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Capítulo 25.

Aquela manhã parecia quase um lapso do que era a vida normal. Claro, com pessoas que em outras circunstâncias nunca estariam em minha casa, mas dessa vez me permiti sentir o doce gosto da ilusão de que o mundo não caminhava para seu fim.

Quando acordei, desfrutei de um café da manhã que me lembrava meus tempos de criança, quando viajava para o interior com a minha avó a fim de visitar a família. Aos finais de semana, fazíamos um enorme café na casa onde a minha bisavó morava, onde todos os tios e primos reuniam-se para confraternizar.

Aquele café da manhã nada mais era do que uma lembrança ilusória, mas suficiente para acalentar meu coração. Não estávamos diante de nenhuma fartura em particular, mas podíamos tomar café quente (embora a maioria de nós realmente nem gostasse) e havia pão e cereais para todos comerem o suficiente. O que realmente me trazia alegria eram as vozes. Altas para o que estávamos acostumados, mas ainda assim sempre em um tom que não ameaçasse a nossa segurança. Por mais surpreendente que me parecesse, sem pesar algum conversávamos sobre as coisas que, mesmo em tão pouco tempo, já nos deixavam saudade.

— Eu me sinto tão estranha não tendo que ir para aula no meio do semestre! — Alana disse, tomando um generoso gole de café. Na verdade, a maior parte do motivo de termos café era a sua insistência: não conseguia entender como nós, adolescentes, não achávamos aquela bebida essencial. — Eu ia ter uma prova essa semana.

— Meu Deus, em que dia nós estamos? Alguém ainda está contando? — Hector se empertigou. Gotas de café voaram de sua caneca, mas ele não ligou, genuinamente perturbado.

Então o brilho do celular de Victória iluminou seu rosto, atraindo nossa atenção.

— Hoje é dia 4 de abril. Começou no dia 25 de março. Quando a bateria do meu celular acabar, vou começar a anotar.

— Como o seu celular ainda tem bateria? — Carlos perguntou — A minha acabou tem dias já. Pra falar a verdade, depois daquele dia no colégio eu nem coloquei mais para carregar. — Quase me surpreendi vendo-o falar. Ele estava bastante quieto ultimamente.

— Eu carreguei um pouco antes da luz acabar de vez. Apaguei todos os aplicativos, desativei wifi, bluetooth, essas coisas que consomem bateria. Ele fica desligado quase o tempo todo, mas às vezes ligo para ver as horas ou conferir o calendário. Parece bobo, mas eu me sinto um pouco bem fazendo isso. — Victória dizia com a voz baixa, os olhos fitando o chão. Percebi como, em comparação ao primeiro dia, Victória havia emagrecido ainda mais. Pensei que provavelmente estava abaixo de seu peso ideal, porém tinha medo de ser indelicada se tentasse conversar sobre.

— Caralho, isso não é louco? — Guilherme disse, tomando um gole de café. Quase imediatamente ele fez uma careta, colocando a língua para fora. Adicionou mais duas colheres carregadas de açúcar na caneca. — Talvez nós sejamos as últimas pessoas do mundo que estejam contando os dias.

Seu comentário não tinha essa intenção, mas todos acabaram ficando um pouco cabisbaixo e Guilherme tentou, com urgência, corrigir-se e falar que tinha certeza que não, começando a tremer de nervosismo.

— Não mesmo. — Interrompi. — Se nós, um bando de estudantes, conseguimos ficar vivos até agora, com certeza um monte de gente mais preparada também está. — Levei a xícara de café até a boca e tenho certeza que a minha careta também foi perceptível.

— Não devia falar assim. Esse bando de estudantes salvou a minha vida... — Alana falou, baixinho. — Eu não tive a capacidade de discernimento de saber que estava me colocando em risco tentando tratar aquelas pessoas.

Ela parecia ter ficado bastante abalada.

— Mesmo assim, isso que você fez conseguiu garantir informações. — Hector disse, não com a intenção de consolá-la, mas genuinamente perdido em seus pensamentos. — Nós não sabemos basicamente nada que tenha algum embasamento científico sobre esse vírus, só boatos de quando as notícias de contaminação estavam a mil. Você disse que aquele casal estava bem até que a febre começou a aumentar. Eles ficaram quase um dia inteiro "bem", mesmo mordidos. A gente não sabe direito quando aconteceu, mas pelo que você contou, não podem ter sido mais do que 8 horas que se passaram entre a hora da morte até virarem esses monstros. Já Ana se transformou mais rápido, mas porque morreu de hemorragia, assim como seu pai. Então, uma pessoa que sobrevive ao ataque pode ficar viva e consciente por algum tempo, mesmo contaminada, mas depois que morre, é questão de horas, às vezes menos.

Hector continuou: — E eu não sei se vocês repararam, mas por mais que os ataques sejam brutais, raramente vemos uma pessoa completamente comida. A vez que eu posso citar — ele não especificou, mas eu sabia que estava falando de Helena. — foi porque havia muitos naquela rua. Mas por mais que existam milhares de cadáveres, tanto os que andam quanto os que realmente estão mortos, eles continuam caçando. Não é simplesmente questão de se alimentar. Eles querem comer carne quente.

E concluiu: — Ainda assim, apesar de tudo que nós vimos nesses dias, mais alguém percebeu que não vimos nenhum animal com esse comportamento? Para ser sincero, eu não vi quase nenhum animal além da Mei. — Por instinto, coloquei a mão na cabeça da minha companheira, sentada ao meu lado e atenta a qualquer migalha de comida que escapasse da mesa. — O que me faz pensar que eles com certeza também são comidos, mas nenhum deles volta. Não é surpresa que doenças que afetem humanos não necessariamente afetam animais, mas é importante saber que eles podem não ser contaminados, principalmente agora que estamos com um cachorro.

Hector direcionou o seu olhar para mim, o semblante sério por trás das lentes dos óculos.

— O que eu quero dizer, é que pelo menos não temos que nos preocupar com um cachorro-zumbi, caso o pior aconteça.

Senti meu estômago revirar apenas com aquela sugestão, envolvendo protetoramente o pescoço de Mei com o braço. Sabia que Hector não havia falado por mal (ele não era exatamente cuidadoso com as palavras), mas aquele assunto com certeza acabou com o meu apetite.

Ele abriu a boca para adicionar mais alguma coisa, mas eventualmente a fechou, parecendo ter dúvidas de como proceder. Ficamos calados por um tempo, digerindo tantas informações, até que eventualmente alguém teve coragem de abrir a boca de novo. Quase pudemos voltar ao normal, não fosse a sombra do apocalipse que pairava sobre nós.



Ainda naquele dia, tive o prazer de continuar ouvindo as teorias de Hector, embora com a desconfortável diferença de que eu era o seu objeto de estudo.

Embalada pelo doce sentimento da paz, parecia quase irreal pensar que eu estava colhendo ameixas do pomar da minha avó. Suas habilidades de jardinagem já se mostravam extremamente úteis antes do apocalipse, quando tínhamos uma farta horta de alimentos naturais no próprio jardim. Hoje, embora ainda houvesse comida, era sempre uma possibilidade a se pensar que, do dia para a noite, esta poderia tornar-se escassa, agora que não havia mais supermercados ou produção em massa. Por isso era essencial aproveitar tudo que tínhamos ao nosso alcance.

Mei estava deitada à sombra da árvore, deliciando-se com uma ameixa que eu havia deixado escapar. O movimento de suas orelhas, de abaixadas e tranquilas para erguidas e alertas, indicaram que havia alguém se aproximando.

Meu coração acelerou, imaginando que quem se aproximava era Guilherme. Eu não me sentia assim na presença de um garoto desde que tinha 14 anos e tentava me aproximar do irmão de Débora, por quem eu já fui apaixonada.

Mantive a minha atenção nas ameixas, fingindo que não notei a sua aproximação.

— Oi, Rebeca. — Quando ouvi a voz de Hector, senti uma mistura de alívio com decepção. Tudo bem, por mais que ele me deixasse completamente nervosa, eu meio que queria que Guilherme tivesse vindo conversar sobre a noite anterior. — Tem um tempo?

Virei para ele, bloqueando a luz do sol que batia no meu rosto com a mão. Hector usava uma blusa que pertencia a meu irmão, assim como Guilherme e Carlos, que finalmente puderam trocar seus uniformes de colégio sujos de sangue, terra e suor quando chegamos até minha casa. A camiseta ficava um pouco apertada nele. Alguns fios de barba levemente acobreada estavam crescendo em seu rosto ainda marcado por sardas e espinhas.

— Na verdade, estou com pressa. Tenho uma reunião em 10 minutos e depois vou direto para o cinema ver um filme com meu namorado. — Fingi consultar um relógio imaginário no meu pulso. — Podemos conversar, hm... Amanhã, perto das três da tarde? — Brinquei, sorrindo de leve para ele.

— Ah, sem problemas. Seu namorado é aquele com o braço comido, né? Umas larvas no olho direito? Gente fina, manda um abraço pra ele. — Hector me pegou de surpresa ao se juntar a minha brincadeira idiota, arrancando-me uma risada.

Coloquei mais duas ameixas no cesto de vime que usávamos como fruteira e limpei o suor da testa com as costas da mão. O sol de abril estava implacável e sinalizei com a cabeça para a sombra onde Mei estava, a fim de conversarmos lá. Hector me seguiu. Mei imediatamente veio tentar filar mais uma fruta , mas afastei o seu focinho da cesta.

— Não, cachorro guloso! — Sentei-me sob a sombra e Hector sentou ao meu lado, chamando Mei para que pudesse fazer carinho nela. Não consegui segurar um sorriso. — Que bom que ela gostou de todos vocês.

Hector brincava com as orelhas do Pastor, mas sua expressão estava enevoada. Na verdade, aquele semblante era comum a ele, porém naquelas circunstâncias, não pude deixar de sentir um pequeno calafrio na base da espinha.

— Aconteceu alguma coisa? — Arrisquei.

Ele ergueu o olhar, as mãos ainda repousando sobre as orelhas de Mei, que por sua vez tinha a cabeça preguiçosamente jogada no colo de Hector.

— Bom, não. É sobre isso que eu quero conversar — ele disse, e imaginei se tinha a intenção de me fazer ter uma crise de ansiedade com tanto suspense. — Aconteceu que, quando Carlos e Guilherme trouxeram você para casa, estava coberta de sangue da cabeça aos pés. Tinha sangue na sua boca, nos seus olhos... É impossível que não tenha entrado em contato com você, basicamente. Ninguém mais além de mim e Alana havia percebido, por isso ficamos quietos, mas esperávamos que você acabaria...

A pausa que ele fez foi sufocante.

— Mas não. Você teve febre, e quase morremos de apreensão, mas no segundo dia ela começou a ceder e você ficou bem. Digo, bem fisicamente. Você não virou aquelas coisas, é isso que estou tentando dizer... estávamos esperando que, como você entrou em contato com o vírus, iria acontecer a mesma coisa que aconteceu com o casal que Alana tentou cuidar, mas não. — Ele ajeitou o óculos, quebrando o nosso contato visual.

Eu sentia as minhas mãos tremerem, embora não fizesse ideia do rumo que aquela conversa tomaria. Como Hector havia ficado completamente em silêncio, arrisquei:

— O que exatamente você está sugerindo, Hector? Que estou com o vírus?

— Esse é o problema: eu não sei o que estou sugerindo. Eu e Alana não paramos de falar sobre isso, mas é muito difícil tirar alguma conclusão sem estudar esse negócio. A gente pensou em imunidade, mas, sinceramente? Eu duvido. Acompanhei vários fóruns enquanto havia conexão e nunca vi uma só pessoa falando sobre imunidade ou um sobrevivente de um ataque. — Ele juntou as mãos, concentrado. — O que a Alana sugeriu, e que eu acho que faz sentido, é que o que mata não é o vírus.

— Como assim? — questionei, esforçando-me ao máximo para acompanhar a sua linha de raciocínio.

— Talvez exista duas doenças, dois tipos de agentes de transmissão trabalhando juntos. Eu não consigo explicar com tanta base científica quanto ela, mas o que achamos é que o contato com o sangue não mata. O que mata é a mordida. Talvez o contato com o sangue seja o suficiente para te fazer voltar, se você morrer... mas só. O que mata, e por que isso acontece depois de ataques, pode ser a mordida, os arranhões... Talvez exista uma bactéria que causa uma infecção, ou talvez as pessoas simplesmente morram porque perderam muito sangue, eu não sei. — Suas palavras eram metralhadas em uma velocidade assustadora. Era comum que o sotaque do litoral fosse associado com a fala rápida, mas Hector era quase desafiador de entender quando se empolgava.

— E você está me contando isso porque acha que é seguro entrar em contato com o sangue?

— Eu não me sinto à vontade para confirmar isso, exatamente por esse motivo que não contei para todos: eu não quero que achem que podem se descuidar, até porque eu nem sei se isso é verdade. Mas talvez fosse uma informação que valesse à pena compartilhar com você. Principalmente porque você foi o nosso objeto de estudo. — Ele deu um sorrisinho. — Preferimos não falar para ninguém para não causar alvoroço, mas Alana estava sempre de olho, atenta à febre ou algum efeito associado ao contágio, mas você só apresentava sintomas que podiam ser explicados pela exaustão e desidratação. Fomos relaxando, até ter certeza de que você ainda era... Bem, você.

— O que é um alívio.. — Tentei sorrir, mas tinha certeza que mais parecia uma careta hesitante, conforme eu tentava processar a notícia.

— Mas é importante saber disso porque, sabe... no primeiro dia, enquanto íamos para a casa da Melissa, uma gota de sangue desses negócios entrou na minha boca. Eu não falei nada porque eu simplesmente estava desesperado. Claro que eu me afastaria de vocês se sentisse que algo parecesse errado, e por sorte deu tudo certo, mas eu quase tive um infarto de tanto nervosismo. Agora, conversando com a Alana, encontrei algum sentido nisso que me tranquilizou um pouco... É claro que não dá para levar como verdade absoluta, e mesmo se pudéssemos, não podemos deixar isso nos acomodar. Parece óbvio falando, mas agora podemos ter como conclusão que o que mata é a mordida.

— E se você estiver infectado, você pode voltar depois de morrer... Mesmo não tendo sido atacado. — Falei, olhando para a cesta de ameixas.

— Que bom que você chegou nessa conclusão sozinha. Sim, é uma possibilidade. Pode ser que o vírus não viva muito no nosso corpo caso a morte não seja imediata, mas ainda assim temos que prestar atenção. Se você achar conveniente, falamos para os outros

Eu não sabia por que Hector resolveu dividir aquilo apenas comigo. Por algum motivo, achava sensato que eu tomasse a decisão de contar para o resto do grupo.

— Vou pensar em como dar essa informação a eles, mas agradeço que tenha dividido comigo, Hector. Eu fico muito agradecida que você tenha decidido ficar com a gente no dia da escola. — Sorri para ele.

— Obrigado, mas eu é que deveria ficar. Com toda a certeza não serviriam de nada essas informações se eu não conseguisse nem me manter vivo. — Ele devolveu o meu sorriso, ajeitando os óculos. — Se eu e Alana tivermos mais alguma teoria, com certeza venho falar com você.

— Obrigada. Saiba que pode conversar comigo sobre qualquer coisa. — Ele me olhou um pouco surpreso, mas seu sorriso apenas alargou-se. — E pega uma ameixa, estão docinhas!



A conversa se estendia noite adentro, mas àquela altura eu segurava meus próprios cotovelos para evitar a tremedeira, embora não fizesse frio. Já havia alguns minutos que queria interromper o raciocínio de Carlos, apesar de concordar com a sua intenção de se afastar da capital. Conversávamos eu, ele e Guilherme há mais de uma hora sobre nossos futuros planos e qual era a melhor forma de garantir a sobrevivência, mas eu não conseguia parar de lembrar da minha conversa com Hector durante a tarde.

— Vocês realmente se sentem bem conversando sobre essas coisas só nós três? — falei, interrompendo Carlos.

— Como assim? — Guilherme perguntou.

Estávamos os três em pé, cada qual em seu canto da varanda, com Mei entre nós, comendo uma fruta. Os dois garotos agora olhavam para mim.

— Não acho certo tomar decisões importantes só entre nós três.

— Bom — Guilherme deu de ombros. — Também não pedimos por isso, mas desde o dia do colégio o pessoal meio que espera que a gente tome as rédeas.

— De qualquer forma, nossa opinião é que vai decidir. Nenhum deles iria querer abandonar o grupo — Carlos falou e deu mais um trago em seu cigarro, soprando a fumaça para fora da varanda.

— Eu só não entendo por quê a nossa opinião é mais importante do que a deles. — Tentei mais uma vez expressar o meu ponto. — Se déssemos a oportunidade, talvez eles gostariam de participar. Hector provavelmente é a pessoa mais inteligente viva... — Falei, esperando que soasse como uma brincadeira descontraída, mas no fim, pareceu um mau agouro.

— Já que você mesma tocou nesse ponto: — Carlos disse, a voz sarcástica — viva. Graças a quem?

Olhei para ele, incrédula.

— Eu não consigo acreditar que você falou isso. — Ergui um pouco a voz, irritada com o comportamento prepotente.

— E onde está a mentira? — Perguntou retoricamente, sua expressão agora séria enquanto sustentava minha encarada. — Todos eles só saíram do colégio graças a nós, caso contrário, era capaz de estarem até hoje esperando resgate. Desde o primeiro dia, somos nós que lutamos contra os zumbis para proteger todos.

— Você tá esquecendo que foi a Melissa quem cedeu a casa para escaparmos do caos no primeiro dia? Depois a Alana nos resgatou... Se não fossem elas, também estaríamos mortos!

Carlos respirou fundo, provavelmente incomodado por eu não concordar com o ponto de vista dele.

— Rebeca, todo mundo fez alguma coisa útil em algum momento. — Começou, apagando o cigarro no cinzeiro que eu havia arranjado para ele. — Mas quando chega a hora que importa, quando estamos cercados, quem é que se arrisca lutando contra esses monstros? Todo mundo quer opinar, mas quantos também ficariam para trás para garantir a segurança do grupo?

— Você fala como se realmente garantíssemos a segurança de alguém. Se só estão vivos graças a nós, então graças a quem Helena, Ana e Renan morreram?! — Desabafei o peso da responsabilidade que eu carregava desde o primeiro dia.

— Você tá dizendo que a morte deles é culpa minha?! Carlos ergueu a voz, gesticulando para si mesmo com os braços. Seus olhos estavam arregalados e era evidente como toda a sua postura ficou mais rígida.

— Óbvio que não estou falando isso! — respondi, tentando diminuir o tom. Percebi como a menção das mortes afetava Carlos, que sofreu profundamente em todos os momentos que perdemos alguém. Eu não concordava com ele, mas também não queria que ele se sentisse mal. — A única coisa que estou falando é que não somos melhores do que ninguém para decidir o destino de todos, já que claramente não podemos garantir nada!

Carlos respirou fundo, talvez entendendo que a minha intenção não era culpabilizá-lo por nada. Então abaixou seu tom de voz para continuar:

— Rebeca, e se eles tiverem alguma ideia imbecil, como decidir ficar na cidade por medo de sair na rua? Você vai preferir ficar aqui ou tentar salvar a própria vida? — Ele ergueu a sobrancelha, os olhos escuros focados em mim. — Porque a verdade é que a nossa opinião vai ditar o resultado. Todo mundo sabe quem são as pessoas mais preparadas daqui.

Dessa vez, fui eu que senti meu sangue ferver, segurando-me para que a minha voz não aumentasse a ponto de significar um perigo:

— Mais preparadas? — Soltei um riso sem graça. — Pode me excluir do seu grupinho então, porque eu não me encaixo nele. Você acha que porque é mais forte, porque consegue esmagar a cabeça de um zumbi, isso te torna mais preparado? — Dei um passo em sua direção, levando-me pelas minhas palavras: — Sabe quem era preparada? A Helena, a merda da garota que sabia lutar artes marciais, era forte, rápida e inteligente. Ela com certeza poderia estar aqui decidindo o nosso futuro no meu lugar, mas sabe onde ela está? Morta!

Vi que agora Guilherme imitava a minha postura anterior de nervosismo, os olhos ansiosos fixos em nós. Mei também havia se levantado, apreensiva pelo nosso tom.

— Qual é a minha diferença da Melissa? Da Victória? Da Ana? Só porque eu peguei nessa merda barra de ferro e acertei a cabeça de um zumbi antes delas você acha que eu sou mais preparada? Que eu tenho mais chances de continuar viva? Pois eu acho que não, porque ainda essa semana eu estava torcendo para que um zumbi entrasse no quarto e me matasse, para não sofrer mais pela minha avó! Enquanto isso, a Melissa foi quem matou a própria amiga sem hesitar para me proteger. — Minhas palavras saiam descompassadas devido à crescente irritação. O semblante de Carlos já havia se alterado para algo sério e profundo conforme eu me aproximava mais dele. — Nós três matamos zumbis, mas caso ainda não tenha percebido, nem somos mais os únicos! Hector e Melissa já cuidam de si mesmos e Alana e Victória só precisam de um momento em que a vida delas corra risco para abandonarem o medo. Pelo amor de Deus, uma das pessoas do nosso grupo é uma enfermeira, você não pode achar que bater em mortos com força é importante o suficiente para tirar um voto dela.

Incomodado com a minha proximidade, Carlos enrijeceu o corpo, obrigando-me a erguer o rosto para encará-lo. Seus braços estavam cruzados e os músculos tensionados, mas ele não tirava os olhos dos meus.

Eu poderia continuar, mas não fazia sentido apontar o óbvio: àquela altura, matar zumbis não podia te garantir absolutamente nada.

— Ah, Carlos. — Nossa discussão foi interrompida pela voz baixa de Guilherme. Ele passou uma mão pelos cabelos, tentando conter o nervosismo. — Eu meio que concordo com a Rebeca.

O olhar que Carlos direcionou a ele foi diferente do que o que eu recebi. O que havia sido fulminante para mim, beirava o ameaçador para o garoto ao meu lado. Sua linguagem corporal ficava cada vez mais tensa, com as veias do pescoço saltadas.

— Isso, coloquem a vida de vocês nas mãos de outras pessoas! Eu pareço com um burro de carga para vocês? "Carlos, você vai fazer isso e isso porque nós achamos melhor. Não deixe ninguém morrer no caminho" — Ele forçou uma voz estranha e era impossível saber se referia-se a alguém específico. — Eu estou querendo ficar vivo, não fazer caridade. A opinião que deveria importar é a de quem vale mais do que o próprio peso. Quem carrega os outros junto.

Passei as mãos pelos cabelos, tentando me acalmar enquanto respirava fundo e organizava os pensamentos. Não fazia sentido deixar aquilo evoluir para uma briga. Antes que eu pudesse pensar no que falar, Guilherme quem respondeu:

— Você está exagerando. No primeiro dia, ok, realmente todo mundo precisava de ajuda. Só que o que a Rebeca falou está certo, eu acho que agora você só está soando prepote-

Sua frase foi subitamente interrompida por uma exclamação de surpresa quando Carlos o puxou pela gola da camiseta para perto de si, em um aperto implacável. Era alguns centímetros mais alto de Guilherme e o olhava de cima, a expressão séria beirando o assustador.

— E eu acho... — As palavras saiam entredentes, como se ele se segurasse para não destroçar o garoto mais magro. — Que você não devia estar nem opinando. Você não consegue fazer porra nenhuma sem ter um ataque de pânico.

Aos poucos, o choque no rosto de Guilherme se desfez, dando lugar à uma expressão que demonstrava como aquelas palavras pareciam tê-lo machucado de algum modo. Eu sentia meu corpo inteiro paralisado, apenas assistindo, com medo de tentar interferir e piorar tudo.

Para a minha surpresa, quando respondeu, Guilherme deixou um sorriso quase malicioso escapar:

— E então? Vai me bater de novo? — ele perguntou, venenoso.

Percebi as narinas de Carlos se dilatando, indicando que ele respirava fundo. A provocação de Guilherme parecia tê-lo pego de surpresa. Com o olhar ainda ameaçador, soltou Guilherme com um empurrão para trás. O garoto cambaleou, mas encontrou equilíbrio no corrimão atrás de si.

— Quer saber? Façam a merda que quiserem então! — Então foi em direção à minha casa, com um olhar aborrecido no rosto. Mei estava inquieta, mas coloquei a mão na cabeça dela para demonstrar tranquilidade. Apesar de tudo, eu sabia que Carlos não era uma ameaça.

Quando fechou a porta atrás de si, usou mais força do que o habitual, mas mesmo assim teve cuidado em não fazer muito barulho. Deixei uma risada nervosa de desaprovação escapar, tentando me acalmar depois daquela conversa fracassada.

Depois de alguns segundos, percebi que Guilherme estava respirando com dificuldade. Ignorei a tremedeira das minhas próprias mãos e me aproximei dele, ajudando-o a se sentar na poltrona da varanda, mas sem saber ao certo como ajudá-lo.

— Gui, concentra na respiração. Primeiro inspira, depois expira. — Torci para que pelo menos minhas instruções estivessem corretas e até mesmo tentei seguí-las para me acalmar. Levou alguns segundos até que Guilherme seguisse meu ritmo, e percebi algumas lágrimas que se formaram no canto dos seus olhos. Não saberia dizer se eram de tristeza, desespero ou os dois, mas segurei sua mão como tentativa de mostrar apoio.

Por alguns minutos ele apertou minha mão e respirou descompassadamente até começar a se acalmar. Eu não sabia se ele já tomava algum remédio para ansiedade, mas me peguei pensando que seria útil se encontrássemos alguns. Eu nunca havia visto suas crises, mas até então não imaginava que poderiam ser tão sérias. Perguntei-me se ele havia enfrentado-as calado naqueles últimos dias.

Quando finalmente começou a se sentir melhor, limpou as lágrimas dos cantos dos olhos e deu um sorriso hesitante para mim.

— Obrigado, anjo. — Senti um calor infantil chegando até meu rosto com aquele nome, mas sabia que não era a melhor hora.

— Como assim "de novo"? — Foi a primeira coisa que perguntei, sem pensar que poderia ser indelicada. Não conseguia mais segurar a minha curiosidade sobre aquele assunto. Guilherme não parecia ter falado aquilo para Carlos apenas por escárnio. — O que houve?

Seu sorriso enfraqueceu um pouco, mas mesmo assim ele tentou manter-se calmo. Guilherme olhou para o chão, parecendo pensar no que falar. Passou a mão pelos cabelos antes de olhar novamente para mim:

— Ele me deu um soco no dia em que você... Encontrou a sua avó. Não foi forte de verdade, em dois dias já estava melhor — contou, hesitante, talvez porque eu não conseguia disfarçar o horror na expressão. — Ele está nervoso pra caralho desde que chegou, a gente acabou brigando e...

— Meu Deus Guilherme, isso é sério...

— Para, não faz isso. — Ele me censurou. — Eu sei o que aconteceu, mas não é o fim do mundo. Ter chegado na sua casa foi bom pra todo mundo descansar, mas só deixou Carlos mais aflito. Ele não acha que ficar aqui é seguro e quer ir embora, mesmo sem saber para onde. — Guilherme suspirou, passando a mão no cabelo de novo. — Ele pode parecer um grande babaca quando fala dos outros, mas no fundo ele só não conseguiria aceitar se outra pessoa morresse. Carlos me assegurou que não iria deixar mais ninguém morrer.

Eu queria contrariá-lo. Queria dizer que boas intenções não são motivos para tornar-se agressivo com os outros, mas Guilherme já parecia tão incomodado com esse assunto que tive medo de só causar mais problemas. Quem era eu para julgá-lo, afinal? Meu ato explosivo poderia ter colocado meus dois amigos em perigo, simplesmente porque eu também não sabia controlar as minhas emoções.

— Tudo bem, confio em você. — Sentei-me no braço da cadeira, apoiando minhas pernas no assento, ao lado de Guilherme — Mas exijo que se outra coisa assim aconteça, você fale para mim na hora. Eu mereço estar ciente das ações dele tanto quanto você.

Ele olhou para mim, esboçando um sorriso um pouco mais confiante.

— Combinado, mas não precisa se preocupar, nada vai sair do nosso controle. A gente consegue cuidar de tudo, eu prometo. — Ele colocou a mão sobre a minha perna, usando aquele contato para me assegurar de suas palavras. Apesar de ser um toque despretensioso, senti o rosto esquentar com um calor agradável.

Assenti para ele, tentando esboçar um sorriso e pensando no quanto eu queria confiar nas suas palavras. 




Nota da autora:

Oi amigos, tudo bem? 🖤

Minha nossa, esse capítulo ficou simplesmente enorme.

Peço perdão por não ter conseguido atualizar ontem, espero que os dois capítulos de hoje compensem!

E semana passada eu tive de cancelar a Leitura Coletiva, mas estarei online na Twitch amanhã, às 19h, para continuarmos! 🥰

Espero que tenham gostado do capítulo!

Antigos leitores já devem saber, mas aos novos: o próximo capítulo...... amigos.... 👀

Até segunda-feira que vem! 

Não sejam mordidos. 

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