Capítulo 21.
Até mesmo o grito que saiu de mim tinha gosto ruim.
Um gemido incompreensível de dor, desespero... Do mais puro pavor, a cada gota de sangue que eu via voando do rosto de Hector.
— Seu filho da puta, tá com medo de falar?! — gritou o homem que segurava a pistola, dando mais um golpe com a empunhadura no rosto do meu amigo, arremessando seus óculos para longe.
— Para, seu merda! — Berrei, usando toda a minha força para tentar me desvencilhar do aperto brutal do homem de quase dois metros (e 200 quilos de músculo) que mantinha meus pulsos presos com apenas uma mão. Sua aparência era um pouco mais velha, mas ele parecia em ótima forma.
Sentia o suor escorrendo pelos meus braços, independente do frio que fazia. O aperto se intensificava, mas ele não parecia fazer esforço enquanto esmagava minha carne.
Assim que fomos pegos, o cara com a pistola começou a interrogar Hector, perguntando repetidas vezes de onde vinhamos, do hospital ou do shopping. Falamos que não fazíamos ideia do que ele estava perguntando, mas sem sequer olhar para a minha cara, ele começou a agredir Hector, exigindo uma resposta.
O último golpe havia sido o mais forte, mas Hector retornou com a cabeça lentamente, os olhos frios em seu agressor: um jovem alto adulto e magro, de cabelos oleosos que chegavam nos ombros. Hector respirou fundo e, de súbito, cuspiu uma mistura de sangue e catarro na cara dele.
O brutamontes que me segurava deixou um riso curto escapar, enquanto o outro homem, bufou de raiva, esfregando o rosto sujo na manga na blusa.
— Vai se foder, seu merda! — grunhiu, erguendo o braço e acertando Hector mais uma vez com a coronha da pistola, dessa vez atirando-o no chão.
O riso de escárnio foi o que me impulsionou, meu coração batendo forte o suficiente para me desorientar. Torci-me no aperto que me restringia, sentindo uma pontada aguda no pulso, mas me libertando. Em um movimento só, enterrei com força meu punho no rosto do homem que golpeou Hector, sentindo a resistência de sua mandíbula machucando meus dedos.
— Não encosta nele! — berrei, trazendo para perto a minha outra mão e enfiando as unhas no rosto do mesmo homem.
Mesmo pegando-o de surpresa, não consegui acertá-lo em cheio e ele teve o reflexo para me devolver um soco no rosto. Senti novamente a pressão do aperto envolver um dos meus pulsos, arrancando-me um gemido de dor.
— Vai se foder, Adão, segura essa piranha direito! — do rosto do homem de cabelos compridos agora escorria um pouco de sangue. Seus olhos escuros me fitavam com ódio.
— Você é um imbecil, Enrico — respondeu o cara que me segurava, agarrando meu outro pulso e fechando novamente o aperto — Não me faz perder tempo, o Klaus vai fazer eles falarem. Não quero ter que arrastar o moleque.
Aquelas palavras congelaram meu coração e olhei para Hector. Agora ele se ajoelhava, apalpando o chão até encontrar seus óculos quebrados. Seu rosto estava bem machucado, com sangue escorrendo pela boca.
Mais um golpe fez com que eu desviasse minha atenção, um soco no meu estômago que deixou minha visão branca e turva por alguns segundos. Senti todo o ar escapar do meu corpo e teria ido ao chão, não fosse o aperto do homem que mantinha meus pulsos presos.
— Me dá aqui essa puta, eu vou ensinar ela a não se meter...
— Se você encostar nela... — Hector começou.
— Cala a boca, Enrico — Adão respondeu, sua voz assustadoramente profunda — Se tocar nela, o Klaus vai enfiar um ferro quente no teu rabo.
— Vai a merda, vou te mostrar o que eu vou enfiar nessa putinha!
— Cala a boca! — o homem repetiu, e apertou meus pulsos por reflexo, arrancando um gemido torturado da minha garganta — Vamos botar eles para o carro e levá-los logo, Klaus já tá sabendo dos dois.
Um puxão forte me fez tropeçar, mas novamente o aperto nada delicado me impediu de ir ao chão. Um zumbido persistente no ouvido me desorientava, fruto do golpe que eu recebi. Ainda estava tonta, tentando discernir se o que escapava pela minha boca era realmente sangue.
Comecei a acompanhar as passadas de Adão, sabendo que ele não hesitaria em me arrastar se eu de fato caísse. Ouvi o outro homem ladrar uma ordem para Hector, mas a tontura dificultava meu entendimento. Apenas depois de alguns segundos, consegui compreender que eles estavam logo atrás de nós.
Ainda tonta, observei a cidade em volta, tentando me situar. As ruas estavam vazias, mas não como em Botuverá, uma cidade tão pequena e pacata que simplesmente parecia abandonada, ao invés de devastadas por um apocalipse; em Blumenau as marcas de sangue seco eram evidentes, haviam fachadas de lojas quebradas, bancos de praças destruídos, restos de acidentes de carros.... Ainda assim, as ruas pelas quais seguimos eram amplas e pareciam relativamente seguras, com poucos mortos a vista.
Pensei em perguntar para onde estavam nos levando, mas sabia que era inútil, e talvez só incentivasse o homem descontrolado a me bater de novo. Mesmo já tendo me arrebentado diversas vezes no handebol, recebido golpes propositais ou não, jamais havia apanhado daquela forma, e o latejar no meu rosto criava uma confusão conflitante dentro de mim. Fossem quem fossem, esses homens não tinham escrúpulos de bater em dois adolescentes, e isso já era informação o suficiente para que eu tomasse cuidado.
Chegamos até uma caminhonete preta, estacionada perto de uma moto. Adão abriu o porta-malas e me colocou lá dentro, jogando Hector em seguida, com menos delicadeza. Meu amigo parecia completamente atordoado, bastante sangue manchando o seu rosto e blusa. Senti meu coração disparar e por impulso agarrei a mão dele, como se aquilo fosse me ajudar a descobrir se ele ficaria bem. Minha movimentação repentina fez Adão se precipitar, mas ele parou antes de me agarrar, percebendo que eu só buscara a mão de Hector.
— Vou deixar vocês dois desamarrados. Enrico vai estar armado no banco de trás, então pensem bem se é desse jeito que querem morrer — ele disse, a voz dura e fria, antes de fechar porta-malas com um estrondo.
— Hector? Hector! — chamei, aproximando-me do meu amigo — Você está bem? Está me ouvindo?
Ergui a barra da minha blusa para limpar um pouco do sangue do seu rosto, fazendo-o grunhir de dor ao sentir o toque.
— Ai... Eu tô ok — arfou — só tonto. E com dor. Esse filho da puta bateu com força.
Ouvimos a porta de trás abrir e o homem chamado Enrico entrou, virando-se de imediato para nós dois, a pistola suja de sangue em punho. Assim que meus olhos caíram nele, percebi que minhas mãos começaram a tremer, mas era difícil discernir se de medo ou raiva.
— Opa, interrompi vocês? Podem continuar falando, — ele disse, um sorriso desprezível no rosto — vocês vão falar tudo quando chegarmos, seus merdinhas. Tão achando que podem foder com os nossos e aparecer aqui como se não fosse nada?
Não fazia ideia do que ele nos acusava. O medo e a adrenalina se misturavam dentro de mim, fazendo meu sangue borbulhar ao mesmo tempo que as minhas mãos tremiam de medo. Aquele sorriso nojento me tirava do sério, e teria prazer em enfiar as unhas ainda mais fundo naquele rosto de merda.
— Vai se foder, não sabemos quem vocês são! — respondi.
Naquele instante senti um aperto leve na mão e olhei para Hector, que mesmo machucado e cansado, mantinha os olhos fixos em mim. Compreendi sua expressão séria, e entendi que o ideal seria ignorar aquele lunático armado.
Senti um puxão violento no meu cabelo, obrigando-me a largar as mãos de Hector para procurar um apoio e não cair. O filho da puta se aproximou de mim, sussurrando no meu ouvido:
— Sua putinha de merda, eu vou te ensinar a falar direito com um homem. Vou te mostrar o jeito certo de usar essa boca de vadia.
O tremor que percorreu meu corpo foi violento, e senti meu estômago revirar, paralisada por aquelas palavras. Aquele foi o golpe final para extinguir toda a adrenalina que mantinha meu corpo quente, deixando somente o medo. Sentia-me em um pesadelo, mas o agarrão em meus cabelos permanecia real, as marcas escaldantes daquela ameaça igualmente autêntica.
— Para de falar com eles, — Adão repreendeu, seco e direto como sempre. Já estava posicionado atrás do volante, dando a partida no carro — só fica quieto e de guarda. Se deixar essa menina te bater de novo, eu vou te arrebentar.
O homem que me ameaçou retrucou, mas não houve mais discussão. Ainda atordoada, senti a mão de Hector se envolver sobre a minha, evidentemente tendo percebido o meu choque.
— Rebeca, fica calma. Só não tenta nada, ok? — ele murmurou, a voz cansada e arrastada. Meus olhos arregalados não conseguiam desviar do sangue que escorria do meu próprio queixo, pingando no meu braço.
O homem soltou meu cabelo e senti minha cabeça latejando pela força que ele usou. Antes de se afastar falou, sem tirar os olhos de nós dois.
— Seu amigo é inteligente, devia ouvir ele. Você nem imagina como dá para ficar pior.
✘✘
Nota da autora:
Oi amigos.
Eu quero aproveitar esse capítulo um pouco mais pesado para deixar um aviso importante! Como todos que estão aqui também leram Em Decomposição, sei que estão acostumado a pegada pesada da história. Ainda assim aproveito para ressaltar o aviso no começo desse livro sobre o conteúdo maduro, que assim como o primeiro, é recomendado para +18 — porém não acredito em classificação etária e penso que cada um tem o discernimento de saber o que pode consumir ou não. Dito isso, aviso aqui que não pretendo colocar tw referente a cada capítulo, deixando simplesmente avisado que o livro se mantém inteiramente violento e sensível.
Caso esse aviso não tenha deixado claro o suficiente: daqui para frente, meus amigos, o Desespero só aumenta.
Se esses dois já são perigosos, imagina o chefe deles...
Não se esqueçam de deixar o seu voto caso estejam gostando da história (e do fundo do coração, espero que sim!). Até segunda-feira que vem!
Não sejam mordidos — isso se conseguirem se manter vivos.
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