Capítulo 13.
Eu nunca imaginei que poderia ser tão difícil assim sair de lá.
Digo, dessa vez a dificuldade não estava em lugares obstruídos por acidentes, mortos vivos tentando nos devorar ou em qualquer oposição feita por um dos meus colegas. A dificuldade estava somente no terrível medo que se apossara de todos nós.
Era surreal como aquele pequeno espaço de tempo em que pudemos relaxar e nos sentir seguros tornou aquela realidade apocalíptica ainda mais dura e assustadora para nós. Estávamos deliberadamente voltando para a linha de fogo, colocando as nossas cabeças em jogo depois de termos nos deliciado com a segurança.
Parecia loucura como as minhas pernas tremiam quando passei pela porta do apartamento de Melissa. Quem visse o bastão de baseball em minha mão acharia que ele próprio estava com medo, tão inseguro que parecia conforme tremia junto comigo.
Ainda assim, eu não parecia nem de longe ser a pior.
Melissa quase desistiu duas vezes no meio do caminho, mas fomos firmes em convencê-la a seguir conosco. Ana, Victória e Guilherme nem abriram a boca e, dessa vez, Carlos e Hector que tomavam a dianteira, estes sim parecendo um pouco mais centrados.
Seguimos para o térreo também pelas escadas, tendo a sorte de encontrar apenas dois zumbis no lobby de entrada. Levei um gigantesco susto quando Hector gritou, sua voz alta ecoando pelas paredes
— A CABEÇA! Bate na cabeça! — Ele avisou a Carlos, desferindo um golpe furioso no rosto da criatura com um pedaço do suporte de planta quebrada da casa de Melissa, que era muito mais resistente que os antigos cabos de vassoura.
Carlos obedeceu a ordem, também afastando o outro zumbi que se atirou em sua direção com um golpe certeiro na lateral do rosto, fazendo sangue voar e manchar as paredes brancas do lobby.
As criaturas caíram no chão. A que foi golpeada por Hector permaneceu imóvel, mas aquela que Carlos acertou começou a rastejar em nossa direção, como se a metade ensanguentada de seu rosto não existisse.
— Tem que ser com jeito, eu ainda não sei a melhor forma. — Hector se aproximou do corpo que se movia, posicionando o pedaço de madeira com calma e dando um segundo golpe que fez um grunhido escapar dos seus lábios. Um som oco me incomodou conforme a cabeça do zumbi batia com tanta força no chão que quicou. Senti uma forte ânsia de vômito quando percebi que agora não só sangue voara, como um absurdo pedaço do que deveria ser seu cérebro. Diferentemente de mim, Victória não conseguiu segurar o vômito.
A criatura permaneceu imóvel no chão, talvez, de fato, morta.
— Tem que ser um golpe forte na cabeça, que consiga danificar o cérebro. — justificou Hector, olhando para nós. — Eu havia pensado nisso ontem, e depois de ver mais algumas notícias acabei confirmando. É exatamente como nos filmes... o vírus parece se alojar no cérebro. Se conseguirmos destruir ele, a coisa... bom, morre. — Ajeitou o óculos, dando um sorriso sem graça.
Carlos colocou a mão no ombro dele, falando de maneira amigável:
— Muito bom. Ouviram o nerd então, quem bater, bate com força na cabeça!
Apertei mais a base do meu bastão, entendendo que precisaria usá-lo em breve. Novamente seria necessário que eu batesse em monstros que outrora foram pessoas como eu e essa ideia ainda me enojava. Não mais do que a lembrança de que, para acertá-los, eles precisavam chegar perto o suficiente.
Quando nos preparamos para sair do terreno do prédio, uma agradável surpresa nos esperava: não havia muitos na entrada, como quando chegamos. Por algum motivo o seu número diminuíra drasticamente.
O que não significava que as poucas dúzias espalhadas pela rua não fossem um problema.
— Escutem. — ouvi Carlos chamar a nossa atenção e me forcei a chegar perto dele, para demonstrar alguma iniciativa. Seria prejudicial para nós se começássemos a perceber o quanto estávamos todos completamente apavorados. — De novo, vamos ser rápidos. Vocês já sabem para onde vamos e que caminho vamos seguir. — Ele avisou, fazendo menção à conversa que tivemos pouco antes de sair. — Aqueles que vão bater, ouviram: mirem na cabeça. Mas se eles não caírem, não percam tempo, o importante é limpar caminho para avançar rápido. — Fez uma pausa. — Só desperdicem seu tempo com os que correm. Esses precisam estar mortos.
Antes de sairmos, ouvi mais uma vez a sua voz e virei para trás a tempo de vê-lo batendo com força no braço de Guilherme, lançando um olhar mortal para ele:
— E você, acorda! — falou, o tom agressivo. — Se você também começar a se comportar que nem um bosta assustado, vamos morrer.
Não pude evitar de sentir desgosto, já que eu facilmente me identificava com a situação em que Guilherme se encontrava. Talvez, se fossemos mais próximos, Carlos também dirigiria esse comportamento escroto para mim. Franzi o cenho, mas nenhum dos dois viu.
Nos adiantamos para a rua em um passo rápido, iniciando sem mais delongas aquela jornada suicida.
Nosso destino era a beira-mar, em direção às marinas. Evitaríamos as ruas principais e, se necessário, faríamos uma pausa em um mercado próximo à uma pracinha. Como não tínhamos a menor noção do quanto conseguiríamos avançar, a ideia era manter um passo apressado, porém conservar energia.
Tão imediatamente começamos, fomos interrompidos por uma visão que só podia ter saído do inferno. Eu não sabia dizer se estava procurando aquilo — ou qualquer outro rastro que poderia indicar a mesma coisa — mas tão logo entrou na minha linha de visão, meus olhos se focaram nela. A alguns metros de distância do que outrora havia sido seu corpo, uma bola de carne quase não-identificável estava atirada no asfalto, como se abandonada ali.
Ainda havia alguns tufos do cabelo crespo na cabeça de Helena, porém menos do que a quantidade que estava espalhada pelo chão, cruelmente arrancada. Um daqueles seres hediondos estava com restos de fios escuros saindo de sua boca pútrida. Inclinei meu corpo para frente e vomitei tudo que eu comera nas últimas horas, tendo certeza pelos sons que me acompanharam, que eu não fui a única.
Senti gotas de suor se formando em minha testa conforme meu estômago se contorcia. Não sei por quanto tempo fiquei lá, inconscientemente negando-me a seguir em frente, quando senti um toque gentil em meu braço, contrastando com o puxão que veio em seguida. Era Carlos.
— Vem, não olha para aquilo. — Falou baixo, puxando-me para que eu seguisse seu passo. Um pouco apática, senti que estava sendo quase arrastada até que conseguisse recobrar a consciência.
Foi tão assustador quanto da primeira vez quando vários daqueles monstros entraram em minha linha de visão. Não perdemos mais tempo sendo agourados pelo medo — caso contrário, não sei o quanto eu teria aguentado — e começamos a nos mover em um pequeno trote.
Conforme nossos passos faziam barulhos, aqueles seres que vagavam sem rumo deram-se conta de nossa presença e começaram a se mover em nossa direção, cada qual em sua velocidade. Um deles, que não possuía nenhum machucado à vista e só era definido pelo seu tom de pele acinzentados, veias saltadas e olhos assustadoramente arregalados e canibais, iniciou uma corrida tão logo nos notou. Carlos se virou em sua direção e, com os músculos tensionados em uma posição de preparo, esperou até que ele se aproximasse para acertar-lhe um golpe bem no rosto, que o lançou de costas no chão. Rapidamente, Carlos se aproximou da coisa caída e deu um segundo golpe, em sua cabeça.
Ele executava cada uma daquelas ações como se estivesse habituado, também tendo a decência de manter seu próprio medo e inseguranças disfarçados por trás do semblante sério. Eu queria desgostar dele. Em outro momento, certamente sua atitude grosseira teria sido o suficiente para me causar aversão, porém diante do cenário que estávamos, seria mais do que injustiça... seria burrice me atrever a insinuar que ele não era uma das maiores razões para estarmos — quase — todos vivos.
— Rebeca! — Alguém chamou meu nome, mas já era tarde demais para que eu me virasse. Senti algo batendo com força contra mim, fazendo com que eu caísse para frente. Meus joelhos se encontraram com o asfalto irregular e meus olhos lacrimejaram. Imediatamente senti gotas quentes de encontro com meu braço e pescoço, tendo certeza do que se tratava. O barulho surdo de algo pesado caindo ao meu lado não me assustou.
— Meu Deus, você está bem? — Era a voz de Guilherme, que também me ajudava (ou quase me puxava para cima) a levantar. Olhei para ele, confusa, percebendo o quanto ainda estava apática: eu poderia ter morrido, mas ainda assim parecia difícil voltar ao meu estado normal. — Desculpa por te empurrar, mas ele estava do seu lado! — Seus olhos verdes pareciam genuinamente preocupados comigo.
Coloquei-me de pé, respirando fundo duas vezes.
Não era hora de ser fraca.
— Eu estou bem, Guilherme, obrigada. — Tentei sorrir, enquanto apertava uma das minhas marias-chiquinhas que havia afrouxado na queda.
— Toma cuidado, por favor. Se não estiver se sentindo bem para lutar, fica perto da gente, pode ser? — ele perguntou e senti meu coração se aquecer com aquele cuidado. Não era preciso ser grosseiro para ser heróico.
Agradeci de coração sua preocupação, mas quando me recompus, já havia afastado aqueles sentimentos perigosos. Medo, nervosismo, apatia, tudo ainda era real, porém entregar-me a eles significaria somente condenar-me a um fim onde estas sensações seriam as minhas únicas. Eu tinha que lutar. Havia quem me esperasse e haviam pessoas bem ao meu lado que também precisavam de mim para ajudá-los em suas próprias lutas.
Respirei mais uma vez, abrindo meus olhos para o futuro que eu mesma lutaria para conquistar. Apertei com força o cabo do bastão, percebendo como eu e Guilherme havíamos ficado para trás.
— Desculpa, Gui! — Segurei seu braço, iniciando uma corrida para voltarmos ao grupo. Dessa vez, ele quem precisou se apressar para acompanhar meu passo. — Não vai acontecer de novo.
Ele me respondeu, mas não ouvi o que disse, concentrando-me somente no barulho do vento em meus ouvidos. Já havíamos saído da rua principal, porém algumas daquelas criaturas, as mais rápidas, estavam tendo facilidade em se aproximar. Tensionei os músculos, trazendo o meu bastão para trás e desferindo com toda a força o meu primeiro golpe com ele em um errante próximo. O som de sua cabeça sendo jogada para trás me assustou, mas atrevo-me a dizer que a sensação de descontar todos aqueles sentimentos reprimidos em um golpe foi mais do que bem vinda.
Ainda assim, não deletei-me muito com aquele prazer, tendo que imediatamente voltar a minha atenção para outro, dessa vez um corredor, que se aproximava de nós. Avancei em sua direção e o atirei para longe, tendo certeza que não havia sido um golpe fatal, mas ganhando tempo o suficiente para avançarmos. Antes que eu me desse conta, era eu quem estava na dianteira agora, Guilherme ao meu lado, oferecendo-me cobertura.
Assim que conseguimos sair da rua principal, a movimentação se tornou mais fácil, ainda que não acelerássemos muito, pensando em Victória e seu problema de pressão. Justamente por isso era preciso que ficássemos constantemente atentos para que não fossemos cercados.
Ainda que eu quisesse, seria irrelevante repetir: o cenário que outrora fora de uma capital do estado, agora era somente uma lembrança distorcida.
As vitrines das lojas que não estavam fechadas, haviam sido quebradas e cacos de vidro estavam espalhados pela calçada. Embora menos do que na principal, alguns acidentes de trânsito podiam ser vistos. Por incrível que pudesse parecer, a quantidade de mortos que estavam andando e prontos para me atacar ainda não me assustava mais do que a quantidade de pessoas de fato mortas, algumas parcialmente comidas e desfiguradas.
Senti uma urgência ainda maior de sair das ruas e apressei meu passo. Acertei com força um zumbi que se aproximava, sentindo a batida forte reverberar por todo o meu corpo. Parecia que meus braços iriam cair até o final do dia.
— Boa! — Ouvi a voz de Guilherme, logo ao meu lado. Ele também golpeou com força uma criatura na cabeça, fazendo mais sangue voar.
Era mais fácil de me comunicar com ele do que com Carlos. Para mim, era natural colocá-los juntos, já que nós três estávamos sendo quem tomava as decisões, orientando e protegendo o resto do grupo. Ainda que fosse Carlos quem possuísse uma atitude verdadeiramente liderante, a qual eu com certeza admirava, era a calma e preocupação de Guilherme que me fazia sentir uma maior proximidade dele.
Avançamos em um ritmo constante por bons minutos, as ruas familiares para mim indicando que cada vez estávamos mais perto da beira-mar e da marinha. Quando finalmente começava a criar expectativas de — dessa vez — chegar em casa antes do anoitecer, uma voz chamou a minha atenção.
— R-rebeca! — Ouvi Melissa falando alto, entre arfadas. — Gui! Espera!
Virei para trás para ver o quanto nós dois havíamos nos afastado, apressando o passo sem perceber. Pareciam ter parado por causa de Victória, que enfrentava dificuldades para respirar, sentada no chão.
Automaticamente olhei em volta, calculando quantos zumbis haviam naquela rua. Cerca de 12, alguns caídos e imóveis e outros que vinham em nossa direção. Nenhum corria.
Troquei um olhar rápido com Carlos, que acompanhou o meu raciocínio. Ele assentiu para mim.
Imediatamente tomei impulso e acelerei, indo diretamente de encontro com o monstro mais próximo, lento e desajeitado, mas que caminhava em direção às garotas. Sentia a adrenalina fluir fortemente pelas minhas veias conforme usava toda a força para acertar a sua cabeça, atirando-o para trás. Assim que caiu no chão, acertei mais uma vez o machucado que eu acabara de abrir, sujando ainda mais o meu novo bastão de sangue. Só era possível ler "RED S" por trás das manchas vermelhas.
A cada um que eu matava, aquele terrível cheiro de podridão com sangue seco invadia as minhas narinas, certamente mais tolerável do que da primeira vez, mas ainda incômodo e perturbador.
Grunhi com força ao acertar o terceiro, sentindo que meus braços pediam um descanso momentâneo. Surpreendentemente, quem me cobriu e afastou outro que se aproximava havia sido Ana. Ela sequer me olhou, voltando sua concentração para a amiga, que hiperventilava.
Guilherme, Carlos, Hector e eu limpamos todos os zumbis visíveis naquela rua. Os gemidos não pararam, indicando que ainda havia outros, mesmo que longe. Certamente todo aquele barulho faria com que eles viessem em nossa direção. De uma forma ou outra, teríamos de continuar logo.
Apoiei-me nos joelhos e cheguei mais perto de Victória, que estava sentada no chão. Só percebi o quão cansada estava quando vi a dificuldade em formar palavras, pela minha respiração descompassada:
— T-tudo bem? — Tentei sorrir para ela, mas ela parecia não ver, tremendo e tentava acertar a respiração. Olhei para Carlos, mas ele fitava o horizonte, impassivo. Guilherme havia sentado e tentava ajudar Victória com exercícios de respiração.
— D-desculpa. — Victória tentou dizer, mas as palavras saiam com dificuldade do seu peito conforme sua crise piorava. Sua cabeça pendia para os lados, claramente tonta, enquanto lágrimas escapavam pelo canto dos olhos: — P-podem me d-deixar aqui! — Vomitou as palavras no curto período em que conseguiu controlar a respiração e, um pouco depois, acabou vomitando de verdade — de novo.
Melissa segurou seus cabelos, enquanto Ana e Guilherme tentavam ajudá-la a ficar em uma posição melhor. Hector olhava preocupado, mas não sabia exatamente o que fazer.
Senti um puxão no braço e não precisei olhar em sua direção para saber quem era. Carlos se afastou um pouco, comigo ao seu lado. Sua mão estava quente e seus músculos tensos. Ele não falou nada por um tempo, até que eventualmente Guilherme se aproximou, fechando uma rodinha improvisada.
— Não dá para continuar assim — ele constatou, sem olhar para nenhum de nós dois. Arregalei os olhos, encarando-o sem acreditar.
Pela primeira vez, a sua reação me surpreendeu: quase como se entendesse o que eu havia pensado, ele mesmo arregalou os olhos e moveu as mãos em negação.
— Não, não! Não estou dizendo pra deixar ela pra trás! Meu Deus... — ele coçou a cabeça, um pouco inseguro agora. — É só que ela não aguenta correr assim por muito tempo.
— A gente teve sorte de ter parado em uma rua tranquila, mas e se isso acontece no meio de uma multidão dessas coisas? — constatou Guilherme e infelizmente tive de assentir.
— Vamos ter que ir mais devagar. Acho que o melhor é nos afastarmos ainda mais das ruas principais, mesmo que na beira-mar tenhamos que andar mais para chegar na marinha. Não dá para ficar arriscando. — Ambos concordaram comigo.
— Mas o que a gente faz agora? — perguntou Guilherme. Percebi que suas mãos, que estavam apoiadas em cada lado de sua cintura, tremiam. Havia gotas de suor se formando em sua testa.
Carlos, que permanecia imóvel e com o semblante pleno, abriu a boca para falar, quando foi interrompido.
— Ei! Vocês estão bem? — Uma voz feminina chamou a nossa atenção e todos viramos a cabeça para a direção de onde ela vinha: uma das lojas que outrora estava fechada, agora tinha a porta de metal semi-aberta. Uma mulher de cabelos azul-claros presos em dois coques acenava para nós por baixo dela. — Venham para cá! — Chamou, abrindo a outra metade da porta.
Nós três trocamos um olhar rápido. Não tínhamos escolha.
Conforme outros zumbis começavam a se reunir na rua, voltamos até Victória e Carlos pegou-a no colo, enquanto todos nos dirigimos para aquela que parecia ser a nossa única salvação naquele momento.
Nota da autora:
Boa noite!
Quem será essa mulher? 👀
O próximo capítulo vai ser postado daqui a pouco 💜
Não sejam mordidos até lá.
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