Capítulo 52.
Em determinado momento eu não soube mais dizer quando o som da tempestade em meus sonhos se misturou com o retumbar das trovoadas de fora das janelas. Antes que eu fosse capaz de definir qual era qual, eles misturaram-se em um só reverberar, mas só quando ficou claro para mim que o estouro que sacudiu a casa não pertencia à minha imaginação, fui arrancada do estado de semiconsciência que eu estava.
O som da chuva era violento e, àquela altura, a ventania sacudia com força as vidraças, ameaçando partí-las, mas ainda assim aquele rugido havia sido muito mais barulhento do que qualquer tempestade. Eu já estava sentada na cama e senti, no escuro, as cobertas se mexendo quando Guilherme acompanhou meus movimentos.
— O que houv...
Nada capaz de produzir tal som poderia significar algo bom àquela altura, mas somente quando o mesmo barulho ecoou novamente, seguido de baques contínuos, expulsei o torpor do sono de meu corpo. Mei latia sem parar, o som alto ecoando pelas paredes até chegar em mim. Não busquei pelas minhas roupas e só fui capaz de parar por poucos segundos para me cobrir com o robe que estava largado em cima da penteadeira.
Destranquei a porta do quarto com pressa. Eu não tinha nem a menor ideia do que havia causado aquele estouro, mas só conseguia desejar que Mei estivesse a salvo.
Estava preparada para correr o mais rápido possível em direção ao barulho, mas dificilmente precisei dar mais do que alguns passos para fora do quarto até encontrar minha cachorra latindo, histérica. Vê-la inteira seria o suficiente para acalmar meu coração, não fosse a segunda coisa que atraiu meus olhos, prendendo a respiração de alívio na minha garganta.
Eu já estava acostumada com sangue, mas ver tanto sobre o corpo de Melissa foi o suficiente para que o meu próprio congelasse. Os olhos amendoados fitaram os meus, em uma mistura de surpresa e torpor, como se para ela também não entendesse o motivo de estar em pé em frente ao quarto, com o corpo inteiro coberto de carmim.
— Melissa, você está... O que ho-
Quando vi a arma em suas mãos, entendi a origem do som que reverberou pelas paredes, mas ainda não entendia como era minha amiga que estava completamente ensanguentada, se também era ela quem portava a pistola. Suas mãos tremiam tanto que imaginei que ela a soltaria a qualquer instante. Mei ainda latia sem parar para o quarto escuro.
Um relâmpago iluminou a sala e apenas então uma sombra se destacou dentro do quarto, junto com os os rastros de sangue, e foi como se o chão se abrisse sob mim.
Quando Melissa abriu a boca, a trovoada e o chacoalhar dos vidros engoliram sua voz fraca, e ela precisou começar de novo:
— Rebeca, ele... Ele t-tentou... — O que saía da sua garganta era menos que um ruído.
— Meu Deus o que aconteceu?! — Ouvi Guilherme se aproximando por trás de mim, usando somente a mesma calça de antes. Sequer precisaria ouvir o gaguejar em sua voz para saber como a ansiedade já afetava seu corpo.
Um grito agudo atravessou a sala quando Alana e Victória apareceram, mas não fui capaz de identificar de qual delas veio. Mei cessou seus latidos, erguendo as orelhas, em guarda. Quando virei o rosto para as meninas, consegui ver Hector subindo a escadaria, com a aparência ainda mais castigada, olhando desnorteado para nós.
Faltava alguém. E perceber quem era tornava tudo claro para mim, mesmo ouvindo somente o começo da sentença de Melissa.
— Melissa, você está bem? Está machucada? — Adiantei-me em sua direção, segurando uma das mãos trêmulas da minha amiga. Era difícil identificar qualquer machucado em seu corpo com a maioria das luzes desligadas.
— Melissa, o que aconteceu?! Cadê o Carlos?! — A voz de Guilherme estava desesperada.
A loira era um pouco mais alta que eu, mas naquele momento eu senti que segurava um passarinho tremendo. O robe que eu usava rapidamente ficava manchado com o sangue, mas eu não me importava.
— E-ele... — Quando ouvi a voz áspera e machucada de Melissa, procurei instintivamente pelo seu pescoço. A sala estava escura, mas não tão escura quanto os hematomas em volta dele. — Carlos... — As palavras se perderam no ar, impossíveis de serem proferidas.
— O que você fez?! — Quando virei para Guilherme, vi que Victória estava com as mãos em seus ombros, o semblante pesaroso mostrando que já havia entendido. Então percebi que fazia força para impedir que Guilherme se aproximasse.
— Dá licença, gente. — Alana pediu, com urgência, enquanto passava por nós e adentrava na escuridão do quarto. Ninguém ligou a luz e agradeci por isso. Agora, do lado de Melissa, tornava-se ainda mais óbvio o formato do homem caído no chão ao lado de onde Alana se ajoelhava.
— MELISSA O QUE... — Guilherme ergueu a voz de novo, mas cortei-o no ato.
— Fica quieto! — Gritei de volta e seus olhos verdes se arregalaram para mim. — Deixa ela falar!
Melissa ainda estava trêmula, mas eu ouvia o quanto ela lutava para que a sua respiração se normalizasse.
— Ele não... — Ouvi a voz de Alana de dentro do quarto, mas para ser sincera, não era uma informação que me surpreendia: — Não tem pulso.
Guilherme deixou um lamento estrangulado escapar. Olhava fixamente para o interior do quarto escuro e quis abraçá-lo também, mas imaginar a verdadeira razão daquilo me fez manter-me firme ao lado da minha amiga.
Depois de um silêncio que pareceu durar eras, a voz arrastada de Melissa arranhou de novo sua garganta:
— C-carlos... Ele...
— Você não precisa falar agora, se quiser. — Sussurrei, para que só ela ouvisse.
Melissa sacudiu a cabeça, recusando.
— Ele... — Ela olhou para Alana e depois para Victória. — Ele me seguiu até o quarto e tentou me beijar... eu não quis, mas... — Somente depois de respirar fundo, Melissa concluiu: — Ele simplesmente... não parou.
Nem mesmo um trovão atreveu-se a quebrar o silêncio pesado como a morte que caiu sobre a sala. Apertei Melissa mais forte. Meu Deus, aquilo era culpa minha.
— Por que você... — Victória começou.
— Você pegou a arma do Hector. — A voz de Guilherme atravessou Victória, como um raio. Seus olhos estavam franzidos e, mesmo arfando e tremendo, ele parecia ameaçador.
Com pesar nos olhos, Melissa não conseguiu erguer o rosto para ele.
— Eu peguei... porque estava com medo que ele fizesse alguma coisa.
— Medo? Mas como assim, Melissa? — Victória falou.
Por um segundo eu achei que a loira iria sucumbir, o desespero cada vez maior em suas ações e expressões. Às vezes ela parecia se recuperar, mas subitamente sua respiração acelerava e ela voltava a tremer incontrolavelmente. Eu sabia que ela escolhia as palavras, e eu sabia que naquele momento a última coisa que ela precisava era dar explicação para todos.
— Deixem ela em paz, ela não precisa explicar nada agora! — Virei, meus olhos passando por cada um deles.
Era indescritível a energia que pesava o ar, os olhares apavorados e ações nervosas. Hector apoiava-se no corrimão da escada e ainda deveria estar bêbado demais para entender completamente o que acontecia.
— Rebeca, não é assim que... — Victória murmurou.
— Claro que precisa, Carlos está morto! — Guilherme deu um passo à frente, estendendo um dedo na direção dela. — Você estava ficando com ele, Melissa, eu sei! Por que você achava que ele ia fazer alguma coisa?! — Sua voz estava mais alta agora, mas nem um pouco estável. Ele parecia prestes a chorar. Todos pareciam, na verdade.
— Foi isso que ele te disse? — Ela deixou um riso seco escapar, que pareceu ainda mais bizarro em seu tom quase histérico. — Foi isso que ele pensou quando eu parei de reagir? — Mesmo à beira de um colapso, os olhos de Melissa se cravaram nos de Guilherme, cínicos.
Quis morrer ao ouvir aquelas palavras, que me pareceram terrivelmente familiares. Não era possível que eu não tivesse percebido... Como Melissa não falou nada?
E como Guilherme tinha coragem de agir daquela maneira? Senti meu sangue esquentando numa mistura de ódio e uma tristeza tão profunda que parecia levar consigo um pedaço da minha alma. Queria poder fechar os olhos e fazer tudo desaparecer, mas sabia que meus desejos infantis não tinham nenhum poder naquele momento.
— O que você está implicando, Melissa?! — Ele rebateu, acusatório. — Eu duvido que você não falaria nada se não quisesse...
— Querer? Guilherme, a Melissa nem gosta de homem, qual é o seu problema?! — Respondi, sem medir as palavras. Eu não queria acreditar que ouvia aquilo sair da boca dele.
Ele franziu o cenho, parecendo completamente incrédulo. Por um momento, achei que tivesse sido grosseira demais, mas ele me interrompeu antes que eu pudesse me desculpar.
— Ela ficou com metade dos caras do nosso colégio! Meu Deus Rebeca, ela já ficou até comigo! De onde você tirou isso?!
— Guilherme, isso não significa nada! — Alana interrompeu, parada em frente à porta do quarto. Agradeci por obstruir minha visão do interior, mas senti o estômago embrulhar vendo seus dedos sujos de sangue. — Melissa já falou sobre isso.
Guilherme ficou em silêncio por alguns segundos, ainda atônito. Assim como Melissa, todos os sentimentos pareciam passar por ele de uma só vez: medo, raiva, incredulidade. Em determinado momento, eu nem saberia dizer se ele realmente tinha mais algo para falar, ou só queria xingar Melissa de alguma maneira.
— E você não falou nada para ele? Você falou que não queria?! — Mesmo sentindo o ódio na voz de Guilherme, ele não parecia mais tão acusatório. Talvez a dor de aceitar o que acontecera lhe consumia, mas eu ainda não o perdoava por continuar agindo daquela maneira.
— Você acha que eu não falei da primeira vez? Que eu não tentei impedir ele? Ele não era um imbecil e sabia que eu não queria... Assim como sabia que eu não teria coragem de falar para ninguém. Quando eu vi que era inútil, eu só fingi que estava tudo bem... Imaginava que uma hora ele cansaria de mim, perceberia que eu não mudaria de ideia. — Melissa olhou com desprezo para dentro do quarto. — E talvez não nunca tentasse nada, se não estivesse bêbado como um porco.
— Melissa, me desculpa, mas como você nunca contou pra gente? — Victória quebrou o silêncio, a voz mais baixa do que os quase-gritos que Melissa e Guilherme davam.
— O que eu ia falar?! — Ela ergueu a voz, mas sua garganta machucada falhou e desencadeou um ataque de tosse. O suspense só contribui para deixar todos mais nervosos. — A-aconteceu quando estávamos na casa da Rebeca, fazia duas semanas que essa merda toda começou! Depois de vermos nossos amigos morrerem, saber que perdemos nossos pais... Como eu teria coragem de criar mais um problema? — No começo suas palavras pareciam instáveis, mas conforme sua história se estendia, ela parecia adquirir maior controle. — Ainda mais acusar o cara que protegeu todo mundo... A medrosa chorona querendo criar um caso contra o herói... O que vocês iriam fazer? Botar ele para fora?!
— Melissa, eu não consigo acreditar que você deixaria chegar a isso. — Victória falou, quase em um lamento, e aquelas palavras sim me atingiram como um soco, porque eu também havia deixado chegar a isso. — Se só tivesse nos...
— Você acha que eu queria que fosse tão longe?! — Melissa literalmente berrou, assustando a todos. — Victória, eu nunca achei que ele fosse fazer mais do que só me beijar! E vou ser sincera, eu não gostei em nenhum momento, mas se fosse isso, eu conseguiria sobreviver. Não seria a merda da primeira vez que eu já beijei com um cara sem ter vontade, você sabe melhor do que ninguém! — Ela levou as mãos ao rosto pela primeira vez, limpando os rastros de sangue que haviam lá. — Depois que ele se machucou e, meu Deus, Guilherme, você pode me odiar, mas como eu agradeci por aquilo... Ele me deixou em paz, e depois encontramos Carol e Tom... A casa sempre estava cheia, ele não saía com a gente... Eu achei que tinha acabado. Achei que ele finalmente tinha superado aquilo.
— Por isso você estava tão nervosa quando voltamos a ficar sozinhos... — Conclui, sentindo-me completamente estraçalhada por dentro.
— Então você pegou a arma e esperou por ele? — Guilherme indagou. — Você poderia resolver de qualquer outro jeito, mas você preferiu matar a pessoa que manteve todo mundo salvo por todo esse tempo.
Aquela foi a gota final para mim, mas quando abri a boca, Melissa respondeu primeiro:
— Eu não pretendia matar ele, Gui... — Para a minha surpresa, ela parecia genuinamente triste. — É óbvio que eu não queria! Ele não tinha tentado nada, mas eu sabia que bêbado, com você e Rebeca ocupados, ele podia... — Ela suspirou, sua voz voltando a falhar e tremer. — Eu peguei a arma porque se acontecesse algo... Eu ia só impedir. Ia fazer ele parar com aquilo de uma vez por todas... mas eu só queria assustar ele! — Sua voz parecia o lamento de um torturado. — Quando eu falei que não, quando eu dei um tapa nele... Eu acho que ele não viu a arma na minha cintura, porque ele veio pra cima e...
A voz de Melissa era entrecortada por uma respiração que ficava cada vez mais instável.
— Ele começou a apertar o meu pescoço. Eu acho que ele sabia que eu iria tentar gritar... Eu achei que ele só queria me manter quieta enquanto ele tentava me beijar, mas ele não parava de apertar. Ele parecia completamente bêbado e... Descontrolado. — Ela moveu a cabeça de um lado para o outro, transtornada. — Eu esperei até achar que... Eu pensei que não conseguiria nem alcançar a arma, mas ele estava com a boca em mim e não... Eu quase perdi a consciência, mas consegui dar o tiro.
"Acho que ele me soltou por causa do susto, porque ele parecia incrédulo. Eu o empurrei e, acreditem em mim, eu ia chamar por ajuda, mas ele puxou meus cabelos e me jogou no chão. Eu não tinha tentado matar ele da primeira vez, mas depois... Ele veio enfurecido para cima de mim e eu..."
Isso explicava porque Melissa estava coberta de sangue. Ela contava aquele relato com uma mistura de vergonha e tristeza e, embora até então tivesse parecido confiante, finalmente o peso da situação pareceu cair sobre seus ombros e abatê-la de vez. Quando me aproximei dela, abraçando-a de novo, senti seu corpo tremer conforme ela começou a chorar.
Melissa passou por tanto sozinha, sem nem ao menos deixar transparecer. E eu estava ao seu lado, completamente alheia a tudo. Eu me sentia tão culpada por ter ficado calada quando tive a oportunidade de, quem sabe, impedir que isso acontecesse com ela. Eu tinha certeza que o meu silêncio havia sido combustível para ele...
Ninguém se pronunciou por quase um minuto, onde meus pensamentos maquinaram em uma velocidade surreal. Eu não sabia ao certo nem o que estava sussurrando para Melissa, querendo, desesperadamente, que a sua dor fosse embora.
— E como vai ficar, então? — Guilherme falou e lancei outro olhar fulminante para ele. Seus olhos estavam vermelhos e úmidos e todo o seu corpo tremia, mas além de ansiedade, ele parecia com mais raiva ainda. Victória tentava consolá-lo.
— O que você quer dizer?
Victória respondeu, seguindo o raciocínio de Guilherme:
— Uma pessoa morreu... E não foi por causa de um zumbi dessa vez. Ele era importante para nós.
— Vocês... — Novamente, a sensação de ódio borbulhante subiu pela minha garganta. — O que estão querendo insinuar?
— Acho que... O que vamos fazer a respeito disso? — Hector respondeu, e quando virei para sua direção, percebi como ele parecia tentar desesperadamente não vomitar. — Isso nunca aconteceu antes... Nunca falamos sobre isso, mas o que acontece se uma pessoa mata outra hoje em dia? Devia haver um julgamento ou...
Não consegui conter a risada de escárnio. Olhei para cada um deles, que pareciam surpresos com a minha reação.
— Um julgamento? — Perguntei, irônica, incapaz de conter a quantidade de raiva que eu deixava escorrer com as minhas palavras. — Quando eu pensava que não conseguiriam ser mais imbecis, depois de perguntarem para Melissa por que ela não agiu de determinada maneira, vocês falam isso?
— Então, isso é o certo? É a palavra dela contra.. — Guilherme começou.
— Não, Guilherme. — Interrompi. — É a minha palavra! Quer ouvir o meu segredo? Carlos fez a mesma coisa comigo, dentro da minha própria casa. — Aquelas palavras, jogadas tão repentinamente, pareceram um tiro em seu coração. — Vai me perguntar também por que eu não contei? Na época não achei que deveria ser egoísta a ponto de colocar os meus problemas acima do grupo. Também achei que poderia resolver as coisas sem envolver mais ninguém.
Olhei diretamente para Guilherme antes de continuar, tendo sentido-me particularmente ofendida por todas as suas palavras até então:
— E tinha o constrangimento. Parece surreal pensar que no meio do apocalipse, enquanto zumbis podem nos comer a qualquer momento, uma mulher ainda precise continuar tendo medo de um abusador. Você quer saber? Eu me arrependo de duas coisas: ter ficado quieta e deixado esse problema crescer até aqui. — Dei um passo na direção dele, ansiando descontar de alguma maneira o peso que havia em meu coração. — E de ter deixado para Melissa o prazer de matar aquele infeliz.
Guilherme e Victória, lado a lado, pareceram igualmente estarrecidos ouvindo aquelas palavras, aquele atrevimento de falar daquela forma de alguém cujo corpo morto ainda esfriava.
— Um julgamento, é isso que vocês querem? Pois eu condeno o Carlos ao inferno. — Olhei em volta, para cada um daqueles que sugeria aquela loucura. — Vocês acham que por ele já ter salvado alguém no passado, isso torna o que ele fez justificável? Digno de perdão? Se for assim, lembrem que eu e a Melissa já salvamos cada um aqui, e colocamos o nosso pescoço em risco atrás de comida mais vezes do que vocês podem contar! Querem falar em números? Então falem direito.
— Mas não é sobre números. — Alana interrompeu. — Esse debate não importa. O que ele fez foi horrível, e se Melissa não tivesse se defendido, se ele conseguisse ir mais longe...
Agradeci sua sensatez, mas eu queria ser muito mais agressiva:
— Importante para nós. — Repeti as palavras de Victória. — É que todos estejam a salvo e um herói não pode ser a mesma pessoa que cria os riscos! — Cuspi as palavras, não tendo qualquer decência em ser delicada. — Querem debater sobre o que fazer quando um humano mata outro? Ótimo! Mas aquele filho da puta não tinha mais qualquer humanidade! E o próximo assim que aparecer, podem ter certeza que eu mesma vou ter a honra de matar.
Quase um minuto de silêncio se estendeu, mas foi interrompido por um som nem tão agradável. Próximo ao corrimão da escada, Hector se apoiava na parede e vomitava, talvez finalmente sucumbido à quantidade absurda de álcool que ele bebeu.
Guilherme parecia a ponto de ter um ataque do coração. Lágrimas se misturavam à tremedeira de seu corpo e seus olhos estavam fixos em mim, ainda em choque. Parecia ter dificuldade para processar tudo o que aconteceu.
Quando finalmente tomou uma atitude, respirou fundo e tentou abrir a boca para falar algo. Uma. Duas vezes. E, no fim, simplesmente nos deu as costas e se afastou. Naquele momento, não senti qualquer vontade de tentar consolá-lo. Minha raiva ainda era recente e palpável demais.
— Eu acho... Eu realmente acho que vou vomitar. — Melissa falou depois que Guilherme nos deixou. Com os olhos marejados, uma feição sem jeito e confusa, virou e foi em direção ao banheiro.
Victória, Hector e Alana, sua figura encoberta pela escuridão do quarto onde jazia Carlos, estavam parados ao meu redor, cada qual com sua própria surpresa e medo estampados no rosto. Quis me dar ao luxo de ficar parada com uma expressão idiota junto com eles, mas não havia espaço para isso na minha cabeça.
Caminhei até Victória, sentindo qualquer grão de paciência esvaído do meu corpo. Segurei seu pulso e ignorei a careta de dor que ela fez:
— A sua melhor amiga quase foi estuprada e morta essa noite. Eu não quero saber sobre qualquer merda que você tenha para falar, você só vai fazer o que estou mandando e vai consolar Melissa. Seja uma boa amiga, cuide dela, acalme ela! — Fiquei tentada a apertar ainda mais o seu pulso ossudo, para que ela entendesse o quão sério eu falava.
— Hector. — Virei para ele, que ainda tentava se recompor, esfregando as costas do braço na boca. Ficou imóvel, como se pego no flagra, os olhos arregalados em mim: — Você vai falar com o Guilherme. Vocês dois, se certifiquem que ninguém faça nenhuma merda aqui! — Virei-me para a enfermeira, que também me olhava atentamente. — Alana, vou precisar da sua ajuda. Acho que você deve ser mais acostumada do que qualquer um de nós a lidar com corpos. Eu e você vamos resolver esse problema assim que eu voltar, tudo bem? Pode ficar com a Mei um pouco, por favor?
Ela assentiu, sem questionar e caminhou até Victória para acompanhá-la atrás de Melissa.
— Onde você vai? — Hector perguntou, assim que passei por ele.
— Resolver os problemas — falei. — É o que uma líder faz.
Nota da autora:
O capítulo divisor de águas 👀
Essa discussão gerou discussões POR ANOS no fandom de ED e quero MUITO ler o que vocês têm a dizer.
Mais três capítulos...
Não sejam mordidos.
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