Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 13.

— ...levar na viagem, queridas — a voz de Elisa me arrancou do estado de contemplação. Virei o rosto para a mulher, que dessa vez estava sem turbante, revelando os cabelos crespos na altura do ombro.

— Desculpe?

— Eu e Ivete reparamos um lanche para levarem na viagem — ela tinha uma trouxinha bonita na mão, e o que quer que houvesse dentro parecia fresco.

— Elisa, não podemos aceitar, vocês têm as crianças para alimentar, não precisam cuidar de nós também — quem respondeu foi Melissa.

— Queria, depois de tudo que trouxeram para nós, é o mínimo que podemos fazer, por favor aceitem — Ivete, a mãe de Leonardo, aproximou-se — isso não é um favor, é um presente!

— Estaremos orando por vocês, Tomas, mas tem certeza de que é a melhor ideia? As nuvens estão se formando e uma tempestade cairá em breve — irmã Graça olhava apreensiva para o céu — podem ficar conosco por mais tempo.

Segui o seu olhar para o céu. A cor acinzentada tornava o dia úmido e melancólico, e quase poderia parecer calmo, não fossem as nuvens negras que se formavam no horizonte. Precisaríamos dirigir rápido para evitar a chuva, além de quase uma hora à pé por dentro da cidade até onde havíamos deixado o carro há alguns dias. Optamos por deixar o que usamos para ir ao mercado para o grupo, pois apesar de já terem uma pequena frota, sua gasolina estava quase no fim.

— Agradecemos a preocupação, irmã, mas precisamos seguir viagem — respondi.

Naquela situação, as nuvens trazendo a iminência de um temporal, nossa história perdia sua força, mas eu já não me importava com aquilo. Sabia que alguns deles — Leonardo, Paulina, Gustavo e Valentino, estes com certeza — já conheciam nossa verdadeira história, não saberia dizer se todos tinham a mesma informação. De qualquer maneira, era impossível dizer que os olhares não haviam mudado, aquela empatia cega por meninas famintas agora substituída por um olhar que carregava mais respeito — ou medo.

Esse era sempre o olhar que eu buscava receber naquele mundo. Somente nós mesmos temos conhecimento da real extensão de nossos infernos, mas mesmo antes dos mortos serem o maior problema, adolescentes sempre eram vistos como adolescentes. Eu sabia que conseguia me virar sozinha, encontrar comida e lutar por minha vida, mas aos olhos de qualquer pessoa, meu rosto sem qualquer ruga ou marca de expressão ainda denunciaria minha idade real, e aquela era uma desvantagem que eu pouco tinha o que fazer para combater. Precisava me provar constantemente para que as pessoas mais velhas me respeitassem como qualquer outro membro ativo, e isso desde que conhecemos Tom e sua família.

— Tem certeza que não querem levar um carro? A gasolina está acabando, mas talvez ganhem uma hora a mais — Valentino ofereceu, mas seu sorriso educado provavelmente previa nossa resposta.

— Não faria muita diferença para nós, tenho certeza que vocês fariam muito mais proveito — Tom apertou a mão dele, dando um aceno de cabeça como despedida.

Estávamos reunidos no pátio: eu, Melissa e Tom, nossas mochilas já preparadas, felizmente com roupas de verdade para o apocalipse, e não as que usamos no dia em que chegamos; o grupo da escola, exceto Celso, que ainda não voltara de sua busca (fosse ela qual fosse), e as crianças, que se despediram na noite anterior. Há menos de alguns minutos o céu estava completamente escuro, mas agora os primeiros raios começavam a iluminar o dia, mesmo que a grossa camada de nuvens não permitisse passar muita luz.

Lentamente a conversa foi morrendo e começamos a nos despedir com abraços e desejos de boa sorte.

— Façam uma boa viagem — Gustavo foi sucinto, mas apertou nossas mãos e até vi um lapso de sorriso enquanto eu me despedia de seus cachorros.

— Muito obrigada por tudo. Espero que saibam que se precisarem voltar, estaremos de braços abertos — a postura de Paulina já era muito mais relaxada, e agora nos sorria amigavelmente. Abraçou com força a mim e Melissa quando nos despedimos.

Aquelas palavras eram particularmente significativas. Enquanto nem todos podiam saber que tínhamos um grupo para onde voltar, Paulina sabia, e estava abertamente nos estendendo o convite. Talvez também pensasse que uma amizade com outro grupo poderia ser benéfica.

— Se cuida, gata — Leonardo falou enquanto me envolvia em um abraço forte. Felizmente o fato de eu ter recuado na noite passada não tornara as coisas constrangedoras.

— Você também. Antes que eu me esqueça... — Desamarrei a bandana que tinha no braço, a que Leonardo me emprestara há algumas noites. Como prometido, estava lavada e entregue de volta.

— Fica com ela — sorriu, talvez simplesmente por eu ter me lembrado, mas só deu um aceno de cabeça — mas emprestada, quem sabe algum dia você passa aqui de novo para devolver.

Devolvi o sorriso e a amarrei de volta no braço. Notei os olhos de Melissa sobre nós.

— Agradecemos muito pela hospitalidade de todos, que Deus os abençoe — Tom deu um último aceno quando já nos dirigíamos portão afora. Perguntei-me se ele ainda acreditava em Deus. Eu não.

Com o coração pesado, dei uma última olhada para aquela escola velha e seus moradores com quem dividimos nossas últimas refeições, e quem, há poucos dias, temíamos. Pensei em como tomamos a decisão de ir atrás da informação que Hector e Alex trouxeram, e que se tivéssemos nos mantido em nossa protegida ignorância, nunca teríamos conhecido aquelas pessoas boas, que lutavam assim que nós para viver cada dia.

Era engraçado como o apocalipse nos fazia envelhecer anos em somente dias. Hoje já me considerava uma Rebeca com uma percepção bastante diferente de alguns dias atrás. Meu coração estava dividido entre ansiar pela segurança do condomínio e pensar que poderia nunca ter descoberto o que existe por trás dos muros de casa.

Para a nossa surpresa, encontramos Hector no ponto de encontro, mas junto com ele o HB20 no qual viemos até a cidade, que deveria estar estacionado a quase uma hora de viagem.

— Hector, você foi buscar sozinho?

O garoto, apoiado casualmente ao lado do carro com dois corpos de zumbis aos seus pés, ajeitou os óculos antes de sorrir para nós:

— Acordei cedo e pensei em poupar tempo pra gente. Conseguimos chegar para o almoço se corrermos.

Não contive um sorriso, mas a expressão de Tom era franzida:

— Hector, poderia ter acontecido algo com você e jamais saberíamos. Sei que quer voltar para casa, mas não devia se arriscar assim.

Ele deu de ombros e sorriu discretamente para mim assim que Tom terminou a bronca, e não pude deixar de devolver o gesto. Tom podia estar certo quanto a precaução, mas de certa maneira, às vezes sentia que poderia encontrar aquela mesma sensação de segurança perto das pessoas certas.


✘✘


— MEI! — Gritei o mais alto que pude assim que chegamos em frente ao portão. Teria estranhado o fato dela não ter ouvido o barulho do carro, se não estivesse vendo o amontoado de pelos laranjas deitado contra a janela de vidro do segundo andar.

Tom me olhou feio enquanto abria o portão da frente. O fazia manualmente mesmo tendo luz elétrica, pois usar o controle fazia barulho. Era meio hipócrita que eu descesse do carro gritando e ele estava certo, mas dessa vez não conseguia me conter de ansiedade. Teria prazer em matar sozinha os zumbis que eu tivesse atraído, mesmo que os arredores do condomínio estivessem vazios.

Vi de longe as duas orelhas escuras ficando em pé e logo depois o borrão de pelos já era um relâmpago correndo. Pela janela que ocupava de canto a canto da parede, também vi que Guilherme estava sentado, até então distraidamente acariciando minha cachorra, com Alex em uma poltrona ao lado.

— Amor! — Carol cantarolou, saindo porta afora da casa maior. Como o grupo que estava fora consistia de três moradores da casa maior e seu marido, não me surpreenderia que Carol tivesse optado por ocupar um dos quartos que deixamos vazio enquanto Tom estivesse fora.

Por trás da mulher loira que se aproximava, um Pastor Alemão em completa euforia vinha como uma bala e o desastre foi iminente: descontrolada, Mei passou correndo por entre as pernas de Carol, que não conseguiu manter o equilíbrio e caiu para trás. E nem isso freou Mei, que só terminou sua empreitada após jogar seus 45 quilos contra mim e me enterrar no chão sob seu peso, sem perder tempo em partir para lambidas. Senti um calor na barriga onde ela estava, tendo a certeza de que além de tudo, minha cachorra havia mijado de empolgação.

— Sim meu amor, sim, eu também morri de saudades! — Segurei aquela cabeça preta e comecei a beijá-la, sem me importar que ela não parou com as lambidas ou como todo o seu peso estava concentrado em cima do meu pulmão. Mei gania, latia e grunhia, hábitos que acabara largando desde o começo do apocalipse, mas aquele momento era uma pausa gostosa em nossa constante preocupação.

Me esforcei para colocar a muralha laranja para o lado, mas Alex já havia ajudado Carol, que varria com as mãos a grama da roupa, rindo alto, para o meu alívio. Um pouco envergonhada, peguei-me pensando se Chacina e Massacre, independente do quão bem treinados, também faziam esses fiascos.

— Desculpa Carol! — Gritei de volta, ainda sem conseguir respirar direito sob meu pastor.

— Não se preocupa, Beca — ela sorriu e atirou-se em direção ao marido em um abraço forte. Era impossível não sentir o coração quente com aquela cena. Samuel vinha logo atrás.

Depois de me cobrir em baba, grama e xixi, Mei finalmente achou que a recepção havia sido o suficiente e me deixou para pular em Hector e Melissa. Sentei-me com dificuldade, minhas costas latejando e uma mancha de xixi ensopando minha blusa. Alana e Victória se aproximavam, sem conseguir conter o riso.

— Ah não, e eu achei que ia sobrar comida! — Alana, sorridente, saltitava porta afora. De onde eu estava já podia sentir o delicioso cheiro do que quer que estivesse cozinhando.

— O que houve no seu braço? — perguntei, um pouco alarmada com a extensão do corte que começava no punho da mais velha.

— Ah, não foi nada. O vidro de uma das janelas quebrou com o vento e acabei me cortando por descuido — então ela moveu o braço para que eu visse melhor o corte limpo e fechado com pontos — Victória quem fez a sutura, ficou boa, né?

— Uau, sério? — Olhei para minha antiga colega, que desviava o olhar de maneira modesta.

— Alana me instruiu o tempo todo... Mas sim, eu quem fiz — ela sorriu.

— Braba — Melissa comentou, atrás de mim, sorrindo — vai ser útil, a Rebeca não para de se cortar com aquele canivete.

Victória sorriu ainda mais pelo elogio de Melissa, agradecendo-a educadamente, e vê-las juntas acabou arrancando um sorriso até de mim.

Eu sabia que tanto Victória quanto Hector e Guilherme eventualmente se desculparam com Melissa passado o choque inicial daquela noite. Sejam ânimos quentes ou álcool demais, todos acabaram se envergonhando pela dúvida inicial e Melissa, muito mais prática e menos rancorosa do que eu, realmente não parecia guardar mágoas. Infelizmente isso não era o suficiente para que não se sentisse menos desconfortável enquanto estávamos no condomínio (que foi um dos motivos iniciais para começarmos a viajar juntas, nos afastar daquelas lembranças), e por isso Melissa havia se tornado cada vez menos sociável com algumas pessoas. Claro, eu jamais poderia culpá-la, mas ao mesmo tempo que respeitava sua decisão, sabia como esse comportamento a deixava ansiosa e solitária, o que não raramente terminava com Melissa bebendo. E esta era uma coisa que eu também não poderia julgar, embora sempre estivesse em preocupação constante por minha amiga.

Por isso ver Melissa conversando por espontânea vontade era algo surpreendente, e positivo o suficiente para me animar.

— Tudo bem? — Uma voz familiar atraiu minha atenção e quando me virei em sua direção encontrei a mão de Guilherme esticada para mim.

Senti um calor incômodo esquentando meu rosto, ver aqueles olhos verdes me fazendo lembrar de ter beijado Leonardo na noite anterior. Arrependimento era uma palavra muito forte para algo tão bom, mas mesmo que não estivesse em bons termos com Guilherme (ou sequer um dia tenhamos iniciado uma relação séria), era difícil entrar em acordo comigo mesma se o que eu fizera era ok ou não.

— Imuda, babada e com xixi, mas bem — aceitei sua ajuda para me levantar, e como se indignada com esse ato de rebeldia, Mei imediatamente voltou a pular em mim — ai! Mei, calma! — Guilherme abriu um sorriso fraco diante da cena, e dirigi-me a ele, mantendo-me natural: — ela se comportou enquanto eu estava fora?

— Se comportou, mas ficou arrasada todos os dias — ele me respondeu, a voz baixa. Estranhei um pouco seu comportamento apático, tendo cumprimentado a todos somente com um aceno de cabeça.

— Bom, se todos os quatro estão aqui, então acho que eu acertei, né? — A voz grossa de Alex chamou a nossa atenção, um sorriso bonito em seu rosto — ficaram quase quatro dias fora por causa de uns velhos e umas crianças?

Hector pareceu feliz ao vê-lo, cumprimentando-o com um abraço, mas ainda falando em tom de deboche:

— Sim, uns velhos e umas crianças armados. Uns três daquele grupo te amassariam na porrada fácil.

Apesar do olhar surpreso, Alex pareceu tranquilo, mas a brincadeira de Hector não pareceu ter sido tão engraçada para os outros, que começaram a demonstrar genuína preocupação.

— Bom, eram idosos e crianças sim, até certo ponto — Tom começou a explicar — Hector não mentiu também, estavam armados, a maioria com armas de curto alcance, mas um dos homens portava uma pistola. Um garoto da idade das meninas, uma mulher um pouco mais velha e um homem de uns 30 anos cuidavam da proteção do grupo, e também se revezavam para buscar comida junto com outro homem mais velho, 40 anos, com uma filha. Estavam em condições bem piores do que as nossas, mas também não pareciam oferecer riscos.

— Mas nem por isso são idiotas — Melissa se adiantou — descobriram nosso disfarce na mesma noite.

Um "oh" de surpresa escapou dos lábios de Carol e todos tinham os olhos vidrados em nós.

— Mesmo assim não nos ameaçaram nem anda — adiantei-me, completando a fala de Melissa — o garoto e a mulher vieram conversar comigo e Melissa à noite. Não compraram a nossa história, nos acharam alertas demais para passarmos por duas garotinhas bobas, e queriam saber se estávamos bem — dei de ombros — contei a verdade.

— E simplesmente aceitaram? — Victória questionou, as sobrancelhas franzidas.

— Bom, de certa forma. Como eu e Rebeca abrimos o jogo, deduziram que aquilo foi por segurança. Também não contaram para todo mundo, a maioria realmente acabou comprando a história... Até a Rebeca salvar uma criança de um zumbi usando um canivete — ela abriu um sorriso divertido, sabendo como todos ficariam surpresos.

— Como assim? — Perguntou Alex, rindo.

— Um canivete? — Ecoou Alana.

Respirei fundo de maneira dramática, entrando na brincadeira.

— Ok, eu conto tudo. Mas só se me derem logo algo para comer, porque estou faminta!


✘✘


Soltei a fumaça em um expirar leve. De onde estávamos deitados, logo embaixo da janela sem vidro, acompanhávamos a chuva forte do lado de fora.

Infelizmente o vento frio já me fazia reconsiderar sobre continuar me encontrando com Guilherme naquela casa vazia. O fato de estarmos sem roupas, mesmo sob as cobertas, também piorava o frio, mas nenhum de nós parecia inclinado a se mexer.

Pela primeira vez em bastante tempo não gritamos um com o outro — e isto havia sido mérito dele, porque como sempre, eu estava pronta para briga. Guilherme parecia cabisbaixo desde o momento em que chegamos. Quando veio me ver, perguntou se eu me importava que ele estivesse ali e mesmo depois que aceitei, nem minhas respostas venenosas conseguiram tirá-lo do sério. Inevitavelmente dormimos juntos, o que não era mais surpresa para nenhum dos dois, mas a paz em fazer isso sem haver xingamentos e agressões verbais fora mudança bem-vinda.

Mesmo sob a tempestade, o clima era confortável e a noite escura não me lembrava solidão. Guilherme repetia seu gesto tão familiar de passar os dedos pelo meu cabelo e essa era a única forma de eu saber que ele ainda estava acordado.

Aquela paz era tão diferente dos meus últimos dias (ou mesmo meses) de completa agitação. Eu tentava repudiar a ilusão da segurança, abraçava o caos pois ele quem me tornara forte e tinha medo que o conforto destruísse tudo, abalasse a minha coragem. Mas nesse momento, longe de qualquer perigo ou dúvida, deitada sob a chuva fresca, ousava sentir-me confortável.

Não sabia como me sentir diante daquela realização. Provei a felicidade enquanto estava fora, mas contra tudo o que eu acreditava, ainda sentia aquele mesmo gosto quando estava de volta.

Sentir-me daquela forma reacendeu minha ansiedade sobre a noite anterior. Sobre estar deitada com Guilherme um dia após beijar Leonardo. Eu e Guilherme sequer tínhamos o que chamar de relação. Se tudo pudesse ter acontecido naturalmente, se aquela terrível noite não tivesse manchado nossas vidas... Deveria me sentir mal por beijar outra pessoa? Eu sequer conseguia entender meus próprios sentimentos. Ao mesmo tempo, cada vez que aquela dúvida permanecia sem resposta meu coração se descompassava.

— Gui? — chamei, e mesmo sob a chuva minha voz parecia alta demais. Apaguei meu cigarro no piso.

— Oi, Rebeca.

Respirei fundo, tentando entender o que eu queria perguntar. Tentando imaginar o que queria ouvir.

— O que nós temos? — as palavras escaparam antes que eu pudesse decidir, e temi que ele entendesse aquilo como uma cobrança — Digo, existe algo além...

Para minha surpresa Guilherme sequer se moveu, sua mão ainda brincando com meu cabelo.

— Por que a pergunta? — independente de parecer cabisbaixo ou não, Guilherme era infinitamente melhor com as palavras do que eu. Ele não parecia incerto, nem pego de surpresa com o assunto.

Respondeu minha pergunta com outra porque não era burro. Aquilo que fazíamos nunca havia precisado de um nome até então. Sequer acharia justo entregar-lhe qualquer coisa diferente da verdade, então sentei-me no colchão, cobrindo preguiçosamente meu torso com a coberta, para poder olhar em seus olhos.

— Eu só andei pensando. Muita coisa mudou entre a gente e eu queria saber o que você pensa disso. Praticamente não nos falamos direito porque eu estou sempre fora.

— E porque você sempre prefere brigar. Ou foder — ele disse, e por trás da brincadeira havia uma alfinetada, mas deixei passar.

— Sim, e por isso.

Então o sorriso lentamente abandonou seu rosto e Guilherme suspirou, colocando os braços atrás da cabeça

— Rebeca, eu não sei se os relacionamentos funcionam nesse mundo, se é possível ter algo como era antes. Se você quer saber o que eu sinto com relação a você: continua igual — Guilherme respirou fundo, mantendo os olhos no teto. Em nenhum momento ele havia olhado para mim — mas eu não sei se isso é o suficiente. Esse mundo mudou muito, e a gente mudou com ele. Eu não parei de pensar no que você falou da última vez, que eu te deixei sozinha para lidar com tudo naquela noite, que eu não aguentei assumir a posição de líder, e é verdade. Depois do tiro eu não tive a mesma força que você teve para continuar sendo a base para os outros. Eu estive lá com você e o Carlos um dia, mas a verdade é que sempre foram vocês dois. E hoje é o Hector, a Melissa, o Tom...

— Eu odeio que você pense que

— Que depois do tiro eu virei um inútil? — Ele me cortou. — Sinto muito, mas é o que é. Foi traumatizante estar na rua praticamente desacordado após o tiro, ver os zumbis chegando perto e sequer me manter em pé. Depois quando saímos de Florianópolis para chegar até aqui... Hector disse que eu lutaria pela vida com meu braço esquerdo se precisasse, pode dar uma medalha a ele pela conclusão, mas você acha que eu quero precisar? Ou pior, que quero que alguém precise me salvar? Correr o risco de levar alguém junto quando eu morrer? Acho que já gastei minha cota de prejudicar o grupo naquela noite.

Abri a boca para responder, mas fechei de novo. A voz de Guilherme não havia se alterado e apesar do que falava, estava tranquilo, mas incisivo.

— Eu já estou me esforçando para aprender a viver assim, antes que você pense que não. Eu tentei atirar com Hector, tento fazer o que está ao meu alcance aqui no condomínio, mas é muito mais fácil falar. O problema não é a falta de movimento, o problema é que tudo dói pra caralho também. Aqui no condomínio eu posso parar e respirar fundo, esperar passar, mas e lá fora, com um monte de morto querendo me comer?

Guilherme se apoiou no braço esquerdo e imitou meu movimento, sentando-se sobre o colchão. O cobertor escorregou, revelando seu peito branco. A cicatriz vermelha do tiro contrastava com sua palidez.

— Só acho que no fim ficamos diferentes demais. Para mim só tentar sobreviver aqui é o suficiente... Se você quiser eu posso dizer que tudo daria certo e seríamos o casal feliz do apocalipse apesar de tudo, eu tentando fazer o meu melhor e você me carregando nas costas, mas eu não sei se essa é a vida que você quer.

"Você é a primeira a ir para a linha de frente, assumir o problema dos outros e se colocar em risco para proteger alguém. Eu não acho que consigo te acompanhar nisso, Rebeca. Sequer emocionalmente, pra ser sincero... Eu fico muito nervoso sempre que você sai. Não quis ser babaca falando que não achava que você tinha que arriscar sempre sua vida, espero que não tenha soado assim, eu só... Não sei, já passamos perto de morrer tantas vezes. Eu sei que você é foda pra caralho, rápida, forte, mas... E o Faber? A Ana... Às vezes é só um deslize, um segundo de distração. Eu não paro de pensar nisso, de pensar no pior cenário possível, principalmente com você indo em direção a um grupo completamente desconhecido. Fico feliz que eles sejam boas pessoas e que no final tenha valido a pena, mas e se fosse só um pouco diferente?"

Guilherme me olhava com expectativa, talvez um pouco desconfortável de ter iniciado um monólogo, mas mantive a boca fechada.

— Mas eu sei que é a sua escolha, tá? Eu respeito isso, respeito você... Por isso não quero te prender a mim. Você quer descobrir como está o mundo lá fora, você acha que o risco vale a pena...

Depois que Guilherme se calou, o quarto ficou em silêncio por alguns segundos. Ao nosso lado, no chão, Mei dormia tranquilamente enrolada em seu próprio corpo. Ouvimos o som de um trovão que parecia distante.

— Eu não sabia de tudo isso. Que você pensava assim.

— Agora que eu fui sincero, você pode ser também?

Olhei-o atenta, pega de surpresa. Sentia as batidas do meu coração mais fortes, mas assenti, incentivando-o a continuar.

— Você perguntou isso do nada, depois de tanto tempo... Você conheceu alguém lá na escola?

Os olhos de Guilherme estavam pousados em mim, mas eu não conseguia ler sua expressão. Ele não parecia bravo ou acusatório. Mordi o lábio inferior, voltando a olhar para as nuvens na esperança de cortar nosso contato visual. Por alguns segundos pensei em mentir, mas não sabia se minha crescente ansiedade suportaria.

— Mais ou menos. Tem um garoto lá, ele... — respirei fundo — me beijou. Noite passada. Eu não estou perguntando isso porque quero ficar com ele, é só... Me fez pensar.

Por mais que Guilherme parecesse calmo, notei um pequeno tremor no canto de sua boca, uma respirada mais pesada que indicava que aquela confissão lhe fizera sentir algo. Ele passou uma mão no cabelo, virando o rosto na direção de Mei.

— Você está bravo? — Perguntei, talvez sendo inocente demais, mas sem saber como proceder.

Guilherme respirou fundo, voltando a olhar para mim.

— Só não é uma coisa boa de ouvir, mas acho que não tenho direito de ficar bravo.

Senti meu coração pesado vendo seu olhar triste, sem saber o que dizer para consertar as coisas, sem saber se as coisas poderiam ser consertadas. Mordi o lábio inferior tentando conter a ansiedade.

— Você ainda quer dormir comigo? — Perguntei. Escondi minhas mãos sob a coberta porque sabia que elas tremiam. Entenderia se Guilherme quisesse ir embora, mas sabia como aquilo me deixaria mal, sendo ou não justo me sentir assim.

— Quero sim, Rebeca — ele respondeu, para minha surpresa — só acho que independente de qualquer coisa, deveríamos começar a ficar lá dentro. Está fazendo cada dia mais frio.

Sua mudança súbita de assunto parecia tentar encerrar aquela conversa.

— Claro, você tem razão — deitei novamente, puxando a coberta até o pescoço. Mei, ainda dormindo, mudou de posição e apoiou a cabeça do meu lado do colchão e coloquei minha mão que tremia lá, em busca de um pouco de apoio.

Guilherme também se deitou, ajeitando o braço machucado para que eu pudesse chegar mais perto. Ainda sentia meu coração acelerado, mas aquele calor bem vindo ajudava a controlar minha ansiedade.

Depois de minutos em silêncio, ouvi a voz de Guilherme:

— Rebeca?

— Oi.

Guilherme ficou mais alguns segundos em silêncio enquanto eu encarava o teto do quarto no escuro.

— Apesar de tudo eu ainda...

Ele deixou sua voz se perder na escuridão e virei meu rosto para olhá-lo, deparando-me com seus olhos sobre os meus. Eu podia ver pela sua expressão como parecia ansioso, incerto de como falar o que queria dizer.

Em um impulso, estiquei o meu corpo e cobri seus lábios com os meus, ajudando-o com o que ele queria dizer. Nos beijamos por algum tempo tempo, desta vez sem qualquer sugestão de algo a mais.

— Eu também, Gui. 


✘✘


Nota da autora:

Oi amigos, tudo bom com vocês? 

Em primeiro lugar já quero deixar um enorme agradecimento a todos os feedbacks que recebi no capítulo passado 💕 Vocês são simplesmente incríveis, amei o  carinho em todos os elogios e críticas construtivas.

Dito isso, já emendo a desculpa por ainda não ter respondido! A confusão de sempre entre dois livros, trabalho e TCC, espero que me perdoem e assim que possível já respondo todo mundo certinho!

Ai amigos, posso ser não-profissional? kkk Eu demorei umas três semanas para escrever esse capítulo porque sentia que não acertava de jeito nenhum e a principio tinha odiado, mas quando fui revisar para postar eu simplesmente amei????... Não existe cenário que eu ame mais do que um mundo destruído/pós-apocalíptico onde ainda existam problemas normais envolvendo relacionamentos e emoções. 

Eu não sei se vocês também sentem isso, mas eu vejo como os integrantes nosso original vão ficando cada vez mais "quebrados" emocionalmente, como amadurecem forçadamente. 

Ai, eu to amando tanto escrever essa continuação e espero que vocês estejam gostando tanto quanto eu! 

Muito obrigada mesmo pelo constante e sempre presente apoio 💕 Vocês não sabem o quanto seus comentários e carinho significam pra mim.

Não se esqueçam de deixar seu voto/comentário se estiverem curtindo, mesmo demorando eu juro que tento responder todos.

Um beijão e até semana que vem. 

Continuem não sendo mordidos, estão fazendo um ótimo trabalho! 


✘✘


Uma pequena propaganda aqui! Se você gosta do meu trabalho e tem interesse em ver ele de uma maneira um pouco diferente, eu comecei a postar recentemente um novo livro no Wattpad onde vou focar em fazer análises de filmes, animes, séries, animações etc.

O nome é Análises Desnecessariamente Profundas Sobre Obras Nem Tão Complexas e já é meio auto explicativo kkk Basicamente vou fazer vários textões sobre desenho animado 🙏

Já está disponível no meu perfil com a primeira análise sobre o filme clássico da Cinderela e o feminismo por trás da história. Eu ficaria profundamente feliz se vocês fossem dar uma olhada! 

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro