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Capítulo 15.

Tudo aconteceu tão rápido que somente me lembro de borrões indistintos: assim que aquele grito horrível ecoou pelas paredes, Alana disparou em direção à escadaria. Foi um microssegundo em que todos nos olhamos, como se buscando a confirmação um dos outros, antes de corrermos atrás dela.

Ao subir o lance de escadas, deparamo-nos com a garota de cabelos azuis completamente estarrecida, os olhos arregalados em horror. Não precisou de muito para entendermos o que a deixara assim, pois logo que adentramos, encontramos a sala do pequeno apartamento completamente suja de sangue.

A cena de horror que se desenrolava parecia provinda de pesadelos profanos. Um homem de idade, cabelos ralos e uma barriga proeminente estava sentado no sofá, a televisão ligada no canal de notícias. Seria um cenário comum, se este homem cujo qual eu nem saberia como chamar não possuísse um grotesco buraco na altura do pescoço, de onde o sangue vertia em torrentes Ao seu lado, uma mulher de olhos injetados e aparência cadavérica mastigava um pedaço grande de carne com a boca aberta.

Num corredor adiante havia três portas e, da única aberta, uma trilha de sangue indicava de onde a criatura provavelmente saíra. Num dos cantos da sala, Renan parecia petrificado, os olhos arregalados fixos na cena.

O monstro estava focado demais se alimentando para perceber a nossa chegada, sua expressão perdida no que parecia um vazio eterno.

Senti uma mão encostando na minha e vi que era Guilherme. Com o gesto, me pedia para que eu passasse o bastão para ele.

— Tem que ser pra matar, pode deixar comigo — sussurrou, os olhos fixos na criatura. Entendi o seu pedido e entreguei o meu bastão com cuidado. Precisaria de força e Guilherme com certeza tinha mais do que eu.

Ele rodeou a sala com cuidado. Cada passada era suave e lenta, como um animal se preparando para caçar. Conhecendo Guilherme o pouco que eu conhecia, já sabia, antes de olhar, que suas mãos tremiam, agarradas com força no bastão. Pelo outro lado da sala, Carlos também o seguia, pronto para agir caso necessário.

A sala estava em um silêncio literalmente mortal, somente perturbado pelo desagradável barulho molhado de mastigação. Vi o choque nos olhos de Alana, que parecia incapaz de desviar os olhos da cena. Antes que eu pudesse me mover para consolá-la, Victória já havia envolvido sua figura trêmula com os braços, virando a cabeça dela para que não visse mais aquilo. Quis dizer quaisquer palavras que poderiam afastar sua dor, mas diante da situação, não tive coragem de abrir a boca.

Guilherme se posicionou com cuidado próximo ao monstro, em uma distância segura. Quase em câmera lenta, ele moveu o bastão para cima.

A mulher, cuja pele ainda estava saudável e bronzeada, parou de comer, virando a cabeça de maneira robótica para o lado, encarando Guilherme. Ela permaneceu parada por um momento e eu segurei o ar, sentindo o meu próprio corpo tremer. Carlos, um pouco mais próximo de nós, tremia, impaciente.

Em um movimento repentino, a mulher morta-viva arreganhou a boca, expondo todos os seus dentes manchados de sangue em um grito hediondo.

— GUILHERME! — berrei, desejando que ele fizesse qualquer coisa. A mulher virou a cabeça em um estado frenético para a minha direção e nesse momento Guilherme se moveu.

Com uma precisão notável, ele descreveu um arco com o bastão, acertando em cheio a boca aberta da mulher. O barulho de ossos se quebrando foi inacreditavelmente audível e fez todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. Uma chuva de sangue caiu sobre o rosto do pai de Alana e o chão da casa. O corpo da mulher foi lançado para trás do sofá e caiu no chão com um baque surdo.

Antes que eu pudesse suspirar de alívio, Guilherme imediatamente desceu o bastão uma segunda vez sobre a cabeça dela, um novo barulho perturbador ecoando pela sala. Sangue espirrou pelo seu corpo, sujando sua roupa e seu rosto. Ele repetiu o golpe duas vezes e agradeci pela posição do sofá esconder de mim aquela cena grotesca.

Quando finalmente terminou, largou o bastão com um suspiro e percebi que ele tremia descontroladamente.

Por vários segundos, todos permanecemos imóveis. Alana chorava no ombro de Victória, seu corpo também tremendo. No começo da escada, Ana, Hector, Melissa e Renan pareciam paralisados.

Antes que pudéssemos impedi-la, Alana se desvencilhou de Victória e correu na direção do corpo do pai. Em um choro quase compulsivo, começou a usar a capa do sofá para tentar estancar o sangramento, enquanto conferia a pulsação. Um murmúrio baixo saia de sua boca "O que eu fiz? O que eu fiz?". Olhei para Carlos, que apenas suspirou e perguntou para Renan se ele estava bem.

— Aquilo morreu? — ele perguntou, suor escorrendo por seu rosto.

— Não sei. — Carlos esticou-se um pouco, para olhar qualquer cena horrorosa que estaria oculta por trás do sofá. — Cara, acho que sim.

A respiração de Guilherme estava descompassada enquanto ele permanecia parado, olhando para lugar nenhum.

— Tudo bem com você? — perguntei, baixinho.

— E-eu só... — Seus olhos verdes estavam focados nos meus, mas eram difíceis de ser lidos. — Eu...

Eu nunca fui uma pessoa de toques, mas inspirada pelo conforto que Victória sempre oferecia aos outros, adiantei-me para abraçá-lo, percebendo como tremia. Ele não recuou.

— Tá tudo bem agora, você conseguiu — sussurrei, sem saber que palavras melhores poderiam ser usadas. — Você devia tomar uma água — sugeri, desvencilhando-me dele, um pouco sem jeito.

— O seu bastão... — Ele começou a dizer, mas sua voz estava baixa demais.

— O que?

— O seu bastão. — Guilherme engoliu em seco. — Eu deixei ali. — Apontou para onde o corpo estava, atrás do sofá, como se estivesse apontando para o próprio inferno. — D-desculpa.

— Não tem problema. Eu pego, pode ir. — Tentei sorrir, apontando para uma cozinha pequena logo ao lado da sala. Eu percebi no momento em que ele soltara o bastão que teria que ser eu a recuperá-lo.

Quando Melissa o acompanhou até a cozinha, virei-me para observar a situação. A sala de estar agora estava suja de sangue e o cheiro de ferro já começava a impregnar o ar, obrigando-me a torcer o nariz.

Alana chorava abraçada no corpo do seu pai depois de ter desistido de estancar o sangue e Renan ainda estava imóvel perto da escadaria, provavelmente debilitado demais pelo choque. A criatura estava imóvel no chão, mas de onde eu estava, conseguia ver apenas seus pés descalços, as unhas pintadas com francesinhas delicadas agora sujas de sangue.

Mas outra coisa chamou minha atenção: faltava mais alguém naquela sala.

Quando Alana revelou que ajudou mais gente ferida, havia mencionado um casal. Certamente o monstro com a cabeça destruída que se encontrava no chão atrás do sofá era um deles. Isso significava que ainda poderia ter mais um na casa. Olhei para a porta aberta no corredor, de onde vinha o rastro de sangue.

— Carlos — murmurei, movendo-me contra a minha vontade. Apontei com a cabeça para o corredor e ele imediatamente soube ao que eu me referia.

Seguimos naquela direção e assim que passamos pelo sofá, meu estômago se contraiu frente à cena grotesca, agora não mais oculta. Ao mesmo tempo que era tão parecido com cenas gore de filme de terror, era completamente estranho ver um corpo humano com a cabeça tão desfigurada a ponto de tornar-se irreconhecível sob uma massa de carne e sangue. Só então percebi como Carlos também estava pálido.

Meu bastão estava caído próximo ao corpo, completamente ensopado de sangue da metade para baixo. Com o nariz torcido, estiquei o meu braço para recuperá-lo sem chegar mais perto. Senti frio graças ao suor que começava a se formar, aliado ao tremor das minhas mãos. Carlos desviou o olhar enquanto eu finalmente conseguia fechar a mão em volta do bastão e me afastar. O sangue que estava nele, e agora sujava a minha mão, parecia infinitamente mais grotesco do que qualquer outro, mas sabia o quão ridículo seria deixar-me levar por esse tipo de pensamento justo naquele momento.

Nos movemos juntos na direção dos quartos, quase em sincronia. Apesar de tudo, era bom ter Carlos nesse grupo, grande parte do mérito de termos chegado até aqui era dele. Ele era resiliente e esperto o suficiente para se adaptar quase que imediatamente àquele mundo perverso. Tudo que eu sabia sobre ele era graças à pouca convivência que tivemos no colégio: era um esportista, fazia sucesso com as meninas, tinha amigos e normalmente era uma pessoa boa, ainda que sempre com um semblante sério. Naquele curto momento desejei saber mais sobre sua história, sua família... Que coisas construíram um homem que se tornaria tão forte?

— Deixa que eu vou primeiro — falou, olhando nos meus olhos. Assenti, agradecendo mentalmente.

Mas não havia nenhuma surpresa lá dentro. A cena tendia sempre a ser a mesma, mudando apenas a localização e os detalhes: um corpo desfigurado, sangue espalhado e o cheiro hediondo da morte. Senti um desconforto incrível em perceber que tudo aquilo já estava se tornando comum para mim.

A cabeça de quem outrora teve um romance com a moça-zumbi, estava semi-devorada, deixando alguns vislumbres do branco de seus ossos em um dos lados; a outra metade da cabeça relativamente intacta, com o único olho fechado, aparentando serenidade. Um dos braços estava tão comido que quase parecia se soltar do corpo.

— Você acha que tá morto? — perguntei para Carlos, sem tirar os olhos daquela massa de carne grotesca. Meu estômago ainda flertava com a ideia de colocar tudo que eu havia comido para fora. — Digo, morto mesmo. Sem chance de voltar. — Completei, ainda que não fosse necessário.

— Não sei. Parece que o Hector estava certo: se destruir o cérebro, morre. Me parece destruído. — Aquela cena seria cômica, se não fosse tão trágica. A cabeça daquele corpo (incluindo o cérebro) estava parcialmente comida.

— É. Devemos nos certificar? Bater com o bastão nessa... Coisa? — Gesticulei com a mão.

Nesse instante, o olho restante repentinamente abriu-se, lançando sua íris castanha na minha direção. Veias vermelhas se destacavam em um fundo amarelado e aquoso.

Pega de surpresa, deixei um grito desafinado escapar, recolhendo com pressa a minha mão para perto do corpo. Instintivamente me movi para o lado de Carlos, que esticou os braços para me amparar. Senti meu rosto esquentar pelo susto e afastei-me dele. Carlos soltou um riso baixinho.

Qualquer possibilidade de piada que poderíamos fazer foi interrompida por um rosnado, arrancando-nos de nossa posição despreparada. A criatura lentamente começava a se mover, completamente diferente da velocidade predatória que já havíamos visto antes, como se estivesse recobrando os sentidos lentamente. Mas o estado de seu corpo já denunciava que quem retornava não era seu antigo dono.

— Pode deixar — Carlos falou, aproximando-se da criatura, a barra de ferro em punhos. Observei atenta por trás dele, pronta para agir caso qualquer coisa acontecesse.

Em um movimento limpo e preciso, Carlos ergueu a barra verticalmente, como um cavaleiro posicionado com sua espada, e a desceu no globo ocular do zumbi, sua ponta mais estreita perfurando o crânio facilmente.

O ato me pegou de surpresa. Ver aquele metal pontudo atravessando o olho da criatura, um líquido turvo escorrendo junto com o sangue. Dessa vez foi impossível vencer a luta contra o meu estômago e após uma contração forte, corri para a pequena janela do quarto e coloquei tudo para fora.

Eu sempre tive um ódio muito particular de vomitar, mas apenas aquele dia (será que já haviam se passado vinte e quatro horas inteiras?) já evidenciava o quanto eu teria de fazer as pazes com aquela realidade. Quando terminei, estava com o rosto coberto de suor e limpei a boca com as costas da minha mão trêmula.

Carlos olhava para mim com a sobrancelha erguida.

— Meu Deus, você não pode me julgar, isso foi simplesmente... — Ele arrancou a barra de metal de onde ela havia sido cravada, aquele buraco no rosto da criatura imediatamente inundando-se de sangue. Tremi e virei para a janela de novo, arrancando-lhe um riso.

— É que assim é mais fácil. — Ouvi sua voz se aproximando de mim. — Do que ficar martelando a cabeça dele que nem o Guilherme fez.

Apenas quando recuperei o controle do meu estômago — como se ainda houvesse algo lá dentro para oferecer resistência — consegui responder:

— Tudo bem. Eu só... Não estava esperando. Meu Deus, você faz essas coisas com tanta naturalidade, parece que nasceu para isso... — elogiei.

Ele pareceu surpreso com as minhas palavras, desviando os olhos escuros para o chão. Vi que a lateral do seu rosto estava bem suja de sangue.

— Você está insinuando que eu nasci para matar os outros? — respondeu, a voz carregada de rancor. — Ou você aprende a se virar, ou o mundo passa por cima de você! Já era assim antes dos zumbis.

Apesar da grosseria, percebi pela sua expressão melancólica que ele não se dirigia necessariamente para mim. Eu havia tocado em um ponto fraco e suas palavras eram para alguém que eu nunca conheceria.

Senti meu coração pesado com a implicação de que ele achava que eu o chamava de monstro. Aproximei-me, esticando o braço para tocar o seu:

— Me desculpa. Eu não quis te ofender, eu só falei sem pensar! O que eu quis dizer é que você é muito corajoso e se adaptou bem. Sem você, provavelmente estaríamos todos mortos. — Embora estivesse tentando animá-lo, não disse nenhuma mentira.

Carlos respirou fundo, parecendo recobrar a calma. Então voltou a olhar para mim, parecendo desconfortável:

— D-desculpa, Rebeca. Eu não sei... Eu só fiquei nervoso, desculpa. — Ele passou a mão no cabelo raspado e desviou novamente o olhar. Soltou a barra de ferro completamente ensanguentada, que caiu com um baque no chão. Parecia bem, apenas um pouco incomodado com a situação.

— Não tem problema, sério. Eu também não quis ser grosseira. — Embora não guardasse muita estima pela atitude explosiva de Carlos, reconheci que eu poderia ter tocado em um local delicado. — Obrigada por... Você sabe. — Gesticula para o corpo (realmente) morto sobre a cama.

Ele assentiu, deixando um sorriso pequeno se desenhar nos lábios. Carlos era muito bonito por trás do semblante de poucos amigos.

— Obrigado por não ter aceitado ficar para trás no colégio — ele murmurou. — Tudo o que eu quero é só não deixar mais ninguém morrer.

— Relaxa, porque somos dois. Agora acho melhor sairmos daqui, o cheiro está insuportável. — Adiantei-me em direção à porta, mas lancei um último olhar para trás: — Vou ver como estão a Alana e o Guilherme. Você está bem?

Por algum motivo, minha pergunta parecia tê-lo pego de surpresa. Carlos sustentou meus olhos por alguns segundos e então assentiu, lentamente. Apenas alguns segundos depois de me distanciar do quarto, ouvi seus passos atrás de mim.

Evitei olhar para a massa humana grotesca enquanto passava por ela, trancando a respiração para não sentir o cheiro da morte. Alana estava abraçada em Victória, ainda em prantos, enquanto Ana estendia a capa do sofá sobre o corpo morto. Observei o fino tecido azul escurecer aos poucos conforme entrava em contato com o sangue, uma confusão de sentimentos se formando dentro de mim.

O horror em presenciar uma morte ainda se fazia presente, junto com o medo, a ansiedade e a raiva daquelas criaturas. Mas dessa vez, também existia o alívio por não ter sido nenhum dos meus colegas.

Acompanhei, do alto da sacada, a movimentação da família de cinco pessoas enquanto trancavam as portas de casa e terminavam de encher um carro popular com malas e caixas. A mulher carregava um bebê nos braços e ajudava um garoto pequeno a entrar no carro enquanto o homem terminava de ajeitar o porta-malas. Havia uma outra menina mais velha que entrara na casa há alguns minutos e ainda não voltara.

Mesmo estando protegida em um apartamento do outro lado da rua, senti meu coração bater forte, como se eu fosse sair junto com eles. Peguei-me pensando se iriam tentar atravessar o mar ou seu destino era talvez a casa de um parente ali na ilha mesmo. Será que estariam vivos amanhã?

Será que eu estaria?

Com o passar do dia, o grupo de mortos reunidos em frente à porta de metal da loja se distraiu com outra coisa e aos poucos debandou. A rua de trás, para onde uma escadaria na lateral do prédio dava, estava ainda mais vazia. Algumas casas ainda tinham as luzes acesas, mas a maioria estava escura como o breu, provavelmente abandonadas por suas famílias que tentaram fugir. Embora não conhecesse nenhuma daquelas pessoas fictícias, esperava que ninguém tivesse morrido na explosão da ponte. "Ou talvez assim tivesse sido melhor" pensei, observando três zumbis vagando mais acima na rua e lembrando do fim grotesco do pai de Alana.

No dia anterior, enquanto fugíamos do colégio, havia muitas pessoas nas ruas, assim como carros (e zumbis e acidentes). Hoje o cenário já se aproximava mais do que vinha à minha cabeça ao ouvir a palavra apocalipse: ruas anormalmente vazias, portões deixados abertos e carros abandonados em tentativas de fuga que não tiveram sucesso.

Em meio aos meus devaneios, percebi que a garota mais velha havia retornado. Embaixo do braço, carregava um cachorro vira-lata na cor caramelo que não parava de bater o rabo, alheio ao caos que acontecia do lado de fora do portão.

Dessa vez, meu coração apertou tanto que pensei ter ficado sem ar ao pensar em Mei. Será que ela e a minha avó chegaram à casa de Marta em segurança?

Limpei a lágrima que escorreu pela minha bochecha diante do medo que me dominou e dei as costas à sacada e à família que eu observara pelos últimos minutos. Só poderia lhes desejar sorte, e talvez nem isso fosse o suficiente.

Do lado de dentro, meus colegas estavam dispostos pela sala junto com Renan e Alana. Alguns ainda comiam um pouco do arroz com lentilha que Melissa havia feito, assistindo a televisão ou encarando seus smartphones. Alana estava sentada em silêncio em uma poltrona. Àquela altura já não estava mais chorando, mas seus olhos vermelhos evidenciaram o dia difícil que teve.

A risada de Guilherme quebrou o silêncio e seu rosto ficou levemente corado quando alguns olhares se dirigiram a ele. O garoto murmurou um pedido de desculpas, apontando para as Vídeo Cassetadas na televisão e conseguiu me arrancar um sorriso. Estavam reprisando o último Domingão do Faustão, mesmo que fosse terça-feira. Toda a programação dos canais de TV aberta estavam uma bagunça, com mais reprises do que notícias sobre a situação.

Renan pigarreou de repente, saindo da cozinha:

— Ei... Obrigado. Por salvarem minha vida hoje.

Olhei para o homem que usava roupas largas demais para a sua figura. Embora ainda restasse o cheiro, não parecia mais bêbado, embora o olhar franzido pela pouca luz da sala sugerisse que ele combatia uma ressaca.

Quando os ânimos se acalmaram (na medida do possível) após o súbito ataque da mulher que Alana tentou ajudar, resolvemos tirar o corpo da sala. A enfermeira fora ingênua em pensar que podia combater aquela doença, mas não era burra. Sabia que não teria a oportunidade de enterrar o pai, por isso não se opôs à colocamos o corpo sobre a antiga cama do homem, para que pudesse pelo menos descansar em paz.

Mas enquanto Renan e Carlos carregavam o corpo, um rugido gutural antecipou o ataque da criatura envolta na capa do sofá. Seus dentes só não rasgaram a carne de Renan graças à capa, mas o susto foi o suficiente para largarem imediatamente o corpo no chão, possibilitando que ele se levantasse para um segundo bote.

Ana cortou a minha frente a tempo de empurrar Renan para o chão, afastando-o do monstro a tempo de eu acertá-lo com meu bastão, que por sorte já estava em punho. O tempo que comprei permitiu que Carlos alcançasse sua barra de metal e cravasse na cabeça da mesma maneira que fizera com o parceiro da mulher naquela manhã.

— Eu... Desculpem por ter sido... Vocês sabem — Renan continuou. — É só que é difícil confiar em qualquer um com tanta coisa acontecendo. — Seus dedos envolveram uma correntinha que ele tinha no pescoço, evidenciando seu nervosismo.

— Tudo bem. — Fui eu quem respondi, diante do silêncio ou de murmúrios de perdão dos meus colegas. — Obrigada por nos deixar ficar aqui por hoje.

— Então... Vocês vão embora amanhã? Para onde exatamente? — ele perguntou.

— Estamos... No caso, eu estou indo para a minha casa, do outro lado da ponte — respondi.

— Alguns de nós moramos daquele lado também — Carlos continuou. — Outros só não querem ficar aqui sozinhos. Então estamos indo juntos para o continente.

— E como pretendem cruzar o mar? — Renan perguntou. — Ontem a noite explodiram a ponte.

— Vamos tentar pegar um barco. — Guilherme se juntou à conversa. — Por isso estamos indo para a beira-mar.

— E vocês têm um barco? — Perguntou, franzindo o cenho. Apenas fiquei quieta, pois a ideia inicial era que chegaríamos na marina e arranjarmos um lá. Imediatamente me senti um pouco infantil por não ter pensado muito além daquilo. — Vocês não acham que ainda vai ter barcos disponíveis, né? Vocês têm 15 anos, algum de vocês sequer sabe dirigir um barco? — Apesar de seu tom não ser particularmente grosseiro ou acusatório, não tornou aquelas indagações menos humilhantes. Nada do que ele insinuou era mentira.

— Tenho 17 — corrigi, por impulso, baixo demais para ele ouvir.

— Olha, — Ele se corrigiu, respirando fundo: — o que eu tô querendo dizer é que, depois de ontem, a marina vai ser o lugar mais óbvio para as pessoas irem. Até chegarem lá, já devem ter pego todos os barcos. Além de que provavelmente estará uma loucura com esses... Troços.

— E qual é a sua sugestão? Ficar aqui e morrer? — questionou Carlos.

— Claro que não... Eu queria esperar a poeira baixar antes de tentar alguma coisa. — Embora agora falasse com mais calma, não parecia realmente corajoso. — Não estou criticando a ideia de vocês, mas acho que ficar no centro da cidade é suicídio. Se seguirmos para o sul da ilha, para um bairro mais residencial, de pescadores talvez, temos mais chance de encontrar alguma coisa que sobrou. Pode ser mais seguro.

— Então, você está dizendo que vai com a gente? — perguntou Ana, acusatória.

Renan pigarreou de novo, ainda mexendo na correntinha:

— Alana salvou vocês, então acho que devem à ela... — O homem começou, mas provavelmente diante dos olhares pouco satisfeitos que recebeu, continuou: — Já eu... Estou pedindo para ir também.

Esperei que alguém protestasse, mas, para a minha surpresa, todos permanecemos em silêncio. Olhei ao redor e encontrei a maioria dos meus colegas olhando para mim.

— Eu não vejo problemas. — Dei de ombros. — Sua ideia realmente é melhor do que a nossa. E acho que mais pessoas podem ajudar a proteger o grupo.

Uma ideia meio egoísta dominava minha cabeça, mas não quis vocalizá-la: era muito bom que tivéssemos arranjado uma enfermeira.

Renan abaixou um pouco o tom de voz:

— Alana ainda está mal, mas acho que depois de descansar esta noite ela também vai querer ir embora. Até amanhã podemos procurar algumas coisas melhores para usar como arma. Posso botar uns pregos aí... — Ele olhou para os pedaços de madeira que carregamos. — Vamos todos nos ajudar, ok? Eu também não achei que iria querer ir para o meio da carnificina com um monte de adolescentes, mas se vocês chegaram até aqui, devem ser bons. Peço desculpas novamente por ser tão hostil antes. — Ele ergueu as mãos em sinal de paz.

Novamente, diante do silêncio de todos, fui eu quem respondi:

— Estamos de acordo. Amanhã podemos nos preparar melhor, escolher uma rota... — Senti um aperto no coração percebendo como havíamos perdido mais um dia, esforçando-me para não pensar em minha avó ou Mei. Só então ficou evidente como eu estava cansada, mesmo que tivéssemos passado o dia inteiro ali, "em segurança".

Senti o peso daquele dia chegando como um golpe e minha frase ficou perdida no ar graças a um bocejo.

— Mas acho que por hoje — Victória deu um sorrisinho, colocando a mão sobre o meu ombro. — Podemos apenas descansar um pouco. 


Nota da autora:

Quem leu a primeira versão dessa história com certeza vai perceber muita coisa nova nesse capítulo 👀 Quase duas mil palavras a mais. 

O próximo vai ser postado daqui a pouco!

Até lá.

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