Errando a Direção
"Sem essa de 'amar demais machuca'. O que dói é amar sozinho."
O impacto da carta sobre Ellyus e Natasha não foi comentado pelos dois. Nunca mencionaram absolutamente nada a Elizabeth.
Nos dias seguintes, estabeleceu-se uma rotina. Ela ia nadar muito cedo, de manhã, antes que Ellyus começasse o trabalho.
Como o fogão era horrível, aprendeu a fazer o café no fogãozinho de duas bocas, que, em seu país, só serviria para acampamentos.
Punha a comida para Bisera, a gata quase cega, que cada dia ficava menos tímida. Era uma batalha conseguir alimentar Bisera antes dos outros, mais agressivos, que queriam sempre mais do que sua parte. Elizabeth fazia questão de ver a gata bem alimentada, para que amamentasse os gatinhos. Ainda não tinha achado o esconderijo deles.
Uma manhã, depois de fechar os portões cuidadosamente, cortou o caminho, como Natasha fazia, para o mar. Tinha se tornado um hábito levar restos de pão, pois havia encontrado um lugarzinho especial, onde alimentava os peixes. A água batia abaixo dos joelhos e os peixinhos vinham comer os farelos que ela jogava.
Parecia que beijavam os dedos de seus pés. Era uma das partes mais divertidas do dia. Elizabeth brincava com eles, distraída, quando ouviu a voz de Ellyus.
— Está dando de comer aos peixes ou treinando-os? — Tinha chegado tão devagarinho, que ela nem teve tempo de ficar nervosa com a presença. — Quer companhia, ou prefere ficar sozinha?
É claro que queria sua companhia, e ele juntou-se a ela para uns mergulhos.
Brincaram como golfinhos dentro da água, e Elizabeth lembrou-se daquele dia em Vancouver, quanto tudo que havia entre eles era uma amizade gostosa. Aquele dia já ia longe, mas nadar com Ellyus, numa bela manhã de sol, era sempre um bom começo.
Ficou reparando no corpo dele, enquanto nadava. Tinha mais músculos do que ela suspeitava. Sempre se movia com o poder e a graça de alguém que tem controle completo do corpo. De calção, era realmente bonito. Será que o trabalho o conservava assim, ou fazia musculação? Não o conhecia bem para responder.
Para sua surpresa, ele tinha trazido uma mochila, da qual tirou almoço para dois. Talvez aquele encontro não fosse uma coincidência. Quando Elizabeth perguntou-lhe, ele só sorriu, e ela não insistiu. Por acaso ou de propósito, encontrar Elluys e dividir uma refeição com ele era um prazer inocente, que ela aproveitou até onde pôde. Trabalhava com ele no roteiro, mas ainda não tinha total acesso aos seus escritos e a relação dos dois se tornava cada vez mais amigável. Quanto mais o via, mais o respeitava. Era uma criatura cheia de energia e extremamente criativa, mas organizado e metódico. Elizabeth sabia que tinha muito a aprender com ele. Acontecesse o que acontecesse, quando deixasse Verica não teria remorsos. Estaria mais rica de várias formas diferentes.
Mas hoje, ali, ele não se comportava como seu chefe ou professor. Amigo; simplesmente, amigo. Talvez não fosse tudo que Elizabeth queria ou mesmo desejasse no momento, mas já era bom, já lhe parecia suficiente.
De repente, ele começou a rir.
— O que foi? — Perguntou ela.
— Vou sugerir uma coisa, mas não quero apanhar pela sugestão. — Ellyus fez uma careta de medo, exagerada.
— Ainda vai chegar o dia em que você vai ter medo de mim... Faça, faça logo a sugestão.
— Bem, na última vez em que falei nisso, houve muita resistência... Além de diversas ameaças a minha integridade física.
Elizabeth não estava entendendo bem, mas desafiou tanto com o olhar como com a sua atitude corporal.
— Peça socorro. Grite, e talvez apareça alguém para salvá-lo de minha raiva homicida.
— Bem...
Ele parou, como se estivesse com medo de continuar, mas Elizabeth sabia que estava brincando.
— E então? Se não falar, vou espalhar por toda ilha de Verica que uma mulher da minha estatura mete medo em você.
— Ah, eles não iriam acreditar! — Estendeu a mão para a mochila e tirou um tubo de loção bronzeadora. Entregou a ela: —Para dizer a verdade, você está precisando. — Parou, fingindo grande expectativa.
— Obrigada. — Lembrava-se muito bem da última vez que ele a ajudara a espalhar o creme hidratante. Pegou o tubo, sabendo que a intenção de Ellyus era passar nela.
— Venha até aqui, Eilis.
— Tente me pegar.
Parecia corajosa, mas, no íntimo, morria de medo. Até agora, o encontro só tinha dado prazer. Podiam voltar ao relacionamento profissional sem o menor problema. Mas... e se ele a tocasse? Mesmo inocentemente, como parecia o caso, ela não tinha certeza de resistir à atração dele.
— Bom, vamos nos comprometer a...
— É isso que estou tentando evitar: me comprometer.
— Engraçado, eu não me importo a mínima de me comprometer com você. —
O sorriso dele foi tão simpático, que Elizabeth cedeu.
— Qual é a proposta?
— Você passa o óleo em mim e eu faço o mesmo com você.
Uma proposta justa. Que seria justa, se Elizabeth não tivesse medo de encostar nele outra vez.
— Nada disso. Vou sair perdendo. Você é muito maior do que eu.
Ellyus resolveu a discussão, esticando-se todo na areia para ser tratado. Elizabeth riu pois o mesmo ficou parecendo um dos gatos se esticando todo sobre o sol. Estava natural, simples, amigo. Devia esquecer seu medo. Devagar, consciente, caprichosa e objetiva, passou o óleo tentando esquecer que era o corpo dele, tão bonito e querido, que estava ali, em suas mãos.
Uma vez só, olhou nos olhos de Ellyus, e todas as resoluções foram por água abaixo. Ele sorriu para ela, sabendo muito bem o que estava acontecendo. Elizabeth não se importava mais. Podia ficar assim o dia inteiro, aprendendo coisas sobre seu corpo, sua suavidade, sua força, seu calor.
Aquele era o mesmo homem austero, autoritário, que toda hora a faria sentir que só o trabalho importava? Era um lado maravilhoso e desconhecido do homem reticente que ela descobria. E parte de sua atração eram essas facetas da personalidade dele, que apareciam uma de cada vez, surpreendendo-a sempre.
Os pensamentos de Elizabeth eram perigosos, e ela sabia. Devia arranjar uma desculpa, qualquer coisa, para quebrar a ligação daquele momento, na praia. Mas no momento, só queria ficar ali, naquele lugar retirado. Sozinha com Ellyus.
Quando ele se virou de bruços para que ela pudesse passar o óleo em suas costas, Elizabeth percebeu a força dos músculos dos ombros, sob a pele já bronzeada.
Como se tivessem vontade própria, seus dedos se moveram para acariciá-lo, sem nada a ver com óleos ou cremes. Controlou-se e voltou à realidade.
— Ontem... — Disse ela —, você mencionou que precisávamos acabar a cena três. Se ficarmos muito tempo aqui, não haverá tempo de terminar hoje. — Ele concordou. Mas não tinha pressa. Suspirando fundo, ela sugeriu. — Vamos indo?
— Agora, quem é que está com o chicote? — Ele perguntou. Mas sorria, e quis saber se ela não se importava de andar até o hotel onde estava hospedado, pois precisava pegar algumas anotações. Mais uma vez, pensando primeiro no trabalho, Ellyus tinha se esquecido de cumprir sua parte na combinação.
Elizabeth achou ótimo voltar com ele. Não queria que ele soubesse, mas sempre imaginava como seria o ambiente em que Ellyus morava. Tinha uma vontade louca de ver. O hotel era bem perto e construído numa parte da praia que Elizabeth não conhecia ainda. Ela não entendia por que ele não ficava em sua casa antiga, que outrora pertencia a sua mulher ou mesmo com os irmãos dela, que seria seus cunhados.
Ellyus se esforçava para mostrar-lhe tudo que havia de interessante. Parte de sua cabeça escutava aquilo e a outra, traidora, lembrava os momentos que haviam acabado de passar.
Cruzaram uma barraca onde se vendiam churrasquinhos. Eram os cevapcici, pequenas linguiças assadas e servidas com legumes crus e molhos. Ele disse que eram uma delícia, e, como até então ela não tinha comido nada na Iugoslávia que não fosse uma maravilha, não viu razão para duvidar.
Passaram por partes da praia junto a casas enormes, que Ellyus chamava de vilas. Elizabeth se surpreendeu que o público não tivesse acesso àquelas praias, porque Natasha lhe contara que havia uma lei que vinha do tempo dos romanos, garantindo o acesso para sempre.
— O público ainda pode chegar aqui! — Garantiu Ellyus. — As pessoas atravessam o jardim das vilas para chegar à praia. Estas casas são de grupos de trabalhadores; tipo uma cooperativa. Quem é sócio vem com a família e passa um mês ou dois, nas férias. Ficou sabendo que a família de Ellyus tinha uma mansão enorme na ilha também, mas a mesma estava passando por reformas.
Ellyus revelou que passou quase dois anos na ilha cuidado da saúde anos atrás, mas o mesmo na entrou em detalhes.
Elizabeth ficou espantada de saber como as pessoas pagavam pouco e achou engraçado ver roupas penduradas em janelas tão nobres. Daí a pouco, a praia começou a mudar e ficar mais elegante. Era também pública, mas usada quase exclusivamente pelos hóspedes do hotel. E para a sua surpresa, o hotel também era da família de Ellyus.
O saguão do hotel era interessante, a maior parte tomada por uma enorme piscina de água salgada e muito fria. Rodeada de pedras e algumas palmeiras, flores típicas da região.
— Experimente... — Ele desafiou.
Mas Elizabeth foi passando. Havia pouca gente lá, e, por que cair na água gelada, se o Adriático estava ali, na frente deles?
Tomaram o elevador, que subiu aos pulos e arrancos até chegar ao último andar.
— Ele sofre de lumbago... — Disse Ellyus, e começaram a rir feito bobos.
Entraram no quarto e Elizabeth ficou surpresa. O hotel não era de alto luxo, mas confortável e bonito. Aquele quarto, no entanto, era espartano. Com certeza tinham tirado parte da mobília, a pedido de Ellyus, só ficando o essencial. Uma das manias estranhas que ele possuía.
— Você não gostaria de pelo menos uma escrivaninha ou uma cadeira confortável?
Sua voz era educada e não mostrava curiosidade. Ellyus sacudiu a cabeça, e ela compreendeu que gostava daquela simplicidade despojada. Não perguntou mais nada. Mas não dependurar a roupa também seria parte dessa rusticidade? Não, era bagunça, mesmo. Os dois penduraram a roupa espalhada pelo quarto.
O espírito de camaradagem que havia se estabelecido desde cedo fez com que Elizabeth não achasse essa tarefa servil. Na verdade, eles se aproximavam mais, ao arrumar as coisas juntos. Gostava de fazer esse tipo de serviço de dona-de-casa, quando ele não bancava o chefe.
— Pronto. — Disse Ellyus. — Chega. Assim, não sobra serviço nenhum para a arrumadeira, que vive se queixando que trabalha pouco e ganha gorjetas demais.
Elizabeth sorriu e continuou, como se não o escutasse. Ellyus segurou-a pelo braço, para que parasse. Ao fazer isso, puxou-a para perto. Elizabeth deixou cair o suéter e a jaqueta que segurava. Seus corpos estavam separados por poucos centímetros, e o coração dela já começava sua louca disparada. Ellyus olhou-a bem nos olhos.
— Você é tão bonita... — Passou o dedo pela ponta de seu nariz. — Não precisa de maquilagem para realçar sua beleza. — A voz dele estava mais baixa, mais grossa, quase rouca.
Elizabeth precisou de toda a força de vontade do mundo para brincar.
— Diz isso para todas as arrumadeiras, Sr. Lancellotti? Não é de espantar que não aceitem gorjetas.
— Não, não digo.
Elizabeth fechou os olhos e ficou tentada a tocá-lo, mas parou. Ellyus se inclinou e passou a beijar-lhe a mão, o pulso, o braço. Ela não se moveu. Era a aluna e ele, o professor naquele momento.
Sem uma palavra, foram indo para a cama. Olhos nos olhos, transmitindo e recebendo mensagens. O efeito dos lábios dele era fazer com que ela quisesse mais. Sempre mais. Os dois se juntaram num abraço apertado.
O corpo de Elizabeth gritava: Quero que me ame, que me acaricie, por favor. Estou aqui inteira, só para você. Sua boca, seus seios pediam que ele a beijasse. Implorava que a amasse. Por um longo instante, ficaram dominados pela doçura daquele abraço.
1982 Palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro