Capítulo 44 - Fúria do Diabo
Olá!
Sem muitas delongas, vamos a mais um capítulo! Espero que gostem do desenrolar dos acontecimentos a partir daqui :)
A impressão que eu tenho é que a história caminha para o final mas ao mesmo tempo ainda tenho muitas coisas para contar... bem, vamos ver como será!
Beijos =**
Era evidente a desvantagem do Alma Negra. Piratas vinham do alto por meio de cordas e lançavam ganchos da popa à proa no navio para invadi-lo como se fossem artistas circenses, logo o convés tinha tantos homens que mal podia-se dar um passo sem encostar em uma espada. Os piratas do Alma Negra tinham experiência em lutas, posicionando-se estrategicamente eles lançavam-se contra os invasores buscando a morte de cada um deles. Simon fazia jus ao seu tamanho avançando como um touro, seu machado partia crânios em dois, decepava braços e cortava pernas com golpes pesados que deixavam o rastro sujo por onde ele passava. A expressão de seu rosto era ódio puro, os ferimentos nos braços arderiam mais tarde, agora ele só queria encontrar Jane e acabar com todos aqueles homens que ousaram invadir o navio.
Os piratas possuíam espadas, sabres, machados e punhais e não havia uma lâmina sequer que não estivesse coberta de sangue. O som das pistolas era seguido do som dos corpos que caiam sobre a madeira do navio, gritos de dor e urros de ódio ensurdeciam ambos os lados da batalha.
Simon encontrou Theodora caída próximo à entrada da galeria que levava ao andar de baixo, seu corpo inerte sobre uma poça de sangue.
— Theodora! – A voz de Rupert cortou o ar no mesmo instante em que Simon abaixado sobre ela segurava seu corpo frio.
Rupert avançou sobre dois homens que impediam a passagem e teve o estomago perfurado pela espada de um deles. Sem deixar por menos, ele atravessou a cabeça do mais próximo com sua espada e o outro foi derrubado por uma bala. Rupert não viu quem atirou. Agradeceria mais tarde.
Ele chegou a tempo de ver Theodora ainda nos braços de Simon, ela respirava com muita dificuldade, Rupert pressionava o próprio corte com uma das mãos, os olhos dele encontraram com os de Simon numa súplica sem palavras, o maior deles fez que sim com a cabeça e levou a moça.
— Não morra ainda. – Simon disse com Theodora nos braços e desceu pela galeria em direção ao interior do navio.
Rupert gritou de dor, se ele perdesse Theodora nenhum dos homens em todos aqueles navios seriam capazes de acalmar a sua alma em busca de vingança. Seu ferimento ainda sangrava, mas ele não desistiu de lutar.
Victhor e Will estavam na proa, os movimentos do loiro eram rápidos e certeiros, vinham da aprendizagem das ruas, não eram bonitos de se ver, mas cortavam e sangravam aqueles que apareciam em sua frente.
— Aposto que depois de me ver lutar não vai resistir e vai se apaixonar por mim! – A voz dele era abafada pelo som dos tiros.
Victhor não lhe negou um sorriso.
— Vai ter que ser bem melhor do que isso se quiser me impressionar.
Victhor tinha uma pistola em uma das mãos e fazia bom uso dela, sua mira era excelente o que compensava os movimentos mais vagarosos com a espada. Haviam muitos homens ao redor dos dois, mas apesar da desvantagem eles seguiam firmes com poucos ferimentos graves.
Dois navios ladearam o Alma Negra e não cessaram fogo em nenhum momento. Os canhões do navio de Jane aguentavam o quanto podiam, mas a madeira não era intransponível e já sofria com tantas perfurações. Além do barulho causado pelos disparos podia-se ouvir ao longe mais gritos e mais madeira rangendo, no entanto o que causava todo aquele alvoroço era outra coisa.
— Puta Merda! – Um dos piratas gritou. — O que é aquilo?
Concentrados nas próprias lutas os piratas não perceberam que os outros navios também estavam sendo atacados, no entanto não eram homens que os atingiam, algo golpeava com uma força estrondosa debaixo dos navios, um de cada vez os navios sofriam perfurações em seus cascos e uma grande quantidade de água do mar entrava, alguns homens eram puxados sem ninguém ver, seus corpos eram envolvidos por poros pegajosos e seus gritos eram afogados pelas águas do mar, nenhum corpo boiava. Algo estava a favor do Alma Negra, eles só não sabiam o que era.
Pyra ainda estava ao leme buscando livrar o navio dos dominadores, era difícil manter o curso já que precisava constantemente usar a espada, seus braços fortes davam conta do recado, mas a dor queimava em seus músculos.
Quando voltou ao convés Simon viu Jane sendo golpeada por Markus. A espada vinha na direção dela com grande força e muito ódio, a cara de Markus agonizava a cada vez que errava um golpe e xingava a mulher a sua frente de todos os nomes possíveis. Simon queria ajuda-la, mas Rupert estava escorado na amurada prestes a cair no mar, ele que confiava na habilidade de Jane, foi até Rupert e o ajudou a se erguer. Pena que já era tarde demais.
— Rupert! – Ele segurou o amigo apoiando-o pelo braço, a preocupação so aumentou depois que viu o sangue escorrendo pelos dedos.
— Acabou pra mim amigo. – Rupert mostrou a Simon mais três golpes na direção de seu estomago, o sangue jorrava dos cortes e gradualmente ele foi perdendo a cor. Era um homem forte porque ainda conseguia falar.
— Pyra! – Simon gritou na esperança da médica ouvir. – Pyra!
Mesmo que ela ouvisse não haveria mais o que ele pudesse fazer. Era o fim para o velho homem do mar.
— Si-simon. – Ele vomitou sangue. – Cuida dela pra mim. Cuida da Theodora pra mim.
Simon o encarava nos olhos, os dedos caleados de Rupert o seguravam com força e a dor dos cortes devia ser ainda maior. As lembranças de uma vida inteira diante dos dois. Rupert já estava no Alma Negra quando Simon chegou, ele o ajudou tanto, o amparou tanto. Cuidava das feridas que Simon adquiria ao lutar, dava-lhe de comer escondido quando Daniel o castigava por má conduta no navio... vê-lo morrer dessa forma agonizando em seus braços trazia a lembrança das chamas e do corpo do pai envolvido pelo fogo.
— Theo... - Não demorou muito os olhos de Rupert ficaram abertos e sua respiração sessou. Ele estava morto.
Simon cerrou os lábios com tanta força entre os dentes que sentiu o gosto do sangue na língua. Seus olhos arregalados, seu desespero num urro de dor. Ele ergueu o corpo, segurou o machado e partiu para cima. Sua dor, sua raiva, sua tristeza desferidas em cada golpe, não havia mais o incomodo do sangue rival espirrando em sua pele, ele lembrou-se da sensação de antes do Alma Negra, de estar perdido, sozinho, morrendo. Homens eram transformados em pedaços de carne ao passaram por seu machado e ele só iria parar depois que não houvesse mais nenhum inimigo de pé.
Quando Jane viu Markus vindo em sua direção seu único pensamento era sair de perto da cabine onde ela havia trancado o sereia. Ela ouviu a voz de Lantis chamando-a lá de dentro e disparou ao encontro de Markus. Não havia a menor possibilidade de Markus encontrar Lantis ali, não podia haver!
— Sua filha da puta! – Ele gritou levando a lâmina de sua espada de encontro a dela.
— Cala a boca desgraçado! – Jane era forte, podia não parecer, mas ela era bastante forte, os golpes da espada de Markus eram sustentados por sua espada. Dias e dias de treino que valeram a pena.
— Você gostou não foi? – Ele dizia entre os dentes, o cabelo caindo sobre o rosto, o suor misturado ao sangue de outros. — Você gostou de me fazer de bobo debaixo do meu próprio teto! - Ele gritava e vinha pra cima de Jane.
Ainda que Markus não tenha encostado a mão em Jane enquanto ela estivera em sua fazenda ela viu o quanto ele podia ser cruel afogando homens em seu próprio sangue, deixando-os perecer de fome enquanto moscas rodeavam seus corpos fétidos, rasgando-lhe a carne com um punhal, chicoteando pessoas como se fossem sacos de feno. E haviam tantas histórias sobre ele que Jane não fazia a conta de quantos tipos de tortura ela poderia conhecer. Com o olhar maligno que ele dirigia a ela, Jane não podia ser pega.
— Maldita! – A espada de Jane fez um corte profundo no braço de Markus, ela sorriu satisfeita o que atiçou ainda mais a ira dele. — LÍDIA! – Ele gritou o nome que ela inventou para trabalhar na fazenda, num momento Jane sentiu seu corpo se curvar, o som daquele nome fazia as lembranças de subserviência voltarem aos seus músculos e um calor frio passou por sua espinha. Ela deu um passo para trás, mas Markus não podia se enganar, aquele passo era pra pegar impulso e não para recuar.
O golpe veio com força e com raiva, Jane impunha força, fazendo Markus ir à amurada do navio, a intenção dela era joga-lo ao mar. Próximos do limite entre o navio e as águas ela viu quando os grandes tentáculos terminaram seu trabalho num dos navios mais afastados do Alma Negra, menos um! Ela pensou e no instante seguinte a que seus olhos desviaram do homem, sentiu um arder em seu rosto, a espada Markus percorrera o rosto de Jane do lóbulo da orelha até dois dedos antes da boca. O sangue escorreu pelo seu pescoço e roupas. Jane levou a mão vazia até o corte e sentiu o separar de sua pele. A dor era insuportável. A risada de Markus fez os homens perto deles arrepiarem-se.
— Você deve sofrer, Lídia! – Enquanto ele falava a saliva era expelida por seus lábios como um cão quando está com raiva. — Você deve pagar pela humilhação que me fez passar!
A vontade de Jane era rir da cara dele.
— Você é patético. – Ela o encarou num olhar sombrio. O sangue sem dar trégua, a dor pesando em seu rosto. — Sofrimento, humilhação, você não sabe o significado dessas palavras! Cada pessoa naquelas fazenda têm mais ódio de você a cada dia, eles bebem do próprio suor e sentem o azedume escorrer por suas gargantas. Você acha mesmo que tudo aquilo que você faz naquele lugar amaldiçoado não vai ter volta? Pode apostar que você ainda vai ser muito mais humilhado por isso.
A visão que Markus tinha de Jane ficou distorcida, antes a serva obediente e frágil depois a traidora que havia levado o sereia e agora a capitã vingativa coberta de liquido vermelho.
— Você me enganou! – A frase dita aos gritos. — Você teve a coragem de entrar em minha casa, tentou me seduzir com um jeito manso e me enganou, por menos eu já matei, o que você acha que eu vou fazer com você?
A risada de Jane inflou ainda mais sua ira ruborizando todo seu rosto.
— Seduzir você? – Havia escarnio evidente em suas palavras. — Você acha mesmo que por algum momento sequer eu tentei seduzir você? Eu tenho nojo de você, só de estar no mesmo ambiente que você eu tenho vontade de vomitar! Eu só aguentei aqueles dias por causa de Lantis!
As veias no pescoço e têmpora de Markus ficaram evidentes, ele gritou e partiu pra cima dela com todo fervor.
— Quem porra é Lantis? – Ao terminar a pergunta ele ligou os pontos, os olhos arregalados como se uma luz acendesse em sua mente e tudo ficasse claro: Lantis era o sereia que ela roubou na Ilha Liberdade. Desde sempre ele fora o objetivo dela, desde sempre ela estava lá por ele e nesse mesmo momento ela estava lutando com todas as suas forças por causa dele.
— Sua vadia! Você comeu da minha comida, morou debaixo do meu teto, você esteve na minha casa, tudo por causa desse animal imundo!
— Cala essa boca! – Jane gritou a altura, não só pela raiva que ela sentia, mas também pelo barulho ensurdecedor da batalha que seguia o seu redor. Os dois discutiam enquanto suas espadas arremetiam uma contra a outra. — Nada naquelas fazendas tem esforço seu, você recebeu tudo dos seus pais. Aposto meu navio que a alma deles é ressentida por ter um filho tão bosta quanto você, espancar, humilhar e escravizar as pessoas não é motivo de orgulho para ninguém!
Uma explosão próxima tirou a atenção de Markus sobre Jane, mas a capitã continuou seu olhar fixo nele, a espada estava apontada para seu peito e a vida de Markus acabaria ali, a pirata já podia vislumbrar o corpo dele caído sem vida no chão e a alegria dos escravizados sendo libertos de sua fazenda, contudo, como uma maldição sob a felicidade de Jane uma bala perfurou a coxa esquerda da capitã e outra atravessava seu ombro do mesmo lado.
— Desgraça! - Ela caiu sobre o joelho bom.
Markus olhou aturdido, procurou o homem que fora contra suas ordens de não encostarem em Jane, mas não havia quem, um tiro vindo de qualquer lugar, ele não poderia saber. Markus apreciou mais do sangue dela esvaindo de seu corpo, chutou o meio do peito de Jane derrubando-a ao chão e mais outro atirando-a para o lado, foram chutes em suas costas e em seu estomago, o sorriso maquiavélico no rosto dele só poderia significar a vitória para o Fúria do Diabo.
O Alma Negra e seus piratas sucumbiam ao número elevado de inimigos e mesmo com a habilidade de cada um os outros eram como vermes surgidos do inferno para tirar-lhes a vida. O assoalho do navio estava tingido de vermelho e pedaços de corpos eram vistos por todos os cantos. Piratas sendo piratas.
Houve um estrondo vindo do mar como se um animal gigante saltasse sobre as águas, o navio de Jane virou quase por completo para um dos lados, depois virou-se para o outro, na amurada via-se tentáculos gigantes puxando a madeira, os piratas empunharam a espada, Simon gritou para os seus não atacarem o animal que já sofria as apunhaladas pelas espadas dos inimigos. Pelo movimento de vai e vem do navio a luta perdeu o controle sobre os homens, tudo saia do lugar e rolava sobre os piratas, Markus perdeu Jane de vista, em sua direção vinham barris, cordas, corpos e ele precisava manter-se atento para não ser golpeado e jogado ao mar. Alguns piratas que pendiam com o desequilíbrio tentaram agarrar-se nele e de um deles Markus quase arrancou a mão com a espada, livrando-se de cada apelo por ajuda que ouvia.
Os tentáculos ainda puxavam e sacudiam o navio, não havia tempo para prestar atenção em outra coisa que não fosse os próprios pés firmes na madeira, água do mar entrava em enxurradas e lavava um pouco do sangue deixando o convém menos escorregadio, mas também ludibriava os homens que recebiam jatos salgados em seus rostos.
Os cabelos de Markus estavam encharcados, caiam por cima de seus olhos e pingavam em sua face. Ele não era um homem feio, mas o aspecto assassino e mal rodeava sua aura e ninguém veria beleza em seus traços.
— Maldição! – Ele esbravejou, suas pernas bambas buscando firmar para não cair. — Onde está? – Ao redor o caos parecia ainda maior, ele não encontrava Jane. — Onde você está? Maldita! Maldita! Lídia! – Procurando equilibrar-se dos movimentos desenfreados do navio Markus continuou procurando Jane, sem sucesso ele urrou esvaziando o ar de seus pulmões deixando todo ódio emergir de seu corpo.
Custou um tempo até que o animal na amurada não suportasse mais os golpes e desprendesse suas ventosas do navio, o movimento amenizou até diminuir e tornar-se estável sobre as ondas, muitos homens vomitaram compulsivamente uns em cima dos outros, o navio inteiro estava revirado. Levou alguns minutos para os homens conseguirem ficar de pé e desanuviar a mente. Os poucos piratas do Alma Negra ainda vivos tentavam resistir com as espadas nas mãos, mas já era tarde demais, tiveram suas gargantas e peitos perfurados por lâminas afiadas.
Com a pouca sanidade que havia sobrado Markus reuniu seus homens e mandou que vasculhassem o navio em busca de Jane ou de qualquer um que fosse do navio rival.
Quase uma hora havia passado quando um dos homens gritou Markus próximo a cabine do capitão.
— Senhor! – Ele dizia. — A porta da cabine não quer abrir, parece que algo está bloqueando por dentro.
Eles utilizaram de um dos mastros que haviam caído para formar uma espécie de aríete, os homens abraçaram a madeira e puseram suas forças contra a porta. O barulho era alto e com três golpes a porta da cabine cedeu, Markus adentrou arfando o cheiro do local, lambeu os lábios ressecados como se estivesse deliciando-se com o cheiro de uma refeição, a pistola em sua mão mirava a frente. Para sua decepção quem o encarava não era Jane, mas ainda assim ele sorriu satisfeito.
— Então é aqui que o ratinho estava escondido.
Markus reconheceu o sereia que havia prendido em suas fazendas, que havia levado à Ilha naquela noite e que fora a causa da rebeldia de Jane.
— Você está muito bem sereia, parece que tem comida boa por aqui. – A insinuação na voz de dele era evidente.
Lantis, utilizando de uma espada, impôs seu corpo para cima de Markus. Markus direcionou o calibre da pistola para o belo homem à sua frente e se Benjair não tivesse metido a mão em seu braço e desviado a bala da direção de Lantis o sereia teria um buraco no meio da testa.
— Você está maluco? – O velho homem gritava, seu rosto estava esverdeado. — Você acha que viemos até aqui para que?
Outros tantos piratas entraram na cabine, agora haviam também os homens de Benjair no meio deles. Segurando os braços e forçando seu corpo para baixo puseram Lantis ajoelhado perante Markus.
O Abutre estava em frangalhos, também havia sofrido com aqueles tentáculos e o sacolejar do navio fez a maioria levar um bom tempo para se recuperar, Benjair mais um bando de piratas subiu a bordo do Alma Negra assim que o sacudimento cessou, custou algum tempo para que o velho encontrasse Markus e por sorte – ele pensou, encontrou-o a tempo de repor o valor investido na Campanha.
— Onde ela está? – Markus gritou ao sereia que tinha os cabelos puxados fazendo seu rosto levantar para encarar o colérico homem a sua frente. — Onde está a maldita pirata?
Lantis pareceu confuso por uns instantes e logo depois aliviado, um sorriso desenhou-se em seus lábios e seu coração pode ficar mais calmo. Ele nada respondeu.
— Nós sabemos que você fala sereia maldito! - Markus forçou o calibre da pistola sobre os lábios de Lantis e de um corte escorreu sangue. — Abra essa boca e fale!
E como o sereia permanecia calado Markus tomou o lugar do homem que o segurava e puxou os cabelos dele fazendo seu corpo erguer para cima, aproximou seu rosto bem perto do dele e disse num tom baixo e ameaçador:
— Se você não falar agora mesmo eu corto primeiro a sua garganta e depois a desse velho nojento que adora se meter nos meus assuntos e acabo de uma só vez com dois dos meus problemas.
Lantis encarou os olhos frívolos que o odiavam e teve certeza que Markus estava sendo sincero.
Não era hora certa de morrer, ele precisava estar vivo para encontrar Jane.
— Eu não sei onde ela está. – Ele voltou a sorrir com o lábio já curado. — Ou você é tão burro que não percebeu que eu estava preso aqui dentro esse tempo todo?
Markus deu um murro no rosto de Lantis fazendo-o virar a cabeça para trás, não satisfeito esmurrou-o mais uma dúzia de vezes.
— Olha Markus, - Benjair dizia enquanto o sangue do sereia espirrava pelo chão de madeira. — Não sei qual o seu problema com essa mulher, mas é melhor você não desconfigurar o sereia demais, não queremos ser conhecidos pelo primeiro sereia deformado da história.
Markus não ouvia o que Benjair dizia, por cima de Lantis ele continuou a soca-lo descontando nele toda raiva que sentia, afinal Jane tê-lo enganado era culpa do sereia imundo que ele era. Ele só parou depois que as nódoas de seus dedos sangraram e a dor passou a lhe incomodar.
— Filho de uma puta! – Markus ajeitou os cabelos que grudavam em seu rosto pelo suor, cuspiu em Lantis e ordenou que dois dos seus homens jogassem-no na cela do navio.
Os dois o arrastaram pendurado pelos braços, Lantis estava irreconhecível com o rosto coberto de sangue, ele foi atirado sobre a cela, os homens mijaram por cima das feridas dele e saíram rindo as gargalhadas prometendo voltar mais tarde.
A noite seguiu com os piratas quebrando tudo no Alma Negra, eles gritavam e socavam tudo, o navio estaria irreconhecível se não fosse pela escultura do esqueleto da sereia de três cabeças, marca crucial do Alma Negra. Aliás, eles tentaram arrancar a carranca de lá, mas fossem por estar bêbados demais ou por qualquer outra coisa, ela permanecia no mesmo lugar.
A brisa da madrugada passava pelo navio que deslizava sobre a água, a maioria dos homens dormiam embriagados e os outros mantinham a mínima ordem no navio. Haviam dois em pé próximos a proa olhando para o mar, não estavam fazendo nada demais. O vento soprava quente e impulsionava as velas, até que começou a soprar frio e arrepiar a nuca dos dois, um sibilo baixo veio das ondas enquanto o navio parecia passar por cima de alguma coisa.
— O que foi isso? – Um deles perguntou ao outro que o olhava com as orbes arregaladas.
O outro abriu a boca para responder e um grito de mulher ecoou pelo navio fazendo ele calar a própria voz. A noite escura, o vento frio e o cheiro de sangue estavam em todo lugar. Eram três navios nas ordens de Markus incluindo o Fúria do Diabo, o quarto navio era o Alma Negra.
— Mas que porra é essa? – Outros homens subiram ao convés, as vozes e os gritos das mulheres estavam por todos os lados. A maioria tapava os ouvidos e faziam caretas direcionadas ao mar.
— Vejam! – Um dos piratas debruçado sobre a amurada do navio apontou algo nas águas por baixo do navio. — O que é essa merda?
A água do oceano a noite é escura, se houver o brilho da lua ou a luz de alguma lamparina é possível vislumbrar o movimento das águas, algum cardume de águas vivas ou pequenos peixes luminescentes que beliscam o casco em busca de alimento.
Uma das figuras na água pôs um pouco da cabeça para fora. Olhos pequenos completamente negros como dois buracos no meio do rosto, não havia nariz, mas duas pequenas cavidades por onde saia um pouco de água. A boca estava fechada como se fosse desenhada por um lápis fino e era levemente avantajada para frente. O formato do rosto era como o de um ser humano, não havia cabelos, mas uma barbatana ia de fora a fora em seu dorso. Mas o que se destacava era as nuances da pele, como um vidro furta-cor sobre o leito do mar a figura cintilava olhando para os homens recostados no navio, sem desviar a atenção, o corpo dentro da água movia-se como ondas, ondulando um tanto para frente, devagar, seus braços longos, seu torso liso, e uma cauda pontuda com um espinho na ponta. Era como se uma enguia houvesse devorado uma pessoa tornando-se uma.
— Misericórdia! – Um deles tapou a boca depois de dizer. — São...são...
Antes dele terminar sua constatação o ser na água abriu a boca elevando o pescoço para fora, o pescoço era mais comprido que de uma pessoa adulta e seus lábios eram curtos deixando dentes afiados bem a mostra.
— Tapem os ouvidos!
Foi um pouco tarde para alguns.
O grito ecoou pelo navio, como se uma mulher desesperada gritasse após acordar de um pesadelo. Outro ser ao lado dela fez o mesmo, e mais um e mais outro, como espelhos na água elas copiavam umas às outras e o navio ficou cercado pelos gritos ensurdecedores na penumbra da noite. O som causado por aquele coletivo de vozes provocava as mesmas sensações de um afogamento: falta de ar, ardência nos pulmões, impotência, desespero, medo e pânico.
Lantis, ao contrários dos Homens não tapou os ouvidos, mas arregalou os olhos e sentiu um arrepio percorrer a espinha.
Alguns dos homens jogaram-se ao chão enquanto outros sangravam pelos olhos e ouvidos.
— Maldição! – Markus gritou com o sangue escorrendo até sua boca. A ardência latejando em seus globos oculares. — O que está acontecendo aqui?
Ele ouviu um dos seus gritar a causa e logo mandou que os navios abrissem as velas e fossem embora dali. Aquelas criaturas não atacavam sem motivo e pela quantidade que vinha até a superfície só podia significar uma coisa.
— Seus imbecis! – Ele praguejou. — Estamos em cima de um ninho delas, saiam logo daqui!
À medida que os que restaram sãos tomavam seus postos e punham o navio mais longe daquelas águas, o coro cessava o seu canto de horror. Isso não era comum, mas não se podia dizer que nunca havia acontecido, sorte ou azar, Markus sabia bem o que elas eram e a distância que devia tomar dos seres que viviam nos abismos do mar.
O mar depois de Azah escondia ainda muitas surpresas: imensas criaturas esperavam o momento certo para visitar a superfície, cardumes avançavam silenciosos mais perto das praias e predadores terríveis ansiavam por refeições que satisfizessem por completo sua fome.
Markus navegava por águas escuras há bastante tempo, mas desconhecia os segredos das profundezas do mar. Este seria o último encontro dele com aquelas que cantam as lamurias da alma, mas não o último delas com o Alma Negra e com o sereia que aguardava o desenrolar de seu destino preso por correntes de ferro e acorrentado pelo sentimento de preocupação com a capitã do navio que se perdera.
Nota: É importante dizer aqui que a palavra DIABO esta sendo usada com o sentido de:
RELIGIÃOsegundo a crença de diferentes povos antigos e modernos, espírito ou gênio do mal.
Beijos!!
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