Capítulo 38.
O sol havia se posto há quase uma hora quando percebi que finalmente consegui me acalmar um pouco.
Era difícil ter certeza sobre o tempo, mas provavelmente se passaram 4 horas desde que Alana saiu do quarto de hóspedes, os braços e a blusa branca cobertos de sangue, para nos falar que os garotos estavam bem. Carol e Tom foram extremamente solícitos o tempo todo e até nos convidaram para almoçar com eles, mas não senti muita vontade de conversar. E mesmo com o cheiro da comida de Carol sendo excelente, não consegui dar nem uma garfada. Fiquei quase feliz quando Victória também pediu desculpas, mas recusou a refeição, porque dessa forma eu não me sentia tão mal-educada.
Todo o tempo que passamos sentados na sala de estar com os donos da casa pareceram horas intermináveis, durante as quais agradeci mentalmente aos meus colegas por sustentarem uma conversa com os anfitriões. Mesmo não participando, escutei enquanto Tom e Alex contavam tudo o que haviam passado desde o começo do apocalipse.
Somente uma pessoa passou a tarde mais calada do que eu e este era Samuel. Quando Carol decidiu descer com o seu filho para que ele nos conhecesse, fiquei surpresa em ver que ele tinha quase a nossa idade. Samuel, com seus 18 anos, cabelos e olhos claros e barba por fazer, nos cumprimentara de cabeça baixa, sem dar muita oportunidade para que a conversa se estendesse. Assim que a apresentação — que já parecia ter sido extremamente desconfortável para ele — acabou, cobriu as orelhas com um headset (que não estava plugado em lugar algum) e se dirigiu para uma sala de leitura no canto da casa, focando toda a sua atenção em desenhar.
Eu entendia um pouco sobre o transtorno autista, mas nunca havia realmente interagido com alguém do espectro. Assim que trocamos olhares confusos, Carol, com toda a simpatia, explicou que Samuel ficava um pouco incomodado com barulhos e conversas altas, e que antes do apocalipse começar, passava a maior parte do tempo ouvindo músicas em seu fone de ouvido. Foram semanas inteiras até que ele se acostumasse com a ideia de que, com a energia elétrica cortada, não haveria mais música. Alex e Faber encontraram aquele headset com grossas almofadas para abafar ruídos em uma casa próxima, e Samuel, desde então, acostumou-se a colocar o headset nos ouvidos sempre que estivesse incomodado, mesmo que ele não estivesse plugado em lugar nenhum.
Era um pouco chocante ver aquilo tudo se desenrolar. Até então eu não havia me permitido imaginar como era a realidade de outras pessoas em meio ao apocalipse, focada somente na minha própria sobrevivência. Se houvessem me perguntado antes, provavelmente diria que uma pessoa autista ter sobrevivido até agora era uma ideia absurda, mas lá estava Samuel, desenhando calmamente uma cena de luta entre o Homem-Aranha e o Doutor Octopus.
Seus pais, Tomas e Carolina Rosa, desde o começo do apocalipse passaram a maior parte do tempo atrás dos muros da casa. Faber fora quem viera até eles primeiro.
O garoto colombiano nos contou que a casa da sua família de intercâmbio ficava do outro lado da rua, praticamente vizinha de porta com a casa da família Rosa. Eles trocavam poucas palavras, mas não foi difícil para mim imaginar que os pais de Samuel sempre foram gentis e receptivos com Faber, esperando que ele se sentisse em casa no Brasil.
Finalmente saber que fim haviam tido os garotos e o professor, que resolveram ficar para trás no telhado do colégio era uma informação que eu nunca imaginei que teria. Também não era uma história particularmente agradável:
Depois que saímos, eles permaneceram na cobertura por quase quatro horas, acompanhando as notícias de seus smartphones. Diferentemente do que o professor Rogério previra, não havia o menor sinal de que a polícia, os bombeiros, ou quem quer que fosse, iria ao seu resgate. Como bem havíamos descoberto, a cidade inteira estava completamente afogada no mais puro caos, e nem mesmo com a convocação das forças armadas a situação parecia ter se acalmado.
"E depois que entendemos que estávamos sozinhos... Davi surtou" contou, encarando o nada. Ele começou a se apavorar com a ideia de ficar lá e definhar até a morte e insistiu para que saíssem pelo mesmo caminho que fizemos horas antes. Envergonhado, Faber falou que se não fosse por aquele súbito acesso de raiva, tendo sido praticamente arrastado por Davi, ele realmente não teria encontrado a coragem de sair de lá para uma cidade infestada de zumbis.
— A gente também saiu pelo portão que vocês usaram. — Seu sotaque carregado tornava algumas partes da história difíceis de compreender, mas eu começava a me acostumar. — Eu fiquei com muita raiva na hora. Pensava que deveria ter ido com vocês, que assim eu teria visto menos coisas ruins... Pelo menos agora eu sei que todos estávamos na mesma mierda.
"Depois de sair do telhado, tentamos chegar até o estacionamento, onde estava o carro do professor. O acesso de fúria de Davi que nos salvou no começo, porque foi ele quem derrubou todos os zumbis. Só assim um cagão como eu teria conseguido sair vivo. O professor foi pego antes mesmo de chegarmos no portão do colégio... E a primeira coisa que Davi fez, vendo ele gritar quando duas coisas se atiraram sobre ele, foi pegar a chave do carro do bolso dele. Eu estava completamente em choque para reagir, então ele me agarrou pelo braço e me puxou para o carro. Ele dirigiu e eu passei a viagem inteira gritando de pânico. Até hoje tenho pesadelos com o professor Rogério sendo..."
"Enfim, fomos em direção à ponte, mas não demorou muito pra perceber que ir de carro seria impossível, porque o trânsito estava um caos. Com todo mundo em pânico, tinha acidente por todo o lado, gente tentando entrar no carro dos outros para fugir... Até que um cara enfiou a arma na nossa janela e mandou a gente descer. Então eu e Davi seguimos andando e, meu Deus, vocês tiveram sorte de não passar pela beira-mar. Lá era o próprio inferno! Estava tão lotado. De pessoas, carros, todo mundo querendo atravessar a ponte. Só que era impossível dizer quem era zumbi e quem era gente. Para todo o lado que você olhava tinha gente mutilada, com membros faltando... Gente que nem sabia que iria..."
Conforme o relato avançava, o portunhol de Faber começava a dominar mais sua fala, até que Hector precisou pedir para que ele se acalmasse e começasse a contar de novo essa parte. "Pessoas desesperadas fazem todo o tipo de loucura, sabe? Às vezes acontecia algum foco de pânico, porque um zumbi havia atacado, porque alguém estava armado... E então as pessoas pareciam uma manada desesperada: pisoteavam quem caía, derrubavam mulheres, crianças... A ponte estava lotada de carros engarrafados e pessoas andando por entre eles... E toda a hora alguém caía. Ou pulava. Ou era empurrado. E conforme ia anoitecendo, tudo piorava. A polícia tentava controlar a situação, mas sinceramente, ali tudo já estava acabado."
"Em algum momento eu e Davi nos perdemos. Era tanta gente, todo mundo apertado tentando chegar mais rápido do outro lado... E aí a polícia começou a atirar. Eu não sei se era em zumbi ou se era em pessoas... A mulher do meu lado caiu morta quase em cima de mim. E eu tive que pisar no cadáver dela para não ser esmagado." Novamente, conforme as lágrimas começaram a cair, Faber se embolava nos idiomas: "Eu nem sei como eu conseguir chegar desse lado... Para descobrir que não estava nem um pouco melhor... E eu não conseguia contato com a minha família na Colômbia, nem com a família do intercâmbio... Eu comecei a vir nessa direção porque estava sozinho e não tinha mais nenhum lugar para ir."
"Quando a ponte explodiu, eu fiquei pensando se vocês conseguiram atravessar... Eu sinceramente não lembro muito dos dois dias que eu passei até chegar aqui. Estava sozinho, confuso, em um país que eu mal sabia falar a língua, onde eu não conhecia ninguém... Eu voltei na esperança de reencontrar minha família do intercâmbio, mas Tom e Carol viram quando cheguei na casa... Disseram que eu parecia completamente doido, batia as grades do portão e gritava, chorava... Se fossem outras pessoas, com certeza me deixariam lá com os zumbis, mas eles me acolheram. Eu passei uma semana inteira sem falar com ninguém, e mesmo assim, mesmo já tendo um filho para cuidar, eles me ofereceram abrigo."
Tom quem nos contou que Faber tinha sido a única pessoa viva que passou por aquela rua desde o caos dos primeiros dias, em que a maioria dos vizinhos foi embora. Acho que todos nós, em algum momento, tivemos o pensamento de ser os últimos sobreviventes do mundo. E todos nós estivemos aliviados em estar errados.
Alexandre veio para cá no mesmo dia. Quando o apocalipse começou, ele estava cuidando sozinho do mercadinho da esquina, onde trabalhava desde que saiu do colégio, há 4 anos. Sua casa era a apenas algumas ruas dali, então quando conseguiu contato com a mãe e o irmão mais velho, combinaram que os dois iriam até onde Alex trabalhava e ficariam lá, onde havia bastante comida, até o caos acalmar. Depois que os celulares pararam de funcionar, Alex esperou por mais cinco dias até aceitar que sua família não iria chegar.
Quem o encontrou, na verdade, foi Faber. Buscando comida, foi até o mercadinho e se deparou com o rosto conhecido enquanto tentava invadir a loja. Quando informou Tom e Carol que o atendente da mercearia ainda estava vivo, Tom foi pessoalmente convidá-lo para que morasse com eles, se pudessem levar as comidas de lá para sua casa.
Carol não havia saído da casa desde o começo do apocalipse, e todo o conhecimento que tinha era o que conseguia adquirir espiando por cima dos muros altos da casa. Tom quem saíra para procurar comida nos primeiros dias. Eu não havia compreendido que havia um motivo logo no início, mas ficou-se subentendido pela história de Tom: ou ele ou Carol precisavam ficar na casa, pois não se sentiam à vontade em deixar Samuel completamente sozinho.
— Nós também não arriscariamos sair junto com ele. — A dona da casa começou a contar. — Querem saber uma coisa engraçada? Claro que foi assustador para Samuel no começo, que nem para todos nós... Mas eu me atrevo a dizer que ele quase prefere o mundo agora. Pensando melhor, para alguém que nem ele, viver já era difícil o suficiente antes. — Ela deu um riso sem graça, apático.
— Mesmo assim, Samuel não teve exatamente contato com essas coisas. Ele viu a mesma coisa que Carol viu, de dentro dos muros. — Tom concluiu. — Não temos como saber como ele reagiria lá, o seu nível de stress... Algumas coisas, corriqueiras para nós, podem sensibilizá-lo muito mais. — Depois de uma pequena pausa, ele continuou: — Sei que podemos ter parecido bastante gentis com Faber e Alex, mas a verdade é que eles nos salvaram. São eles quem se arriscam quando precisamos de comida, itens de higiene ou qualquer coisa. Oferecer um lugar para dormir não é nada perto dos sacrifícios que os dois já fizeram. — Ele parecia chateado, como se houvesse uma dívida que ele nunca seria capaz de pagar.
— "Lugar para dormir" é um nome legal para a casa que é o único motivo de estarmos vivos — Alex comentou, com o tom bem humorado que lhe era comum.
Conforme a conversa seguia, Carol se aproximou de mim e sentou no braço do sofá. Do bolso de sua jaqueta, tirou um pacote de chocolate Twix, que eu poderia ter considerado uma alucinação.
— Você está ficando pálida, devia comer alguma coisa com açúcar.
Ela sorriu para mim, colocando gentilmente uma mecha solta do meu cabelo para trás da orelha. Antes do apocalipse, eu não era uma pessoa que gostava de contato físico, principalmente vindo de estranho, mas comecei a me acostumar conforme meu tempo naquele inferno se estendia. Sentir o calor de outra pessoa viva próxima de você nunca deixaria de ser reconfortante naquele mundo. Agradeci a sua consideração.
— É seu namorado, né? O garoto machucado — ela perguntou, baixinho, somente para mim.
— Mais ou menos... — Fiz questão de especificar: — Digo, o do tiro.
— Eu só posso imaginar pelo que você está passando. — Sua voz era calma. — Qualquer coisa que eu falasse agora seria hipocrisia, porque eu mesma estaria tendo um ataque do coração se estivesse no seu lugar, mas a garota que está tomando conta dele...
— Alana. — Informei, abrindo o papel do meu Twix. Percebi que os olhos de Melissa estavam fixos no meu doce, magoados de tanta inveja. Não vi opção se não oferecer um dos palitos de chocolate para ela.
— Alana, sim. Ela falou que ele não corre mais risco de vida, mas eu também entendo que você só vai conseguir acreditar quando falar com ele. Só quero que você saiba que, mesmo que Tom ainda não tenha conversado com vocês sobre isso, são bem-vindos para ficarem aqui até que ele esteja melhor. — Seu sorriso era sincero. Parecia quase ultrajante que eu pudesse confiar em outro ser humano no mesmo dia que Guilherme tomara um tiro de um homem desconhecido, mas eu poderia pôr a mão no fogo em confiança àqueles olhos azuis simpáticos. — Espero que isso possa te tranquilizar de alguma forma, por isso quis te dizer agora.
— Muito obrigada, Carol. — Falei, baixinho, sentindo as minhas bochechas esquentando. Sentia-me uma criança chorona, estando na casa de estranhos, tão nervosa e emocionada que era incapaz de participar de uma simples conversa. — Com certeza sem a ajuda de Faber e a bondade de vocês, os garotos não iriam sair dessa vivos.
Tentei me acalmar depois daquela conversa, agora com um considerável peso a menos nos ombros. Ainda assim, era impossível não lembrar que deixamos a minha casa justamente pela necessidade de encontrar mais comida e suprimentos.
Com tantos zumbis lá fora, parecia quase absurdo que qualquer outra coisa pudesse ser a causa de nossas mortes, mas a fome sempre estava à espreita. E, no quarto ao lado, Guilherme se recuperava de um tiro, enquanto Carlos estava com os braços feridos e infeccionados.
✘
Senti meus joelhos enfraquecendo no momento em que ouvi a voz de Alana cantar o meu nome. O prato que eu segurava nas mãos eventualmente teria sido solto e se espatifado no chão, se Carol não tivesse sido rápida o suficiente e o tirasse das minhas mãos. Não queria ser tão grosseira e parar de ajudar-lhe a lavar as louças, mas o seu sorriso indicou que não havia problemas.
A casa estava iluminada pela luz de velas e duas lanternas centrais (uma na cozinha e a outra no quarto onde Alana e os garotos ficaram durante a tarde). Tom nos assegurou que não faltavam pilhas para mantê-las funcionando.
Quase passei por cima de Hector ao atravessar o corredor que separava a cozinha do quarto de hóspedes, mas ele me deu espaço com um riso tranquilo. Uma onda de alívio percorreu meu corpo, vendo de que lado ele vinha. Com certeza, se fossem más notícias, ele não pareceria tão feliz.
Alana estava com a cabeça docemente inclinada, um sorriso em seus lábios. O azul dos seus cabelos já estava desbotado e com a raiz à mostra. Pensei que, se tivéssemos tido mais tempo naquela farmácia, ela com certeza teria trazido tinta. Às vezes ela reclamava como se sentia frustrada com aquela cor estranha.
— O Hector deu spoiler? — perguntou.
— Graças a Deus, sim — respondi, enquanto passava por ela e entrava no quarto. Sequer havia visto onde os garotos estavam. Alana passou quase duas horas ali com Victória (que entrava e saía conforme chamada) fazendo sabe Deus o que, enquanto somente ouvíamos eventuais grunhidos e protestos de dor.
O quarto outrora deveria ter sido imaculado, com o piso e as paredes brancas, as cortinas e os jogos de lençol da cor do chumbo. Meu coração acelerou quando vi gotas de sangue no chão. No canto do quarto, algumas toalhas estavam emboladas e eu consegui identificar a mesma cor carmim.
Uma tosse falsa roubou a minha atenção. Guilherme me olhava da cama, deitado sobre três travesseiros que o ajudavam a ficar mais inclinado. Ele estava sem camisa e a parte superior de seu torso, junto com uma boa parte do braço direito, estava envolvida em gaze. Dividindo com ele a cama de casal, Carlos também estava deitado, um braço enfaixado sobre os olhos (tomando o cuidado de só encostar em seu rosto a parte onde não havia cortes).
Eu estava feliz em ver os dois bem, mas poucas situações pelas quais já passei em minha vida eram mais desagradáveis do que aquela.
Depois da breve sensação desconfortável, aproximei-me da cama, incapaz de escolher palavras para descreverem o alívio ao ver os olhos verdes de Guilherme, marcados por olheiras profundas, olhando para mim.
— Meu Deus, Guilherme... — Ouvi as palavras saindo da minha boca, mas não soube como completar a frase. De maneira desajeitada, procurava uma forma de abraçá-lo sem esbarrar no ferimento.
Guilherme gemeu de dor e me afastei na hora.
— Calma, não... Agora foram as minhas costas. — Ele tentou sorrir, sem graça. Eventualmente ergueu o braço bom e levou até o meu, fazendo um carinho demorado até chegar ao final e segurar minha mão.
— Tá doendo muito? — perguntei, sentando-me ao seu lado.
— Agora nem tanto... A Alana me deu algum remédio e acho que é bem forte, porque está tranquilo agora. Nossa, Rebeca, tava doendo para caralho, você não tem noção! — Guilherme falou, animado, como se estivesse me contando sobre uma experiência incrível.
Ainda assim, sua descontração me ajudou a abrir um sorriso:
— Mas passou agora, não se preocupa. — Sua mão estava quente e temi que ele pudesse estar com febre, mas preferi falar isso depois para Alana a estragar aquele momento.
— Sim, está tudo bem... Quem se preocupou mesmo foi aquele senhor. — Guilherme me encarou com seriedade e franzi o cenho, confusa. — Ele viu que eu era a maior ameaça e preferiu me neutralizar primeiro.
Carlos, que até então estava quieto ignorando a nossa presença, não conteve um riso.
— Meu Deus, você é um idiota.
Só então encontrei uma brecha para interagir com Carlos também, de alguma maneira que não me fizesse ficar completamente desconfortável:
— E você, como está se sentindo?
— Um lixo, mas os remédios devem ser bons. Foi pior quando ela teve que limpar e fazer os pontos, agora só está latejando. — Ele respirou fundo. — Parece menos que eu vou morrer, mas ainda odeio estar aqui.
— Está tudo bem agora... — Comecei, ajeitando o cobertor para cobrir os garotos da melhor forma possível. — Vocês deram sorte... Muita sorte. Faber salvou nossas vidas e o casal que mora nessa casa é incrível. Se não fosse qualquer um deles...
— Quando você acha que vão nos mandar embora? — Surpreendi-me com a pergunta de Carlos, ainda que estivesse um pouco admirada que ele conseguisse sempre pensar à frente, mesmo em uma cama e com os braços dilacerados.
— Carol me falou que eu não preciso me preocupar com isso. Ainda gostaria de falar direito com ela ou o marido, entender em que situação estamos... — Falei, passando as unhas com cuidado sobre o braço bom de Guilherme, em um carinho distraído. Contive um sorriso quando vi que ele se arrepiou. — Mas podem dormir tranquilos, podemos ficar aqui até vocês se recuperarem...
— E depois você acha melhor que... — Carlos foi interrompido no meio da sentença.
— Pelo amor de Deus, Carlos. — O tom de Guilherme era mais alto, mas ele não parecia propriamente bravo. — Eu tomei um tiro e você tá todo arrebentado, não dá pra gente conversar sobre isso depois?
Carlos retrucou, mas eventualmente chegaram a um consenso para discutir aquilo mais tarde.
Em seguida, contei um pouco para eles sobre as coisas que descobri durante a tarde, sobre o que aconteceu com Faber e o motivo desse estranho grupo ter ficado junto. Perdi mais tempo do que achei que conseguiria falando sobre Samuel, sua simples existência naquele mundo já sendo fascinante para mim. Somente me dei conta que já deveria estar ali por quase meia hora quando Alana apareceu na porta.
— Rebeca, vou ter que pedir para você deixar os garotos descansarem um pouco. — Ela enrolava um dedo em uma mecha de cabelo. Diferentemente de antes, quando estava agindo como uma enfermeira formada em um pronto-socorro, agora ela parecia um pouco hesitante. Os zumbis possuíam um "modo de caça" e Alana parecia ter o seu "modo de enfermeira".
Eu não sabia como eu continuava fazendo piadas àquela altura.
— Além do mais — ela continuou. — Tom pediu para conversar com quem quer que estivesse tomando as decisões do nosso grupo. Falei que era você. Acho que Guilherme e Carlos não estão na melhor posição para te acompanhar.
Senti o impulso de revirar os olhos, mas o contive. Novamente aquele impasse sobre liderança, fardo que eu sequer me sentia capaz de suportar naquele momento. Assenti para Alana e prometi que só iria me despedir.
— Vou deixar vocês dormirem — murmurei, sem vontade. — Se precisarem de algo, gritem.
Carlos assentiu, provavelmente ciente de que eu não falava isso para ele, apesar do plural.
— Me promete que está mais calma? — Guilherme tentou se mover para me olhar melhor, mas uma cara feia fez com que abandonasse seus planos, deixando-se novamente cair sobre os travesseiros. — A-Alana disse que você estava muito nervosa... Só queria que você soubesse que vai ficar tudo bem.
Senti o impulso de beijar Guilherme, mas me senti desconfortável em fazê-lo com Carlos logo ao lado — apesar de que ele tinha a decência de parecer mais interessado em encarar a janela do lado oposto. Se a minha situação estava tensa, eu mal poderia imaginar sobre o que os meninos conversavam enquanto estavam sozinhos.
Ao invés disso, aproveitei que estava sentada na cama para me deitar do seu lado e encostar a cabeça na dele. Guilherme pareceu gostar, aconchegando-se em mim.
— Obrigada... por ter ficado vivo. — Senti lágrimas quentes começarem a se formar nos cantos dos olhos. Era pouco comparado com o que eu realmente gostaria de falar, mas ficava feliz em expressar pelo menos aquilo.
— Não sei se você pode me agradecer por isso, mas prometo que vou fazer o meu melhor para continuar assim. — Seu sorriso foi grande e sincero, como se não estivesse com um buraco de bala no braço. — Mas você tem que me prometer ficar viva também.
Virei para ele e encontrei os olhos verdes presos aos meus. O calor do seu corpo trazia um conforto bem-vindo e, naquele lapso de paz, me permiti ser convicta na minha resposta:
— Eu prometo.
✘
Nota da autora:
Sabiam que foi nesse capítulo que eu anunciei o nome de Em Desespero? 🥰
Faz tanto tempo, minha nossa! (as notinhas finais também sempre eram enormes kkkk hoje em dia me esforço para ser mais sucinta!)
Não esqueçam que Em Decomposição é o primeiro de uma série de 5 livros! O segundo volume, Em Desespero, está completo e disponível no meu perfil e Em Fúria está sendo atualizado semanalmente ✨
Que nomes vocês acham que terão os próximos dois livros dessa saga? 👀
Vai demorar para vocês se livrarem de mim, sejam novos ou antigos leitores!
Então não sejam mordidos.
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