As Sombras do Medo
BÔNUS
— Ellyus pelo amor de Deus! Sabe que horas são? Indagou a terapeuta se sentando na cama e acendendo o abajur.
— Não tenho a mínima ideia. Foi a resposta dada, depois vinda de um silêncio estranho.
— Onde você está? Você faltou a todas as nossas sessões! Afirmou ela esfregando os olhos sonolentos e olhando o horário no despertador. Eram 4 horas de uma madrugada fria.
— Eu estou fora dos EUA, na verdade, estou na Iuguslávia! Esplicou meio sem jeito.
— Sua alta seria daqui seis meses, o que foi fazer aí? Indagou novamente a médica temendo a resposta.
— Acabei fazendo escolhas erradas novamente e então...
— As consequências vieram!
— Pode se dizer que é isso mesmo. Suspirou ele.
— Você não está bem é isso? Perguntou com cuidado temendo que Ellyus desligasse o telefone a qualquer momento.
— Eu não sei...
— E o que sabe então... Por que você me ligou?
— Você estava certa. Eu estava enganado quanto a Jordana, eu não consegui ajudá-la e...
— Ellyus o que houve na verdade? Perguntou se ajeitando na cama.
Um novo silêncio se fez presente, antes da resposta vir.
— Ela estava esse tempo todo mentindo para mim. Acabei de entregar as provas que consegui contra ela para a polícia internacional. Em poucas horas Jordana estará sendo presa.
— Sinto muito Ellyus, sei o quanto prezava a amizade dela.
— As aparências enganam, não é mesmo? Falou suspirando outra vez.
— E quanto há Elizabeth, conseguiu esclarecer tudo com ela?
— Não!... Acabei enviando os pés pelas mãos com ela também. Agora não consigo nem me aproximar dela... Eu estou... Bem... Simplesmente, não consigo e...
— Você já parou para refletir sobre a linha tênue entre a ansiedade natural e os transtornos de ansiedade que sentiu no passado?
— Com ela é tudo diferente!
— Nossa mente é projetada para nos proteger, mas ás vezes, essa proteção pode se transformar em barreiras que limitam as nossas vidas.
— Você já tinha me dito isso anteriormente.
— Voltou a sentir enjoo, falta de apetite, e insônia?
— Sim... Faz mais de duas semanas na verdade.
A terapeuta ficou em silêncio dessa vez e pegou seu óculos sobre o criado da cama.
— A ansiedade é como uma luz de alerta: útil até certo ponto, mas quando exagerada, pode nos impedir de viver plenamente.
— Eu sei disso tudo. Só que estou com medo de ter perdido Elizabeth. Acabei fazendo tudo errado de novo.
— É normal sentir medo em situações de perigo real, mas quando o medo surge sem motivo e nos paralisa, é hora de prestar atenção.
— Eu sei a diferença... Tive a infelicidade de sentir ambos! Disse fechando os olhos por um momento.
— Ellyus, a ansiedade não escolhe hora nem lugar, e a compreensão desse estado pode nos ajudar a nos colocarmos no lugar do outro.
Ele voltou a suspirar e a terapeuta também ficou por alguns minutos em silêncio.
— Entendi, você não ligou para falar com a sua terapeuta, mas ligou atrás de conselhos amorosos.
O silêncio confirmou a teoria dela.
— Arrisque-se, Ellyus... o amor é pra quem tem coragem! A vida é feita de desafios e deixar de viver bons momentos por medo de sofrer é se arrepender mais tarde. Você nunca vai saber se vai dar certo se desistir e não arriscar. Tenha uma conversa séria com Elizabeth, conte-lhe tudo, não esconda nada. Apenas deixe os seus sentimentos fluírem naturalmente.
— Ela deve estar me odiando nesse momento.
— Os relacionamentos amorosos são desafios que todos querem enfrentar. Porque estar ao lado da pessoa amada não tem preço. Entretanto, encontrar e manter um grande amor exige muito esforço e dedicação. Você com certeza já está preparado para viver isso.
— As coisas não são tão simples assim! Disse ele ainda em dúvida.
— Seja sincero com você mesmo Ellyus. Do que tem medo?
— Me sinto vazio e incompleto, depois de tudo o que houve entre nós. Meus dias são gastos digerindo a frustração de não poder estar ao de Elizabeth. Talvez algo dentro de mim já soubesse que as coisas não dariam certo. Mas, uma coisa são suposições, outra é a realidade. E a realidade tem um gosto mais amargo que nunca.
— Acredite: as decepções que você teve até agora não eram amor! Não condene esse sentimento pelas más experiências que você passou. Pare de ficar remoendo o que passou, vá atrás do que o seu coração deseja. Vá atrás da Elizabeth!
— Obrigado, eu sei o que devo fazer agora.
— Acho muito bom mesmo. Disse ela sorrindo com suavidade. — Ellyus só mais uma coisa, o que tiver que acontecer. Só volte a me ligar quando o sol tiver nascido.
— Vai depender do lugar aonde eu estiver! Feliz.
Ellyus se despediu da amiga e saiu do quarto descalço, pegou as chaves do carro da Natasha e foi em direção ao seu destino.
Agora Ellyus estava lá, em pé diante da cama de campanha. Pareci ainda maior. Com olheiras mais profundas e, talvez, mais magro. Quem ligava para isso? Quem? Ele tinha voltado!
Contrastando com os sinais de cansaço e tensão, havia uma outra expressão.
Os olhos não tinham mais o brilho áspero. Em pé a frente dela, ostentava seu orgulho natural. Ah, isso não tinha mudado. Desde o lindo sorriso, até os pés descalços amassando as plantinhas; ele continuava o mesmo. Olhava Elizabeth, como se pertencesse a uma raça de reis há muito extinta. Um gigante entre os homens.
— Onde é que estava? Como apareceu? Como soube onde me encontrar? — Elizabeth até engasgou, sem ar, com tantas perguntas a fazer.
Mas isso não era jeito de conversar com o seu chefe; principalmente um chefe que havia sumido sem explicações, sem mesmo mandar um cartão, enquanto a assistente pessoal ia parar no hospital. Ele que falasse! Ele que se explicasse!
— Grande entrada a minha, hein? Não se esqueça de que sou um bom ator e sei como encenar essas coisas!
Ela tentou fingir que nem ligava, mas ele não estava disposto a ser enganado e continuou, entusiasmado.
— Para o diabo com os detalhes! Elizabeth, minha amante amada, vamos brincar de fugir de tudo isso? Quer dar uma volta de carro, ou precisa descansar?
Não era uma questão de escolha, porque ele jogou o cobertor em suas costas, enquanto falava, e a conduziu em direção ao carro de Natasha.
Aonde iam? Para a casa dos Stankovie? De Jordana? Para o hospital? Ou para...
Não importava. Bastava estar com ele. De repente, Elizabeth entendeu que não havia nada de errado com ela, fisicamente. Nada. No momento em que Ellyus a tocou, mesmo aquele leve aperto no braço. Tudo tinha mudado. Não estava se sentindo doente, mas maravilhosamente bem.
Ele a levou até o lugar mais incrível: uma lojinha, lá no alto do morro, espremida entre muitas outras. Parando o carro, pediu a ela que esperasse um minuto.
— Tenho que entrar correndo e resolver rapidamente um assunto. Deixou-a e atravessou a rua, enquanto ela imaginava o que seria tão importante. Afinal, ele quase a raptara do acampamento, e agora, outra vez, saía correndo e a fazia esperar.
Apesar de se esticar e dobrar, olhar pela janela do carro para ver que tipo de loja era, não adiantou nada porque a veneziana estava fechada até embaixo.
Não teve que esperar muito, pois Ellyus apareceu na porta, desconsolado.
— Se não ficar pronto, Natasha vai me dar uma surra. — Disse ele.
Elizabeth surpreendeu-se e ficou intrigada ao saber que Natasha tinha esses poderes sobre o formidável Ellyus Lancellott. Ellyus fez um sinal para que ela fosse se juntar a ele. Mas mudou de idéia e veio até a porta do carro, abriu-a e ajudou-a a descer. Ela se sentiu segura. Não queria mais nada.
Entraram na loja, e a porta bateu, fazendo um barulho de sinos. Ellyus a ignorou enquanto conversava sobre negócios com o dono.
Estava além de sua compreensão... Depois de raptá-la, ele a levava para uma loja e ia fazer compras para Natasha. Mas não daria uma palavra que pudesse pôr em risco a delicada relação entre eles.
Era difícil compreender, também, como Ellyus tinha desaparecido, ficado tanto tempo fora e agora... Mas estava tão feliz de vê-lo que não queria fazer perguntas, nem para si mesma.
— Você diz que vai demorar uma meia hora mais ou menos, senhor Randor?
O dono da loja, um baixinho forte, de uns trinta anos, usa um chapéu sem abas concordou.
— Vou acreditar na sua palavra. E o outro trabalho ficou pronto?... — Antes que o homem respondesse, Ellyus falou. — Não, não diga nada. Quero que fique perfeito e que seja embrulhado também, com o outro em meia hora.
Randor concordou novamente e convidou Elizabeth a sentar. Tudo seria feito segundo as ordens do Sr. Lancellotti. É claro que sentia muito essa demora.
Podiam entender? Uns imprevistos...
Ellyus sacudiu a cabeça, num gesto que não queria dizer nada. Obviamente, só se manifestaria se Randor cumprisse a promessa. Elizabeth achou que a meia hora passaria depressa, se se interessasse pela joalheria. No momento, para dizer a verdade, estava pouco ligando para o lugar. Calcutá ou Japão, queria era estar com Ellyus Lancellotti.
Randor voltou para seu trabalho, protegido por um biombo, e ela não enxergava o que podia ser tão importante. Ellyus já havia se fechado em copas, como era seu costume. Se pudesse descobrir o que se passava pela cabeça dele pelo menos!
Juntos, olharam a loja e examinaram cuidadosamente as jóias que Randor tinha nas mesas, protegidas por vidros. Em quaisquer circunstâncias, teria achado aquela coleção uma mistura fascinante de jóias contemporâneas e peças antigas.
Ellyus começou a explicar sobre os velhos colares, pulseiras e broches, a maioria em prata trabalhadas. Iam da mais delicada filigrana a um velho e pesado cinto macedônio incrustado de pedras semipreciosas, de uns doze centímetros de largura e com fivela proporcional.
A atividade extra já estava cansando Elizabeth, que bocejou, mas conseguiu falar ao mesmo tempo.
— Deve ser difícil carregar isso na cintura.
Ellyus achou graça e resolveu brincar.
— Vamos experimentar? Pois os líderes ciganos da região os amam na verdade.
Muito eufórica por estar de novo em sua companhia, não tinha decisões próprias. Não. Tinha outra razão para estar feliz. Não apenas a companhia dele. Era alguma coisa mais profunda do que isso. Toda a frieza e a formalidade de Ellyus pareciam ter desaparecido. Pegou o pesado cinto, escolhendo um feminino e colocou-o em sua cintura fina.
Se tivesse enrolado duas vezes, talvez ficasse no lugar. Mas, daquele jeito, a grande e trabalhada jóia bambeou e escorregou por seus quadris.
— Bem, pelo menos, você sabe como é que um cavaleiro de armadura se sentia quando arrebentava o elástico.
Era tão sem cabimento e engraçado! E sua vida, agora, tão preciosa, com Ellyus tão solícito... Impossível acreditar que há poucas horas ela se acreditava desesperadamente doente! Aqueles momentos com Ellyus a tinham curado, como por milagre.
Ele interrompeu seus devaneios com uma questão de ordem prática.
— Você comeu alguma coisa no acampamento? Uma princesa cigana não pode ficar sem se alimentar por muito tempo.
Elizabeth não estava nem um pouco interessada em comida, mas não ia dizer isso. Será que ele havia perguntado por estar ele próprio com fome? Talvez tivesse vindo apanhá-la imediatamente depois de chegar a ilha, sem comer nem dormir. Pois a aparência dele estava totalmente diferente, sua pele estava mais pálida ainda, lábios ligeiramente secos e rachados, a barba por fazer, e aquelas olheiras como se houvesse ficado semanas sem dormir direito. Além é claro, de estar visivelmente mais magro.
Como poderia saber? Não queria parecer intrometida e respondeu, bobamente.
— Estou com fome, se você estiver.
Felizmente, Randor interrompeu e sugeriu que esperassem no fundo da loja e comessem algumas frutas, enquanto ele preparava um café. Abrindo a cortina que separava a loja da salinha dos fundos, o dono entrou com eles. Entre as ferramentas antigas do joalheiro, que haviam pertencido a seu avô, como explicou, havia uma pequena mesa de pinho e dois banquinhos cobertos com pele de cabra.
— Sente-se, Elizabeth, e coma alguma coisa. — Ellyus mandava e não pedia. — Está pálida como uma flor, e tão magrinha!
— Você também emagreceu.
Ele não respondeu e ela não se surpreendeu. Era um comentário pessoal. A conversa normal de duas pessoas que se sentem seguras na companhia uma da outra. Mas não era verdade. Não podia ser verdade! Nada, absolutamente nada, tinha mudado entre eles, desde aquela cena horrível na noite da festa.
Elizabeth pôs na mesa a ameixa vermelho-escura que ia morder, olhou sua proporção delicada sem realmente enxergar e foi direto ao assunto.
— Por que me tirou do acampamento? Onde esteve durante estes meses todos? O que é tão importante que nos faz esperar? Por que Natasha não cuida ela mesma do conserto de suas jóias?
— Opa, espere aí! O que é que há? — Havia riso na voz dele ao chamar Randor. — Quanto tempo acha que vai demorar? A moça está ficando impaciente!
— Um já está pronto e o outro, quase...
— Pode esperar pelo menos um pouquinho?
Ellyus sorriu para Billie, como nunca havia sorrido antes. O que estaria acontecendo? A expressão dele era diferente. Parecia que tinha tirado um peso das costas. E por que não aproveitar aquela trégua. Por que não esperar ali, com ele?
Momentos preciosos assim logo acabariam. Voltaria ao hospital já, já.
Como tantas outras vezes, Ellyus pareceu adivinhar seus pensamentos.
— Se está preocupada com o hospital, esqueça. Não esperam você hoje.
Prometi que descansaria até as sete horas, porque, depois disso temos novidades.
O queixo de Elizabeth caiu. Queria fazer dezenas de perguntas. Mas ele não iria dizer mais nada. Não conseguiria arrancar uma palavrinha que fosse daquele homem teimoso.
Ameaçou pedir a Randor que contasse. Ellyus duvidou, divertindo-se com o poder que o segredo lhe dava. Randor não ia falar nada porque tinha prometido.
Além disso, se ela distraísse o joalheiro demoraria mais para acabar. Ellyus prometeu e sorriu novamente fazendo o coração dela disparar.
— Dou minha palavra de escoteiro. Prometo por mim e pela honra dos meus ancestrais que, depois que você estiver em casa descansada, eu conto tudo.
Elizabeth perdeu a parada e sacudiu os ombros. Não estava conseguindo nada mesmo, e ainda esperou minutos infindáveis, antes que o joalheiro entrasse com um pacotinho marrom, que Ellyus pegou e agradeceu.
No carro, ele jogou o embrulho no porta-luvas, como se fosse um brinquedo velho, e não disse mais nada, até chegarem à casa dos Stankovie.
Confortavelmente reclinada no sofá da sala, Elizabeth dardejou um olhar para Ellyus e pigarreou. Era sinal de que o tempo dele estava se esgotando. Naquele instante, a governanta que cuidava de tudo entrou em casa, curvou-se, cumprimentou, tirou uma chave do bolso e abriu um armário que sempre tinha estado trancado. Metodicamente, pegou da prateleira um conjunto de cálices de licor de ametista e pôs numa bandeja. Elizabeth não aguentava mais de aflição.
— Faça alguma coisa. — Disse a Ellyus.
Ele sacudiu os ombros.
— Fazer o quê? Sou um inútil por aqui. A mulher é segura e forte como a maré. Vamos ter que esperar.
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