Não Está Sendo Fácil
"Sem essa de 'amar demais machuca'. O que dói é amar sozinho."
Entrou no quarto e fechou a porta. Tinha que escrever algumas cartas e queria conhecer bem a casa. Em vez disso, sentou na sala de visitas e, muito contra a vontade, começou a pensar em Ellyus Lancellotti novamente.
Elizabeth não via a hora de ele chegar, mas sabia que tinha que estar preparada para a enorme tarefa que a esperava; trabalhar junto com ele, sem demonstrar suas emoções. Começou a puxar e enrolar mechas de cabelo, um gesto de criança que nunca deixou de lado!
Sempre que precisava pensar, fazia isso. Mas agora não eram pensamentos infantis. Ellyus Lancellotti, havia se casado! Era completamente contra seus princípios se envolver com um homem casado, e, apesar da atração que sentia por ele ainda, não abandonaria esses princípios de jeito nenhum.
Perguntou a si mesma se isso significava que não poderia conhecer Ellyus como pessoa. É claro que poderia, mas não ia ser simples. Ele havia perdido a confiança nela, algo difícil de recuperar. Mas ela tentaria, esse foi o verdadeiro motivo de ter aceitado aquele acordo maluco. Na verdade, ela pouco se importava de passar alguns meses na cadeia.
Começou a se preocupar. Os modos frios dele, que escondiam um calor muito grande, a tinham afetado e não sabia o que fazer. Lembrou-se de seu desapontamento quando ele não a beijou no hotel. Agora, estava mais desapontada ainda, mas teria que suportar isso; ou então, ir embora. Sempre havia essa possibilidade. Elizabeth não podia imaginar que desculpa daria para deixar o país e voltar de repente para Los Angeles. Se quisesse realmente ser uma profissional, teria que aprender a não deixar as emoções influírem em seu trabalho. Era melhor esquecer tudo que haviam vivido anteriormente. Ela tinha um serviço a fazer e que devia ser bem feito. Era uma questão de honra agora!
Ficou sentada no sofá, até que as sombras encheram a sala. Todo tempo, seu coração pedia por Ellyus, cujo casamento punha uma barreira intransponível entre eles. Por que ele havia se casado afinal? Ele tinha ficado apenas sete ou quase oito meses fora. Idiota!
Finalmente, subiu para se refrescar e arrumar as roupas na cômoda.
Quando desceu, viu que Natasha ou o irmão tinham deixado uma bandeja de comida com um bilhete sobre as atividades do dia seguinte. Elizabeth apreciou a delicadeza deles, mas estava sem apetite para comer o frango assado e a salada.
Não tinha vontade de fazer nada. Não escreveu as cartas. Olhou os livros, folheou-os, mas não leu. Não passeou pelo quintal. Não acendeu a lareira.
Ellyus Lancellotti, sua mulher exótica e qual o relacionamento que teria com eles foi só no que conseguiu pensar a tarde toda. E a noite.
No dia seguinte, Elizabeth acordou de um pulo e ficou desorientada por uns momentos. Alguma coisa está errada, pensou. Tirou uma mecha de cabelo do rosto, para arrancar as teias de aranha dos sonhos, e viu que dormira no sofá da sala.
Achou que eram menos de sete horas, mas resolveu se levantar. Estava toda amassada. Sacudiu as almofadas do sofá e se deu ao luxo de uma boa espreguiçada. A vida parecia mais brilhante, nessa manhã. Réstias de sol atravessavam as venezianas e suas cortinas verdes olivas. Com as almofadas arrumadas, a sala melhorou de aspecto. Só sobrou a bandeja com o jantar.
Precisava levá-la embora.
Elizabeth subiu a escada que levava ao quarto, os pés nus na pedra fria. Estava completamente acordada, agora. Tomou um banho de chuveiro e desceu. De repente, viu que não tinha olhado a miniatura nem uma só vez. Talvez fosse possível esquecer Ellyus. Resolveu ocupar o tempo todo, até que ele chegasse, para não ter um segundo para pensar nele.
Os pedaços de galinha da véspera, estavam muito bons para serem jogados fora. Depois de comer também alguns pêssegos, saiu para o quintal. Queria atrair a mãe gato do esconderijo e lhe dar um desjejum adiantado, mas foi difícil. Chamou baixinho, na esperança de não chamar a atenção dos outros gatos.
— Bisera, Bisera... Bisera... — E todos os outros gatos apareceram, mas nem sinal da fêmea cega. Sem fazer barulho, foi andando até os arbustos do fim do pátio.
Tentou ouvir os gatinhos, para descobrir o esconderijo. Não conseguiu achar o lugar: Bisera tinha sido esperta. Pois não havia nenhum sinal dela ou dos seus filhotes.
Era hora de explorar a cozinha, pois queria comer mais alguma coisa. A geladeira estava cheia de creme, manteiga, ovos, mas sacudia com tanta força, quando o motor começava a funcionar, que a imaginou saindo em passo de ganso pela cozinha. Havia um problema qualquer com o trinco. Onde teria sido feita aquela geringonça gigantesca? Onde quer que fosse, quem a projetou só podia ser alguém com ódio de ladrões de comida, pois o trinco da geladeira era mais resistente do que os dos cofres de banco de sua terra. Elizabeth puxou, apertou e já ia desistir e comer o resto dos pêssegos, quando a porta cedeu de repente, como se não tivesse havido nenhuma luta.
Tirou o que precisava — ovos, manteiga e creme — e sentiu aquele calor de força e poder de quem ganha a partida travada com uma máquina burra e teimosa.
Lembrou-se de que ainda faltava conquistar um item no equipamento da cozinha: o fogão.
Dois dos queimadores eram elétricos e dois, a gás. Por que será? Era coisa para perguntar, e não para investigar. Como não havia um piloto em lugar nenhum, apostava que aquele devia ser um modelo anterior à invenção do piloto automático. Misericórdia aonde ela foi parar?
Resolveu tentar a sorte com as bocas elétricas. Virou as duas até o ponto máximo.
Os números estavam descascados e tinha que adivinhar. Um calorzinho subia de um queimador. Ou era sua imaginação? O outro simplesmente não funcionava.
Por que, naquela casa tão bem-arrumada, a cozinha tinha um lugar secundário? Era tão mal equipada! Não fazia sentido. Podia apostar que a mulher da miniatura jamais tinha posto um dedo naquela geladeira resmungona ou no fogão moribundo.
Pronto, já estava pensando na mulher de Ellyus novamente! E por que havia de se preocupar em como aqueles dois viviam? Com certeza, Jordana nunca havia fritado um ovo em toda a sua vida. A quantidade de grana que Ellyus possuía, na verdade, haveria de ter contratado um batalhão inteiro de funcionários para suprir os caprichos da mulher.
Você não está se esforçando o bastante, pensou, e voltou a lutar com o fogão. Nem que eu queime um braço inteiro, vou fazer com que essa droga prepare uns ovos da maneira que eu quero. Não vai ganhar de mim. Não vai, mesmo! Pensou decidida.
O fogão não tinha energia nem para fritar os ovos, quanto mais para queimar alguma coisa, e Elizabeth fingiu que adorava ovos muito moles. Deu para os gatos o que não conseguiu comer.
Achou um regador e usou-o para molhar os vasos do quintal. Não foi fácil, pois seguia as instruções da irmã, que mandava regar cada vaso três vezes, e muito devagarzinho, senão, a água escorria toda por baixo, sem molhar a terra. Começou a ficar impaciente e irritada. Realmente ela não tinha nascido para viver uma vida simples.
Será que Natasha tinha se esquecido de que combinaram ir à praia? Talvez acordasse tarde. Poderia ir até a casa dos Stankovie, mas não tinha chave e não queria deixar uma casa com tanta coisa de valor aberta. Tinha que lembrar de pedir uma chave a Natasha mais tarde.
Elizabeth não queria ficar na casa da mulher de Ellyus, a não ser para dormir e comer. Já estava desanimada, quando Oliver chegou.
— Natasha está arrumando uma cesta de piquenique e quer saber se você trouxe maiô. — Elizabeth fez que sim com a cabeça. — Ótimo. Então, vão juntas para a praia. — Parando para respirar, ele lembrou de outra alternativa e perguntou, com toda a naturalidade o mundo. — Ou você prefere ir à praia dos nudistas?
A pergunta, vinda de um homem tão distinto, assustou Elizabeth. Sabia que existiam colônias de nudismo, mas para outras pessoas. Nunca para ela. Ficou sem saber o que responder.
Oliver não pareceu perceber o seu embaraço.
— Natasha precisa saber, porque, se forem, ela tem que pegar o carro. É mais longe do que a outra praia. Sabe, nos sempre vamos. Ellyus gostava bastante também.
Finalmente, Elizabeth achou a voz.
— Não, Oliver. Acho que prefiro ir a pé.
Ele concordou e foi embora, avisando-a para se encontrar com eles quando estivesse pronta. Elizabeth disse que iria num minuto. Que diferenças culturais, estava descobrindo! Parece que era a coisa mais comum nadar nu naquele lugar.
Pegou a toalha, vestiu o maiô, e já estava quase na casa de Natasha quando seu senso de humor voltou. Imagine, duas moças nuas, partilhando de uma cesta de piquenique! A idéia era engraçada.
Será que um dia faria isso? Não, decididamente, não faria!
Saindo por uma fenda na cerca de ferro atrás da casa dos Stankovie,
Natasha foi andando com Elizabeth por uma picada, ao pé da montanha. De lá, viam os jardins de muitas casinhas e de duas ou mais mansões. Cada centímetro era plantado, e varais exibiam roupas coloridas penduradas. Será que ninguém usava cinza ou bege por ali? Além é claro da família Stanlovie... Os varais da pequena cidade onde nascerá no Canadá não pareciam uma parada de bandeiras e flâmulas. Como é que aquele país conseguia fazer com que tudo virasse um festival?
— Cuidado com ele! — Avisou Natasha.
Olhando para a direita, Elizabeth viu um bode de barbicha.
— Não o prendem nunca?
— Acho que sim, mas não há corda no mundo que o segure, se inventa de fugir. — Natasha olhava o bicho com cara de poucos amigos. Era a primeira vez que Elizabeth a via zangada. — Esse bode foi maltratado por muita gente. Por isso ficou mau assim. Ele é um ranzinza, já até chegou a jogar Ellyus longe quando o mesmo ainda era jovem. Também quem mandou tentar fazer carinho nessa criatura.
O bicho resolveu prestar atenção numas folhinhas verdes de um arbusto novo. Natasha suspirou. Se não fosse arrancado dali logo, a árvore morreria.
Concordaram que não podiam fazer nada, e, como não queriam ficar perto do bode mais do que o necessário, apressaram o passo.
Natasha falou primeiro.
— Se você gosta de mar, acho que devia vir todas as manhãs, antes de Ellyus começar a trabalhar. Depois que começa, não pára mais. O idiota está determinado em terminar esse novo projeto em menos de um ano, então já imagina o que vai ser.
Era a primeira vez que mencionava Ellyus. Um comentário muito neutro, sugerindo a Elizabeth que se divertisse e trabalhasse também. Sensata.
Ia perguntar o que ele fazia para se divertir, quando estava na ilha, mas achou que podia parecer que estava se intrometendo na vida particular deles.
Era só seu chefe, e tinha que se lembrar disso.
O caminho deu uma viravolta e agora estava atapetado de frutos de pinheiro.
Atravessaram uma floresta que descia até a beira do mar. O ar latejava com os estalidos dos insetos e os gorjeios das aves. Elizabeth viu alguns passarinhos pulando entre os galhos, parando de vez em quando para bicar as pinhas, gorjeando entre si, se achavam alguma coisa importante, e alçando vôo rápido.
Tinha passado a maior parte de sua vida perto do mato, mas nunca havia visto pinheiros como aqueles. Eram compridos, de aspecto esquisito: alguns, com galhos bem perto do chão; outros, de formato diferente. Chamou a atenção de Natasha, que respondeu, séria.
— Os mais antigos, nascidos muito antes de nossos avôs, diziam: Que essas árvores são como nós, os iugoslavos: muito diferentes e muito fortes. Sobrevivem nas secas. Aguentam calor, solo ruim, maresia, vento. Depois que sobrevivem, não precisam de nada especial. Só um lugar ao sol. — Parou, pegou algumas pinhas no chão e mostrou a Elizabeth. — Vê? Ficam na árvore anos e anos. Todo ano nascem novos, mas os velhos continuam, cinco, seis, sete anos. Se os tempos forem ruins, a árvore pára um pouco. No ano seguinte, tudo melhora e ela recomeça. Como nós, a árvore está preparada para tudo. Ou quase tudo. Elizabeth encarou-a. Haveria um tom de tristeza naquelas palavras? Se havia, a amiga não deixava transparecer. O que no mundo, seria capaz de abalar a força daquela mulher?
— Agora, é melhor andar depressa, senão algum turista pega o melhor lugar da praia. Nessa época eles são piores que formigas.
E lá se foi Elizabeth, correndo de novo para alcançar a outra.
2078 Palavras
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