Capítulo 7 - A Imperatriz do Leste
Mesmo antes da Inundação de Azah, o território ao leste podia gabar-se de sua beleza, após as batalhas que lá ocorreram muitas construções tornaram-se ruínas que agora eram o lar de peixes coloridos debaixo d'água, mas ainda haviam muitos campos de flores magníficas, pomares, rios de águas cristalinas, cachoeiras formando grandes véus e a mais diversificada fauna, um verdadeiro paraíso que atraia a visita de estudiosos e admiradores da calmaria e beleza da natureza. Os templos estavam sempre bem cuidados, mesmo aqueles de mais difícil acesso e mesmo com muita neve estavam regularmente com variadas flores e cheirando óleos perfumados, e todos emanavam grande energia espiritual de paz e luz. O Império Leste ou Império Mãe, como também era conhecido, era o lugar onde as religiões andavam de mãos dadas em benefício de todos.
— Entre. - A voz suave atravessava a sala enquanto a porta abria-se num ruído silencioso.
O palácio Imperial era de inigualável beleza. Cercado de flores e árvores, era uma enorme construção em ferro fundido e vidro erguido próximo a Cachoeira da Noiva. Das janelas dos quartos era possível ouvir os sons das águas, a localização era primordial para manter a funcionalidade e a beleza do palácio já que eram necessários muitos mil litros de água para abastecer a miríade de fontes e cascatas que abundava no parque onde haviam duas torres de água em forma de peixe, cada uma delas suportava uma tremenda carga de água. Esculturas rodeavam toda construção e deixavam os visitantes boquiabertos com tamanha perfeição e riqueza de detalhes.
Em seu gabinete, a Imperatriz não estava nada contente com as informações desta manhã.
— Não pode ser verdade, Brim! - Ela levou sua mão a boca e ficou pensativa por uns instantes. Suspirou relaxando minimamente os ombros. - O importante é que você está bem, ninguém irá suspeitar que aquelas cartas viriam a mim, de qualquer forma há muitos estudiosos no Leste, podiam ser para qualquer um.
— Eu sinto muito, senhora. - O homem de meia idade curvava-se cada vez mais. – O brutamontes me atacou num beco da rua. Ele era enorme, pena que não pude ver o rosto, mas ele carregava um machado em suas costas e...
A Imperatriz ficou pensativa, as cartas do Sr. Kurtler seriam usadas em seu discurso no Império Central. Levou a mão até a têmpora e pressionou com o polegar fazendo círculos.
— Resolveremos isto mais tarde, agora irei preocupar-me apenas com a Reunião do Conselho daqui uns dias. - Um sorriso bondoso ilustrou os lábios dela. - Concentre-se nas tarefas da viagem Brim, por favor.
— Sim, senhora. - Ainda envergonhado, retirou-se com um meneio. Se ao menos fosse uma Imperatriz rude e ríspida ele poderia rir pelas costas e continuaria a desviar os caminhos para beber nos bares pela estrada.
O chá na xícara estava gelado, a cabeça dela doía e havia uma pilha de papéis jogados ao chão com ideias que ela recusava de si mesma. Debruçava-se sobre livros, fazia anotações e tudo o que escrevia já havia sido dito tantas vezes antes que era difícil não usar as mesmas palavras já repetidas.
— Por que eles custam a entender? É uma coisa tão simples...
A porta de seu gabinete se abria devagar, dessa vez um homem alto entrara acompanhado de uma garotinha de cabelos longos e loiros. Os dois, em silêncio, chegaram perto da Imperatriz e juntos a abraçaram. Ela não se assustou, havia visto o reflexo dos dois pela janela, mas fingiu surpresa para a alegria da menina. Ela acariciou os cabelos dela e deu um beijo na boca do homem de pele amendoada.
— Acordou muito cedo, querida. Nem mesmo vi quando saiu da cama esta manhã.
— Desculpe não ter falado nada com você Khan, minha cabeça está fervendo esses dias.
— Eu sei, por isso estamos aqui, não é Priya? - Ele passou a mão delicadamente no rosto da criança que sorriu. - Viemos lhe trazer um pouquinho de felicidade antes de você partir para o Império Central.
Ele fez um sinal e a menina saiu correndo para voltar empurrando um pequeno carrinho cheio de doces e com um bule de chá quente.
— Chá de flor de cerejeira. - Disse ele. — Seu preferido.
Os dois não discutiam coisas burocráticas em frente a criança, por isso, durante o tempo do chá, falaram sobre o clima e os futuros passeios que fariam quando a Imperatriz voltasse. A criança sorria a cada vez que falavam com ela, esbanjando ternura, servia os doces e vez ou outra tocava as mãos da Imperatriz dando-lhe beijos em seu rosto.
— Como é doce, meu amor. Queria que todas pudessem ter a alegria de uma filha tão amável.
— Tivemos muita sorte de encontrar Priya, não é? - Khan bebericava um pouco de seu chá - Não imagino nossa vida nessa casa tão grande se não fosse a felicidade de tê-la conosco todos os dias. Ela te faz tão feliz, não suportaria a idéia de vê-la menos radiante do que agora.
— Sem dúvidas. - A Imperatriz trocou o sorriso amável que dirigia a Khan por uma leve ruga na testa, levantou-se da mesa para dirigir-se a grande janela. Olhando lá fora, o jardim florescia e as águas circulavam carregando as folhas por onde passassem. — Antes dela chegar, nossa vida era cheia de tristeza e dias ansiosos, hoje só temos a agradecer por estar conosco.
As palavras fr Priyanka não condiziam com a expressão de seu rosto, os pensamentos sobre o dia que não tardaria a chegar, sobre a reunião no Império Central roubavam-lhe a paz do momento em família. A criança sorria para ela o tempo todo. Logo, eles terminaram o chá, Priya foi levada junto a uma dama de companhia para seu quarto.
A sós, Khan e a Imperatriz discutiam sobre o que dizer ao conselho.
— O que fazer a partir de agora? - Ela havia voltado a sua mesa enquanto Khan sentava-se na cadeira a frente com uma xícara na mão. — Antes, os líderes dos grandes clãs se juntaram aos generais de guerra, fizeram reuniões que duraram dias, os Imperadores sobreviventes seriam responsáveis pela paz entre as raças dando continuidade ao progresso da melhor forma fosse possível, Khan. - Priyanka mantinha seu tom de voz calmo, mas a preocupação estava estampada em sua face. - E o que nós fizemos com o futuro que eles preparam para nós? Nós continuamos falhando.
— Eles estão fechados às propostas para libertar as sereias há muitos anos. Não é sua culpa, eles querem continuar com as coleiras...
— Enquanto isso as sereias estão morrendo aos nossos pés, para nos lembrar o quão poderosos nós somos por termos ganhado uma guerra de duzentos anos atras sem benefício algum para nenhum dos lados. - Priyanka levou a mão até a têmpora e pressionou. — Isso não faz o menor sentido.
Desde que levou o assunto ao Conselho, a Imperatriz do Leste vinha sendo perseguida, duvidavam de sua postura perante o povo. Mesmo seu Império sendo farto e muito rico, ela era questionada sobre suas decisões e seu modo de governar. O conselho alegava insensatez, que ela não era capaz de manter o pulso forte, que estava sendo levada por seus sentimentos, que a adoção de uma criança sereia como sua filha deixara suas ações tendenciosas. O que não deixava de ser verdade. Mas não era questão de abrir mão de seu povo para cuidar de outro ou de entrega-los aos lobos - como alguns alegavam, e sim de pôr um fim na escravização das sereias para que elas pudessem ter os mesmos direitos de antes, que fossem respeitadas como seres vivos que eram. E mais do que apenas isso...
O que houve no passado foi um erro, não só de Azah, não só de seu amante, mas de todos que estavam no poder. Antes da Imperatriz das Águas tender para o lado errado da Guerra do Sangue, as sereias tinham seu próprio e rico Império e depois da inundação e com o fim da guerra, foram julgados como traidoras, tomadas como escravas até os dias atuais. Mesmo aqueles que não concordavam com as decisões do conselho na época, não fizeram nada e por assim, as sereias passaram os dias como serviçais dos humanos.
— Se o Sr. Kurtlher, - Ela olhou para Khan que tinha os olhos voltados para ela e a boca na xícara de chá. — Se Phillip, - Disse como que para lembra-lo de quem ela falava. — Conseguisse provar as atrocidades que as sereias sofrem, se eu conseguisse levar isso ao conselho, poderia ao menos pedir que as leis fossem mais severas contra essa gente. Khan, você sabe o que eles fazem naquela ilha, você viu aquelas pobres criaturas vagando como se não tivessem alma. Não posso permitir que isso continue. Imagine se tivéssemos ouvido aquele maldito do Markus e tivéssemos deixados aquelas bruxas tocarem em Priya? Não consigo suportar a ideia de vê-la daquele jeito. Graças aos Céus demos a volta aquele dia e insistimos nela com amor.
— Minha querida. – Ele foi até ela e a abraçou por trás. - Tenho certeza que você irá conseguir persuadir o conselho, mas deve ter paciência. São muitos anos vendo as sereias como meros objetos, será difícil enfiar tantas novidades naquelas cabeças feitas de pedra, mas no final, assim como foi com Priya, eles irão ceder ao seu bom coração. Você vai ver.
— Obrigada. - Ela lhe deu um beijo na bochecha. - Sou a pessoa mais sortuda. Tenho um marido compreensivo, uma filha maravilhosa e meu Império prospera a cada dia...
— Não. - Ele acariciou seus cabelos negros e a pele macia de seu pescoço. — Nós é que temos sorte, por nossa Imperatriz ter o coração que caberia o mundo.
— Para você, querido Khan, eu não sou apenas Imperatriz, não se esqueça.
— Nunca Priyanka. - O beijo que ocorreu ali ficaria guardado dentro do gabinete da Imperatriz, eles não poderiam imaginar que um par de olhos azuis os observavam de longe.
Os dias seguiam corridos, Priyanka recebia em seu gabinete apenas quem dizia respeito a viagem e passava a maior parte do tempo debruçada em documentos. Haviam solenidades que enchiam seu tempo de compromissos e noites de enxaquecas constantes. Era sempre assim quando o Império Central convocava os outros Impérios, mas por mais que pudesse ser exaustivo, a reunião entre os poderes entre importante e havia muito o que ser discutido entre eles.
No dia da viagem a Imperatriz já estava a bordo do navio branco "Nosso Mar", revisando documentos em sua cabine, esperando ter alguma ideia que pudesse mudar a opinião dos membros do Conselho Central sobre as sereias. Mas por mais que pensasse no que dizer, não havia nada que já não fora dito antes e sua mente cansada latejava. Talvez ela devesse seguir o conselho de Khan e esperar pela próxima oportunidade para persuadir o Conselho. Foram meses de cartas trocadas com Phillip e nada de novo surgia para que as evidências dos sofrimentos fossem maiores do que o proveito de ter uma sereia na coleira. Apesar de almejar o descanso ela não poderia apenas aproveitar a viagem para rever conhecidos seus sabendo que os seres do mar sofriam abusos sem fim, no entanto, suas mãos permaneciam atadas sobre o assunto e a Imperatriz temia ser taxada como louca se insistisse demais sem ter provas concretas a apresentar. O melhor a fazer era se reiterar sobre os outros Impérios, ouvira dizer que o Norte estava com graves problemas e quem sabe a partir dai algo bom podia surgir.
Nas docas do Império Leste o vento soprava levando o sal do mar até os navios atracados. Um deles em especial, tinha uma missão deveras importante.
— Os senhores sabem, - Dizia Rubens, orgulhoso. — Este navio tem a fama de ser o mais impecável da frota branca do centro-oeste. — Ele passava o dedo na amurada. — Espero que se esforcem para continuarmos a mantê-lo assim. Aliás, devemos nos esforçar ainda mais desta vez, pois temos a imensa honra de escoltar uma das Imperatrizes mais belas e ricas de todos os Impérios.
Os marujos que passavam por ele faziam gestos de concordância na sua frente e por trás reviravam os olhos.
A viagem a bordo do Nosso Mar seguia tranquila, o tempo estava bom e o vento favorável, o capitão dava ordens comuns no dia a dia e preocupava-se demasiado com o bem estar da Imperatriz, assegurando que ela tivesse o que falar de seus bons modos para o Conselho Central e quem sabe ele não ganharia uma medalha ou um aumento em seu pagamento.
Durante os dias que seguiam, eles encontraram com um outro navio, trocaram cordialidades, como de costume, capitão Rubens pediu para ver o selo imperial, atestando que aquele não era um navio pirata, como era obrigação dos navios brancos fazerem.
— Boa viagem de volta, capitão Soo. - Rubens dizia. — Espero que chegue bem ao Império Norte.
— Obrigado, senhor. — Sorria o outro, enrolando de volta o certificado com o selo Imperial.
— Soube que as águas de lá estão congeladas nessa época do ano.
— Sim, estão, mas este navio já passou por lá outras vezes, estamos acostumados com o gelo e o frio. - Soo tinha os olhos estreitos como aqueles que descendiam do Oriente, uma ilha gigante pertencente ao Império Leste, a pele clara e um cabelo negro cumprido um pouco mais que a metade das costas amarrado em um rabo de cavalo alto.
Os dois navios trocaram algumas mercadorias entre eles e logo partiram cada um a seu destino.
A Imperatriz, cansada de seus papéis e de sua cabine, tomava um ar no convés e viu quando o outro navio partia, deixou seus pensamentos fluírem e deleitava-se com pensamentos sobre Priya e Khan, sobre o que eles estariam fazendo... ela sabia, com toda certeza, que Khan daria doces demais a menina, que a deixaria dormir bem depois da hora e que passaria tempo demais em sua biblioteca, onde ela mesma tinha que ir várias e várias vezes buscá-lo no meio da noite. O amor pelos livros era algo que os unia e as vezes lhe causavam algum estresse com discussões exageradas sobre opiniões diferentes.
Os pensamentos sobre sua família e sobre sua casa ajudavam o tempo passar mais depressa, Priyanka vislumbrava o mar, via cardumes coloridos passando ao lado do navio, havia tipos tão diferentes de peixes que ela não conseguiria descrever todos a Priya. Queria que ela estivesse ali para contar tudo o que sentia ao ver a imensidão azul a sua volta e queria perguntar o que Priya sentia ao vê-la também. Quando as duas se encontraram pela primeira vez a menina já era grandinha, Priyanka não sabia quantos anos Priya tinha naquela época, será que ela nasceu no mar? Já nadou com cardumes tão lindos como aqueles? A Imperaatriz ficou triste, que tipo de vida sua filha levaria se não tivesse sido arrancada de seus pais do mar? Que tipo de vida as sereias levariam se não tivessem escolhido o lado perdedor na Guerra do Sangue? Perguntas que ela não poderia responder.
A viagem durou cerca de quatorze dias e faltava pouco para chegar ao fim, a tripulação preparava o navio para o desembarque quando viram algo aproximar-se. Era um bote de madeira, remado por um único homem, vindo em direção a eles e gritando por ajuda. Priyanka viu uma garota junto a um senhor abraçados e amedrontados, ela tinha as roupas rasgadas e ele estava descabelado e com fuligem no rosto. Mais tarde, a Imperatriz ficou sabendo que o navio havia sido atacado por piratas que haviam roubado tudo e que por sorte estavam vivos.
— Pobrezinha da senhorita. - Disse o homem que remava ao subir a bordo fazendo ser ouvido pela Imperatriz. — Foi tão maltratada por aquela mulher!
Era uma lástima, ela chorava copiosamente com o pai a acalentá-la. A Imperatriz, boa que era, foi até eles, prestou seus sentimentos pelo infortúnio e ofereceu um de seus vestidos a moça, que parecia gostar da atenção que seus seios chamavam, a Imperatriz não pode deixar de notar que entre as lágrimas ela levantava o colo para evidenciar o volume que tinha ali.
— Muito Obrigada, senhora. - Ela vestia as anáguas brancas. — Está sendo muito boa comigo.
— Imagine querida. Nós mulheres temos que nos ajudar, sempre. - As duas estavam na cabine da Imperatriz onde escolhiam um vestido que melhor servisse a moça. Priyanka era magra e a garota tinha as ancas fartas, a tarefa não estava sendo fácil para uma das colaboradoras da Imperatriz que tentava enfiar um vestido branco com bordados pela cintura da garota. — Qual é mesmo seu nome?
— Anne Maud, senhora.
— Como foi mesmo que tudo aconteceu, senhorita Maud?
A Imperatriz terminou de ouvir sua história, desconfiando da veracidade de alguns fatos, mas com grande atenção principalmente a parte que dizia respeito ao sereia. Anne dizia estar indo de encontro com o tio no Império Central, pois ele daria a ela um item valioso para uma ocasião especial em família e por isso levavam muitos presentes no navio quando o navio de velas negras surgiu no oceano e os encurralou roubando e matando. No fim, quando a garota já estava vestida e as duas saiam ao encontro do pai, a Imperatriz perguntou o nome do navio pirata que fora tão cruel e vil:
— Alma Negra, senhora! É esse o nome do navio que atacou o Montanha e causou minha infelicidade!
Priyanka fechou o cenho e indo em direção ao oficial do Exercito Imperial deu a ele algumas instruções. Anne passou o resto da viagem ao lado da Imperatriz e contava a ele detalhes sobre o que havia acontecido no navio pirata. Priyanka reparou que os fatos eram as vezes trocados toda vez que moça contava a ele de novo e de novo o que aconteceu e se algum marinheiro passava perto a ênfase no sofrimento era maior. Priyanka ouvia e fazia perguntas, não que realmente tivesse interesse em decorar aquela história, mas apesar de Anne aumentar alguns pontos, no que dizia respeito ao sereia ela sempre falava a mesma coisa.
— Ele é o sereia macho mais lindo que eu já vi em toda minha vida!
Um sereia macho! Fazia muitos anos que Priyanka não ouvia falar sobre isso e estava ansiosa para contar para Phillip sobre a sua descoberta.
— E eu digo mais, senhora. - Anne tinha um sorriso lascivo nos lábios. — Ele será meu.
A Imperatriz foi educada com muita classe, mas foi bastante difícil segurar o revirar de olhos depois de ouvir Anne terminar a frase. Por fim, quando aportaram no Império Central, as duas se despediram com promessas de um reencontro, mais por parte de Anne, mas a Imperatriz era educada o suficiente para concordar e sorrir para a moça. E assim cada uma seguiu o próprio caminho.
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