Capítulo 63 - Para o ninho II
Desde a vez em que havia tomado sua forma no lago na Ilha Vordonisi muita coisa já havia mudado para Lantis. Naquele tempo ele ainda sentia alguma dor quando as finas camadas de membranas davam passagem para as guelras em seu pescoço e as nadadeiras dorsais em seus braços, agora já não sentia nada que o incomodasse, a sensação de mudar era prazerosa. Suas pernas eram unidas por pequenos sulcos que liberavam o liquido transparente e recobria toda sua pele tornando-a em camadas de escamas brilhantes como a de peixes prateados, as sereias não possuíam caudas coloridas como diziam alguns contos antigos, mas sim caudas peroladas, prateadas, cor de nácar. Bem, eram assim as sereias conhecidas como filhas de Ellyn. Os cabelos de Lantis flutuavam em balanço com a água misturando a bolhas que subiam conforme ele descia, o sal da água tocava sua pele com delicadeza e ao contrário do que acontecia com os humanos, não a ressecava, a pele das sereias em contato com a água do mar ficava ainda mais viçosa e bonita. Tudo nas sereias e tritões ficava ainda melhor debaixo da água do mar, principalmente os olhos, nenhum ser humano seria capaz de resistir à um pedido de uma sereia ou um tritão se ele estivesse imerso no azul do mar, os olhos das sereias não tinham nada em incomum com o anil do oceano e seu corpo podia ser comparado as ondas de uma praia.
Enquanto o movimento no Alma Negra era tenso, o tritão descia pelo azul do mar, passaram por eles cardumes de peixes brilhantes, pequenas águas vivas e outros animais que ainda não haviam sido vistos pelos homens na superfície. Lantis nadava devagar atento a todo movimento ao seu redor, as unagis eram certeiras e um encontro desprevenido com elas resultaria numa morte rápida.
Lantis ouviu um silvo de longe, ele olhou naquela direção e viu uma sombra aproximar-se, algo muito grande vinham em sua direção, o tritão parou por um instante o movimento da cauda o mantinha estável dentro da água, ele dedicou sua atenção a ouvir o som que propagava, o canto era de maneira muito semelhante às regras rítmicas em feitas por , mas Lantis não poderia compara-lo aos violinos e vozes que havia ouvido em espetáculos junto a seus mestres, seria injusto com eles. O gigante azul passou por ele com a delicadeza de uma borboleta passeando por um jardim, era a primeira vez que Lantis via uma baleia azul e desejou que Jane estivesse ao seu lado para verem aquela maravilha juntos. Os olhos do grande animal encontraram os azuis de Lantis, como num instinto o tritão curvou um pouco a cabeça e o tronco fazendo uma mesura aquele que o encarava, a baleia continuou seu trajeto e mais a frente quando já havia passado por Lantis subiu a superfície ejetando ar quente e criando uma nuvem de gotinhas de água, ao longe Jane a viu, também fazia tempo que não encontrava com uma baleia dessas, a capitã estava bastante preocupada com Lantis, mas aquela visão aliviou um pouco o peso de seu coração.
— Tenho certeza que ele está bem. – Theodora aproximou-se dela. — Ele não é bobo Jane, sobreviveu até hoje e passou por muita coisa.
Jane continuava olhando para o grande animal na água que ia desaparecendo à medida que tomava distância.
— O pior de tudo é saber que eu não posso fazer nada. – Ela segurava a lança afiada com força. — Se eu pudesse ir com ele poderia protege-lo, lutar ao seu lado se fosse preciso, mas daqui eu só posso esperar.
— Esperar e confiar nele. – Theodora tocou o ombro da capitã. — Depois de tudo o que vocês dois passaram, já é hora de confiarem um no outro, de saberem que não importa o quê vocês vão estar lá um para o outro. Confiança é importante, Jane, não ser capaz de controlar tudo nem sempre é ruim.
Jane não disse nada, tocou a mão da amiga em seu ombro e sorriu, sabia que Theodora queria o seu bem e deixou a tensão em seus ombros diminuírem um pouco.
— Theodora! – Uma voz veio de longe.
Ambas olharam pra trás, Darren vinha de encontro com elas.
— O que foi? – A morena disse preocupada que algo tivesse acontecido.
— Ué, nada. – O rapaz respondeu. — Você saiu do nada, achei que tivesse acontecido alguma coisa.
As duas mulheres se olharam.
— Entendi. – Theodora respondeu depois de um tempo. Ela passou a mão sob seu cabelo. — Darren, você está a fim de mim? – Disse depois de um pequeno intervalo de tempo. — Por que se estiver é melhor que saiba que eu já go...
— Ah, não! – Ele disse pondo a mão a frente. — Não diga isso que eu não quero ouvir.
Theodora fez uma expressão preocupada, Jane queria sair dali.
— Eu não estou a fim de você. – Esclareceu o rapaz. — Mas estamos numa situação muito delicada aqui com essas unagis podendo nos atacar a qualquer momento, eu entendo isso, quando você saiu e não voltou fiquei com medo de que algo estivesse acontecendo em segredo e vim averiguar se você estava bem.
E como Theodora fazia uma expressão estranha para ele, continuou.
— Não que eu não ache você muito bonita, atraente ou qualquer coisa menos que isso, mas eu não estou aberto para relacionamentos agora, quero me dedicar ao trabalho e a vida de pirata primeiro.
Jane mordeu os lábios segurando o riso, Theodora não o fez e riu alto na frente do rapaz. Darren era bonito, fofo e mais novo que ela e depois dessa fala sobre a preocupação com o "trabalho de ser pirata" a moça decidiu que seriam amigos para toda vida. Jane disse que era melhor voltarem aos seus postos, agradeceu a preocupação de Theodora e viu os dois saírem rindo e conversando.
— Você também é bastante atraente, meu amigo. – Theodora disse rindo. — Precisa crescer alguns centímetros e malhar um pouco mais e qualquer moça de boa família vai querer estragar a reputação numa cama com você.
— Sério isso? – Darren ficou com as orelhas um pouco vermelhas, mas estava bastante satisfeito.
— Juro! – Theodora botou a mão sobre o coração.
— Eu vou levar isso a sério, você vai ver! – Ele ergueu o punho.
E continuaram falando sobre músculos e exercícios para ficar forte.
Jane voltou a olhar para o mar, o coração um pouco mais calmo, as águas estavam escuras, sabia que Lantis podia enxergar muito bem debaixo da água e isso a deixava aliviada, as Unagis podiam se esconder muito bem no fundo. O tritão seguia seu rumo, descendo sem ainda encontrar os navios naufragados, a água saia pelas brânquias em seu pescoço o que lhe dava condições de ir cada vez mais fundo, o corpo começava a sentir as pressões da profundidade e seus olhos transitavam entre os azuis. Lantis começou a ficar preocupado se ali era o lugar correto, já não sabia quanto tempo estava no fundo, mas ainda não havia encontrado nada, passou por uma carcaça de baleia que estava sendo devorada por tubarões, passou por corais coloridos, cardumes de peixes e nada de encontrar os navios.
Lantis pensou em ir até a superfície e perguntar ao Capitão Soo se ele não havia se enganado, talvez fosse em outra coordenada, as vezes latitudes e longitudes podiam ser confundidas nas marcações dos mapas. Mas quando essa ideia passava por sua mente algo chamou sua atenção mais a frente. Uma sombra ia passando devagar próxima a algumas rochas, Lantis a observava de longe, os movimentos serpenteantes da sombra lembravam muito o modo de nadar das enguias e depois de alguns minutos ele constatou: uma Unagi! Devagar ele passou a acompanhor a Unagi até chegar em uma fenda bastante profunda e muito grande, do alto da fenda Lantis viu os navios naufragados, não sabia dizer se eles caíram lá por conta das correntes marítimas ou se foram arrastados, mas ele apostava na segunda opção. Um bando de unagis pode fazer muita coisa.
As Unagis eram comparadas às sereias há tempos atras, mas ao contrário das sereias elas eram muito mais selvagens. Nenhum ser humano conseguiu estabelecer qualquer conversa com uma Unagi, ao menos não tinha nenhum registro sobre isso, não se tinha noticia sequer se as unagis tinham algum sistema de comunicação.
A cauda, a pele, os olhos, os dentes e sua agressividade eram como de enguias, mas seu tronco era parecido com as sereias e algumas vezes no mar podiam ser confundidas com elas. Lantis viu quando a Unagi nadou até um buraco na fenda e resolveu segui-la, ambos passaram por canais nas rochas que eram largos e frios, ela nadava por eles sem perceber o tritão em seu percalço e Lantis sentia-se cada vez mais encurralado.
Lantis estava confuso em meio a tantas viradas bruscas, a Unagi ainda nadava a sua frente, contudo não saberia como fazer o caminho de volta, haviam muitas preocupações e como retornar para o Alma Negra era uma delas. Lantis sentia a pressão em seu corpo aumentar, eles estavam descendo ainda mais, e as curvas haviam diminuindo um pouco com tuneis mais cumpridos e mais estreitos. A distância que ele estava da Unagi ainda era segura, mas começou a ficar tenso com a possibilidade de ela virar para trás e vê-lo, afinal não tinha nada em que pudesse se esconder e mesmo que estivesse muito escuro sabia que ela poderia enxergar muito melhor do que ele ali embaixo. Para sua sorte a Unagi parecia muito mais interessada na tarefa que estava fazendo do que em saber se estava ou não sendo seguida, isso nunca havia acontecido antes e ela não poderia supor que essa seria a primeira vez.
A Unagi entrou em um outro túnel, mas dessa vez Lantis não a seguiu, de alguma forma as sereias e tritões tinham alguma ligação entre si e ele sentiu algo próximo a ele, o que era muito estranho. Deixando que a Unagi seguisse quaisquer que fosse seu caminho Lantis foi movido por um instinto protetor, algo que clamava em seu intimo e num rompante ele virou mais um, dois, três tuneis até chegar na entrada de uma caverna. Se estivesse em terra ele estaria suando, calafrios estranhos subiram por seu ventre e algo como uma dor alojou-se em seu abdome. Não havia nada na porta que impedisse a sua passagem, mas algo o paralisou na entrada, um frio estranho percorreu sua espinha, até suas escamas arrepiaram-se. Ele não tinha medo, havia decidido que não temeria mais situações como essa e seguiu em frente. Pela água ele sentiu um cheiro estranho de sangue e o seguiu, estava ainda mais escuro ali dentro e a medida nadou mais metros a frente Lantis agradeceu por isso. Seus sentidos estavam todos alarmados, suas irises em tons mesclados de azul e vermelho e ele precisou segurar o conteúdo de seu estomago porque a cena em sua frente fazia todas as suas tripas se revirarem e darem um nó apertado.
Aquele lugar parecia ser um cemitério de sereias. As expressões se desfazendo, pedaços em seus corpos haviam sido arrancados. Muitas de suas irmãs e irmãos tinham sido jogados ali e apodreciam, todos pareciam mortos há bastante tempo, o que para Lantis não fazia sentido já que ele sentiu que havia alguém de seu povo por perto. Com cuidado para não tocar em nenhum dos corpos que flutuavam ele nadou por entre eles como se fossem espinhos, Lantis seguia aquele sentimento reconhecido e ia devagar pelo caminho de sereias e tritões mortos. Enfim os corpos foram ficando mais espalhados, como se ainda vivos procurassem afastar-se daqueles já mortos. Ele sentiu que era isso. Um pouco a frente Lantis viu uma sereia encolhida no canto, não parecia bem, mas era ela. A que ele havia sentido ainda estava viva, mas seria por pouquíssimo tempo, metade de seu corpo havia sido perfurado por punhais e lanças profundas que pareciam feitas de ossos.
Lantis aproximou-se dela devagar e tocou-lhe com a palma na testa, ela olhou para ele sem acreditar no que via e o que pareceu um vislumbre de alegria tornou-se em desespero no semblante da sereia. Ela tentou dizer-lhe através de olhos atônitos que fosse embora, que era perigoso, mas Lantis tentou cura-la como fez com Jane, o tritão impôs suas mãos sobre as feridas da sereia, ela seguia seus movimentos apenas movendo os olhos, mesmo que ele tentasse muito ela sabia que nada iria resolver.
"Obrigada." Ele ouviu em sua mente. Lantis entendeu com tristeza que era tarde demais, sorriu para ela com a maior calma que era capaz e ficou do seu lado até que sua hora chegasse. Não demorou mais que cinco minutos. O tritão fechou os olhos dela, queria saber como eram feitos os rituais de morte de muito tempo atrás, no entanto os registros do povo da água estavam todos destruídos ou na mão dos humanos e ele não sabia de nada, nem de belas palavras que pudessem aliviar a passagem daquela sereia. Mas ele estava ali, ao menos esperava que ela não se sentisse tão sozinha na hora de morrer.
Fez o caminho de volta olhando para cada rosto desfigurado das sereias que estavam ali, Lantis decidiu que aprenderia sobre os ritos de passagem para a morte e o faria em nome daqueles que foram deixados para morrer sem nenhuma dignidade ou compaixão. Retornou para sua missão e com o desejo de assim que possível refazer a história de seu povo e sereias e tritões não seriam mais massacradas, pegas em armadilhas ou tratadas como lixo. Elas seriam respeitadas mais uma vez como um povo, uma nação, um Império.
Lantis nadou durante muito tempo a procura dos ovos de Unagis entrando e saindo de tuneis, estava exausto e a esperança já esvaída, pensou em voltar a superfície e teria feito isso se não visse uma Unagi carregando algo envolvido por algas verde escuro dentre um dos tuneis próximo ao dele. Ela cuidava daquele objeto com bastante devoção e isso fez Lantis acreditar que poderia ser um ovo. E era mesmo!
A Unagi o levava para algum lugar e Lantis a seguia do mais próximo fosse possivel, o tritão pensou que onde quer que ela fosse deveriam ter outras Unagis e não seria fácil lidar com elas. Era melhor agir enquanto havia apenas uma! Ele nadou rápido e sem que estivesse esperando Lantis enfiou uma faca na Unagi por trás. Ela não morreu de imediato, seus olhos escuros arregalaram-se com o choque e virando-se para Lantis abriu a boca para dar seu grito de morte, o tritão não esperou nada e a garganta dela foi cortada pela mesma faca e seu sangue flutuava junto a água. Lantis pegou o ovo que caia vagarosamente das mãos dela e saiu do lugar o mais rápido que podia. Assim que as Unagis percebessem que alguém havia entrado ali um coral de horror iria começar e mesmo que para Lantis o grito não fizesse algum efeito ele nunca havia testado com tantas antes.
O Tritão agarrou o ovo e nadou entrando em túneis e cavernas que ele acreditava o levarem para cima. Duas vezes ele quase encontrou uma Unagi e em três túneis que entrou não havia saída. Seu coração estava desesperado e ficou pior quando ouviu um barulho horrível vindo mais abaixo. Com isso ele teve duas constatações: a primeira era que ele realmente estava subindo e a segunda que outras Unagis haviam encontrado aquela que ele havia matado.
A partir dai a velocidade era o que contava mais e Lantis era rápido, ele continuou nadando para cima, arpões pontiagudos passaram por ele e um grupo vinha em seu percalço. O que ele poderia fazer além de nadar ainda mais rápido? Lantis tinha folego, mas naquela profundidade as unagis tinham vantagem. Ele sentiu algo agarrando-o por baixo e dedos pegajosos passavam na ponta de sua calda, o objeto de ouro que tinha ali mesmo quando ele se transformava brilhou nos olhos de uma unagi bastante forte que tentava puxar Lantis e acerta-lo com a outra mão. Ainda sem desistir, Lantis continuou rumo a cima até que começou a perceber a água mais clara e a pressão menor, um sorriso nos lábios e ele continuou subindo dessa vez sem olhar para trás ate que finalmente estava longe o suficiente e havia deixado a unagi para tras. Lantis havia tido muita sorte, conseguiu sair do emaranhado de tuneis e cavernas das Unagis vivo, logo ele viu de novo os navios naufragados lá embaixo. De início ele queria ir até eles e trazer algo de lá, queria dar um presente, mas agora o que ele desejava era somente voltar até o Alma Negra.
Deixando os túneis para trás ele continuou nadando com o ovo em mãos e ao olhar para baixo ele viu um cardume de Unagis atordoadas indo de um lado para o outro, claro que elas não iriam desistir tao fácil, mas a essa altura ele quem tinha vantagem. Os tritões e as sereias podiam ver melhor em águas claras, as Unagis não tinham uma visão tão boa quando havia muita claridade e provavelmente Lantis era mais um borrão para elas do que um tritão que fugia desesperado.
No navio os piratas mantinham-se preparados com as lanças, os turnos já haviam sido trocados duas vezes, mas Simon, Victhor, Will e Jane não deixaram suas posições um minuto sequer. Capitão Soo Yang em seu navio parecia mais relaxado e confiante e as vezes surgia no convéns bocejando ou comendo alguma coisa. Jane não dizia nada, ele era assim há muito tempo.
A bandeira pirata tremulando ao vento balançava suavemente sobre as ondas tumultuadas, a aflição do navio parecia fazer a bandeira chacoalhar mais e mais.
— Ali! – Theodora gritou da proa. — Tem alguma coisa ali!
Jane correu para a amurada, foi seguida de mais alguns e até Soo apareceu na ponta de seu navio para checar, seus olhares se voltam para o horizonte quando uma enorme sombra aparece na água. Algumas bolhas subiam e estouravam em contato com o ar, o coração de todos estavam ansiosos e acelerados, poderia ser Lantis, mas também poderiam ser as Unagis.
Quando De repente, com um estrondo que faz as tábuas do convés vibrarem, uma baleia emerge do oceano com uma força majestosa. Seu corpo imenso rompe a superfície com um jato de água brilhante, e por um breve momento, ela parece flutuar no ar, sua pele escura brilhando sob o sol. A baleia descreve um arco poderoso antes de mergulhar de volta no mar, causando uma explosão de água ao seu redor.
Os piratas ficam em silêncio, admirados, enquanto a baleia faz uma imersão graciosa, criando ondas que fazem o navio balançar. O coração de todos parecia sair pela boca, Jane passou a mão pelo cabelo jogando-o para trás, os respingos de agua salgada bateram em seu rosto e ela fechou os olhos aspirando o aroma do mar. Naquele momento seu coração sentiu algum alivio e um pouco de esperança, mesmo que não fosse Lantis, ainda assim era algo lindo que ela não poderia deixar de admirar.
No entanto, assim que espuma se desfez uma sombra menor surgiu próximo ao navio e finalmente um tritão emergindo encarando o navio com seus belos olhos azuis. Os piratas urraram de alegria!
— Puta merda! – Jane disse olhando para Lantis no mar, o coração aliviado de ver que ele estava bem e não lhe faltava nenhuma parte do corpo. Ele aproximou-se do navio e lá de cima os piratas podiam ver sua forma no mar. Não havia ninguém que poderia dizer que ele não era lindo.
— Não é hoje que vamos virar comida de Unagi, capitã. – Um de seus disse e recebeu um olhar carrancudo em resposta. Ele saiu de fininho levando um sorriso trouxa consigo. — Me desculpe, me desculpe.
Lantis mergulhou quando viu o sorriso de Jane e tomou impulso na água pousando sob os dois pés na madeira do navio. Um grupo de piratas satisfeitos tomaram lugar ao redor dele e abriram espaço quando a capitã se aproximou. Lantis estava nu e antes que Jane chegasse alguém o havia entregado uma calça rasgada que cobria um pouco acima dos joelhos. Ele havia acabado de mudar o corpo e os atributos de tritão ainda secavam em contato com o ar seco da superfície, as guelras eram cobertas pelo corpo por uma membrana fina em seu pescoço como se fosse uma cicatriz. Nas nadadeiras dorsais em seu braço acontecia o mesmo, a cor de seus olhos tornava-se mais amena e menos intensa voltando ao azul de águas cristalinas e deixando o mar nebuloso para trás, Lantis ainda sentia seus músculos encaixarem corretamente no lugar, mas isso não o incomodava, era só esticar os braços, arquear o peitoral que tudo se encaixava como tinha que ser. A visão era ótima e se existissem deuses da beleza, Lantis poderia ser comparado a eles. Claro que ele não vestiu roupa nenhuma.
— Ele trouxe o ovo? – Capitão Soo vinha se aproximando, havia passado para o Alma Negra assim que Lantis despontou no mar. Já havia perguntado se ele estava bem, mas para quem o visse apenas nesse momento iria achar que a vida de Lantis não o importava em nada.
Soo Yang ficou entre ele e o caminho para Jane que vinha encontra-lo. Lantis quase enfiou o ovo nas fuças do capitão, mas Soo não achou ruim ver o ovo de tão perto.
— Ótimo!
Ante que Soo tocasse o ovo Lantis o puxou de volta.
— A pérola, Soo Yang. – Foi Jane quem disse.
Há que se deixar claro que ambos os capitães não duvidavam um do outro, há tempos Jane, Soo e Thomas andavam juntos pelos mares pilhando navios e invadindo ilhas, cada um com seu próprio objetivo, no entanto Jane tinha pressa.
— Claro! – Soo sorria como um bom pagador faz ao receber a mercadoria desejada. — Só um instante. – Ele fez um sinal e de seu navio alguém vinha trazendo uma caixinha de madeira.
Lantis estava ao lado de Jane, o sol indo dormir no horizonte.
— Você está realmente bem? Não teve nenhum problema lá embaixo?
— Estou bem, foi difícil encontrar o ovo, eu tive sorte. – Lantis manteve os olhos ainda afastados de Jane e como mais duas bermudas foram colocadas a sua frente ele foi obrigado a vesti-las. Os piratas estava se sentindo muito humilhados. — Haviam outras sereias lá embaixo, estavam mortas. – Ele disse fazendo um laço mal feito.
Jane iria dizer algo quando Soo chegou estendo a caixinha para ela, Lantis já sentia a pérola ali dentro.
— É ela. – O tritão afirmou.
— Entregue a ele. – Jane disse sorrindo para Soo enquanto Lantis entregava o Ovo para o capitão do Dragão Branco.
— Uau! – Soo disse pegando o ovo. — Isso é muito pesado e, – Ele fez uma cara de nojo. — Gosmento!
De fato, para quem visse o ovo o acharia igual às pérolas negras, mas ao tocá-lo a realidade era bem diferente.
— Acho que o filhote não está vivo. – Lantis disse com pesar. — Não sei em que ponto foi, mas eu parei de sentir o ovo pulsar.
— Meu mestre não vai se importar com isso. – Ele respondeu sorrindo. — Bem, vamos comemorar!
— Vamos sair daqui primeiro. – Victhor disse ajeitando os óculos com a ponta dos dedos. — Só de saber que elas estão lá embaixo me dá arrepios.
Os dois navios zarparam em alto mar, cada um com seus próprios piratas comemorando mais uma troca bem sucedida. Canecas com vinho eram erguidas, o Capitão Soo sempre tinha um bom estoque em seu navio, cantariam canções até a noite chegar e o navio deslizava sob as águas.
De longe, enquanto o navio ia em direção a lua, olhos negros e brilhantes o observavam, as cabeças com sua metade fora da água e lanças afiadas nas mãos. As Unagis não tinham certeza, mas sabiam que aquele navio tinha algo haver com uma de suas irmãs mortas e o ovo roubado, aquela besta que acompanhava o navio dava a elas um grande pavor e por isso não podiam chegar mais perto.
Logo o Alma Negra teria de enfrentar a vingança desse povo que também habitava o mar, mas por ora, todos queriam beber e sorrir pela vitória alcançada.
Com a noite acima de suas cabeças, os homens e mulheres de ambos os navios estavam cheios de beber, Capitão Soo sempre era o último a se render ao sono e bebericava sozinho na proa observando o mar a sua volta. Ele sorria, estava satisfeito por alcançar mais uma tarefa para seu mestre e desejava vê-lo o quanto antes. No Alma Negra, Jane e Simon bebiam conversando sobre a Ilha Esmeralda, ansiavam pelas águas verdes cristalinas que davam nome ao lugar.
— Não vejo a hora de encontrar Ana, Jane.
— Tenho certeza que ela irá chorar quando te ver.
Simon não era de sorrir, então quando o fazia era algo bom de se ver. Os dois bebiam e ainda falavam sobre a Ilha quando o tritão se aproximou.
— Posso falar com você um instante?
— Claro. – Ela respondeu com a caneca nos lábios.
— A sós.
Simon cruzou os braços.
— Ta se achando demais homem-peixe!
Lantis deu de ombros, Jane terminou a caneca num gole e entregou a Simon e deu tapinhas no ombro dele enquanto ele saia.
— Te vejo amanhã, Grandão!
Ele grunhiu algo que ela não entendeu e terminou o liquido de sua própria caneca. De fato, Simon não gostava ainda de Lantis, mas já havia decidido que não ia se opor se Jane quisesse ficar com ele, no entanto fazia questão de deixar bem claro sua insatisfação.
Enquanto Jane e o tritão iam em direção a cabine passaram por Pyra e Theodora, as duas também falavam sobre o Ilha Esmeralda e assim como Simon, Pyra ansiava por encontrar alguém.
— Aqui está, senhoras! – Era Darren que trazia mais três canecas cheias para elas e ele. Iriam continuar conversando por muito mais tempo até que caíssem bêbados pelo convés juntos a outros piratas que já dormiam de boca aberta.
Jane não encontrou Victhor em seu caminho, ele estava no compartimento de cargas com Will, ambos dormiam com as pernas entrelaçadas um no outro, estavam nus e cansados.
Na porta da cabine ela abriu e deixou que Lantis entrasse primeiro.
— Achei que não ia te ver essa noite, e ...
Foi o tempo de trancar a porta e seu corpo foi tomado pelos braços dele. Primeiro foi um abraço apertado, depois ele tocou em seu rosto, as pontas dos dedos tateando suas bochechas, ele encarou seus olhos castanhos, ela o olhava em resposta.
— Bem vindo de volta. – Jane disse já com a boca colada na dele.
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