Capítulo 4.
— E vocês têm certeza? — Tom perguntou, batendo com os nós dos dedos na mesa. — Digo, que é um grupo. Eles não viram vocês?
Assim que Hector nos falara aquela simples frase, o surto que eu e Melissa tivemos chamou a atenção de todos, e uma confusão tão grande se instaurou que Carol gritou para que nos acalmássemos e entrássemos dentro da casa para discutir.
— Absoluta. — Alex quem respondeu, passando a mão pelos dreadlocks soltos. Estava visivelmente mais tranquilo do que Hector. — Já estávamos fora do carro, indo em direção a um supermercado. Percebemos eles há uns bons metros de distância.
— Foi hoje de manhã. Na hora nos escondemos em uma casa vizinha para observar melhor. — Hector continuou. — Eles estão dentro de uma escola. Não é muito grande, mas o portão principal é gradeado e alto.
— Vocês estavam indo para o norte, né? — Tom perguntou, observando o mapa aberto à sua frente.
— Sim. Era em uma cidadezinha perto de Blumenau, mas não lembro o nome. Evitamos as cidades maiores e estávamos mirando nos arredores.
— Quantos eram, vocês sabem? — Perguntou Tom.
— Não dá para ter certeza. Vimos cerca de 8 pessoas em algumas horas, mas podem haver mais.
Nosso grupo contava com dez membros agora, além de Mei.
— E... Que tipo de pessoas parecem ser? — Alana mordeu o lábio inferior, um pouco desconfortável com a pergunta. Era muito difícil dar uma resposta que não fosse movida por preconceitos.
— É difícil dizer, você sabe. — Hector parecia nervoso.
— Nem tanto. — Alex interrompeu. — Entendo que temos que ser cautelosos, mas... Sinceramente, aquelas pessoas não pareciam representar ameaça. Um garoto e uma mulher mais jovem faziam uma espécie de ronda de tanto em tanto tempo, enquanto um homem mexia em uma van escolar estacionada lá dentro. Os outros que vimos... Bom, eram pessoas mais velhas. E crianças.
Um suspiro coletivo de surpresa varreu a sala.
— Crianças? — Carol ecoou.
— Vimos duas garotinhas brincando. Deviam ter entre cinco a oito anos, é difícil ser mais preciso do que isso. Alex acha que viu um garoto por uma das janelas.
— E pessoas mais velhas... Idosos, você quis dizer? — Perguntei.
Hector assentiu. Todos ficamos em silêncio por vários segundos, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Mei estava sentada ao meu lado, recebendo carinho nas orelhas.
— Bom, espero que tenham entendido porque não acho necessário tanto alarde — Alex concluiu, depois de algum tempo. — Era uma escola com velhos e crianças, e uma parcela de pessoas que cuidavam deles.
— O homem que atirou em Guilherme também era um idoso. — Falei em voz alta sem perceber, perdida em pensamentos enquanto acariciava Mei. Todos os olhares caíram em mim.
— Exato. Quantos quilômetros de distância vocês acham que percorreram? — Tom perguntou.
— Cem, cento e cinquenta, talvez. — Respondeu Alex. — Levamos quase 5 horas no trajeto em baixa velocidade e Hector dirigiu por uma parte. É difícil dizer.
— Menos de cinco horas de carro — senti um calafrio percorrer o corpo ouvindo a voz de Tom — é perto.
— Calma, do que exatamente vocês estão com medo? — Perguntou Alana, baixinho.
Quem falou foi Hector, que compartilhava da postura nervosa de Tom. Talvez fossemos o equivalente a milionários em um apocalipse zumbi: em um condomínio afastado, protegido por muros altos, dispondo de comida, lugar para plantio e painéis solares. Era o sonho de qualquer sobrevivente, e temíamos que qualquer um poderia estar disposto a fazer de tudo para ter um lugar como esse.
Não havíamos conversado sobre até então, mas depois de Carlos... Seria corajoso quem sugerisse para que acrescentássemos membros em nosso grupo. Nossa dinâmica funcionava, tínhamos um número razoável de bocas para alimentar, condizente com o número de pessoas que buscava mantimentos.
E nenhum de nós era uma ameaça para os outros.
Mais pessoas podiam significar muitas coisas, mas em nossa mente somente a lembrança de problemas estava marcada a fogo.
— Eu gostaria de ir lá dar uma olhada. — Tom quem se pronunciou, e Carol virou para ele, surpresa.
— Você acha que há a necessidade? Tom, cem quilômetros é muita coisa.
— E nós percorremos essa distância indo atrás de comida. — Hector quem respondeu. — E se eles também estiverem fazendo isso? Nós viemos da capital, sabemos como está lá, mas vocês não acham que pessoas que vieram de longe podem querer ir para lá? Estamos no caminho.
— Além disso, podemos acabar dando de cara com algum deles nas ruas. Quando eu e Melissa estávamos fora, meu maior medo era encontrar outras pessoas. Perdia noites de sono pensando se isso acontecesse, deveríamos ser cordial e tentar conversar, ou fugir como quem foge de demônios — adicionei.
— Eu concordo, Rebeca. — Melissa falou. — E justamente por esse medo, não vejo cabimento em tentar se aproximar de outro grupo. O mundo não é mais o mesmo em todo o lugar, idosos e jovens podem ser tão perigosos quanto qualquer um, se tiverem as motivações certas.
— E você acha que a solução é ignorá-los? Excluir o norte do estado de nossas buscas? — Ergui a sobrancelha. — Não podemos nos dar a esse luxo. Concordo com Tom: não conseguiria dormir a noite sem saber quem são essas pessoas, como é sua organização, para onde vão quando acaba a comida.
As opiniões se dividiram rápido e ficaram bem demarcadas. Tom, Hector e eu não fomos convencidos pelas descrições de Alex, e pensar em um grupo grande próximo era apavorante, ainda mais não sabendo nada sobre eles.
— Bom, não é como se estivéssemos pedindo ajuda. — Hector cortou a discussão, seco. — Eu, Tom e Rebeca podemos ir até lá. Aproveitamos para reunir mantimentos, e ficamos de vigia da mesma forma que Alex e eu ficamos. Contamos os membros, reunimos informações sobre seus mantimentos e organização. Vamos em um dia e voltamos no outro.
Todos ficaram em silêncio por aquela súbita declaração. Carol particularmente havia estremecido:
— Mas querido — ela falava somente com Tom. — E se forem um grupo como aquele que atacou a farmácia? Você tem mulher e um filho para criar, não vê como estaria botando sua vida em risco?
— Justamente porque podem ser como aquele grupo, devemos estar dez passos na frente. — Tom respondeu, a voz calma e dócil, acariciando as costas da mulher.
— Você... — Guilherme começou, pareceu hesitar ao perceber como todos olhavam para ele, mas enfim continuou — Vocês não precisam colocar a vida em risco o tempo todo. Estamos bem posicionados, fazemos vigias para além dos muros e temos armas. Não é uma trombada com um grupo estranho que nos coloca em risco.
— Você subestima esse mundo. — Hector respondeu, simplesmente.
— Subestimo? — Guilherme aumentou a voz. — Eu o respeito. — Ele fez um sinal, apontando para o seu ombro. Sua cicatriz avermelhada e em alto relevo era exposta pela alça da regata. — Não se esqueça que ele tirou qualquer chance de mim.
Victória, ao seu lado, colocou a mão gentilmente em seu ombro, olhando-o com piedade.
— Você se diz inválido porque está seguro. — Hector deu de ombros. — Se sua vida estivesse em risco, lutaria por ela com esse seu braço que restou.
Um silêncio dominou a sala de estar e alguns olhos se arregalaram. Alex murmurou o nome de Hector, como se quisesse o repreender baixinho, mas sua postura não vacilou. Até mesmo Melissa, que até então eu tinha certeza que odiava Guilherme com todas as forças, pareceu chocada com o que Hector dissera.
Guilherme deu de ombros, cruzando os braços e evitando fazer contato visual com ele.
Já nervosa com aquela situação, adiantei-me:
— Bom, acho que já está claro quem concorda e quem discorda. Infelizmente para vocês a equipe da desconfiança também é a equipe que sai para buscas, logo podemos tentar criar um plano todos juntos, ou fingimos que a discussão está encerrada e vamos escondido na próxima viagem atrás de comida. — Hector deu um sorriso de canto de rosto com minha decisão, parecendo satisfeito.
— Não dá para dizer que não é justo. — Alex deu de ombros. — Só não me incluam nessa. Não estou ansioso em perder uma semana de descanso para cumprimentar uns velhinhos.
Victória respirou fundo antes de falar:
— Ninguém pode impedi-los de ir, concordo. Mas e se isso colocar todos em risco? E se seguirem vocês de volta?
— Desejo sorte a quem tentar emboscar o meu time. — Dei de ombros, sem conseguir conter um riso de deboche. Havia riscos em ir até lá, eu os reconhecia, mas ser seguidos? Nenhum de nós daria mole a esse ponto.
Carol mordeu o lábio inferior, envolvendo o filho com os braços.
— Eu não posso te proibir, mas não gosto dessa ideia, espero que saiba disso. — Carol também havia mudado desde o começo do apocalipse. Uma simples discussão era o suficiente para deixar-lhe nervosa e a ponto de derrubar lágrimas, mas agora era capaz de entender e aceitar esse tipo de decisão. — Imagine o que aconteceria se eles encontrassem um grupo de três pessoas vigiando-os...
Tom abriu um sorriso confiante que não combinava com o momento:
— Eles não vão nos encontrar. Nós iremos até eles.
✘✘
Nota da autora:
Tom, o que exatamente você está sugerindo? 👀
Por favor, não esqueçam de deixar seus votos e comentários caso estejam gostando da história, significa muito mesmo pra mim! 💕
Até segunda que vem!
Não sejam mordidos.
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