Nascendo para Sofrer
"Sem essa de 'amar demais machuca'. O que dói é amar sozinho."
Depois, amedrontados pelas ondas fortes de paixão, separaram-se. As chamas de duas madeiras faíscam juntas e depois se separam. Na próxima união, vão estar mais quentes, fortes e intensas. Queimarão como uma única força. Elizabeth e Ellyus sabiam, e não se arriscaram.
Cada um murmurou algumas palavras desconexas. Elizabeth não escutou o que ele disse. Ele não a escutou. Vinham desculpas dos dois lados, e logo se viram em pé e separados.
Ela ficou perplexa de ter chegado a tal ponto de intimidade com ele outra vez, sem saber o que estava fazendo. A rapidez com que ele conseguia que perdesse o controle era impressionante. A intensidade da paixão, amedrontadora.
Elizabeth ficou falando coisas inteligentes, cheias de graça, naturais, enquanto deixavam o hotel para a casa dos Stankovie. Ufa! O mundo poderia ter acabado e não perceberiam.
Passaram pelas vilas ao longo das praias sem trocar uma palavra, nem mencionaram a loja de cevapcici. Os grills estavam funcionando. Os clientes vinham inspecionar a carne para escolher os pedaços mais saborosos. Para Elizabeth, a loja não existia.
Sem reparar na quantidade de pessoas na praia, passaram pela beira da água.
A essa hora, muitas famílias estavam lá, e, depois que cada criança nadava um pouco, alguém mais velho fazia uma tenda de toalha em volta da criança, para que se enxugasse mais rapidamente. Os iugoslavos tinham mania de correntes de ar, apesar de Elizabeth nunca ter visto alguém resfriado. Mas com casacos em mãos e lenços para envolver seus filhos.
Atravessavam a floresta de pinheiros. Ela andava de cabeça baixa, pois estava com sandálias de tiras de couro e não queria ferir os pés nas pinhas que atapetavam o chão. Não ia arriscar ter que apoiar em Ellyus para tirar um espinho do pé. Quanto mais distância daquele homem, melhor.
Perdeu um movimento dele. Pelo que lhe pareceu, ele tirou alguma coisa do bolso e jogou para o bode. Sem pensar, ela reclamou.
— Não deve jogar coisas nele. Não pode revidar, quando está amarrado.
Ellyus riu. E Elizabeth, olhando na direção do bicho, viu que mastigava uma maçã, que era o que tinha sido jogado. Será que alimentava aquele bicho todo dia?
Quantos hábitos humanitários teria, sem que ela soubesse?
Queria pedir desculpa, embora não se importasse nem um pouco com o que tinha feito, pois aquilo aliviava a tensão entre eles. De repente, começaram a falar ao mesmo tempo.
— Não vai acontecer de novo... — Disse Ellyus.
— É claro que não! — Explodiu ela. — Não vou deixar que aconteça.
— Não? — Lá estava aquele olhar dele de novo, medindo, pesando! Era quase impossível resistir.
— Bem, é que... — Murmurou, e sua voz foi sumindo.
Ele a olhou, muito sério.
— Quero que saiba que não é meu costume sair por aí, seduzindo minhas assistentes pessoais.
Era a oportunidade que Elizabeth tinha de indagar se não o fazia por estar casado agora.
Mas deixou passar. Não tinha coragem de perguntar uma coisa tão embaraçosa.
Sabia que havia algum mistério sobre a mulher dele, mas sentiu que não era o melhor momento para descobrir. Engoliu a pergunta e a curiosidade. Encontraria um momento propício para saber. Tinha que encontrar!
Ellyus conhecia um caminho mais curto, outra abertura na cerca, e logo chegaram ao pátio. Quando Elizabeth pegou a chave, escondida no vaso, ele deu um assobio forte e esquisito. A cabeça de Bisera apareceu no meio dos arbustos.
— Como fez isso, Ellyus? Nunca consigo achá-la na hora da comida.
— Você a alimenta?
— É claro. — Elizabeth se abaixou para fazer carinho na gata. — É tão magrinha.
— Essa magrinha! — Ellyus segurou-a no colo. — Com você, são quatro que a alimentam, sem contar os que eu não sei.
— Então, por que é tão magrela assim?
— Porque anteriormente tinha ninhadas de gatinhos, uma atrás da outra. E levava os melhores pedaços de comida para eles. Já tentamos castrá-la, mas essa gata só pode ser uma sensitiva, pois a mesma desaparece quando tentamos pegá-la. Até que descobrimos que Bisera na verdade não tem mais filhos. Ela toma os filhotes das outras gatas!
— Você me mostra? Queria tanto vê-los! É verdade que o pai é aquele gatão mal-educado? Ele é como o rei dentro de um harém.
— É sim. E vou deixar para mostrar os gatinhos mais tarde, porque tenho um monte de coisas para reescrever. Acho que hoje vai ser um dia puxado. E sim, ele é o líder do bando. Sem ele, os outros gatos invadiriam e seria bem pior para as gatas mais velhas e doentes daqui.
— Dia puxado? — Desafiou-o com os olhos amendoados e com o ar de familiaridade que só uma mulher que conhece bem um homem pode ter. — Sua letra é impossível. Como posso correr, se levo mais tempo descobrindo o que escreve do que datilografando?
Rindo da queixa bem-humorada dela, Ellyus abriu a porta e os dois entraram, indo direto para a biblioteca e começando a trabalhar imediatamente.
Natasha os encontrou mergulhados em suas tarefas. Seu rosto estava sério, ao entregar uma carta a Ellyus. Elizabeth não viu de onde eram os selos, mas o envelope tinha um lacre oficial e parecia pesado. Havia alguma coisa de muito digno e solene na maneira de Ellyus, ao tomar o envelope das mãos da moça.
O estômago de Elizabeth deu um nó. Outra carta. De quem? Por que tão próxima da outra? O que diziam? Queria pegar aquela droga e rasgar em pedacinhos. Por que não? Era só papel, afinal de contas. Mas papel tinha a propriedade de tornar homens bobos e abalar governos inteiros. Elizabeth não podia nem chegar perto; quanto mais, rasgar aquilo!
Ellyus ficou com o envelope na mão. Pelo seu olhar de dor, era como se aquilo o estivesse queimando.
Elizabeth virou-se para não ver. A voz dele, totalmente sem expressão, agradeceu pelo trabalho, desculpou-se para descer e ler a carta. Nem Natasha nem Elizabeth conversaram. Esperavam, não sabiam o quê. De repente, lá de baixo, ouviu-se um grito, um choro, um barulho estranho. Nada daquele grito raivoso de quando chegara a outra carta. Uma combinação de angústia e frustração. O limite suportável por um homem.
Era de cortar o coração escutar aquela agonia vinda de uma pessoa tão controlada como Ellyus Lancellotti. Elizabeth ficou abalada. A reação à primeira carta já tinha sido dura de aguentar. Mas essa era diferente. De outra espécie.
Quando resolveu correr até ele, Natasha levantou a mão, num gesto que dizia que era melhor deixá-lo sozinho, até que se controlasse. Elizabeth respeitou a sabedoria da amiga. Mas já havia escutado um grito daqueles alguma vez na vida? Nunca, nem mesmo nas piores horas, depois da briga com Arnold, tinha chorado assim.
A dor pela qual aquele homem estava passando era grande demais. Queria consolá-lo. Daria tudo para lhe devolver a tranquilidade da praia. Mas como confortá-lo? Com beijos, carinhos? Será que ele sabia que ela existia?
Um homem tinha lhe causado tanto sofrimento. Como poderia jogar-se nos braços dele outra vez? Especialmente, um homem casado agora?
Não devia arriscar, mesmo que encontrasse um modo puramente platônico.
Apesar de que, desde a manhã, não podia mais se enganar, achando que seus sentimentos por ele fossem platônicos.
Natasha estava sentada ao lado de Elizabeth, mas parecia separada por quilômetros de distância. Seu rosto, sério e triste. Ela também esperava por Ellyus.
Seu futuro dependia, de algum modo, daquela carta desgraçada. Elizabeth estava imobilizada por seu próprio conflito interior e não conseguia dizer nada a Natasha.
Ellyus voltou. Segurava o envelope em uma das mãos e uma notificação oficial qualquer na outra. Apertava os papéis com tanta força, que os nós dos dedos apareciam, brancos, na pele bronzeada.
— Natasha, precisamos conversar.
Olhou para Elizabeth, um olhar pensativo, quase implorante, uma expressão que ela jamais tinha visto naqueles olhos azuis.
E ficou sabendo que, naquele momento de hesitação, quando deixara a dor passada e morta se intrometer no seu desejo instintivo de ajudá-lo, tinha perdido Ellyus.
O tempo que passaram na praia havia sido uma beleza, uma aliança física.
Mas seu fracasso para agir como amiga doía, e ia doer para sempre.
Queria dizer alguma coisa, mas já era tarde. A parede entre os dois era de pedra. Ele se virou e saiu da sala.
1375 Palavras
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