A Flor da Pele
"Sem essa de 'amar demais machuca'. O que dói é amar sozinho."
Bateram na porta. Era a camareira, trazendo uma cesta de frutas semelhante à de Ellyus. A mulher tinha uns trinta e cinco anos, era loira e rosada. Olhou para Elizabeth, curiosa, e sorriu.
— Desculpe por perguntar: é amiga do Sr. Lancellotti?
A implicação da palavra amiga era óbvia. Elizabeth não sabia o que responder.
Não havia nada de insolente no tom da pergunta. Mas sabia que pensavam ser ela a amante de Ellyus. Sentiu-se vulgar. E, além de tudo, não era verdade. Ela tinha pouca experiência de hotéis canadenses, mas sabia que nenhuma empregada, lá, faria tal pergunta, assim, sem mais nem menos.
Ficou em pé, envergonhada e boba, enquanto a moça tirava a colcha. Virou-se para Elizabeth. Pelo sorriso que lhe deu, viu que não se importara a mínima com o seu silêncio.
— Servi os Stankovie muitas vezes e até já ajudei a Sra. Lancellotti a se vestir. Ela é toda cheia de nove horas.
Era a oportunidade para Elizabeth saber mais sobre a mulher de Ellyus. Sem dúvida, arrancaria muita coisa daquela moça, louca para conversar e se fazer agradável. Mas ficou, indecisa. Saber sobre Jordana e as relações de Ellyus com ela era basicamente saber sobre ele. Deixou a oportunidade passar.
A camareira ficou parada. Não estava esperando uma gorjeta, era evidente.
Alisando o avental branco e limpinho disse serenamente.
— Meu nome é Emilija. A senhorita não parece ser do tipo que precisa ser ajudada a se vestir, mas, se quiser alguma coisa, estou às ordens. Gosto muito do Sr. Lancellotti.
Cumprimentou e foi embora. Elizabeth ficou irritada. Podia ter dado corda a ela, e falaria como uma vitrola. Que bobagem a sua! Qual o mal?
Na próxima vez em que encontrasse Emilija, juntaria toda a coragem e ia ficar sabendo de diversas coisas. Se a digna e poderosa Sra. Lancellotti precisava de uma empregada para se vestir, não teria conseguido arrumar uma mala em quinze minutos, como ela havia feito, a pedido de Ellyus. Mas, também, o que interessava isso?
Imaginando o que ele teria para fazer agora, pegou o telefone e ligou para seu quarto, mas a linha estava ocupada. Resolveu ir pessoalmente e saiu pelo corredor.
— Elizabeth... — Disse ele, assim que abriu a porta. — Há um médico amigo meu aqui perto, num hospital. Vou dar um pulo até lá, mas deixo você, primeiro, no restaurante. Você deve estar faminta!
Me deixa?, pensou Elizabeth, com raiva. O que será que pensa que sou? Por que não contrata uma babá para mim?
Ellyus estava tão entusiasmado com a idéia de ver o amigo, que nem prestou atenção em sua cara magoada e irritada.
— Não demoro. E você pode tomar um refresco, enquanto me espera. Tudo bem?
O que poderia ela dizer, senão simplesmente.
— É claro! Ótimo.
Lá estava ela, outra vez, como um cachorrinho bem domesticado. Sentiu que Ellyus a tratava como criança, dando um pirulito porque o pai ia trabalhar.
Ellyus fez o que prometeu, e o garçom serviu um sorvete enorme. O maior que já tinha visto. O sorvete era uma delícia; o doce de frutas sobre o sorvete, outra delícia; os biscoitos de chocolate, idem, e o café vienense, maravilhoso. Aquilo a fez se sentir como cinco anos, no máximo. Lembrou de quando os pais queriam sair e a deixavam com uma babá. Horrível! Com certeza, Ellyus ia comprar umas balas e trazer, na volta.
Rindo de si mesma, Elizabeth deu uma olhada nos outros hóspedes.
Uma excursão de mulheres russas, fortes e enormes, vários grupos de japoneses sorridentes, com suas máquinas fotográficas disparando flash para todos os lados, homens de negócio iugoslavos, fumando charutos e brincando com os garçons. Olhava tudo, sem prestar muita atenção, pois recapitulava o que tinha ouvido falar sobre a mulher de Ellyus.
E não era muito. Na primeira noite na ilha, o som cortante de Natasha: Esta é a mulher de Ellyus. Nunca mencionavam nada sobre Jordana mas Elizabeth sentia sua presença em todos os lugares. O engraçado era que Ellyus não se comportava como um homem casado. Nem como descasado. Havia um mistério e ela desistiu de adivinhar qual seria.
Bebeu o restinho de café. Amargo, mas não tanto quanto seu pensamentos no momento.
Nada bons para sua moral pelo menos, mas era impossível controlar a mente.
Que tal seria ele como marido?
Muito cheio de histórias e perfeccionista?
Com certeza tudo que fazia era na perfeição. Tomaria conta da mulher e não a encheria de sorvete até o pescoço, quando não soubesse o que fazer com ela.
Ao pensar no absurdo de sua presente situação, quase caiu no choro.
Rapidamente, pegou um copo de água e fingiu que bebia, para esconder o rosto.
Tinha que resolver o que fazer, ou ficaria louca de indecisão.
Levantou-se, resoluta.
Sabe o que mais?
Ia sair, encontrar aquele hospital e dizer a Ellyus Lancellotti exatamente o que achava dele e do tratamento que ela estava recebendo. Chegava de ficar bancando a boba num emprego-fantasma, sem nada para fazer! Afinal de contas, era sua assistente pessoal, tinha que trabalhar e, não, ficar atrás dele, como idiota sem vontade própria!
O hospital ficava perto do hotel, a um quarteirão de distância mais ou menos.
Elizabeth atravessou um belo parque para chegar até lá. Foi a única vez na vida que atravessou um jardim sem prestar atenção em nada, tão preocupada estava.
Andou até a entrada do prédio. Não ia fazer papel de louca, correndo atrás dele por corredores ou salas. Sentou-se no banco mais próximo, para esperar. Tinha muito tempo e muito o que dizer.
Não demorou muito, um homem de avental branco abriu a porta para Ellyus, e os dois saíram. Tão absortos estavam na conversa ou discussão, que ele nem notou Elizabeth.
Pelos gestos do médico, com o braço no ombro de Ellyus, percebia-se que era um amigo íntimo, dizendo a ele certas verdades que estava detestando escutar. Só sacudia a cabeça e não concordava com uma palavra.
Conversavam com tanta seriedade e tão concentrados que teriam passado por Elizabeth sem vê-la. O médico parou, chegou mais perto de Ellyus para convencê-lo.
— Vê? É impossível! Compreende, agora? Impossível!
Ellyus concordou, relutante.
— Eu sei. O que pedi é absurdo. Entendo. Um homem íntegro não poderia atender meu pedido.
Seu rosto estava quase cinzento e parecia tão cansado, tão triste, que Elizabeth não teria coragem de lhe dar nenhum desgosto, por menor que fosse. Teria que adiar a conversa. No momento, ele precisava era de apoio.
Juntou toda a coragem para encará-lo na hora de seu fracasso, de sua desgraça. Ficou em pé, paciente, até que ele passou a mão pelos olhos e a viu.
— Ah, é você, Elizabeth!
Nunca o vira tão desanimado e sem saber o que dizer. Controlou-se e apresentou-a ao médico. Ela não escutou o nome do homem, mas Ellyus a chamou de sua assistente e o doutor curvou-se e apertou-lhe a mão. Percebeu que era alguém em quem Ellyus podia confiar. Se alguma coisa lhe tinha sido negada, havia fortes razões, pois o médico inspirava segurança e bondade, à primeira vista.
Voltando para o hotel com ele, Elizabeth tentou ajudá-lo, fingindo saber qual o motivo de sua ansiedade.
— Ellyus, qualquer problema que tenha com seu roteiro, acho que é hora de relaxar.
Continuou, contando uma experiência que tivera com Arnold. Como se irritara, se preocupara, morrera de raiva, até que o problema havia se tornado uma ferida.
Ellyus não reagiu. Elizabeth tentou de outra maneira, mas tudo caía no vazio. Não adiantava tentar ajudar, e ela não sabia mesmo o que fazer. A sombra de uma mulher baixou entre os dois, como um véu invisível.
Chegaram ao hotel. Ela viu que o rosto dele era só desespero. Havia de existir algo que atenuasse tanta dor.
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