Capítulo 42.
Aceitei o cantil de água que Hector estendeu para mim, franzindo o cenho ao mover meus braços exaustos. Todo o meu corpo estava coberto de suor depois do combate e considerava um milagre não ter desmaiado de novo.
Depois de lidar com a maior parte dos zumbis, que agora não passavam de cadáveres imóveis estirados pelo asfalto, finalmente conseguimos atravessar a barreira de carros. Todos inteiros e bem, na medida do possível.
Alex estava curvado, apoiando as mãos nos joelhos e tentando recuperar o fôlego, enquanto Melissa ajudava Faber a se acalmar. Hector ficou alguns segundos observando as criaturas restantes que tentavam nos pegar por entre os espaços dos veículos, mas estávamos longe do seu alcance. Quando pareceu se dar por satisfeito de que a situação era realmente segura, virou para nós:
— Agora que estamos todos bem, preciso perguntar: o que aconteceu lá? — questionou, limpando o suor da testa com as costas do braço. Só então reparei que uma das lentes de seu óculos estava quebrada.
Todos olhamos em sua direção e demorei um pouco até lembrar dos sons que ouvimos antes de todo o alvoroço se iniciar. Imediatamente senti um calafrio afastar o calor do meu corpo ao lembrar do que pensei ter ouvido.
— Vocês... — Melissa começou, mas parecia hesitante em completar a frase. Olhou na direção de Alex e Faber. — Também ouviram alguma coisa? Fui eu que esbarrei no carro, me assustei com aquele barulho. Parecia...
— Um tiro. — Eu e Hector falamos ao mesmo tempo.
Aquelas palavras imediatamente invocaram um clima tenso, onde por muitos segundos nos encaramos sem saber o que adicionar. O silêncio era pontuado apenas pelos grunhidos dos mortos a poucos metros de nós
— Eu também ouvi, mas era muito distante. — Acho que era a primeira vez que ouvia Alexandre falando num tom tão sério. — Não dá pra ter certeza.
— Mas podia ser, sim — Melissa murmurou. — Você acha que... Foram eles?
A pergunta podia carregar muitos significados, mas eu imaginava que ela também estava informada da real situação de Alberto e do grupo que invadiu a farmácia antes de nós. Eu não tinha uma resposta para a sua pergunta, mas a verdade é que aquilo também foi a primeira coisa em que pensei.
O clima pareceu ainda mais pesado conforme o silêncio se estendeu enquanto cada um de nós provavelmente pensava no pior cenário possível. Não sabíamos se aquelas pessoas ainda estavam por perto ou em quantos estavam, mas... Contavam com armas e estavam dispostos a tudo.
Além disso, a frustração de quase ter pedido Melissa esquentava meu corpo. Eu não culpava Tom pelo que aconteceu, afinal eu havia concordado com aquilo, mas já estava na hora de parar de fingir que aquela tentativa de limpar as ruas estava indo para algum lugar. Há dias mais e mais mortos chegavam e a nossa comida apenas diminuía conforme precisávamos ir cada vez mais longe e nos arriscar cada vez mais...
— Não dá mais para ficarmos aqui — falei, passando a mão pela extremidade do meu bastão e reparando nas novas lascas. Provavelmente precisaria trocá-lo em breve. — Estamos perdendo tempo e repetindo a mesma coisa que aconteceu na minha casa. Nada contra Tom, mas essa ideia é uma idiotice e só está trazendo riscos desnecessários.
Ergui o rosto para encontrar os olhos de Hector fixos nos meus. Minhas palavras atraíram a atenção de Alex, Melissa e Faber, este último que parecia ter se recuperado do choque.
— Que bom que concordamos nisso. — Hector murmurou. — Não queria falar nada antes e criar confusão desnecessária. Quanto mais perto chegamos dessa merda de mercado, mais fica óbvio que as ruas estão cada vez mais infestadas, e todo o barulho que estamos fazendo vai acabar atraindo essas coisas pra cá.
Dei um pequeno sorriso para ele, que agora era tão diferente do garoto gordinho e medroso que saiu do mesmo colégio que eu. Sua expressão estava séria, os braços maiores — com reflexos de músculos se formando — e medo era uma das últimas coisas que esperava encontrar nele. Eu era muito grata por tê-lo ao meu lado.
— Vocês continuam de acordo com o nosso plano inicial, né? Nos afastar da cidade, assim que Guilherme e Carlos melhorarem. — Perguntei para Hector e Melissa. Resisti ao impulso de dar um sorriso ao perceber: outrora, quem tomava as decisões comigo eram aqueles dois garotos. Quem diria que agora Melissa e Hector se tornariam tão essenciais a ponto de suas opiniões serem indispensáveis? Gostaria que Carlos estivesse ali para ver aquilo.
— Claro. — Melissa confirmou, sem tirar os olhos de mim. Hector assentiu.
— Bom, então vamos tirar o elefante da sala. — Direcionei meu olhar primeiro para Alex e depois para Faber: — Vocês sabem que precisam vir junto, né? Não apenas vocês, mas a família Rosa. Ficar aqui é uma sentença de morte, independente se for de curto ou longo prazo.
Silêncio, como era de se esperar.
Vi a postura de Alex mudar, tornando-se tensa. Ele levou a mão aos longos dreads que se soltaram durante nosso combate, ajeitando-os no coque habitual. Faber não olhava para mim, mas encarava o amigo, como se esperasse que a resposta viesse dele. Alexandre devia ter por volta de 130 quilos de força bruta por trás da aparência gentil. Era um pouco mais velho que nós, capaz de manter a calma e ponderar uma situação. Já Faber, quem já salvara a nossa vida antes (mas especialmente a de Guilherme), era magro e veloz como uma flecha. A agilidade e esperteza compensavam a possível falta de força, pois sabia que seu ponto forte era se movimentar rápido e evitar combates. Era interessante como praticamente se completavam. Ambos eram sobreviventes hábeis e sua permanência seria inestimável no nosso grupo.
Porém, seu nervosismo aparente era justificável: não tinham como ir embora e deixar Tom e Carol para trás. Como todos nós, deviam a vida a eles.
Mas a literalidade naquilo começava a se tornar incômoda.
— Vocês pretendem ir logo? — Alex perguntou.
— Ninguém decidiu nada ainda, mas Carlos está quase cem por cento e Guilherme... Bom, ficar aqui não vai fazer o braço dele voltar ao que era. — Contive um suspiro desanimado.
— De qualquer maneira, seria que vocês viessem junto. — Hector concluiu. Era um alívio que seu lado cada vez mais ativo nas tomadas de decisão estivesse se aflorando. Por incrível que pudesse parecer, a frieza de Hector lembrava-me de Carlos, ainda que com muito mais bom senso na hora de se expressar.
Alex e Faber desviaram os olhos na mesma hora, cada qual assumindo uma postura de nervosismo diferente.
— Olha, a gente sabe que ficar aqui não é inteligente. — Alex adiantou-se. Faber costumava ficar mais quieto quando ele estava por perto, provavelmente porque conversavam bastante a sós, o que talvez desse segurança ao garoto para deixar Alex se pronunciar por ambos. — Mas não é só isso... Tom e Carol não vão concordar. Não se colocariam em risco, muito menos a Samuel. Eles nos ofereceram ajuda quando precisamos deles e seria injusto se fossemos embora quando eles também precisam de nós — ele disse.
— Podemos tentar convencê-los, explicar como o nosso grupo já passou por essa situação — insisti. — Já estava óbvio que nossas buscas não conseguiam vencer a necessidade de comida, agora com esse... — Ergui o braço, apontando para o lado de onde veio aquele barulho. — Eu espero do fundo do coração que não tenha sido um tiro, mas se for isso mesmo... Ficar aqui é ainda mais arriscado do que tentar buscar um lugar seguro, talvez mais isolado, longe tanto das ameaças mortas quanto das vivas. Espero que vocês dois saibam que é com a melhor das intenções que estou falando isso! É pelo bem de todo mundo!
Ainda não havíamos conversado com o resto do grupo sobre estender o convite (para ser sincera, desde que chegamos não voltamos a falar sobre sair da cidade), mas tinha certeza que ninguém iria se opor. Apesar dos dias de convivência terem sido curtos, quando você está lutando pela vida ao lado de outras pessoas... Os laços acabam se tornam intensos muito rápido.
Alex simplesmente suspirou:
— Não é tão simples assim.
— Mas vocês gostariam de ir, se pudessem? — Melissa interrompeu, pela primeira vez participando da discussão.
— Olha, é que...
— Sim. — Faber interrompeu.
— Tá, é claro que sim. — Alex deu de ombros. — Não somos idiotas, sabemos que a comida está cada vez mais escassa. Chegar ao mercado seria um alívio gigantesco, mas com tantas coisas... — Ele suspirou, sem se aprofundar nesse problema em especial. — Apesar da casa ser confortável para cinco pessoas, não sei se quero viver para sempre só em cinco pessoas.
— Qual é o plano de vocês? — Faber perguntou.
A princípio não soube o que responder, porque a verdade é que nosso plano não era tão complexo. Mesmo incertos do que encontraríamos, a ideia era nos afastar da cidade grande e rumar para o interior do estado. A ideia principal era que onde antes havia menos vivos, provavelmente hoje também havia menos mortos. Felizmente, foi Hector quem deu a resposta, enfeitando aquele plano rasa com palavras inteligentes e eufemismos para a nossa falta de conhecimento. Mas ainda que ele falasse bem, nem Faber ou Alex eram estúpidos para não entender o que havia atrás de suas palavras bonitas.
— Não me entenda mal, eu acho ótimo simplesmente sair daqui. — Começou Alex — Mas eu realmente quero saber como você acha que devemos sugerir isso para Tomas, porque eu duvido que possamos simplesmente chegar e dizer: "Então, por que vocês não vêm embora com a gente para Deus-sabe-onde fazer Deus-sabe o que?" que é mais ou menos o que vocês estão propondo.
— O problema não são Tom ou Carol — disse Faber. — Eles não querem colocar Samuel em risco. Por mais que ele esteja lidando bem até hoje com tudo, ninguém sabe como ele reagiria aqui fora. Às vezes tudo vai para a merda em segundos...
— Calma, ninguém precisa dar uma ordem de despejo para ninguém. — Ergui as mãos, pedindo calma. — Mas se vocês concordam com a gente, podemos tentar somente levantar o assunto esta noite.
— Ah, isso vai dar merda... — Alex lamentou, ansioso.
— Ninguém falou com eles ainda sobre isso, tudo bem? — Tentei ser racional. — Vamos dizer que meu grupo quer partir em breve e fazer um convite para todos que quiserem nos acompanhar. Aí vocês se pronunciam ou não, como preferirem, mas pelo menos conseguimos debater isso.
— Gente, desculpa interromper — Melissa aproveitou o silêncio que se instalou. — Mas se tiver mesmo sido um tiro, eu acho que devemos voltar para casa e informar aos outros antes de tudo, mesmo que não tenhamos certeza. Não foi do nosso lado, mas... Ainda é mais perto do que eu gostaria.
Havendo ou não um acordo, aquelas palavras encerraram qualquer discussão. Decidimos encerrar o trabalho do dia, todos exauridos física e mentalmente depois do confronto.
✘
— Achamos que não dá para continuar assim. Estamos perdendo tempo colocando a nossa vida em risco todos os dias enquanto a comida está cada vez mais escassa e agora tem o risco de existir um problema muito maior. — Recebi sem medo os olhares apreensivos daqueles ao meu redor.
Carlos, Guilherme, Alana e Victória ouviam aquelas palavras pela primeira vez, cada qual assumindo sua própria postura defensiva ou interessada no que eu tinha a dizer.
Derrubamos todos aqueles zumbis, mas agora meus músculos estavam completamente doloridos e eu sentia um constante aperto esmagar o meu coração sempre que lembrava daquele estampido...
— Isso não faz sentido! — Para a minha surpresa, Victória quem respondeu, a voz mais alta do que eu esperava.
Melissa mordia tão incessantemente seu lábio desde o começo daquela pequena reunião que ele já começava a ficar com feridas.
— O que não faz sentido? — Falei, baixinho, tentando incentivá-la a se manter quieta também. Melissa e Hector não participavam daquela conversa pelo simples fato de já estarem familiarizados com as minhas palavras. Ainda assim, era inegável a suspeita que aquele ato poderia causar, tendo reunido membros do meu grupo do lado de fora e sussurrando ideias que Tom e Carol desconheciam.
— Sair daqui! Por que Tom e Carol fariam isso? Porque nós faríamos isso? — Agradeci que ela teve a decência de abaixar o tom de voz, mas ainda estava surpresa com a explosão, mesmo que expressa na voz fina e calma de Victória. — Pelo amor de Deus Rebeca, nós estamos bem aqui! Guilherme e Carlos estão machucados, nós ainda temos comida, e vamos ter ainda mais quando vocês chegarem até o mercado, Carol e Tom são duas pessoas incríveis e, para variar, adultos, minha nossa, por que ir embora?
— Victória, você estava com a gente na minha casa, você sabe o que acontece! — insisti — Comida e água não duram para sempre, cada vez precisamos nos afastar mais e mais. No meio da cidade, sempre estamos nos colocando em risco. Ainda mais com a possibilidade de haver mais pessoas...
Alana estava ao lado de Victória e sua expressão era difícil de ler, com os braços cruzados na altura do peito. As duas haviam se aproximado naquele tempo, passando grande parte dos dias juntas na casa de Tom, com a enfermeira tentando ensinar o possível para Vitória.
— Você tem razão, não duram para sempre mesmo. Mas não vão durar com a gente estando aqui, seguros, atrás de quatro muros com outras pessoas, da mesma maneira que não vai durar enquanto estivermos lá fora, à deriva de outro descuido como o de Carlos ou outra infelicidade como a de Guilherme! — Mesmo falando alto, seu tom de voz dificilmente era parecido com o que o meu seria, se eu quisesse demonstrar a minha raiva.
— Não me use como exemplo. — Carlos interrompeu. — Aquilo não significou nada. Foi um acidente e poderia acontecer em qualquer situação. Não estou fora de combate, Victória.
Para a minha surpresa, Guilherme respondeu:
— Mas pode me usar. — Ele olhava para o chão, provavelmente querendo evitar os olhares de espanto que recebeu.
— Como assim?! — questionei.
A dor em seus olhos foi palpável quando ele os direcionou para mim.
— Rebeca, olha pra mim. — Eu sabia que ele se referia ao braço enfaixado por baixo da blusa. — Eu estou inválido agora, no que vou poder ajudar lá fora agora? Eu não consigo sequer erguer meu braço sem morrer de dor... E foi o meu braço direito, eu sou destro.
Senti meu coração apertar ouvindo aquilo, sabendo que aquele assunto uma hora seria inevitável.
— Ah cara, que isso? — Choquei-me ao ver tanta compaixão nos olhos de Carlos, enquanto ele colocava a mão no ombro bom de Guilherme. — Você nem esperou o machucado passar de verdade. Eu também estou com dor, mas vamos melhorar.
Guilherme deu um sorriso sem vontade para ele, que não transmitia a menor confiança. Eu sabia que ele não queria ficar ali para sempre, mas entendia o medo que sentia no momento.
— Na verdade, é arriscado para todos nós, sem vocês dois na melhor fase. — Quando Alana começou a falar, imaginei que ela também seria alguém que precisaríamos convencer, já que vivia dias tranquilos naquela casa. Por isso, suas próximas palavras também foram uma surpresa. Aparentemente o dia estava cheio delas: — Mas não precisamos mais seguir do mesmo jeito que viemos até aqui.
Ergui uma sobrancelha e vi que ela falava diretamente para mim:
— Alex dirige. Se vocês conseguirem convencer o casal, os dois também podem ser motoristas. E eu também sei que você está aprendendo, em último caso. Sabe, não fico muito feliz em voltar para as ruas, mas se for para ser, podemos começar a pensar um pouco maior.
Victória olhou para ela, incrédula.
— Como assim, Alana? Você também quer arriscar a sua vida?
— Vic, amiga, não estamos falando em atirar nas próprias cabeças. — Seu olhar para ela ainda era compreensivo. — Eu sei que estamos seguras aqui, mas por quanto tempo acha que conseguimos manter essa segurança? O bairro onde ficamos cercados por essas coisas é aqui do lado, e nem estamos na parte mais habitada da cidade. Eu odeio matar zumbis, mas eu não me importaria em lidar com alguns se isso significar encontrar um lugar melhor para morar. Ainda mais se ficar aqui significa correr o risco de esbarrar com aquelas pessoas...
— E o que nos garante que, saindo daqui, também não demos de cara com eles?! — Victória perguntou.
— Na rua, conseguimos fugir — Melissa falou. — Agora se formos emboscados aqui...
Ela deixou a frase morrer no ar, deixando suas implicações para nossa imaginação. O silêncio foi longo, até Guilherme interrompê-lo:
— Sei lá. A ideia do carro é boa. — Murmurou, mas não parecia disposto a mudar de opinião.
— Bom. — Suspirei, reordenando meus pensamentos e tentando manter a calma: — Obrigada, Alana. Fico feliz que também concorde.
— Eu não consigo acreditar no quão egoísta você está sendo! — Vi o brilho de lágrimas se formando no canto de seus olhos e percebi que, por mais que estivéssemos em uma roda de pessoas, Victória falava diretamente para mim. — Eu sei que é fácil para você, para a Melissa, para os meninos... Vocês conseguem cuidar de vocês mesmos! Mas você já parou para pensar como é para mim? Eu não consigo matar um zumbi que nem vocês matam... Claro que se precisar, eu vou lutar pela minha vida, mas talvez eu só não queira precisar fazer isso!
"Lá fora, eu me sentia um peso o tempo inteiro e sei que vocês também pensavam isso de mim! Sempre parando para saber como estou, sempre precisando se preocupar comigo... Agora eu resolvi tentar ser útil de outra maneira e aprender algo com a Alana e olha só: estou indo bem! Eu realmente sinto que posso fazer alguma diferença pela primeira vez! E aí você quer que eu ache genial a ideia de me atirar no meio dos zumbis, onde posso ter uma queda de pressão e ser largada para morrer? Onde eu preciso que os outros lutem por mim? Você é forte, Rebeca, você nasceu para esse mundo, mas nem todas as pessoas são assim!"
Fiquei em silêncio diante de suas palavras, talvez incapaz de esconder o meu choque. Eu havia falado tantas vezes para quem me perguntasse que matar zumbis não significava estar preparado para aquele mundo, que talvez não tivesse visto a importância de repetir aquilo para quem mais precisava ouvir.
Victória não era um peso. Nem hoje, quando era plenamente capaz de nos cobrir quando necessário, nem da primeira vez que pusemos os pés na rua e sua pressão caiu. Estar viva, resistir até agora, esconder os próprios sentimentos quando necessário para confortar os outros... Isso também era ser forte. Mas ela tinha medo. Todos nós tínhamos, só que ela não escondia. Eu não concordava com ela, mas entendia os motivos que aquela garota tinha para encarar com tanta raiva aquela ideia.
— Victória, aprendendo com a Alana, matando zumbis ou não... Ninguém nunca te viu como um estorvo. Você é um ser humano, tem medo e problemas como todos nós. Eu não estou vindo com essa proposta porque para mim é menos assustador estar nas ruas. Eu quero fazer isso porque acho que é a melhor maneira de manter todo mundo vivo!
— Vamos, Vic. Você sabe que eu também odeio isso, mas eles estão certos... Aqui não é mais seguro do que qualquer outro lugar dentro da cidade. — Alana colocou as mãos pálidas em volta do braço da amiga, oferecendo-lhe apoio. Reparei que, pela primeira vez, Victória parecia ter ganhado algum peso desde o começo do apocalipse.
— O que você espera que eu diga? — Ela olhou feio para Alana, mas depois virou o rosto para mim e vi como suas mãos tremiam. — Como se eu tivesse escolha... Se ela — Victória apontou para mim. — decidir que vamos, eu tenho que ir. Principalmente se Carol e Tom concordarem, porque eu não sou idiota para achar que vou ficar bem sozinha. — Uma lágrima escorregou por sua bochecha quando ela me encarou. — Eu só não vou fingir que sou uma sobrevivente como você, que gosta de lutar pela vida. Eu só quero me sentir segura! Para mim, voltar para as ruas é suicídio.
— Eu queria que você entendesse que não estou fazendo isso porque gosto de me arriscar, Victória. Eu só quero que todos fiquemos bem. — Tentei.
— E eu só quero que você vá se ferrar, Rebeca. — Victória falou e se virou, dando-me as costas. — Como eu disse: que escolha eu tenho, ou que peso a minha opinião tem? No fim, vamos fazer o que você achar melhor.
Victória entrou para dentro da casa, irritada. Alana me olhou com um sorriso pesaroso, como se quisesse pedir desculpas, antes de ir atrás da amiga.
— Não se preocupa com isso. — Carlos falou para mim. — Você não está fazendo nada de errado. Sabemos o que é melhor e não queremos ver ninguém morto. Ela só está com medo.
Assenti, incapaz de encontrar uma resposta, mas feliz com a sua tentativa de consolo. Por fim, ele também entrou na casa e eventualmente Hector e Melissa fizeram o mesmo caminho, deixando-me sozinha com Guilherme na varanda, com o sol se pondo atrás de nós.
Ele sorriu para mim, ainda desanimado.
— Desculpa... Não quero que pareça que não estou te apoiando, é só que... Dessa vez, eu realmente estou com medo.
Sentia-me um pouco atordoada por tudo que se desenrolou. Nunca imaginaria aquela explosão de Victória para cima de mim, da mesma forma que nunca esperaria que Guilherme concordasse com ela. Ele parecia muito mais tentado a aceitar porque eu e Carlos queríamos, do que pelos seus próprios sentimentos.
— Estamos todos com medo, o tempo inteiro — falei, aproximando-me dele para apoiar a cabeça em seu ombro. Apesar da sua expressão descontente e da grosseria de Victória, eu não tinha a menor intenção de voltar atrás em meus planos (se a maioria assim concordasse). — Eu ainda vou garantir que ninguém mais sinta isso.
Mesmo não sentindo segurança em suas palavras e ações, senti seu carinho quando ele se aproximou para beijar minha bochecha.
— Você fica linda quando tá toda mandona. — Guilherme sussurrou no meu ouvido, descendo os lábios pelo meu pescoço. Senti toda a tensão no meu corpo desaparecer com um arrepio, aproximando-me dele por instinto. Eu não conseguiria esquecer tão facilmente a ansiedade que antecedia a conversa com os donos da casa, mas Guilherme fazia um bom trabalho em me distrair.
— Entendeu a importância de encontrar uma casa maior? — Brinquei, sorrindo para ele.
Guilherme me olhou como uma criança diante de um bolo de chocolate e riu alto, puxando-me para mais perto dele.
Não importava a situação, tê-lo ao meu lado tornava os momentos mais leves. Era um lapso de esperança de que, por curtos momentos que fossem, eu poderia voltar a me sentir um pouco como antes... De tudo. Como uma adolescente normal apaixonada por um garoto normal.
Afinal, era tudo ao que eu podia me agarrar. A realidade era dura e o passar dos dias não a tornava mais fácil.
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