente com suas dobradiças quebradas.
— Ótimo, dá tempo de tentarmos fazer uma limpa? Com sorte, as explosões não afetaram os mantimentos restantes...
— Podemos, mas precisa ser jogo rápido.
Todo o chão estava com marcas escuras de fuligem após a explosão e o que outrora era uma sala improvisada, agora só restavam destroços. A carcaça da van havia deixado marcas de pneu até o momento em que se chocou contra a parede, a lataria amassada demonstrando a força da colisão. Observei o corpo prensado por ela completamente queimado, o braço negro ainda conseguindo se destacar. A visão era horrorosa, mas me trouxe algum alívio. Tudo de ruim que nos trouxeram, devolveremos em dobro.
— Rebeca? — ouvi a voz baixa de Leonardo, chamando-me da direção da cozinha improvisada, onde guardavam seus mantimentos.
— Estou indo.
Pela última vez encarei o monstro que causara tudo aquilo. Quis cuspir em seus restos, mas apenas virei as costas, sem lhe dar o prazer de lembrá-lo por mais um segundo que fosse. Eu estava viva e seu corpo queimado seria esquecido em uma oficina abandonada.
Ninguém conta histórias sobre homens mortos.
✘✘
Nota da autora:
Boa noite, amigos!
Ui, ui, que capítulo difícil de escrever.
Precisei até de uma pausa para respirar na cena do Hector e Alana... As coisas não são tão glamourosas quanto nos filmes 😔
Hoje serei rápida, mas quero deixar um aviso: finalmente criei um instagram de ~ autora ~, onde darei todas as notícias relacionadas aos meus livros, postarei memes, interagirei mais com vocês etc.
Será uma honra se quiserem me seguir por lá também 🥰
@autoramarinabasso
Agora vou indo, porque já quero emendar nessa sessão de escrita o próximo capítulo, que talvez compense toda essa dor... 👀
Um beijo para vocês, até semana que vem e
não sejam mordidos.
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