Capítulo 37.
— Meu Deus! — Melissa desabafou, talvez estridente demais para situação em que nos encontrávamos, mas pouco me importei conforme selava nosso encontro com um abraço tão forte que quase machucou. — Você está viva! Rebeca, eu não acredito! — senti seu corpo tremer de empolgação. Lágrimas desceram dos meus olhos e eu sabia que ela também chorava.
— Melissa, onde está Mei? — perguntei depois de alguns segundos, afastando-a enquanto segurava seus ombros para que pudesse olhá-la nos olhos. Estava indescritivelmente feliz em ver minha amiga, mas não poderia aguentar mais um segundo sem saber onde minha cachorra estava.
— Ela está viva, amiga! Ela está bem — Melissa respondeu, parecendo ansiosa para me dizer aquelas palavras.
Senti uma onda de alívio levar para longe o peso sufocante que apertava meu coração, primeiro vendo Melissa a salvo e agora ouvindo que Mei também sobreviveu. Minhas pernas fraquejaram quase imediatamente, o cansaço daqueles quase dois dias sem descanso se fazendo presente como um golpe forte. Coloquei as mãos no rosto, como se de alguma forma aquilo fosse impedir as lágrimas de verter com a força que vieram. Melissa se ajoelhou ao meu lado e senti seus braços me envolverem:
— Ela ficou muito agressiva quando tudo aconteceu, acho que sabia que esses homens não eram amigos. Consegui prender a coleira, mas estava puxando muito, como se quisesse atacar esses caras e eu fiquei com muito medo de não conseguir segurá-la ou que ela tentasse atacar e... — Melissa vomitava as palavras rapidamente — Então eu e Alana nos afastamos o máximo que conseguimos e a deixamos escondida dentro de uma casa. Desculpa amiga, eu juro que reviramos cada cantinho para garantir que estava tudo seguro e ninguém nos seguiu, sei que ela deve estar assustada mas eu confiava que você iria voltar e... Rebeca eu nunca ia me perdoar se algo acontecesse a Mei. Vamos voltar agora e pegar ela, eu...
— Melissa, está tudo bem! — assegurei, finalmente encontrando forças para devolver seu abraço — Eu sei que você fez o que achou melhor, obrigada por cuidar dela.
Ficamos alguns segundos em um silêncio confortável, enquanto os outros se aproximavam. Victória recebeu Alana com um abraço apertando, arrancando um gemido de dor da amiga, seguido de risadas nervosas.
— Rebeca — Melissa me chamou repentinamente, sendo ela agora que me segurava pelos ombros — o que houve com seu rosto? — e finalmente estalou em sua mente: — Amiga, onde está Hector?
Até então não lembrei que Melissa ainda não sabia, o esforço de ter que dar aquela notícia para o grupo que estava no condomínio já tendo destruído o suficiente meu coração. Abri a boca para respondê-la, mas era como se repentinamente houvesse perdido a voz, incapaz de sugar mais ar para meus pulmões. As lágrimas saíram antes de outra coisa e o choro compulsivo engoliu qualquer possibilidade de falar.
— Rebeca — Melissa falou de novo, mas havia sido o suficiente para ela entender. Seus cabelos loiros estavam desgrenhados, com algumas mechas grudadas no rosto úmido. Senti seu corpo tremer com a intensidade com a qual ela tentava respirar — cadê o Hector? Diz que ele está bem — perguntou, mas eu sabia que não havia dúvidas em suas palavras, só uma negação de partir o coração — A-amiga, o Hector tá bem, né?!
Quase como a confirmação que não foi capaz de sair dos meus lábios, Alana puxou o ar em um gesto de surpresa e foi Victória quem proferiu aquelas palavras horríveis:
— Ele e Rebeca foram presos e torturados... Ele não...
Melissa não precisou ouvir tudo para desabar, tremendo, em meus braços. Mais uma vez a sensação sufocante tomou conta de mim e não soube por quantos minutos a acompanhei naquele choro. Queria ter tido a coragem de falar que a culpa havia sido minha, que eu não consegui fazer nada para salvá-lo, mas nem para isso tive forças.
Perdi a noção do tempo até conseguir me acalmar, quando finalmente havia chorado todas as lágrimas que restaram. Melissa se aproximou do meu ouvido, sussurrando que tudo ficaria bem, que conseguiríamos passar por aquilo, e mesmo sem saber se acreditava inteiramente em suas palavras, permiti-me ser acalmada pela sua voz.
Depois de segundos que poderiam muito bem ter sido horas, Melissa se levantou primeiro e estendeu a mão para mim. Limpei as lágrimas antes de aceitar sua ajuda, e por alguns instantes senti minha pressão baixar abruptamente como uma onda gélida descendo da cabeça aos pés — fruto do cansaço que aos poucos me dominava, mas que eu lutava para empurrar para longe. Antes que alguém pudesse perceber meu desequilíbrio, um par diferente de braços me envolveu em um aperto forte.
— Eu sinto muito pelo seu amigo — ouvi a voz de Leonardo, sentindo suas mãos quentes nas minhas costas, pressionando-me mais em sua direção. Percebi que apesar do frio, era a primeira vez que o via sem uma jaqueta, e seu braço direito era coberto de tatuagens — mas caralho, você tá viva! Eu falei pra elas que você era braba demais para uns nazistas de merda te matarem.
Por um segundo estranhei o comentário, mas lembrei que Leonardo e Gustavo estiveram com o outro grupo, no hospital, e por isso provavelmente sabiam quem era Klaus e o que estavam dispostos a fazer. Sorri com as suas palavras, feliz em como aquele comentário bobo conseguia trazer-me um pouco de leveza e aproveitando aquele abraço mais tempo do que deveria.
— Foi a Rebeca que atirou?! — Melissa perguntou para ninguém em especial. Havia motivo pelo tom de espanto em sua voz, afinal ela também sabia que eu nunca usei uma arma. Até então.
— A Vic — respondi, desvencilhando-me de Leonardo e arrancando um suspiro de surpresa da minha amiga. Victória fingiu arrumar o cabelo, ficando sem jeito pelas parabenizações subsequentes.
Como todos ainda estavam um pouco atordoados pela tensão, aproveitando um vão entre o muro de duas casas, preenchido por outro terreno baldio, para ter alguma cobertura enquanto nos acalmávamos e lidávamos com os zumbis que se aproximavam. Aquele tiroteio com certeza atrairia outros, mas por enquanto era um pouco mais do que uma meia dúzia que se aproximava.
Eu, Alex, Leonardo e Paulina demos conta deles com as armas brancas que o grupo tinha antes de retornarmos à posição inicial. Paulina parecia aliviada por ver Leonardo e Melissa bem e Alex e Guilherme também cumprimentaram Alana e Melissa, que não viam há algum tempo, e por fim seus olhares se dirigiram a Leonardo, que até então não conheciam.
— Leonardo é do pessoal da escola — murmurei, percebendo a hesitação — Leo, estes são Alexandre e Guilherme. Gui veio do colégio comigo e Melissa e Alex estava com a família do Samuel.
Alex cumprimentou-o com um aceno de cabeça, não se esforçando para disfarçar a desconfiança. Mordi o lábio inferior, sem conseguir decifrar o olhar trocado por Guilherme e Leonardo. Eventualmente Gui ergueu a mão, oferecendo um comprimento deslocado, mas que serviu de abertura o suficiente para Leonardo aceitar o aperto e lhe puxar para um abraço pelo braço machucado. Guilherme arfou, agoniado.
— Tudo bem, cara?! — Leonardo franziu as sobrancelhas, sem soltar o braço de Guilherme, como se quisesse oferecer apoio.
— Sim, tudo — murmurou, o rosto franzido de dor, mas com um leve rubor se formando. Talvez expor seu machucado fosse a forma como Guilherme menos quisesse se apresentar para outra pessoa. Paulina também ergueu uma sobrancelha, intrigada — esse braço... Levei um tiro no ombro, desde então ainda dói — justificou, evitando manter o contato visual.
— Porra, você levou um tiro?! — Leonardo brincou, acabando com o clima estranho — Meu grupo deve estar jogando o apocalipse zumbi no fácil, então.
Guilherme esboçou um sorriso com a brincadeira, parecendo menos tenso.
— Precisaram me nerfar para os zumbis terem uma chance — fingiu explicar.
Os garotos riram, Alana e eu disfarçamos um sorriso e o olhar de poucos amigos que receberam de Paulina foi quase palpável.
— Depois os nerds continuam o stand up, pode ser? Não sei se perceberam que tem praticamente uma guerra acontecendo — ela cruzou os braços e todos trataram de voltar à seriedade.
Estávamos em 8 pessoas a alguns passos de dois corpos mortos enquanto sabe Deus o que acontecia na escola. Às vezes a tensão que algumas situações naquele mundo criavam era tanta que precisávamos encontrar uma forma de extravasar das maneiras mais inusitadas, mas era igualmente necessário estar pronto para qualquer coisa no momento seguinte.
— Sabem como está a escola? — Perguntei para Melissa e Alana, quem eu sabia que esteve lá por mais tempo. Eu sabia que a rua onde estávamos seguia por mais cinco quadras até chegar na escola. Quem quer que estivesse lá, seria capaz de ouvir aqueles tiros.
— Difícil dizer... — Melissa respondeu — Quando chegaram lá, nos mantiveram sob a mira das armas por um tempo. Alguns deles, o de braço preto e outros dois, entraram nos prédios para tentar encontrar mais gente. Quando Gustavo começou o tiroteio eu achei uma brecha para fugir do pátio. Já tinham zumbis entrando.
— Em quantos estão? — Alex perguntou — Algum deles morreu nesse tiroteio?
Leonardo moveu os lábios, contando mentalmente:
— Vieram em três carros... Três foram direto para os prédios e ficaram cinco no pátio conosco — fez um gesto com a cabeça, apontando para os dois homens mortos no chão — esses inclusos.
— Restam seis então — concluiu Victória.
Subitamente, lembrei-me do pouco tempo que passei na cidade de Klaus e da velocidade com a qual seus homens nos acharam. Sem falar nada, voltei onde os corpos estavam caídos, ignorando suas aparências humanas — era mais fácil quando o que estava morto era um zumbi grotesco — escaneando a cena com os olhos até encontrar o que buscava.
— Léo, Alex, ajudem aqui — chamei — tirem o fuzil desse cara, vejam se têm mais alguma arma.
Abaixei-me ao lado do segundo corpo (acredito que seu nome era Elias), pegando o walkie talkie no chão. Não emitia qualquer som.
— Desligado — murmurei, empurrando para cima o interruptor. Logo o chiado chegou aos meus ouvidos, mas mantive o dedo bem longe do botão de falar — provavelmente não queriam que vocês ouvissem nada. Vou ficar com ele, pode ser útil caso tentem se comunicar.
Enquanto os garotos terminavam de tirar o fuzil do corpo morto, Paulina se aproximou e pegou o revólver abandonado, usado há alguns minutos atrás para manter Leonardo refém. No fim, estávamos com duas pistolas, aquele revólver e dois fuzis. Parecia surreal olhar para aquela disposição de armamentos, nós que até então havíamos usado somente armas brancas para lidar com os zumbis, as pistola que Hector ou Tom carregavam parecendo quase proibidas às nossas mãos.
— Você sabe usar isso? — Alex questionou, enquanto Leonardo pegava o fuzil para si, ajeitando a alça no ombro. Não estava sendo grosseiro, mas certamente prevenido.
— Eu já fui militar — ele respondeu, tranquilo, pegando inclusive a mim de surpresa — Já atirei algumas vezes de fuzil. Inclusive não queria me meter, mas é melhor não usar a bandoleira transpassada. Pode dificultar se precisar atirar rápido — Leonardo gesticulou para o que até então eu chamei de "alça", indicando para usá-la apenas em um ombro. "Como uma bolsa" pensei.
— Ah — Alex murmurou, mas Leonardo foi propositalmente simpático na hora de corrigi-lo, não querendo gerar discórdia. Corrigiu então a posição da bandoleira.
— Você foi militar? — não resisti e perguntei, baixinho — Como nunca falou?
— Aham, servi por dois anos depois do colégio — ele me respondeu, sorrindo — a gente só nunca chegou nesse assunto.
Mesmo não tendo sido particularmente sugestivo, senti meu rosto esquentar com a declaração. Odiava dar atenção a isso, principalmente com o caos que acontecia ao nosso redor, mas não importa o quão delicada era a situação, minha mente raramente seguia o protocolo e eu estava devidamente desconfortável com a presença de Guilherme e Leonardo ali.
Ignorei quando Guilherme lhe fez uma pergunta, focando a atenção em checar a munição das armas restantes e redistribuí-las, deixando uma com Paulina, outra com Victória e oferecendo a última a Melissa, que insistiu para que ficasse com Guilherme, pois assim seria mais fácil para se defender.
— Escuta — Guilherme colocou a mão no meu ombro enquanto o resto do grupo discutia sobre a melhor aproximação. Mesmo que ele quisesse evitar, seus olhos pousaram na minha recente queimadura, agora protegida por uma bandagem bem amarrada — depois de tudo o que você passou, tem certeza que você aguenta mais isso? Você nem descansou e ninguém sabe o que vai acontecer lá. Agora estamos em maior número, mas os caras também estão armados...
Respirei fundo, incerta do que responder. Estaria mentindo se dissesse que estava bem, ao mesmo tempo que a adrenalina da situação me mantinha desperta. O apocalipse me acostumou à fome e ao cansaço, e provavelmente eu seria cobrada por aquele descaso com a saúde, mas por enquanto tentava afastá-lo da mente. Ainda tinha que consertar aquilo.
Antes que eu pudesse responder, a voz alta e ameaçadora de Paulina cortou o silêncio:
— Para aí! — ela já estava com a pistola empunhada, apontando para algo atrás de mim.
— Rebeca? — Senti o coração voltar a descompassar, virando-me lentamente. Eu conhecia vagamente aquela voz masculina, mas era difícil ligá-la a um rosto.
Como o homem ainda estava distante, levei algum tempo até reconhecê-lo, mas isso tampouco me trouxe alívio. Seu rosto era familiar porque foi um dos sobreviventes do tiroteio que Hector iniciou quando tentamos fugir da oficina, acredito que se chamava Antônio. Não lembro de tê-lo visto na noite em que fui queimada.
Ele se aproximava a passos lentos, as duas mãos erguidas em sinal de paz.
✘✘
Nota da autora:
A Mei está a salvo, podem abaixar as tochas e os tridentes, leitores, por favor!!
E aí, cês tavam esperando que o encontro do Leo e do Gui fosse ser briga ódio e violência ou estavam preparados para as piadinhas? Eu sei que uma galera tava louca pra ver eles se pegando de pau 👀
Aliás, pra quem não entende o dialeto de jogos, nerfar é quando uma empresa enfraquece propositalmente algo dentro de um jogo para tornar mais balanceado. No caso o Guilherme brincou que perdeu o movimento do braço para o apocalipse zumbi ficar mais desafiador.
Possibilidade de enfiar um conflito emocional completamente fora de hora no meio de uma cena de morte e correria cheia de zumbis: a Eu: VEM 🥵
Amigos eu acho que pode haver um pequeno erro de continuidade nesse livro: existe a possibilidade da Rebeca já ter visto o Leonardo sem jaqueta e não ter comentado sobre as tatuagens. Se for o caso eu digo: não tô nem aí o livro é meu e faço o que eu quiser — brincadeira kkk mas eu decidi recentemente que agora ele tem tatuagens, a vontade foi muito forte em mim. É isto. Este é o motivo.
Espero que estejam gostando da história 👉👈 estamos aproveitando um pouco de calma e ordem antes de voltarmos para o caos. Eu tô adorando essa "guerrilha" que eles se meteram.
Um beijo para vocês, até segunda-feira que vem 💖
Não sejam mordidos.
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