Capítulo 3
Segunda Parada – Zaandam
Pegamos um trem levando apenas nossas mochilas, já que a viagem era curta e pretendíamos ficar apenas o turno da tarde em Zaandam.
A pequena cidade ficava a 20 minutos de Amsterdã, mas assim que descemos do trem descobrimos que era necessário caminhar mais 20 minutos até chegar à vila dos moinhos mais popular da Holanda.
— Essa Heide pode nem ser coreana. — Hoseok disse ajustando os óculos escuros enquanto eu estava focada em seguir a rota gerada pelo Google Maps. — O perfil dela nem tem foto.
— Ela posta frases em coreano dizendo que às vezes sente saudades de casa. — Falei olhando em volta. — Heide postou no seu perfil hoje de manhã que o dia estava ótimo para comprar queijos em Zaanse Schans. Vamos lá, vai ser legal! — Sorri para ele, e imaginei Hoseok revirando os olhos por baixo dos óculos escuros.
A paisagem me arremetia a filmes medievais. Eu li no trem que Zaanse Schans, era uma espécie de museu localizada na cidade de Zaandam, e reproduz, com construções originais, as vilas holandesas dos séculos XVIII e XIX, sendo uma das maiores atrações a vila dos moinhos. Eu me senti entrando numa versão colorida do filme Prisioneiros da magia.
Eu simplesmente adorei aquele lugar e acabamos gastando um tempo visitando os locais, e eu fiquei maravilhada entrando nos moinhos. Hoseok acabou se divertindo mais do que esperava e a paisagem verde era linda demais. Entramos em lojas de tamancos holandeses e eu fiquei tentada a comprar um bem pitoresco, mas meu amigo me arrastou para fora da loja rindo.
A tarde estava passando muito rápido e resolvi que seria melhor procurar logo os locais onde poderíamos encontrar queijos. A queijaria Catharina Hoeve nos distraiu por um tempo bom e degustamos vários pedacinhos de queijo. Meu Deus, será que seria tão difícil encontrar uma descendente coreana naquele lugar? Mas apesar da minha ansiedade foi engraçado pedir informações. "Você por acaso viu alguém com traços asiáticos por aqui? Heide Wang?" E apontavam para o Hoseok. "Desculpe, coreanos parecem meninas."
Voltamos a andar e eu comecei a me sentir frustrada. Até que uma senhora que parecia estar nos observando se aproximou e disse apenas "eu conheço a Srª Wang" num inglês que eu demorei um tempinho para processar. A senhora Aaghie escreveu um endereço num papel e disse que se eu seguisse pela estrada daria numa pequena pousada, onde eu encontraria a Srª Wang.
— Soo Yeon, está ficando escuro! — Hoseok choramingou tentando acompanhar meu passo numa estrada. — E eu tenho a impressão de que estamos perdidos. Estamos andando há muito tempo.
— Não estamos perdidos. — Apontei a lanterna do celular para a cara dele.
— Está ficando frio. — Hoseok abraçou seu corpo e espremeu os olhos. — Acho melhor voltarmos para Amsterdã. Podemos vir aqui amanhã. — Ele me barrou. — Olha só, estamos no meio do nada.
Tudo bem, era uma estrada no meio de uma área rural, minhas pernas já estavam doendo de tanto andar, e haviam umas vaquinhas mugindo. Eu estava muito focada em encontrar meu destino que nem me importei com o perigo de estar naquele lugar.
— Vamos só mais um pouquinho? — Voltei a andar. — Estamos quase lá.
— Você não sabe para onde está indo. — Reclamou. — Pare de ser assim, Soo Yeon!
Hoseok suspirou, mas correu atrás de mim e paramos quando avistamos uma casa. As luzes estavam acesas e o ele sorriu parecendo preocupado.
— Pode ser a casa da bruxa de João e Maria. — Ele segurou meu braço quando mencionei ir até lá. Gargalhei.
— Vamos lá. — Puxei seu braço. — É como viver uma aventura.
— Sinto que estou andando para minha morte. — Continuei rindo.
A luz da varanda estava acesa e a porta aberta. Hoseok apontou para uma placa que dizia "Herberg", então era mesmo uma pousada. A primeira sala parecia uma pequena recepção e na sala ao lado havia algumas pessoas comendo em mesas separadas.
— A bruxa tem vários hóspedes. — Falei caçoando dele, mas Hoseok virou o rosto. Parecia magoado.
— Goede nacht. Hoe kan ik helpen? — Me virei assim que ouvi uma voz feminina. Era uma senhora com olhos puxados. Ela levantou as sobrancelhas quando viu nossos rostos. — São coreanos? — Perguntou no nosso idioma.
Pisquei algumas vezes. Eu e Hoseok nos entreolhamos e me senti muito ansiosa de repente.
— Sim. Viemos da Coreia. — Falei e ela abriu um sorriso enorme. — Você conhece Heide Wang?
— Sou eu. — Ela curvou-se como fazemos normalmente na Coreia e respondemos com o mesmo ato. — Mas como sabe meu nome?
Ops. O único problema é que em teoria a Heide, possível dona da minha história e usuária de um blog, deveria ter no mínimo 40 anos a menos que a senhora sorridente em minha frente.
Heide ficou tão animada em ter coreanos em sua pousada que nos ofereceu um jantar e ela sentou-se na mesa enquanto comíamos. Durante a refeição comecei a explicar àquela simpática senhora o motivo da minha viagem. Heide foi cuidadosa em me contar que havia se mudado para a Holanda há apenas 20 anos.
— Na Coreia me chamo Hye Ji. — Ela explicou enquanto eu segurava a alça da xícara um pouco triste. — Mas conheci um holandês que acabou me trazendo para cá, e mesmo que ele tenha partido, estou cuidando do que ele deixou. — Sorri entendendo. Olhei para o café sentindo-me esmorecida. — Sinto muito, não sou a dona da sua história.
— Não se desculpe. — Levantei a cabeça sorrindo para ela. — Ainda assim estou feliz em ter te encontrado.
Hoseok olhou rapidamente para mim enquanto mastigava. Eu devia desculpas a ele por ter sido intransigente.
— Você tem dois quartos sobrando? — Hoseok disse me fazendo olhar para ele.
— Oh, vocês estão hospedados em Amsterdã, não é? — Heide perguntou e Hoseok concordou com a cabeça. — Está um pouco tarde agora para voltar. — Ela olhou para o relógio. — Só tem um problema. — Fez uma careta olhando para nós dois. — Tenho apenas um quarto sobrando.
Eu ri já querendo dizer um "tudo bem, vamos encontrar uma forma de voltar", mas o Hoseok respondeu sem olhar para meu rosto.
— Vamos ficar. — Arregalei os olhos com sua resposta e Heide sorriu cobrindo a boca com a mão. Ela deu uma olhadinha para nós dois antes de ir buscar a chave do quarto.
— Hoseok... –—Toquei seu braço assim que ela saiu, mas ele tomou um pouco do café me ignorando.
— Estou cansado demais, Soo Yeon. — Respondeu sério e eu entendi sua raiva. Apenas me recolhi.
***
— Numa escala de 1 a 10, quanto você me odeia? — Perguntei com a bochecha encostada na porta do banheiro. Hoseok foi tomar banho assim que entramos no quarto e nem quis conversar comigo.
O quarto era bem menor que o da pousada em Amsterdã, mas a cama parecia ser confortável. O grande problema era ser apenas uma, e só de olhar duas mochilas jogadas nela eu balancei a cabeça imaginando duas pessoas.
Hoseok não respondeu e eu fui para a porta quando ouvi batidas. Heide sorriu para mim fazendo seus olhos sumirem ainda mais.
— Eu trouxe umas roupas. — Me ofereceu uma pequena pilha de roupas dobradas. — Você tem o corpo parecido com da minha sobrinha. — Ela deu uma olhadinha para dentro. — Seu namorado não vai ficar chateado por muito tempo. — Sussurrou com uma risadinha.
Agradeci um pouco sem graça, mas não deu tempo de dizer que éramos apenas amigos. Tranquei a porta quando Heide foi embora.
— Amigo, você ganhou uma calça super estilosa. — Bati na porta e percebi que o som do chuveiro tinha parado. — Hope, não faz isso comigo. Desculpa.
Recuei quando ele abriu a porta e caí sentada na cama quando meu nariz quase bateu no peito nu e úmido do Hoseok. Abaixei a cabeça depois de deslizar o olhar pelo abdômen definido e até então desconhecido. Ele ficou parado diante de mim por alguns segundos. Tudo que eu enxergava eram suas pernas, que felizmente estavam cobertas com a calça jeans.
— Pode levantar de cima da minha mochila? — Hoseok disse e deslizei para outro canto da cama rindo. Ah, qual é? O Hoseok era apenas meu amigo... Gostosão. Quer dizer, mais sarado do que achei. Ops. Correção: meu amigo fofo.
— Veste isso. — Joguei as roupas nele e entrei no banheiro.
E depois de tomar banho eu percebi o quanto meu corpo estava exausto. O pijama da sobrinha da Heide deu certinho em mim e saí do banheiro segurando minhas roupas. Hoseok estava sentado na cama mexendo em seu celular e já vestido com as roupas que Heide havia entregado. Ele olhou rapidamente para mim.
— Numa escala de 1 a... — Comecei a falar parada em sua frente.
— Eu não te odeio. — Olhou para meu rosto. — Eu fico preocupado quando percebo que você é mais louca do que eu pensei. — Comecei a rir enquanto ele suspirava.
Mas no segundo seguinte eu estava sentada ao seu lado e acabamos conversando sobre não ter chegado ainda ao final da viagem. Engraçado que de repente eu não estava chateada por não ter encontrado a anônima Wang. Hoseok mudou de assunto mostrando as fotos do nosso dia.
— Um de nós deveria dormir no chão. — Falei no escuro. Estávamos deitados um de frente para o outro. — Mas me sinto muito cansada para levantar. — Ele apenas suspirou. — Você não vai dizer nada?
— Não. — Respondeu apenas.
— Você ainda está chateado comigo? Vai abandonar nossa viagem e me deixar aqui?
— Não. — Pressionei os lábios no escuro com sua resposta seca.
— Eu prometo que serei mais prudente. — Cutuquei seu ombro. — Pare de ficar sério. Você está me assustando.
Hoseok pegou minha mão agredindo seu ombro e a prendeu na cama com a sua por cima. Senti uma pontada no coração quando tentei puxá-la e ele entrelaçou nossos dedos.
— Não faça nenhuma loucura enquanto eu estiver dormindo. — Ele puxou meu braço encostando nossas mãos em seu peito. — Tente dormir. Ainda temos que encontrar a anônima Wang.
Fiquei calada tentando me situar naquele espaço. Minha mão encontrava-se tensa entre a sua. Eu não tinha um histórico bonito de relacionamentos e fazia um bom tempo que eu não dividia a cama com um homem. Hoseok não estava se encaixando apenas como meu amigo fofo na minha cabeça naquele momento.
— Dorme. — Ele sussurrou.
Fechei os olhos e depois de um suspiro ajustando minha respiração, meu corpo relaxou na cama.
Goede nacht. Hoe kan ik helpen? = Boa noite. Em que posso ajudar?
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