Capítulo 8 - Bem Vindo ao Alma Negra.
Olá a todas e todos!
Como vocês estão? Espero que tudo bem :)
Aos pouquinhos (bem mais poquinho do que eu gostaria), estou revisando a história. Ainda deve ficar alguma coisa para trás, mas estou dando meu melhor aqui.
Espero que estejam gostando! Por favor deixem seus comentários e sua estrelinha se quiser!
Muito Obrigada! Beijos =***
Há alguns dias atrás...
O Alma Negra havia avistado eles de longe e já estavam preparados para atacarem na primeira possibilidade de emparelhar. O sereia de dentro da cela percebeu a movimentação dos homens e ficou atento, sabia que alguma coisa estava acontecendo no navio, os sons das botas batendo contra a madeira ressoava na parte de baixo onde estava a sua cela.
— Esses navios são fáceis de pegar. - Victhor disse a Will, ambos no convés do navio.
— Como vocês sabem quais navios devem atacar? E se for algum cheio de oficiais?
Victhor riu de lado.
— Estudamos as rotas deles faz tempo. Não somos amadores.
Will achou aquele sorriso divertido, ainda não o havia visto no rosto de Victhor.
— Essas rotas deviam ser melhor vigiadas então. - Ele pôs a mão na cintura.
— Eles já tentaram, mas veja, não há tantos homens e tantos navios brancos assim. A nossa gente cresce muito mais rápido do que eles podem nos conter. Seria preciso o dobro deles pra dar conta de metade de nós.
Will coçou a cabeça.
— Apenas concentre-se no seu trabalho.
— Sim, senhor.
Theodora vinha aproximando-se dos dois e ouviu a conversa pela metade.
— Que foi loirinho? Tá preocupado com os oficiais? - Ela sorriu. — Pode deixar que eu protejo você! - O indicador apontado para ela mesma.
Will olhou para Victhor e depois olhou de volta para Theodora.
— Acho que eu prefiro que ele me proteja. - E quando Theodora ia retrucar, ele continuou. — Ele tem muitas armas debaixo de todo essa roupa do que você.
Os navios se aproximaram, a bandeira da barganha estava içada, ela era simples e todos nos mares a conheciam: um tecido amarelo na ponta do mastro com uma sardinha desenhada. Victhor que sempre fora bom nos negócios, estava ao lado de Jane que ofereceu uma boa quantia de iguarias ao capitão do outro navio, com um sorriso no rosto e os canhões prontos para o embate, a armadilha estava pronta. Simon e mais dois marujos trouxeram a mercadoria e deixaram a vista, nos sacos haviam batatas e raízes diversas, uma pilha de tecidos finos trazidos das Ilhas do Império Leste, garrafas de temperos do Império Sul, óleo de baleia e um pequeno baú que deveria ser usado como porta joias por alguém da nobreza. A cobiça sempre falava mais alto nesses casos e sem esperar uma emboscada O Montanha emparelhou com o Alma Negra e em poucos minutos os piratas lançaram-se pelas cordas e o navio estava tomado.
— Fácil, fácil. - Victhor disse a Will, ambos ao lado de Jane. — Sem gastar uma munição sequer.
— Devemos poupar para embates realmente importantes. - Ela disse.
Não era nada de especial, só mais um dia na vida em mar aberto.
As mercadorias foram trocadas de lado sem embate, os mosquetes e espadas apontadas para a tripulação garantiram a pirataria na paz. Jane leu no livro do capitão para onde eles iriam e ficou feliz em garantir que menos um navio atracasse no Império Central. A capitã recolheu tudo que lhe interessava da cabine do capitão, livros, roupas, tecidos, bebidas e a prataria, e deixou que os outros entrassem e pegasse o que mais queriam, Simon aproveitava-se do bom fumo, ao final, seria a hora de liberar O Montanha.
— Façam. - Jane ordenava e os piratas passavam a faca na garganta da despreparada tripulação. O Alma Negra já tivera essa fama antes, era sabido que aqueles que não se juntassem a tripulação pirata era atirado ao fundo do mar. — Não deixem nada no navio, tirem tudo, ele deve estar preparado para chegar ao fundo do mar o mais rápido possível. - Os piratas atiravam os corpos mortos ao mar enquanto Jane verificava a mercadoria adquirida e separava o que iria ficar em seu navio e o que seria descartado.
— Olha o que encontramos escondidos na dispensa. - Will trouxera pelos braços, de forma delicada, uma jovem dama acompanhada de um senhor rechonchudo que provavelmente era seu pai e mais outros dois lacaios magricelas.
— Me soltem, me soltem! - A garota gritava forçando os braços. — Quando meu tio encontrar vocês ele irá enforca-los, seus malditos piratas!
Jane trocou um olhar com Victhor e outro com Simon e deu de ombros, era só mais uma garota mimada e histérica que não aguentava a vida como ela realmente era: dura, pesada e muitas vezes cruel. A garota foi amarrada junto ao mastro com o pai e lá ficaria até decidirem seu destino. O dia estava bom e a capitã não queria arruína-lo ao lidar com biscates ricas.
— Me solta! - Ela berrava. — Me tira daqui! Eu sou uma dama da corte, o Império vai caçar vocês e degolar as suas cabeças!
O pai que só chorava acabou mijando perna abaixo.
— Que humilhação! – Ela berrava. — Vocês vão pagar por isso!
A tripulação estava contente e isso deixava Jane de bom humor. O navio saqueado tinha grande quantidade de boas mercadorias, a dispensa do Alma Negra estava provida, a pequena adega estava cheia e os bolsos não estariam mais vazios. Logo barganhariam nas Ilhas Flutuantes e os sorrisos voltariam a estampar as bocas piratas, contudo a cabeça deles já latejava, os pulmões da garota eram fortes feitos trovoadas. Jane mandou que jogassem ela, o pai e os outros dois em uma cela e mais tarde resolveria o que fazer com eles, já estava farta daquela histeria e lá embaixo o som ficaria abafado.
Como a única cela disponível era aonde estava o sereia, os piratas colocaram os novos prisioneiros juntos a ele, o que não seria aprovado, caso tivessem questionado. A cela ficou apertada, a nobre dama calou os gritos com o vislumbre da companhia.
— Ora, o que temos aqui! - Ela disse ao aproximar-se dele tocando o próprio queixo.
O sereia havia ficado o tempo todo de costas para eles, mas era impossível não notar as marcas das guelras em seu pescoço e as marcas nos braços. A moça tocou a pele dele com as pontas dos dedos e o sereia retraiu a pele como se facas afiadas fossem passadas por suas costas.
A garota foi envolvida por uma onda de excitação, insistia em um diálogo no qual o sereia não estava interessado, a voz dela passou de uma gralha para um rouxinol. O pai, no entanto, estava tão assustado como deveria estar.
— Não é possível. - O sorriso dela era lindo, dentes brancos e caninos perfeitos - Até neste lugar imundo há uma sereia.
— Minha querida Anne, o que iremos fazer? - O pai estava em prantos enquanto a garota perturbava o sereia, enfiando a mão por debaixo da camisa larga que lhe fora dada e tentando ver bem mais de perto seu rosto.
Ignorando o sofrimento paterno, a moça pareceu cair em si e com euforia exagerada, fez um escândalo com o pai pois haja o que houvesse, queria levar o sereia para casa.
— Mas meu docinho - O pai só fazia chorar. - Como vamos levá-lo? Olha bem nossa situação.
— Ofereça dinheiro a ela, oras. - Ela estava tão próxima ao corpo do sereia que o espremia entre a parede do navio e ela própria. — Aquela capitã não vai resistir a uma boa quantia.
Os outros dois magricelas forçavam as barras da cela na tentativa de sair, o que o sereia já sabia, era impossível.
Do outro lado das barras de ferro, ouvia-se cochichos e risadinhas vindo em direção a eles.
— E ai, boneca! - Um dos piratas havia chegado próximo com uma chave na mão. — Se você brincar com meu amigo aqui, – Ele segurava as bolas. — Eu deixo você sair um pouco. Que tal?
Antes que ele terminasse a última palavra, levou um tapa na cabeça e o olhar de reprovação de Victhor o fez recuar, Will tomou-lhe a chave e abriu a cela. Sorte da garota, mal sabia ela o que piratas fazem com mulheres prisioneiras a bordo.
Simon mandou buscar os prisioneiros para terem uma "conversa" e resolverem de vez se eles valiam alguma coisa ou se seriam jogados ao mar. Will encarou o sereia retraído no canto, sorriu de lado e continuou seu trabalho amarrando mãos e coisa e tal. Mais dois piratas desceram as escadas e amarravam os magricelas com força, Will não prestou atenção ao trancar as correntes com o cadeado, estava mais interessado no decote de Anne enquanto ela se debatia para se livrar das mãos de Victhor, e deixou a cela aberta. Foi o bastante. O sereia logo escapou de lá.
O navio estava agitado, ele podia ouvir os gritos de Anne enquanto esgueirava-se até a amurada na intenção de se jogar ao mar e tentar a sorte nas águas profundas. O sereia passou por homens gargalhando, felizes com as moedas que receberiam pela mercadoria do Montanha, fazia tempo que eles não conseguiam tanto.
— Não aguentava mais aquela mixaria que Simon nos pagava. - Um deles reclamou ao outro. — Não importa que tínhamos que nos esconder, a verdade é que aquilo não servia pra nada. Da última vez que houve desertores eu quase fui com eles, você acredita que...
— Então agora vamos aproveitar que a capitã está de volta! - O outro deu um tapinha nas costas do companheiro já prevendo a ladainha de reclamações que viriam. — E vamos encher os bolsos e trepar com umas putas!
Os dois riram bastante, o sereia prestou atenção "Capitã?" Anne também havia dito isso, ele pensou que a garota havia confundido, mas ouvir da boca dos próprios piratas era diferente, ele tinha certeza que o grandão era o Capitão do Alma Negra, aquele tal de Simon. Por sorte, se fosse mesmo uma mulher, ele poderia encontrar-se com ela e tentar persuadi-la a libertá-lo. Afinal, ele era um sereia e sabia muito bem usar o corpo a seu favor. Aprendera o quanto os humanos desejavam relacionar-se com sereias e estava disposto a se submeter a libertinagem deles mais uma vez se isso o tirasse dali.
Jane e Simon estavam na cabine decidindo o que fazer com o grupo de prisioneiros, a garota e o pai estavam com eles, a capitã insistia em jogá-los no mar, mas Simon tinha outros planos. Se eles fossem mesmo alguém de valor, poderiam trocá-los por dinheiro e mercadorias, na situação que eles estavam uma ajuda não cairia mal.
— Se formos parados por algum dos Brancos, - Simon dizia. — A nossa Carta pode não passar Jane, já faz um tempo que eles mudaram o selo imperial e o nosso novo falsificador ainda não conseguiu o novo modelo, se trocarmos esses aí por um selo Imperial de verdade, metade dos nossos problemas seriam resolvidos.
— Você disse que Alfred foi enforcado, não é? - Ela mordeu os lábios. - Ele era o melhor nesse tipo de negócios. - Ponderou, não gostava nem um pouco daquela situação e menos ainda daquela garota. — Eu não sei não...
— Pense bem, Jane. Podemos poupar tempo sem precisar dar tantas voltas para evitar os brancos. Trocamos as velas na primeira oportunidade e o Alma Negra passa batido mar a fora.
Jane sabia o quanto o tempo era valioso para eles, cada dia que passava era um dia mais longe ou mais perto do objetivo que cada um dia tinha ali.
Ela bufou em direção aos prisioneiros.
— O que me diz garota... você vale um selo novo? Seu tio tem mesmo muito dinheiro?
— Eu valho muito mais que isso sua nefasta! - E cuspiu próximo a bota de Jane.
Jane não segurou a gargalhada, aproximou-se dela e segurou seus cabelos forçando-a a abaixar a cabeça até a altura dos joelhos.
— Minha vontade é corta-la e jogar seus pedaços no mar, - Puxou os cabelos de volta fazendo-a olhar bem em seus olhos. Anne podia ver que ela falava a verdade enquanto seu couro cabeludo começava a latejar. — Vou corta-los um de cada vez, ou quem sabe eu te amarre no mastro e assisto você morrer bem devagar com fome e frio, aí você vai poder dizer que eu sou "nefasta".
Simon pigarreou e mostrou a mesa com documentos espalhados, o selo, eles precisavam de um selo imperial.
A situação era simples de entender: haviam muitas embarcações no mar e por isso os Impérios decidiram cobrar impostos pelas rotas marinhas e segurança dada pela Marinha Imperial àqueles que eram os bons cidadãos e aproveitavam do mar de alguma forma. A quem fizesse todo trâmite dentro da burocracia Imperial era dado um documento com o Selo Imperial assegurando passagem livre pelo oceano. Assim navios traficantes, piratas e outros foras da lei eram mais facilmente descobertos já que qualquer navio da frota branca ou qualquer navio que possuísse um oficial da Marinha Imperial poderia pedir para averiguar o documento com o selo. Com o passar do tempo, obviamente encontraram muitos selos falsos navegando nas águas imperiais. Dessa forma, de tempos em tempos o selo era renovado e os donos das embarcações pagavam uma boa quantia para continuarem dentro da lei recebendo os benefícios da Marinha Imperial.
Jane pensou em todas as voltas que precisaria dar para evitar as rotas brancas e ter um selo a essa altura facilitaria as coisas.
— Por enquanto, — Ela disse após um longo suspiro, soltando com força a cabeça encaracolada e sedosa de Anne. -— Vou deixar você e seu pai covarde viverem.
— Vamos encontrar esse tio que ela fala. - Simon deixava claro a situação, se eles estivessem mentindo, a garota seria morta.
— O que não significa, - Jane emendou. - Claro, que ela seja tratada com regalias.
Os prisioneiros foram encaminhados a cozinha, onde deveriam trabalhar e ajudar Rupert, Anne reclamava o tempo todo gritando sobre a sujeira, sobre ser uma dama, sobre ter mãos delicadas e a gordura que impregnaria em seus lindos cabelos. Simon desceu a cozinha duas vezes ameaçando cortar sua língua caso ela não ficasse quieta, mas a garota arrumava qualquer desculpa para berrar de novo. O grandão levantou a mão para ela mais de uma vez, mas a lembrança de uma outra garota o fez parar.
Um dos dois homens do grupo de Anne, o mais magro deles - se é que isso era possível, resolveu bancar o herói e ameaçou Rupert com uma de suas facas roubadas, o cozinheiro era desertor da marinheira Imperial e sabia muito bem lidar com esse tipo de coisa. A tolice foi recompensada com a mesma faca enfiada em seu pescoço, Victhor foi chamado a cozinha.
— Tenham mais respeito enquanto estiverem neste navio. – Ele limpava os óculos com uma flanela bege. – Da próxima vez que tentarem algo, ela não vai permitir que saiam vivos daqui. Paciência não é o ponto forte da nossa capitã.
Anne manteve a boca mais contida depois da visita de Victhor, seu couro cabeludo ainda doía e o pensamento de ser amarrada em um mastro aquietaram um pouco seus ânimos.
Até o cair da noite, o sereia conseguiu se esgueirar e ficar escondido dos outros piratas. Duas vezes Will passou próximo a ele e ele poderia jurar que o loiro ajudou para que ele continuasse encoberto. Mas como era uma bobagem ridícula o sereia tratou de afastar esse tipo de pensamento. O foco era encontrar a cabine da tal capitã e tentar se deitar com ela, iria fazer o que fosse necessário para ter sua liberdade. Mais de uma vez ele chegou à beira de pular do navio, a frustração da falha, o suor frio e a tremedeira fizeram ele parar de tentar.
Já era quase de madrugada quando o sereia conseguiu se aproximar da cabine da capitã, aproveitou-se quando Victhor saiu e teve a certeza de que ela estaria sozinha. Quando seus dedos tocaram a maçaneta seu coração disparou. Talvez fosse a ansiedade de finalmente conseguir um acordo sobre sua liberdade. Ele entrou devagar, a porta nem rangiu, abriu os botões da camisa, passou a mão nos cabelos e respirou fundo caminhando em direção a lamparina acesa por cima da mesa. Ele viu a mulher sentada com a caneta tinteiro na mão, os cabelos caiam sobre o rosto e luz ludibriava seu rosto. Mais alguns passos à frente para que ele a visse com clareza. Sua boca se abriu como num assombro, e então ele se deu conta. Era ela!
— O que você quer? - Ela perguntou sem levantar os olhos para ele. — Não pense que sua fuga da cela ficará impune. Então, não tente algo estúpido, sereia.
— Por que?
— Porque um fugitivo, neste navio, no meu navio, - Ela o olhou finalmente. E como já esperava que acontecesse, sua cabeça foi atingida por um redemoinho. Deixou a sensação passar e continuou. — Fugitivos são punidos com a morte. Então não me faça arrepender de ainda manter você vivo. O que você quer?
O sereia aproximou devagar ficando mais próximo a mesa, suas narinas absorviam o cheiro do local, sua pele arrepiava-se com a brisa do vento pela escotilha entre aberta, suas veias saltavam de raiva e seu coração batia acelerado.
— Você me enganou, fingiu que era uma maltrapilha qualquer, mas na verdade é a capitã deste navio.
Ela o encarou por um instante.
— Não tenho a obrigação de lhe dizer quem eu sou ou não.
— Você devia ter me dito quem era, eu pensei que você tivesse me vendido para aquele homem!
— Não lhe devo satisfações.
Ela manteve a postura, o livro de anotações ainda aberto a sua frente, ele pode ler as palavras ali, eram anotações sobre sereias. Ao menos ficar próximo daqueles mestres nobres lhe serviu de alguma coisa...
— O que você quer de mim? - Ele estava ficando irritado, era perceptível.
Aquela aproximação deixava Jane nervosa, ela alcançou com cuidado o punhal grudado embaixo da mesa e torceu para que não precisasse usá-lo.
— Por que me tirou daquela ilha? - Ele bateu com as mãos na mesa e ela tocou seu pescoço com a ponta do punhal.
A conversa terminou por aí. Jane sentia a cabeça latejar, o suor começava a transparecer e seu coração estava saindo pela boca. Ela acreditava manter as aparências, mas no fundo ela sabia que o sereia podia sentir o quão perturbada ela estava. De alguma forma, o sereia não pareceu ter ficado com medo de ter uma lâmina tão próxima de sua pele, ele forçou um pouco e uma linha vermelha escorreu pelo metal gelado.
— Se é isso que você quer, - Ele disse. — Vá em frente. Eu não tenho nada a perder.
Seria o momento perfeito, eram as palavras que ela estava esperando ouvir, no entanto por algum motivo Jane sentiu seu coração doer e ela retraiu a adaga para que não o machucasse mais. O pomo de adão do sereia subiu e desceu, ele estava com muita sede.
— Você deveria me dizer logo o que você quer. - O sereia realmente queria saber qual era o objetivo dele ainda estar vivo naquele maldito navio. Se fosse para ser vendido ou escravizado algumas providencias já deveriam ter sido cumpridas, mas aparentemente ele só estava ali para ser mais um no meio daqueles piratas e esse tipo de convivência pacifica não era algo que ele esperaria dos humanos. Ele estendeu a mão num movimento impensado em direção ao rosto de Jane.
— Pare com isso! - Ela disse entre os dentes, forçando a mandíbula. Seus olhos estavam fixos nos olhos dele e no mar revolto que eles refletiam. — Pare de usar essa coisa de sereia em mim!
— Eu não consigo. - Ele foi sincero. — Eu não posso evitar.
O sereia percebeu a mão de Jane tremular quando ele tocou o dorso, o aperto sobre a adaga também afrouxou e os olhos dela pareciam de alguém que esta prestes a cair em um sono bastante profundo.
— Pare-com-isso... - Ela disse com dificuldade. Suas bochechas estavam ficando quentes demais e o ardor percorria por outras partes de seu corpo.
A adaga caiu no chão, Jane ainda mantinha o olhar no sereia, mas ele observava o objeto pontiagudo sob a madeira, estava ponderando se devia pegá-lo...
— CAPITÃ! - Pyra adentrou a porta num rompante - A cozinha está pegando fogo!
A voz da moça injetou nova adrenalina no corpo de Jane e ela saiu daquele torpor como alguém que desperta de um sonho gostoso. Theodora veio logo atras da timoneira e agarrou Jane pelos braços sacudindo um pouco seu corpo ainda dormente.
— Jane! O que foi?
A capitã levou a mão a testa por cima da mão de Theodora, na porta Pyra observava o sereia ir recostando para trás, algo brilhava em sua mão, mas ela não conseguia ver.
Pouco depois, eles souberam que Anne e o pai iniciaram um incêndio na cozinha do navio, em mais uma tentativa falha de fugir. Jane mandou açoitar os prisioneiros até a morte e nada sobre o sereia estar fora da cela foi mencionado. Nem todos estavam satisfeitos, era óbvio, mas quem iria questionar depois de jogarem mais corpos sangrentos no mar?
Jane não teria nenhuma piedade da moça se não fosse Victhor insistir que a deixasse com vida, ficou com pena pois ela se parecia muito com uma conhecida deles, próxima de Simon.
— Acho que seria demais para ele ver um rosto tão parecido com o dela flutuando ensanguentada no mar. Você sabe como ele é.
A capitã ordenou que pai e filha fossem lançados ao mar entregues à própria sorte, sabia de quem o amigo se referia e realmente, infelizmente, Anne a lembrava e era duro para Simon ficar vendo a moça gritar e espernear pelo navio. E assim seria feito.
Jane chamou Victhor à cabine e depois de uma hora sem interrupções, estava resolvido sobre a estadia do sereia.
— Vai ser melhor assim. - Victhor mantinha aquele habito de esfregar uma flanela nos óculos. — Não quero te ver passar por aquilo tudo de novo.
— Eu sei, mas ainda tenho minhas dúvidas se esse sereia vai cooperar. - Jane pensava em Simon e na confusão que poderia acontecer se o sereia tentasse alguma coisa. Na verdade, ela já queria tê-lo tirado de lá há muito tempo. — Ele é muito impulsivo.
— Entendo. - O amigo segurou o riso, que ficou bem evidente, ele diria "Parece com você."
— Fique de olho nele. - Ela disse pressionando o espaço entre as sobrancelhas. O sorriso de Victhor transmitia calma e a confiança que Jane conhecia muito bem.
No Alma Negra haviam regras a serem seguidas, todos ali conheciam e faziam o possível para mantê-las. Victhor as havia explicado a Will quando ele entrou para a tripulação e agora as explicava ao sereia que o olhava com expressão séria e incrédula.
— Sem roubos, ou terá a mão cortada, principalmente da dispensa, pegue apenas sua parte e não terá problemas na cozinha. Rupert é exigente sobre essas coisas. Não temos toque de recolher, mas se passar demais da hora vai dormir no chão, as velas e lamparinas são apagadas as vinte horas. Nós dividimos os saques, cada um sabe sua parte e ninguém reclama por isso. Na cabine da capitã só é permita entrada se for convidado. - Nesse ponto o sereia arqueou uma sobrancelha que Victhor não deixou de notar. — Todos podem votar nas questões do navio, mas no final o que vale é palavra da capitã. Durante seu turno de trabalho, trabalhe e no seu turno de descanso não aceite trocar com ninguém ou vai ficar sem descanso, o pessoal é gente boa, mas é bem esperto. Nada de jogos valendo dinheiro a bordo. - Ele contava nos dedos. — Desertores são abandonados em ilhas desertas e questões difíceis são resolvidas em duelo. Sabe usar uma espada?
O sereia fez que não.
— É claro que não. - Sua voz envergonhada como se houvesse feito uma pergunta estúpida. E havia. — Esteja todas as manhãs no convés que Theodora irá te ensinar o básico. - Victhor sorriu, finalmente. — Bem Vindo ao Alma Negra, sereia. – Ele estendeu a mão direita. — O navio dos loucos que não tem nada a perder.
Ao amanhecer, foi cumprida a ordem e Anne e o pai foram deixados no mar.
— Vocês não podem fazer isso COMIGO! - A moça gritava de sua precária e pequena embarcação enquanto as cordas desciam até a água.
— Oh Anne, minha queria Anne! O que será de nós? - O pai chorava e fungava atras da moça.
— Malditos piratas! Malditos! Eu vou mandar caçar cada um de vocês!
Olhos, risos e calças abertas eram mostrados para Anne e o pai de cima do navio. Alguns piratas miraram certeiro e o cheiro de urina impregnou o ar. O sereia olhava a moça gritar e cambalear enquanto a madeira do escaler tocava a água, seus pensamentos eram de repulsa e receio por pessoas como ela e quando ela o viu sorriu para ele.
— E você! - Ela apontou. — Eu ainda o terei em minha cama! Vou amordaça-lo e colocar uma coleira de ouro envolta de seu pescoço! Vou fazer você implorar por cada noite que passar em meu quarto, porque nas que não estiver nele vai preferir ter morrido neste navio imundo!
Alguns piratas mais próximos puderam ouvir com nitidez, no entanto a voz da moça não chegou mais aos ouvidos do sereia já que uma mão puxou-o pelo braço e pernas apressadas tiraram ele dali.
— Vaca resmunguenta. - Will iria leva-lo sabe-se lá para onde quando se deparou com uma mulher a sua frente. Os olhos dela fixos no sereia, a respiração ofegante. Ela perguntaria se ele estava bem, as palavras vieram até a ponta de sua língua, mas foram engolidas quando o sereia desviou o olhar. Jane tinha uma adaga numa das mãos, não mataria Anne, mas a faria calar a boca.
— Leve o sereia de volta para a cozinha. - Ela guardou a adaga na cintura. Aquela era parecida com a que Lantis havia visto antes, o cabo muito bem trabalhado.
— Sim senhora. - Will continuou puxando o sereia pelo braço.
O sereia passou bem próximo à Jane, o aroma do mar misturado ao perfume que saia dos cabelos dela levados pelo vento que parecia fazer de propósito. O sereia queria tanto sentir raiva dela, sentir ódio e desejar do fundo de seu coração nunca mais vê-la em sua frente...
— Não se preocupe com as palavras daquela... - Ela respirou fundo. — Ninguém pega o que é meu.
Foi o que ela disse quando ele terminou de passar, aconteceu tão rápido e ela seguiu seu caminho pelo navio. O sereia acompanhou seus passos com os olhos até onde pode, distraído não percebeu como seu coração sentia-se mais aliviado.
— E quem disse... que eu sou dela? - Sentiu as mãos pararem de tremer, a voz da Anne não ressoava mais em seus ouvidos.
— O que? - Will perguntou alguns passos a sua frente. Havia soltado o braço dele sem se dar conta? — Não entendi.
O sereia olhou para o chão, como era acostumado a fazer e não falou mais nada. A tripulação iniciara os reparos na cozinha do navio, o sereia ajudava, agora como membro pirata, o que para alguns ali era a oportunidade alcançada para o maltratarem. Simon algumas vezes via-os agir, mas deixava passar, a culpa era dele mesmo, afinal ele era um sereia, andava por aí exibindo-se, respondia os homens e ficava seminu pelo navio, e no mais, logo que o sereia fosse levado a Ilha das Bruxas esse tipo de importuno iria acabar. Ele tinha coisas mais importantes para pensar agora do que com o bem-estar de um sereia que logo teria sua voz calada.
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