Capítulo 7.
A escada de emergência sacudia com o vento e criava um balanço incômodo, seguido pelo barulho da estrutura de metal colidindo contra a parede. Cada batida era pontuada por um gritinho de Melissa, que tremia à minha frente. Helena a encarou com reprovação antes de revirar os olhos e os pousar em mim, como se buscasse minha opinião. Dei de ombros e também revirei os meus, para demonstrar que concordava com ela.
— Melissa, será que você pode calar essa boca? — perguntou Ana, apertando com força o corrimão de segurança.
Melissa fungou e esfregou os olhos na manga do moletom. Quando virou para o próximo lance de escadas, olhei-a de cima e pude reparar nos caminhos de lágrimas que se destacavam em suas bochechas bronzeadas. Imediatamente me arrependi por debochar dela junto com Helena, porque apenas estava apavorada, como eu mesma estivera há algumas horas atrás.
— Já estamos quase no chão, Melissa — disse Guilherme, de maneira doce. Ele estava ao lado de Carlos, à frente de todo o grupo.
Os garotos foram os primeiros a descer, fazendo um sinal para esperarmos e segurando suas armas improvisadas em posição de combate enquanto olhavam ao redor. O vento do final de tarde era forte e balançava as árvores, fazendo suas folhas farfalharem. Em dias normais, teríamos ouvido passarinhos cantando. Aquele com certeza não era um dia normal.
— Acho que ninguém veio pra cá — murmurou Carlos, baixinho. — Mas tentem falar baixo para não atrair a atenção de nada.
— Podem descer — Guilherme concluiu.
Victória tentou acalmar Melissa no momento em que chegamos ao chão, mesmo também estando completamente apavorada. Ela segurou a mão da amiga e percebi que choravam juntas. Por um curto momento, também desejei ser consolada.
Senti as lágrimas ameaçando voltar e me obriguei a erguer a cabeça e afastar quaisquer pensamentos melancólicos. Martirizar-me pelo sofrimento daquele dia não me ajudaria a salvar minha avó e Mei.
Carlos caminhou até Helena e iniciou uma conversa baixa. Pensei em ir até eles, mas Guilherme chamou a minha atenção com um gesto, pedindo que eu me aproximasse dele.
Estava um pouco afastado, próximo aos muros que cercavam o bosque. Ele ainda segurava o seu cabo de vassoura e, depois de enfrentar aquele zumbi com a barra de ferro de Carlos, senti-me pela primeira vez incomodada por ter as minhas mãos vazias. No começo, eu estava com medo, mas talvez precisaria me obrigar a lutar para continuar viva — e manter todos a salvo, claro.
O bosque era rodeado por muros altos e um enorme portão de grades dava acesso à rua de trás do colégio. Fora construído dessa maneira há anos, mas hoje em dia nenhum aluno podia entrar ou sair do colégio por ali.
Pelas barras, consegui ver alguns monstros: quatro ou cinco, vagando pela rua normalmente pacata. Além deles, a única sugestão de que aquela parte da cidade também fazia parte de um apocalipse era um carro atravessando a calçada, provavelmente abandonado de qualquer maneira quando o proprietário se viu precisando fugir.
— Você acha que conseguimos passar a ponte hoje? — Guilherme mantinha os olhos em mim, parecendo claramente nervoso.
Era intrigante observar como as pessoas reagiam de maneiras tão distintas à uma tragédia. Melissa e Laura, por exemplo, ficaram em frangalhos, enquanto Carlos e Helena, ainda que tensos, tentavam manter a calma e pensar racionalmente. Eu mesma estive pronta para morrer de fome naquela manhã, trancada no banheiro da biblioteca, e agora havia praticamente formado o grupo que sairia do colégio em direção a uma cidade infestada de mortos canibais. Porém era óbvio para mim que se me desse o luxo de perder o foco, pensar demais na minha família ou na destruição que se alastrava pelo mundo, eu também acabaria em prantos. Por hora, precisava continuar lutando com todas as minhas forças para afastar esses pensamentos.
— Eu não sei Guilherme, espero que sim. Tudo vai depender de como estarão as ruas até lá. Precisaremos ser rápidos, mas... — Pensei na melhor forma de me expressar: — Claro que não me oponho a isso, mas quanto mais pessoas vêm com a gente, também significa mais risco.
— Não é como se pudéssemos simplesmente mandar eles ficarem aqui, são nossos colegas, amigos... — Suspirou, antes de continuar: — mas eu sei que vai ser foda. Você foi corajosa na escada, sei que consegue se cuidar — Guilherme me olhou de cima abaixo, como se me analisasse, e senti meu rosto esquentar. Estávamos há apenas algumas horas naquele apocalipse e noções básicas de educação já pareciam ser substituídas por uma sinceridade realista. — O que me preocupa são os outros... Melissa, Victória... Eu não sei se conseguiremos proteger elas...
Percebi que, conforme falava, suas mãos gradativamente começaram a tremer. Coloquei uma mão em seu ombro, tentando consolá-lo, e quando recuperei sua atenção, percebi como seus olhos eram bonitos. Quase me atrevi a rir, por pensar em algo tão bobo naquela hora.
— Vamos conseguir, tá bom? A gente chegou até aqui, fomos bem — falei, sem pensar muito bem nas implicações daquela promessa e ignorando a perda que tivemos há apenas alguns minutos. — Se você der muita atenção ao medo, vai só te atrapalhar agora.
Guilherme assentiu e respirou fundo algumas vezes. Percebi que estava fazendo um exercício de respiração, provavelmente tentando controlar a ansiedade. Até então, considerava-o naturalmente corajoso, como Carlos e Helena, mas era mais fácil enquanto estávamos em movimento, com adrenalina em nossos sangues. Quando tínhamos tempo para respirar e realmente pensar no que estava acontecendo, o pânico vinha como a mesma intensidade.
Depois de segundos, a expressão de Guilherme se clareou um pouco e ele sorriu para mim:
— Obrigado. Sabe, eu tenho problemas de ansiedade desde que era mais novo, essa situação não é bem um lugar muito neutro para ela. — Então desviou o olhar, fitando o farfalhar das árvores por alguns instantes até voltar a me observar: — Rebeca?
— Hum?
— Quem é Mei?
Minha atenção voltou aos olhos verdes do garoto. Ele parecia nervoso, como se esta fosse uma pergunta difícil de fazer.
— Você já falou nela duas vezes... Fiquei pensando se não seria sua irmã — Ele colocou as mãos no bolso, na defensiva. — Eu só fiquei curioso, não precisa responder se não quiser.
— Mei é a minha cachorrinha. — respondi, deixando um pequeno sorriso escapar. Se ele me conhecesse um pouco melhor, saberia que aquela insegurança era desnecessária: eu amava falar sobre a Mei.
Ele franziu as sobrancelhas, mas acabou abrindo um sorriso nervoso, que evoluiu até se tornar uma risada.
— Eu achei que você estivesse falando de uma pessoa. Agora faz sentido: a Mei é um cachorro! — constatou, e sua risada contagiante me obrigou a acompanhá-lo. Quando finalmente nos controlamos, seu semblante assumiu um estado confuso. — Meu Deus, eu nem acredito que eu consigo rir depois de ver esses zumbis comendo metade dos meus colegas.
Aquela palavra atraiu a minha atenção. Eu tentei evitá-la até agora e não conseguia acreditar como ele conseguia usá-la tão levianamente, ignorando como soava cômico. Parecia que estávamos em algum filme idiota.
— Zumbis? — murmurei.
Guilherme deu de ombros.
— Ah... Aquele Hector — Ele apontou por sobre o ombro para onde nossos colegas estavam e eu sabia que se referia ao garoto de óculos. — Chama assim. No começo achei idiota, mas sei lá, olha a situação em que estamos. Eu não consigo pensar em nenhum nome melhor.
— Não tem problema, quando a gente chegar em casa, fazemos uma votação para decidir um melhor — brinquei, e Guilherme olhou para mim com as sobrancelhas franzidas. — Foi uma piada — expliquei, dando de ombros. Estava acostumada a rir da minha desgraça, mas entendi que poderia soar desrespeitoso diante do que enfrentávamos.
Ele começou a rir baixinho, dessa vez pelo constrangimento de quem demora para entender uma piada. Em dias normais, Guilherme exibia um semblante confiante e eu sabia que fazia sucesso com as meninas, por isso parecia tão estranho vê-lo nervoso e inseguro. Eventualmente precisei lembrar-me de que não estávamos em circunstâncias normais. Parecia cômico como era fácil esquecer que, logo ao nosso lado, seres emergidos de pesadelos tentavam roubar nossa vida.
— Vocês estão prontos? — A voz de Hector chamou nossa atenção. Aproximava-se, um pouco sem jeito, incomodado por nos interromper. Segurava mais dois cabos de madeira grossa na mão e imaginei que haviam encontrado mais vassouras em algum lugar ali. Ele estendeu um para mim e outro para Guilherme. — O Carlos e as garotas estão impacientes.
Dessa vez, aceitei a arma improvisada e nos dirigimos para onde o resto do grupo estava, reunidos em frente ao portão de saída. Era alto, talvez com cerca de 3 metros, mas grades transversais tornavam possível a escalada.
— Todos vocês conseguem pular, né? — perguntou Carlos. Ainda segurava na mão a sua barra de metal e olhava seriamente para todos. — Não é difícil, podem fazer com calma. Quando chegarem no topo, desçam devagar. Não pulem! Tem uns cinco, talvez seis zumbis nessa rua, mas esses são os que a gente consegue ver, pode ter mais. E podem vir mais... — Apoiou a barra na lateral do corpo enquanto falava, cruzando os braços.
— Quando todo mundo passar, precisamos ser rápidos — Helena continuou, como se tivessem combinado aquela conversa. — Não temos noção de como estarão as outras ruas, mas podem estar cheias daquelas coisas. Quando anoitecer, será ainda pior, por isso precisamos chegar à ponte o mais rápido possível.
Então um pensamento cruzou minha mente e puxei a mochila nas minhas costas.
— Desliguem seus celulares — falei, para todos ouvirem. Percebi que Ana revirou os olhos, mas continuei: — ou deixem no modo silencioso. Sei que querem falar com suas famílias, mas seria péssimo se começassem a tocar e chamassem a atenção dos zumbis.
— E por qual caminho vamos? — perguntou Victória, baixinho.
— A casa da Melissa fica na avenida. Como vamos passar lá, acho que podemos continuar nela até a principal. Depois, cada um segue para onde fica melhor — Guilherme olhou para mim e para Carlos. Concordamos, sem realmente ter uma ideia melhor.
— Rebeca e Melissa podem guiar o caminho e eu e Guilherme ficamos atrás, para proteger vocês — Carlos explicou e senti um arrepio ao ser colocada naquela posição. — Vamos tentar correr, então mantenham o ritmo. E pelo amor de Deus, não gritem ou façam algo que chame a atenção deles. Afastar um ou outro é fácil, mas se vários vierem para cima de nós... — Deixou a fase morrer no ar, mas todos estávamos cientes do que queria dizer.
— Se precisarem falar algo, que seja baixo. Vai dar tudo certo — Tentei ser um pouco mais encorajadora do que Carlos, mesmo que não estivesse me sentindo particularmente confiante. — Todos prontos?
Não precisávamos responder. Ninguém estava pronto.
Nota da autora:
A parte mais estranha de estar relendo esse livro é ver como, em comparação aos outros, os capítulos desse são super curtos!!! Esse mesmo, tem apenas 1,8k palavras... Em Decomposição e Em Fúria é tudo na casa das 3, 4k.
Nada que eu não compense com fodendos 50 e poucos capítulos, claro 🙏
Aos novos leitores, uma pergunta: quais dos nossos sobreviventes vocês acham que chegam até o final dessa jornada? 👀 (leitores antigos, podem comentar quais foram suas primeiras opiniões também!)
Muito obrigada pelo apoio! Por favor, não se esqueçam de votar no capítulo ⭐
Até amanhã, com mais duas atualizações e... Um pouco de caos 👀
Não sejam mordidos!
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